segunda-feira, maio 07, 2012

Estrelas cintilantes (31)... Rashid Yekini

Não foram poucas as vezes que nestas vitrinas virtuais lamentei o facto de não ter tido o privilégio de ver atuar alguns dos maiores génios da "juventude" deste desporto que desperta em nós a chama da paixão eterna. Invejo, sim invejo, aqueles que tiveram o prazer de ver de perto lendas como José Leandro Andrade, Isabelino Gradín, Pepe (José Manuel Soares), Peyroteo, Billy Gonsalves, Zamora, Sindelar, entre muitos, muitos outros génios a quem o futebol de hoje deve muito do seu ser. Porém, considero-me um homem feliz quando olho para um passado não muito longínquo e constato que também tive o prazer - e a sorte - de ver artistas da bola que sei que no "amanhã" vão fazer despoletar nas gerações futuras o mesmo sentimento que eu hoje carrego por não guardar na minha memória traços da genialidade de alguns dos nomes que atrás referi. E hoje vou recordar,... não, vou antes fazer um agradecimento a uma figura que encheu de alegria algumas tardes de futebol da minha adolescência, Rashid Yekini.
Não foi um génio, longe disso, mas antes um fiel intérprete da magia do futebol africano, do futebol nascido nas tribos do vasto continente que ao longo da história deu ao Mundo inúmeros diamantes negros. Ele foi um desses raros diamantes, que reluziu em diversas tardes dos meus primeiros anos de fascínio pelo belo jogo. Com alguma emoção escrevo hoje estas linhas, um par de dias depois de ter, de forma inesperada - é sempre assim quando nos deparamos com uma notícia destas sobre alguém que conhecemos -, tomado conhecimento da sua morte. Yekini espalhou magia em quatro continentes diferentes, mas foi em Portugal onde, com toda a certeza, se sentiu mais feliz a fazer aquilo que tão bem sabia e tanto gostava: golos. Muitos golos, e eu, não me canso de dizê-lo, tive o privilégio de ver alguns deles, que hoje repousam nos arquivos da minha memória.
Falar de Rashid Yekini é começar por viajar até 1963, à cidade de Kaduna, na Nigéria, berço daquele a quem o um dia entusiastas do jogo haveriam de chamar de Deus Negro. Como tantas outras crianças africanas deixou-se enfeitiçar pelo belo jogo de pé descalço, na terra batida, conduzindo bolas de trapo ao mesmo tempo que trazia dentro de si o sonho de fazer daquele o seu modo de vida. Sonho que passo a passo foi sendo edificado.Os primeiros capítulos da sua história no futebol ocorreram no seu país natal, primeiro com as cores do emblema da sua cidade, o UNTL Kaduna, por alturas de 1981, e posteriormente o Shooting Stars, clube que representou entre 1982 e 1984. Foi com naturalidade que o talento de Rashid se espalhou pelos caminhos de África, pelo que em meados da década de 80 é contratado por um dos maiores clubes do continente, o Africa Sports, da Costa do Marfim. Como se fosse um leão indomável Yekini atacou as balizas contrárias vezes sem conta em busca da sua presa preferida, o golo.
Este "instinto animal" despertou a cobiça da Velha Europa, o palco predileto para os grandes artistas da bola, o qual iria receber o jovem Rashid nos inícios da década de 90. Palco esse que estava montado numa simpática e pitoresca localidade do sul de Portugal, Setúbal, a terra do irrequieto génio do poeta Bocage, e do grande Vitória, o eterno amor das gentes do Sado. Amor foi igualmente o sentimento que uniu desde o primeiro dia Rashid Yekini ao clube do Estádio do Bonfim, uma relação que viria a durar quatro anos (de 1990 a 1994), repletos de mágicos momentos que ainda hoje vivem na memória de quem o viu jogar. Matador implacável, Yekini vestiu a camisola do Vitória de Setúbal em mais e uma centena de ocasiões, com a qual marcou 90 golos (!), um feito que fez dele um dos jogadores mais emblemáticos da história do clube. O Deus Negro, como passou a ser conhecido nos caminhos do futebol português, foi mesmo o rei dos marcadores do principal campeonato luso em 1993/94, graças a 21 remates certeiros.
