quarta-feira, junho 04, 2014

ENTREVISTA: Meg, pioneira na globalização do futebol feminino que superou a barreira do preconceito

Meg, com o uniforme
da seleção brasileira
O futebol apresenta-se no presente como um jogo imune às barreiras da religião, da raça, do estrato social, ou do sexo. Mas nem sempre foi assim. No passado o belo jogo assumiu em diversos capítulos da sua história tiques de elitismo, racismo, ou de preconceito em relação a... sexos. Neste último aspeto pode mesmo dizer-se que a afirmação do futebol feminino à escala global foi uma longa batalha travada durante várias décadas. Numa curta viagem pelos primeiros registos do futebol interpretado por senhoras depara-mo-nos com o longínquo ano de 1892, altura em que a cidade de Glasgow (Escócia) foi palco do primeiro jogo, desconhecendo-se no entanto tanto o seu resultado como as suas intervenientes! Ainda na “pegada” dos primeiros registos sublinhe-se o facto de dois anos mais tarde a inglesa Nattie Honeyball, uma ativista dos direitos da mulher, ter fundado o primeiro clube integrado apenas por senhoras, o Ladies Football Club. A I Guerra Mundial (1914-1918) teve um papel importante para a expansão do futebol feminino em terras de Sua Majestade. Com a chamada dos homens para o campo de batalha a indústria viu-se obrigada a recorrer à mulher para substituir a mão de obra masculina nas fábricas da Velha Albion. Nesse período surgiram inúmeras equipas femininas, nascidas precisamente no seio dessa classe operária, que entre si escreveram diversas histórias curiosas dos primeiros capítulos do futebol de saltos altos. O fim da guerra trouxe porém os primeiros dissabores à versão feminina do belo jogo, por assim dizer. A Football Association (FA) tratou de travar a euforia generalizada em redor do futebol feminino, e em 1921 proíbe mesmo a sua prática! Seguiram-se então mais de quatro décadas de travessia no deserto, sem que a bola voltasse a ser acariciada – de forma oficial – com a doce delicadeza das senhoras. Até que em 1969 a FA revê a sua posição... machista e preconceituosa, permitindo que o jogo voltasse a ser jogado no feminino. E o que se tem verificado de lá para cá é não mais do que um acentuado crescimento impulsionado por uma gigantesca onda de entusiasmo em torno do futebol feminino. Um cenário para o qual têm – desde meados da década de 70 – contribuído as altas instâncias do futebol internacional, que na ânsia de fazer crescer o fenómeno à escala global edificaram a partir da década de 90 uma série de competições que à sua volta agregam as melhores artistas da bola. Um desses torneios é o Campeonato do Mundo, prova que nasceu em 1991.



Pintura que retrata um jogo
de futebol feminino na Grã-Brertanha
nos finais do século XIX
O primeiro capítulo internacional do jogo interpretado no feminino foi, digamos que, discreto. O brasileiro João Havelange era então o presidente do organismo máximo do desporto rei a nível global, ele que em 1986 viu concretizado o velho sonho de criar o Campeonato do Mundo de senhoras. No México, onde decorreu nesse ano de 86 o 45º Congresso da FIFA ficou assente que o pontapé de saída do Mundial feminino seria dado cinco anos mais tarde, tendo a China sido o país escolhido para sediar a primeira edição da competição. Uma escolha que não seria feita em vão, já que para dar o pontapé de saída num projeto que se sonhava grande, nada melhor do que um país onde o futebol feminino agregava a si uma enorme popularidade – e sobretudo praticantes. Definido ficou que o primeiro Campeonato do Mundo seria disputado entre 16 e 30 de novembro, e que seria integrado por 12 seleções nacionais divididas em três grupos de quatro equipas. Na linha de partida (fase de qualificação) rumo ao Mundial estiveram 45 países, tendo apenas 11 deles cortado a linha de meta, juntando-se assim ao país anfitrião as seguintes nações: Alemanha, Brasil, China Taipé, Dinamarca, Estados Unidos da América, Itália, Japão, Nigéria, Nova Zelândia, Noruega, e Suécia.

