sexta-feira, janeiro 10, 2014

ENTREVISTA: Carlos Metidieri, o rei que Pelé substituiu no trono da velha NASL


Carlos Metidieri
Quando abordamos a história do soccer dos Estados Unidos da América (EUA) é impiedoso dedicarmos longas linhas à primeira versão, digamos assim, da North American Soccer League, popularmente conhecida como NASL. Foi digamos que a era de maior glamour, de maior mediatismo de uma modalidade que num passado não muito distante era olhada com alguma desconfiança numa nação que estranhamente teimava - e de certa forma ainda hoje oferece alguma resistência - em aceitá-la como o verdadeiro desporto rei. Foi graças a este mediático campeonato que entre 1968 e 1984 - os anos em que a primeira versão da NASL viveu - os EUA vivenciaram a febre do soccer, muito por culpa das mega estrelas do futebol planetário que para lá foram dar uns pontapés na bola na fase terminal das suas carreiras.
Edificou-se o belo jogo em estádios gigantescos - ainda uma raridade na Europa daquele tempo - que rapidamente esgotavam as suas lotações para ver em ação as lendas da bola, casos Johan Cruyff, George Best, Eusébio, António Simões, Carlos Alberto, Rivelino, Giorgio Chinaglia, Teófilo Cubillas, Gordon Banks, Gerd Muller, Franz Beckenbauer, Bobby Moore, Johan Neeskens, Ruud Krol, e claro, Pelé. A extensa cobertura televisiva, a publicidade, o popular show biz norte-americano, tudo junto ajudou a que a NASL da década de 70 - sobretudo - fosse a competição de clubes mais mediática - e extravagante - do planeta... sem dúvida. A febre do soccer de grande parte dos anos 70 levou estrelas internacionais da música e do cinema a perder a cabeça e investir fortunas na fundação e/ou aquisição de clubes, equipando estes seus novos brinquedos com algumas das lendas que atrás citamos.  
Hoje, o Museu Virtual do Futebol recebe com vincada honra uma das primeiras lendas da popular competição norte-americana, o homem que ocupou o trono de rei da NASL antes de... Pelé o reclamar para si. Essa figura é Carlos Metidieri, um artista brasileiro, um predador avançado que foi imortalizado nos relvados - na sua maioria sintéticos - do soccer da América do Norte como Topolino. Encontrámo-lo nos caminhos virtuais do autêntico bairro virtual que é hoje em dia a rede social facebook, convidámo-lo a visitar o museu, aceitou, e connosco partilhou memórias que fazem hoje dele um ícone da extinta e saudosa NASL. Numa longa, descomprimida, deveras agradável, e sobretudo divertida conversa Il Topolino recorda outras lendas com quem o privilégio de jogar - e de privar -, os momentos dourados - e divertidos - do seu trajeto no soccer, entre outras inúmeras lembranças. Il Topolino tem a palavra...

Museu Virtual do Futebol (MVF): Como todas as histórias também a sua tem um início. O ponto de partida é Votorantim, cidade (do interior) do estado de São Paulo onde a 18 de dezembro de 1942 nasceu José Carlos Metidieri. Como foram os primeiros passos do lendário Topolino no mundo do futebol?
Carlos Metidieri (CM): Comecei a jogar nos escalões de formação do Palmeiras, o time do qual era adepto desde criança, em 1958. Mais tarde passei para o Esporte Clube São Bento, que jogava na Divisão Especial, hoje 3ª Divisão, e foi lá que fiz a estreia no futebol sénior.

MVF: Nessa época o futebol paulista era abrilhantado por um tal de Pelé...
CM: Sim, e joguei contra ele várias vezes. Pelo São Bento cheguei a vencer o Santos dele. Aliás, eu era um fã de todo aquele famoso time do Santos. Mas convém dizer também que o São Bento era um dos grandes times do futebol paulista daquele tempo.

MVF: Depois do São Bento seguiu-se?
CM: Itália, mas não tive muita sorte lá. Fui em 1963, e recordo que no mesmo avião em que eu viajava iam o Jair da Costa (que mais tarde seria bi-campeão europeu pelo Inter de Milão, em 1964 e 1965) e o famoso massagista da seleção brasileira Mário Américo, um cara muito bacana e amigo, que na altura acompanhava o Jair. Mas como dizia, cheguei em Itália e não tive muita sorte. No Napoli, o meu destino inicial, estive somente seis meses, e depois fui para o Como, mas lá também tive pouca sorte.