1994 foi aliás o ano grande da carreira de Yekini. Com as cores do seu país viajou até aos Estados Unidos da América para participar no Campeonato do Mundo desse ano. O Mundial que viria a dar o tetra ao Brasil, e que teve em Yekini uma das figuras centrais. Para a eternidade fica a imagem do "diamante negro" a entrar de mãos erguidas pela baliza da Bulgária dentro, agarrando as redes do desamparado Mihaylov e ali, com os olhos do Mundo colados a si, a agradecer aos seus Deuses a oferta que acabara de receber: ter sido o autor do primeiro golo da Nigéria em fases finais de um Mundial. Nigerianos que avançariam até aos oitavos de final, onde viriam a cair de pé diante da poderosa Itália de Roberto Baggio, sob os aplausos do planeta da bola. A magia espalhada pelos relvados dos States não passaria despercebida aos olhos de vários (outros) clubes europeus, tendo o poder do dinheiro falado mais alto na hora do Vitória de Setúbal se despedir da sua maior estrela no final desse memorável verão de 94. O Olimpo de Atenas é o destino mais do que merecido para um Deus, e Yekini, o Deus Negro, rumou nessa altura até à capital grega para defender as cores do Olympiakos. Não foi tão feliz como havia sido em Setúbal. Lesões impediram esta autêntica força da Natureza de mostrar ao povo grego o porquê de o Olympiakos ter pago uma fortuna para contratar os seus serviços. A aventura na no país dos Deuses só duraria uma temporada para o Deus Negro da Nigéria,  com um desolador registo de 2 golos em 4 jogos disputados. Mesmo assim na temporada de 95/96 os espanhóis do Sporting Gijón decidiram dar uma nova oportunidade ao temível goleador africano, a qual voltaria  não correr de feição ao futebolista, que em 14 encontros apenas fez balançar as redes em três ocasiões. Então, como que querendo encontrar-se a si próprio após uma viagem pelo deserto resolve voltar ao local onde havia vivido os dias mais felizes da sua vida, Setúbal. Porém, o azar continuava a persegui-lo, e no Bonfim não voltaria a mostrar o perfume do seu futebol, não conseguindo ir além de uma dúzia de jogos com a camisola do Vitória. Tentou em 1997 a Suíça, onde no FC Zurich conseguiu voltar a evidenciar algumas das características que fizeram dele um dos maiores artilheiros do início da década de 90. 14 golos em 28 jogos.o registo que Yekini deixou em terras hélveticas na temporada de 1997/98. Regressa a África em 98 para representar os tunisinos do Bizerte, Segue-se uma curta aventura pela Ásia, na Árabia Saudita ao serviço do Al-Shabab, para em 99 regressar ao seu continente e ao Africa Sports, clube onde fica até 2002, altura em que regressa ao seu país para representar o Julius Berger, e o Gateway, o emblema onde em 2005 colocou um ponto final na sua carreira.
De lá para cá como que o Mundo se esqueceu dele, dos seus memoráveis golos, da sua contagiante alegria em jogar futebol. Pelas piores razões os holofotes do mediatismo voltariam a recair sobre si no passado dia 4 de maio, altura em que foi comunicada a sua morte - por complicações de saúde do foro neurológico -. Nesse dia o Mundo de imediato se lembrou da imagem de Yekini a festejar o golo da Nigéria diante da Bulgária, em Dallas, no primeiro jogo da seleção nigeriana - pela qual Rashid atuou por 58 ocasiões, tendo apontado 37 golos - num Mundial, ao passo que na minha memória surgiu não só esse momento como também todos os outros em que com a camisola do Vitória de Setúbal o Deus Negro me proporcionou instantes de pura magia. Obrigado Rashid.

Legendas das fotografias:
1-Rashid Yekini com as cores da sua Nigéria
2-Os momentos mais felizes da sua carreira: com a camisola do Vitória de Setúbal
3-Os célebres festejos de Yekini no Mundial de 1994

Vídeo: O "IMORTAL" GOLO DE YEKINI NO MUNDIAL DE 1994

Um comentário:

Massundra disse...

Obrigado Mário por ter-nos lembardo este grande jogador de futebol que foi Rashid Yekin.
Paz a sua alma