Bom, a história vai longa, vamos pois ao que interessa. E o que interessa é ouvir – neste caso ler – as palavras de quem participou desse início de história, de quem viveu por dentro o primeiro Mundial feminino, o primeiro torneio olímpico de futebol feminino – que hoje em dia rivaliza em termos de importância e popularidade com o Campeonato do Mundo – mas sobretudo quem viveu na pele o preconceito, as dificuldades, de ser atleta internacional numa modalidade que aos olhos de muitos cidadãos era – e para alguns ainda o é – interdita ao género feminino. O seu nome completo é Margarete Maria Pioresan, mas o Planeta da Bola conhece-a por Meg, uma das pioneiras da globalização do futebol feminino. A atual comentadora da Sportv brasileira das grandes competições internacionais do futebol feminino visita hoje o Museu Virtual do Futebol, onde recorda episódios de uma carreira histórica... a todos os níveis.

Museu Virtual do Futebol (MVF): Meg, hoje em dia, atendendo à popularidade do futebol feminino a nível mundial, é muito comum ver uma mulher assumir a sua vontade em calçar as chuteiras e vir a ser futebolista profissional. Porém, no seu tempo, essa ambição era olhada pela esmagadora maioria do globo como uma espécie de sonho irreal, até porque vozes machistas apregoavam que “futebol é coisa de macho”. Pedia-lhe que recuasse uns bons 30 ou 40 anos no tempo, até à sua juventude, e me recordasse os seus tempos de menina, por certo apaixonada pelo desporto.

Meg: Bem, comecei no desporto desde menina. Como todas as crianças gostava de brincar após a escola. A minha brincadeira favorita eram os jogos com bola, como por exemplo a queimada, o ping pong, o voleibol, e o futebol. Sou natural de uma cidade do interior do Estado do Paraná, no sul do Brasil, chamada Toledo (nota: onde nasceu a 1 de janeiro de 1956), e ainda cedo – com 19 anos – sai de lá para cursar na Faculdade de Educação Física, na cidade próxima de Maringá. Foi nessa época que fui apresentada ao andebol, e em particular ao seu gol (baliza). Defendi as cores da equipa da universidade durante três anos, sendo que posteriormente fui morar para o Rio de Janeiro, onde continuei a jogar, desta feita pela Universidade Augusto Motta, onde fiz uma segunda licenciatura, desta feita em Fisioterapia. Logo em seguida, no ano de 1983, fui convocada para a primeira seleção brasileira de andebol, para disputar o primeiro campeonato sul-americano, o qual se realizou em Buenos Aires (Argentina). Até ai, tudo era maravilhoso. O preconceito não batia na porta.


Meg, exibindo os seus atributos de grande goleira
MVF: Vejo que o andebol foi a chave que lhe abriu a porta do desporto de alta competição, e... o futebol, quando é que o belo jogo apareceu na sua vida desportiva de uma forma mais a sério?

Meg: Por volta de 1980, já eu vivia no Rio de Janeiro, comecei a defender a baliza do Esporte Clube Radar, nos primeiros tempos nas areias de Copacabana (nota: na variante de futebol de praia), e depois, em 1982, nos gramados (relvados). Recordo que naquele tempo, as apresentações que a equipa fazia em Copacabana juntavam muita gente para nos ver, aplaudir e... xingar... poucos, é certo, mas havia sempre alguns machistas por lá a assistir aos jogos das equipas femininas.

MVF: Sinais de que ainda havia um longo caminho a percorrer para que o planeta da bola fosse definitivamente conquistado pelas mulheres...

Meg: De certa forma, mas eu lembro-me, por exemplo, que nesse mesmo ano de 1982 o Radar fez uma digressão pela Europa, que coincidiu, curiosamente, com a realização da Copa do Mundo de Espanha, tendo inclusive a nossa equipa assistido ao primeiro jogo da seleção brasileira nesse Mundial, ante a ex-União Soviética. E do que me lembro é que lá (Europa) não encontrámos o preconceito que havia aqui no Brasil para com a jogadora de futebol. Aqui chegavam a insultar-nos com palavras ofensivas...

A cidadã Margarete Maria Pioresan
recorda no Museu Virtual do Futebol
o seu trajeto pelos caminhos do belo jogo
MVF: No entanto, e olhando para a história, foi precisamente nesses anos 80 que o futebol feminino começou a ser encarado de uma forma mais séria pelas entidades que tutelam a modalidade a nível global, neste caso a FIFA, que através do seu presidente de então, João Havelange, percebeu que a variante feminina do futebol, digamos assim, era detentora de um potencial enorme

Meg: Sim, de facto. Acho que o crescimento tanto interno (Brasil) como externo se deu principalmente pela oficialização do futebol feminino junto da FIFA em meados dos anos 80. Aqui no Brasil, por exemplo, muitos clubes do Rio de Janeiro (como o Radar, o Bom Sucesso, ou o Olaria), de São Paulo, do Rio Grande do Sul, da Bahia, ou de Minas Gerais uniram forças e criaram competições femininas, sendo que inclusive muitos jogos começaram a passar na televisão. Apesar deste sinal de crescimento no plano competitivo o preconceito continuava nos gramados...