MVF: O que faltou para dar de caras com a sorte?
CM: Era muito novo na altura, além de que naquela época era muito difícil jogar numa equipa italiana devido à restrição do número de atletas estrangeiros. Não é como agora, que o mercado é livre, e uma equipa pode até jogar só com jogadores estrangeiros. Naquele tempo só eram permitidos dois estrangeiros e um oriundi (atleta descendente de italianos) por equipa...

MVF: ... O Carlos era oriundi...
CM: Sim, sou descendente de italianos, os meus avós paternos eram da Calabria. Mas como dizia, além dessa restrição a jogadores estrangeiros, e de ter ido para Itália cedo demais, tive a infelicidade de partir um braço. A recuperação foi muito longa, e como o campeonato italiano estava já em andamento tive de escolher outro caminho para continuar a minha carreira. E foi ai que surgiu a hipótese de ir para o Canadá.

MVF: Canadá? Porquê? À primeira vista parece tratar-se de um país onde o futebol não tem grande expressão...
CM: Não é bem assim. Na altura eu tive de decidir entre França e Canadá, os países de onde recebi propostas. Optei pelo Canadá. Era um moleque (de 20 anos), não tinha experiência, nem empresário, e o que me fascinou foi o facto de na liga canadense jogarem na época diversas lendas do futebol mundial, casos do Kubala, ou de Sir Stanley Matthews. Isso atraiu-me. A liga do Canadá tinha bons jogadores, oriundos do Brasil, Argentina, etc. Era um campeonato muito forte, desconhecido, mas muito bom.

MVF: Não fazia ideia...
CM: É, as equipas europeias quando lá iam fazer digressões levavam pau, inclusive o grande Benfica de Eusébio e companhia, da primeira metade da década de 60, bi-campeões da Europa, foi lá e perdeu connosco...

MVF: Quando diz connosco fala do Toronto Italia, a equipa que o contratou, certo?
CM: Certo, passei lá três anos maravilhosos, entre 63 e 66. Fui campeão nacional pelo Toronto Italia, além de ter sido (por mais do que uma vez) o melhor marcador e o jogador mais valioso do campeonato. Mas como estava a dizer as equipas da Europa iam lá em digressão e perdiam. Foi assim com o Benfica, em 1963, ou 1964, não me recordo bem, mas lembro a propósito que após uma vitória da minha equipa sobre esse grande time benfiquista os jornais do dia seguinte titulavam o seguinte: "Viemos ver Eusébio, mas vimos Metidieri". (risos)

MVF: O Carlos eclipsou o Pantera Negra...
CM: ...Toda a gente queria ver o grande Eusébo, mas eu acabei por fazer uma exibição fantástica nesse jogo. Lembro também que outra vez fiz três golos ao Varzim, que também lá foi derrotado.

MVF: O Canadá pode, portanto, ser olhado como o passaporte para a grande carreira que viria a desenvolver nos anos seguintes?
CM: Foi uma ótima experiência. Deixei lá grandes amigos. Foram tempos memoráveis, inclusive assisti lá a um concerto dos Beatles na primeira digressão que eles fizeram à América do Norte. (risos) Lembro-me que competia durante seis meses lá e os outros seis estava ao Brasil, onde jogava pelo São Bento, um clube que era propriedade da minha família...

MVF: ... eram os Abramovich do São Bento (risos)
CM: (risos) A minha família sempre esteve ligada ao futebol. O meu tio, Alfredo Metidieri, era o presidente da Federação Paulista de Futebol, e o meu primo Gilson Metidieri, que foi um grande jogador, também jogou comigo nos EUA. Como a temporada de futebol no Canadá só durava seis meses eu voltava sempre ao Brasil para jogar pelo São Bento, que aliás tinha um timão nessa época, com jogadores como Marinho Peres (que foi internacional pela seleção do Brasil e jogou no Barcelona, tendo mais tarde treinado inúmeras equipas do futebol português), o Paraná, ou o Cabralzinho.

MVF: O sucesso que alcançou no Canadá não lhe reabriu as portas do futebol europeu?
CM: Esteve quase. Recebi propostas de muitas equipas, não só da Europa como de outros pontos do globo. Da Argentina o Independiente (na época campeão da Copa Libertadores) tentou contratar-me para jogar a final da Taça Intercontinental (que naqueles anos era jogada a duas mãos, uma na América do Sul, outra na Europa) com o Inter de Milão. Da Europa também recebi algumas propostas para regressar, e recordo que o Celtic de Glasgow foi um dos clubes que tentou esse regresso. Da Austrália também chegou um convite.

MVF: Mas o que é certo é que continuou pela América do Norte. Porque não regressou ao Velho Continente, por exemplo?
CM: Sobretudo por não ter um empresário que me representasse. Mas também porque no Canadá, e como já disse, a temporada só durava seis meses, pelos que os outros seis eu voltava para casa, para o Brasil, e dava para matar saudades da família. E como eu tinha saudades da família...

Os Boston Rovers
(camisola listada) em ação

MVF: O próximo passo na carreira acabou por ser curto, já que só teve de atravessar a fronteira para os EUA...
CM: É, nessa altura (por volta de 1967) estava no Brasil, pois o Toronto Italia decidiu nesse ano não jogar. O telefone tocou, e do outro lado estava alguém a fazer-me o convite para ir para Boston. Foi precisamente na altura em que NASL estava prestes a começar. Recordo que na época a equipa que representava a cidade de Boston era o Shamrock Rovers, da Irlanda, dai o time pelo qual assinei se chamar Boston Rovers.

MVF: Era o que se chama agora de um clube satélite...
CM: Sim, mais ao menos. Passei um bom tempo com os irlandeses. Como eles bebiam!!! (risos)

MVF: Como bons irlandeses uma boa dose de cerveja Guinness não devia faltar na hora de festejar as vitórias, certo?
CM: Eles bebiam de tudo. Lembro-me que quando íamos jogar a outras cidades o autocarro da equipa parava e todos saíam para comprar bebidas - alcoólicas, claro. Depois, antes dos jogos, misturavámos tudo na banheira do treinador, no balneário, púnhamos gelo lá dentro, e saltávamos todos para o interior da banheira. Depois, íamos para o campo, jogar (risos). Após o jogo, no regresso ao hotel, vínhamos todos a cantar no autocarro. Eu só cantava a La Bamba (música celebrizada por Ritchie Valens). (risos)

MVF: Que grande época deve ter sido essa (risos). 
CM: Aquela equipa estava sempre em festa.

MVF: Perdessem ou ganhassem?
CM: Perdêssemos ou ganhássemos.

MVF: Em 1968 dá-se então o início da NASL, a primeira edição da célebre competição. Nesse ano o Carlos atravessa os EUA, foi de costa a costa, como se costuma dizer, aterrando em Los Angeles (LA), onde teve a sua primeira grande explosão no soccer norte-americano, a julgar pelos (muitos) golos que marcou e que o tornaram no goleador da equipa nesse ano. 
CM: Sim, estive lá um ano ao serviço dos Los Angeles Wolves. Recordo-me que o treinador era o Ray Wood, um dos sobreviventes do desastre de avião que em 1958 vitimou grande parte da equipa do Manchester United. A equipa tinha grandes jogadores, como o meu primo Gilson, o argentino Jorge Piotti, ou o peruano Jorge Benitez.

MVF: Viver em L.A., conhecida mundialmente como a cidade dos anjos... e dos demónios (risos), deve tê-lo marcado. Viver tão próximo das estrelas de Hollywood, dos mitos da música, como The Doors, por exemplo...
CM: Lorne Greene, um dos protagonistas da série Bonanza, era o dono do clube. Andava sempre com cada mulher!!! oh oh (risos). Ele era ainda o proprietário dos Lakers, e dos Kings, respetivamente equipas de basquetebol e de hóquei no gelo. Mas, nós, jogadores, éramos calmos, não entrávamos naquele mundo louco de L.A.

MVF: Nada de divas de Hollywood, portanto?
CM: Isso era mais para o Lorne Greene, que trazia cada gata para as festas! (risos). Ele adorava festas. Nós, gostávamos de curtir uma praia, tomar uns chopes com estrelas de outras áreas, como por exemplo o Johnny Mathis (popular cantor norte-americano).

MVF: Tinham aquilo o que se chama de uma vida hollywoodesca.
CM: Sim, de certa forma.

MVF: E o futebol, como era a relação entre aquela espampanante cidade multicultural e uma modalidade de certo modo estranha (na altura) para aquele país?
CM: Los Angeles tinha uma grande comunidade de imigrantes, sobretudo mexicanos, comunidade essa que apreciava bastante o futebol. Os norte-americanos, propriamente ditos, ligavam pouco ao soccer, ao contrário do que acontece agora. Lembro-me que os jogos dos Wolves eram disputados no Rose Bowl, de Pasadena, um estádio que tinha capacidade para 100 000 pessoas, mas quando lá jogávamos não havia mais de 10 000 ou 15 000 espetadores a assistir. O estádio parecia vazio. Coincidência ou não os Los Angeles Wolves acabariam nesse ano de 68.
A equipa dos Rochester Lancers que em 1970 conquistou o título de campeão da NASL.
Metidieri é o jogador que na fila de baixo segura a bola e enverga a camisola número 11
MVF: Como tal, a permanência em L.A. foi, à semelhança de Boston, curta. Depois da aventura californiana seguiram-se quiçá os seus anos dourados no mundo da NASL, uma competição que começava a atrair os olhares do showbiz norte-americano. 
CM: Depois de L.A. regressei ao Brasil, onde algum tempo mais tarde o telefone voltou a tocar, e mais uma vez alguém do outro lado convidou-me para voltar aos States. Desta vez para Rochester, onde de facto fui muito feliz durante os quatro anos que lá passei envergando a camisola dos Lancers. Passei, aliás, grande parte da minha vida naquela cidade, mesmo depois de ter encerrado a minha carreira de futebolista. Ali casei-me, ali nasceram os meus filhos, ali tive negócios. Ainda hoje, gosto de voltar a Rochester sempre que posso. Sou bem recebido...

MVF: ...Como um verdadeiro ídolo?
CM: Sim, é verdade, tratam-se com carinho, o que para mim é um orgulho.

MVF: Bem diferente de L.A., onde o soccer, na altura, não pegou de imediato de estaca.
CM: Sim. Ao contrário de Los Angeles, Rochester era uma cidade pequena (pertence ao Estado de Nova Iorque), que tinha nos Lancers o seu único time profissional. Viviam lá muitos imigrantes, que gostavam de futebol, e como tal tínhamos muito apoio nos jogos que disputávamos em casa.

A lendária camisola número 11
dos Rochester Lancers, eternizada
por Carlos Metidieri
MVF: Uma cidade que de facto lhe diz muito, onde chegou, viu, e venceu, já que no seu primeiro ano (1970) ao serviço dos Rochester Lancers foi campeão da NASL.
CM: É verdade, tínhamos uma boa equipa, com muitos brasileiros, uruguaios, africanos, mexicanos, europeus (italianos, ingleses, escoceses), mas sobretudo éramos um grupo de bons amigos. Combinávamos bem uns com os outros, mas também vencemos aquela liga porque grande parte das outras equipas faziam a estreia na NASL, não tinham muito experiência numa competição que então dava os primeiros passos. Mas mesmo assim recordo-me de um ou outro grande time daquele ano, como por exemplo os Washington Darts (que os Lancers derrotaram na final do campeonato).

MVF: Foi aliás em Rochester que o Carlos Metidieri estabeleceu um recorde no futebol norte-americano que ainda hoje perdura, ao conquistar em dois anos seguidos (1970 e 1971) o título de MVP (Most Valuable Player) da liga, que traduzindo para português significa dizer que foi o melhor jogador do campeonato. Um feito que nenhum outro jogador que passou pela famosa NASL da década de 70 alcançou, nem mesmo Pelé, que ali chegou em 1975. 
CM: Sim, esse recorde ninguém me tira (risos). Em 71 fui o MVP e o melhor marcador da liga em simultâneo. São boas lembranças, acima de tudo. Ainda hoje aquele título de campeões da NASL é lembrado na cidade como o mais importante no plano desportivo.

MVF: Quando o seu nome é invocado em Rochester outro episódio que salta de imediato à memória dos que o viram jogar pelos Lancers foi um célebre golo apontado aos Dallas Tornado aos 176 minutos de jogo!!!
CM: É verdade. Foi em 1971, no primeiro jogo das meias-finais da NASL, contra os Dallas Tornado, como disse. Foi marcado ao minuto quinze do sexto prolongamento (!), aos 176 minutos, portanto. Um jogo que ficou para a história da NASL como o mais longo da competição. O encontro só terminaria quando uma das equipas maracasse o golo da vitória (no final dos 90  minutos o resultado era de 1-1). Lembro-me que começámos a jogar às 20H00 e terminámos às 23H55!

MVF: Quase quatro horas seguidas de futebol!! Que loucura!!!
CM: É, cheguei ao final e cai de joelhos, mas consegui chegar ao fim.

Topolino com outro lendário rato: Mickey Mouse
MVF: 78 jogos disputados, 40 golos apontados, e um título nacional conquistado. Este é o registo que faz do Topolino uma lenda viva de Rochester. A propósito, e não podia deixar de lhe fazer esta pergunta, foi nesses anos dourados de Rochester que nasceu o peculiar nickname (alcunha) de Topolino? E já agora explique-nos porquê Topolino?
CM: Não, a alcunha de Topolino foi-me dada quando jogava em Toronto, pelos torcedores italianos que lá viviam e apoiavam o Toronto Italia. Topolino significa pequeno rato em italiano, e assim era chamado não só por eu ser de estatura baixa mas sobretudo porque era muito rápido com a bola nos pés. Ainda em termos de características pessoais fiquei igualmente conhecido por ter um bom drible, e um forte poder de remate.

MVF: E assim nascia a lenda do Topolino. Rochester não foi porém o seu derradeiro capítulo na NASL. Regressou a Boston em 1974, para ai atuar dois anos pela equipa dos Minutemen, a mesma onde pouco mais tarde jogariam algumas estrelas portuguesas de então, casos de António Simões, ou de Eusébio. O nome do Pantera Negra não podia deixar de estar presente nesta pequena conversa entre o Museu Virtual do Futebol e o Topolino. Sobretudo hoje, pouco tempo depois de ele deixado o mundo terrestre, e de o planeta da bola ainda chorar a sua morte. Fale-nos de Eusébio...
CM: Não chegámos a jogar juntos na NASL. Fizemo-lo sim na Major Indoor Soccer League (futebol indoor, modalidade tão pouplar nos EUA) ao serviço dos Buffalo Sttalions, onde ainda estive uns dois anos (1979 e 1980). Foi um prazer jogar ao lado de Eusébio. Lembro-me que ele gostava muito de jogar poker, e muitas noites lá ia eu jogar uma partidinha com ele. Adorava uma cervejinha, e recordo-me que nessa época o meu irmão Paulo tinha uma pizzaria em Rochester, e em várias ocasiões ia de propósito a Buffalo levar-nos umas pizzas para acompanhar o poker e a cervejinha (risos). O Eusébio era um cara muito sincero e amigo, era capaz de tirar a camisa do corpo para ta dar. Tal como o Garrincha, com quem também joguei indoor soccer, também ele era uma pessoa humilde. Que Deus o tenha em bom lugar.

MVF: Como já dissemos, em 1975 Pelé chega aos EUA, contratado pelo Cosmos de Nova Iorque, e a euforia em torno do soccer subiu de tom. Parecia que o país tinha finalmente descoberto uma modalidade que no resto do Mundo era já de há longas décadas àqueles dias o chamado desporto rei. De repente o futebol tornou-se quase no desporto mais popular da América, e depois de Pelé outras lendas (algumas delas já mencionadas na entrada desta entrevista) rumaram aos States. Pode dizer-se que Pelé apagou a forma quase desprezível como os nativos americanos olhavam para o soccer?
CM: É certo que a chegada dele à América atraiu mais gente aos estádios para ver futebol. Pelé acrescentou de certa forma valor à NASL, abrindo portas para que outros craques da época do futebol internacional viessem para os States. Jogadores como Beckenbauer, Carlos Alberto, ou Chinaglia eram grandes atrações para o público que passou a lotar os estádios. Eles, e muitos outros grandes jogadores que entretanto iam chegando aos EUA, deram um forte contributo para que o futebol crescesse neste país. Formaram-se outras ligas, a modalidade desenvolveu-se nas escolas, e as crianças do país começaram a pratica-la, sendo aliás que muitas delas tornar-se-iam anos mais tarde jogadores profissionais que atuaram, ou ainda atuam, na Europa, por exemplo.

O rápido Topolino
com a camisola dos Boston Minutemen

MVF: Nessa segunda metade da década de 70 o futebol estado-unidense viveu a fase de maior glamour da sua história. Estrelas do mundo do cinema e da música investiam fortunas em equipas, na contratação de algumas lendas do futebol mundial. Os jogadores eram tratados como verdadeiros deuses. Viajavam em limousines nas grandes cidades; eram convidados para festas juntamente com lendas do rock n'roll, de Hollywood, ou da política; eram frequentemente capas nas mais importantes revistas e jornais dos EUA. Em suma, aquela foi a era da febre do soccer. Pelé, como já foi dito, deu um forte contributo para que a doença do futebol contaminasse a nação americana, mas o Carlos, e hoje pode afirmar-se isso com certeza ao olhar para o seu trajeto na NASL, foi um dos grandes responsáveis pelo aparecimento dessa tal febre do soccer, digamos que os seus golos, as suas jogadas, os seus prémios, foram as bases daquilo o que Pelé mais tarde viria a construir. 
CM: A minha fase na NASL foi um pouco mais calma do que a era do Pelé e de outros jogadores que já mencionei. O mediatismo do futebol do meu tempo era um pouco menor. Mas ainda assim digamos que eu e outros jogadores da minha época abrimos os caminhos para aquilo o que o futebol nos EUA é hoje. Abrimos os caminhos para que hoje encham os bolsos de dinheiro. (risos) Eu ajudei a plantar as sementes, e agora colhem os frutos na Major League Soccer (a mais importante competição profissional da atualidade no soccer dos States).

MVF: Ainda hoje, muita gente - sobretudo na Europa - tem a ideia de que aquela NASL era somente um campeonato que juntava muitas estrelas internacionais em idade de reforma, e que de futebol (bem jogado) pouco ou nada se via. Concorda?
CM: Não. Havia equipas muito fortes, que jogavam muito. Como disse no início, as equipas europeias faziam muitas digressões pela América do Norte, isto é, Canadá e EUA, e quando lá chegavam perdiam com as nossas equipas. Eu venci algumas equipas da Europa tanto no Canadá como nos States. A NASL era uma liga que se formava muito rápido e terminava cedo, onde os jogadores que ali chegavam tinham pouco tempo para se adpatar. A maior parte dos times eram formados por jogadores estrangeiros, mas aos poucos os jogadores de origem norte-americana iam-se infiltrando e jogando nessas equipas. Como já referi a NASL contribuiu muito para que o futebol nos EUA crescesse.

MVF: Ainda na atualidade o futebol norte-americano é olhado com alguma desconfiança por parte dos europeus, pois a ideia que vamos tendo é de os norte-americanos não vão muito à bola com... o futebol.
CM: Não, hoje em dia já não é assim. Eles aprenderam aos poucos a gostar do nosso futebol, a pratica-lo, como eu disse antes, a saber interpreta-lo, e a prova é que nos dias de hoje a seleção nacional é uma presença assídua nas Copas do Mundo. Eles vão estar na copa do Brasil este ano. Hoje, os estádios de soccer nos EUA estão sempre cheios, o que antes não acontecia, com exceção aos tempos do Pelé na NASL. A nova geração está a crescer com o gosto pelo soccer no sangue.

MVF: Como todas as febres também a febre da mediática NASL de Pelé e companhia - quiçá o campeonato nacional mais cintilante da história da modalidade a nível planetário (!), pois hoje em dia nem em Espanha, nem em Inglaterra, nem na Alemanha, ou em Itália vemos jogar juntos um leque de estrelas de gabarito internacional tão vasto como o da velha NASL - chegou ao fim. Na entrada para a década de 80 o campeonato foi perdendo fulgor e sobretudo entusiasmo por parte do público. Aos poucos os multimilionários que investiram fortunas em equipas e jogadores mediáticos foram desaparecendo do cenário da competição, a qual iria conhecer a sua derradeira edição em 1984. O que matou a NASL?
CM: Começou a pagar-se muito dinheiro pelo que valia pouco! Creio que a entrada de empresários para a venda e compra de jogadores também foi prejudicial para a continuidade da liga. Digamos que a NASL foi um sonho curto, num dia acordámos e tudo tinha acabado.

Uma imagem constante ao longo
da sua carreira: receber prémios
MVF: Falou em Pelé, Carlos Alberto, Chinaglia, e Beckenbauer, quatro mega estrelas que co-habitaram o mesmo espaço naquela que hoje é comum denominar-se como uma equipa galática, o Cosmos de Nova Iorque, muito provavelmente a equipa mais popular - e consequentemente com mais adeptos - da história da NASL e do próprio futebol norte-americano. Como grande estrela do soccer  dos States nunca pensou voltar ao ativo e vestir a célebre camisola dos galáticos do Cosmos?  
CM: Não, eu já estava na fase final da minha carreira (jogava na Major Indoor Soccer League ainda), passava muito fora de casa, e já tinha os meus negócios em Rochester, além de que já estava na hora de ser pai (risos). Era altura de parar.

MVF: Agora, uma pergunta obrigatória a qualquer futebolista brasileiro que alcance o patamar do estrelato no plano internacional, tal e qual o Carlos alcançou. Vestir a mítica camisa amarelinha (da seleção brasileira) foi algo que lhe passou pela cabeça naqueles dias de glória?
CM: Passou, claro, mas vestir a amarelinha era difícil, especialmente porque eu jogava nos States. Acabei no entanto por jogar pela seleção nacional dos EUA. Estava a passar por uma boa fase a nível pessoal e a federação convidou-me a representar o país em alguns jogos particulares numa digressão que a seleção estado-unidense fez à Bermuda e à Polónia em 1973. Naturalizei-me, e aceitei o convite. Recordo-me que essa seleção era quase toda formada por atletas estrangeiros naturalizados. No jogo que fizemos em Varsóvia, contra a seleção polaca, os adeptos locais chamaram-me de americanisk Muller (risos).

MVF: De facto, confere, não só pelas semelhanças físicas (Gerd Muller e Metidieri são ambos baixos e na época usavam cabelos longos) mas também pelas características idênticas enquanto futebolistas...
CM: Certo, mas eu era mais sexy (risos). 

MVF: (risos) Penduradas as chuteiras o Carlos ficou-se pelos States até hoje...
CM: Sim, como disse antes aqui casei, nasceram os meus quatro filhos, tive os meus negócios, e hoje digo até que sou mais americano do que brasileiro (risos). Gosto de estar aqui, os meus filhos estão cá, tenho aqui muitos amigos, por isso é natural que esteja por aqui. E já cá estou há quase 50 anos! Claro que sempre que posso vou até ao Brasil, visitar a família que ainda vive lá, mas a minha casa é aqui.

MVF: Falou em negócios, algum deles teve a ver com futebol?
CM: Não, depois de terminar a carreira desliguei-me por completo do futebol como interveniente. Ainda treinei durante dois anos equipas de colégios, mas após essa experiência afastei-me por compelto. O facto de ter sido um bom jogador não significa que tivesse sido um bom treinador, entende? Nem sempre os bons jogadores se tornam bons técnicos. Depois do futebol tive muitas pizzarias em Rochester, onde vivi grande parte da minha vida, até a minha esposa ter sido transferida - via profissional - para Gilbert (Arizona), onde vivo atualmente. Hoje, estou reformado, e ocupo o meu tempo livre entre o voluntariado na American Legion, onde dou uma ajuda na cozinha, e o futebol enquanto espetador.

MVF: Continua a acompanhar o jogo que tanta glória lhe trouxe, portanto?
CM: Sim, vejo jogos de vários campeonatos nacionais da Europa e da América do Sul.

MVF: São poucas as semelhanças do futebol de hoje e do seu tempo. O jogo evoluiu em vários aspetos...
CM: Correto, antigamente acho que era mais difícil ser jogador. No passado o futebol era mais duro, e eu que o diga, já que ao longo da minha carreira encontrei vários defesas que primavam pelo excesso de dureza, casos do Willie Evans, um ganês que jogava em Miami, e que um dia me deu uma pancada e como consequência tive de levar quatro pontos na cara, ou do uruguaio Roberto Lonardo, outro assassino que tive de enfrentar (risos). Hoje, joga-se de uma forma mais limpa, e bonita.

MVF: Qual o jogador que no futebol de hoje se assemelha mais ao Topolino?
CM: Talvez o Neymar, embora eu fosse um pouco mais rápido do que ele. Mas ele ainda é novo, pode evoluir muito mais, pode chegar ao topo, embora para já a luta por esse topo se resuma ao Messi e ao Cristiano Ronaldo.

MVF: Ainda voltando ao seu tempo de atleta, que outros craques ainda vagueiam pela sua memória?
CM: Alguns com que tive o prazer de jogar ao lado e contra. Recordo especialmente o argentino Piotti, que chegou a jogar na Juventus de Itália, o português Simões, ou o Kubala. E claro, o meu primo Gilson (Metidieri), um baixinho que era um inferno para os defesas! Ele foi dos melhores que eu vi jogar. E era ainda mais baixo do que eu (risos).

Metidieri parece estar a passar "coroa de rei" da NASL
ao seu compatriota Pelé
MVF: E Pelé, impossível terminar esta conversa não sem antes falar do Rei Pelé...
CM: Já disse antes que denfrontei o Pelé quando jogava no Brasil, pelo São Bento.
Venci-o algumas vezes, e perdi outras. Nos EUA também joguei contra ele, quando o Santos aqui vinha em digressão, pois quando ele foi para a NASL eu já tinha deixado a liga.
Tive o prazer de conviver com ele algumas vezes, e posso dizer que era uma pessoa humilde. Lembro-me também que era muito mulherengo (risos), foi o único cara que conheci que numa noite dormia com uma mulher e no dia seguinte ia para o campo e fazia três golos (risos).

MVF: O doping do Pelé era o sexo antes dos jogos, portanto...
CM: Sim, nesse aspeto ele era um dopado (risos). Uma vez estava com ele em Nova Iorque, e antes de um jogo conhecemos duas miúdas, e o resto, bom... (risos)

MVF: Ok, já percebi, tiveram um bom estágio antes do jogo, mas em relação... ao futebol em concreto. Já mencionou alguns jogadores por quem nutre admiração, outros que fizeram da sua vida um inferno dentro dos retângulos de jogo, casos dos defesas assassinos que defrontou. E treinadores, houve algum que o tivesse marcado?
CM: Alguns também. Ray Wood (Los Angeles Wolves), Wilson Capão (São Bento), Rubens Minelli (Palmeiras), e claro Sal de Rosa (Rochester Lancers), último técnico este com quem fui campeão da NASL. Ele era italiano, e era muito amigo dos jogadores. Nós dávamos tudo em campo por ele.

MVF: Ser campeão da NASL foi o melhor momento da sua carreira?
CM: Não, o melhor momento foi talvez aquele golo que apontei aos 176 minutos da meia final da liga de 71 contra os Dallas Tornado, jogo sobre o qual já falei. Após ter marcado o golo recordo-me que saltei de alegria que nem um moleque pelo campo fora, e feliz pelo jogo ter terminado (risos). Depois, cai de joelhos, como já disse antes.

MVF: E a pior lembrança?
CM: Certa ocasião num jogo da liga de Over 30 (o equivalente a um campeonato de veteranos) em Rochester, quando o árbitro do encontro caiu morto a um metro de mim...

MVF: Morreu em campo?
CM: Sim, de ataque cardíaco. Aquela imagem marcou-me.

Topolino na atualidade
MVF: E já agora, os jogos da sua vida...
CM: O tal jogo contra o Benfica de Eusébio, no princípio da década de 60, onde eu fiz uma grande exibição, um outro encontro contra a Universidade do Chile, em que eu marquei quatro golos, e o jogo que fiz pela seleção dos EUA na Polónia, onde a torcida local colocou-me o nickname de americanisk Muller.

MVF: Para terminar esta visita ao Museu Virtual Futebol. Topolino, o que significou, ou significa, para si o futebol? 
CM: Tudo. Conheci o Mundo, muitas pessoas de várias partes desse Mundo, aprendi línguas, e fiz muitas amizades que ainda hoje perduram. Inclusive, você, que conheci por intermédio do futebol (risos).

MVF: Obrigado, o prazer foi todo nosso. Abraço Topolino.
CM: Abraço. Até um dia destes.

4 comentários:

Erasmo Muniz disse...

Eu conheci O josé Carlos Metidieri em 1960,jogando no futebol amador em Votoramtim pelo metidieri Fc,time da familia dele,eu era moleque nessa época e acompanhava bastante o futebol.

Erasmo Muniz disse...

O São Bento nunca foi da familia dele,Porém o seu tio foi presidente uma época. é só pesquisar.

Miguel Barros disse...

Caro Erasmo Muniz

Quando eu realizo uma entrevista eu considero credíveis as informações que o entrevistado me presta.

Ou seja, se o Carlos Metidieri me disse que o São Bento era dirigido, ou pertencia, como preferir, pela família dele, porque razão eu haveria de duvidar?

Cumprimentos

Marlene Massarico disse...

Conheci o José Carlos quando fizemos o 3º ano primário, em Aluminio.Vi-o jogar no AAA, aos 16 anos mais ou menos e já era um craque.Depois de tanto tempo,é muito bom saber que sua vida é um sucesso em todos os sentidos e revê-lo nas fotos é uma grata surpresa. Felicidades Topolino.