MVF: É, a tradição continuava a ditar leis, e a tradição ainda dizia que o futebol era um mundo exclusivo a homens, apesar de a FIFA ter entrado em campo, como já vimos, institucionalizando o primeiro Campeonato do Mundo com vista não só à dinamização do futebol feminino, mas sobretudo na tentativa de eliminar as tais barreiras do preconceito...

Meg: … Mesmo antes da Copa do Mundo de 1991, o tal primeiro Mundial, a FIFA organizou um mundialito em 1988 – que foi uma espécie de torneio experimental –, também realizado na China, embora nessa competição eu pedi dispensa de representar a seleção, pois devo dizer que em paralelo com o futebol eu continuava a atuar pela seleção de andebol, que nessa altura estava a preparar a presença no Campeonato do Mundo “B”, o qual iria ter lugar na Bulgária. Devo confessar que sempre fui totalmente apaixonada pelo andebol, e entre 1983 e 1989 fiz uma pausa no futebol para me dedicar em exclusivo àquela modalidade, tendo participado em várias competições internacionais. Depois de abandonar o andebol dei prioridade ao futebol, retomando a atividade na seleção em 1991, precisamente o ano em que a FIFA organizou a primeira Copa do Mundo feminina.


Michelle Akers cabeceia
a bola em direção à baliza de Meg

MVF: Centre-mo-nos pois nesse histórico acontecimento para futebol feminino a nível internacional: a primeira Copa do Mundo. A Meg esteve lá, viveu de perto o começo de uma nova era na variante feminina do belo jogo...

Meg: Na verdade, nesses primeiros passos oficiais com a seleção em 1991, na Copa da China, tudo era novidade. A nossa seleção não tinha de facto um conhecimento profundo sobre a maioria das equipas que estiveram nessa Copa, embora a turma que esteve presente no Mundialito de 88 já havia testemunhado a força dos Estados Unidos da América e de algumas equipas europeias. Recordo no entanto que também nós tínhamos grandes atletas, casos da Pretinha, que na altura era ainda muito jovem, da Roseli, ou da Fanta. Aliás, a base da seleção de 1991 era o time do Radar, que estava junto há já algum tempo, ao qual se juntaram mais algumas atletas oriundas de outros Estados. Claro que nos faltava experiência internacional enquanto seleção. Notava-se igualmente algum desconhecimento de sentido tático, e tudo junto acabou por ditar o nosso afastamento da Copa ainda na primeira fase...


MVF: … Embora o início da caminhada até nem tivesse sido mau de todo...

Meg: … Sim, a estreia contra o Japão foi demais! Defrontámos uma equipa rápida e disciplinada que nos fez correr muito ao longo dos 90 minutos. Ficámos exaustas no final! Recordo-me que as japoneses estavam constantemente a jogar ao ataque, e eu, como goleira, tive muito trabalho. Porém, num dos poucos ataques que o nosso time fez à baliza japonesa conseguimos um golo, o único golo desse jogo, que nos deu uma vitória. Depois vieram os Estados Unidos da América e a Suécia – as outras duas equipas que compunham o Grupo B – que eram só duas das maiores potências da época. As americanas, como deve saber, jogam futebol desde os 4 ou 5 anos de idade, pelo que a experiência delas era enorme, como comprovam os cinco golos que levámos delas (nota: o Brasil foi derrotado por 5-0), ao passo que as seleções europeias tinham igualmente uma larga experiência em partidas internacionais, como era o caso da Suécia, algo que não acontecia na América do Sul, onde não existiam competições internacionais para seleções. Contra as suecas perdemos por 2-0 e fomos para casa mais cedo.


Michelle Akers, a norte-americana
considerada a melhor jogadora
do Mundo por altura do primeiro Mundial
MVF: No encontro ante os Estados Unidos da América teve a oportunidade de defrontar duas das melhores jogadores de sempre da história do futebol feminino, Mia Hamm e Michelle Akers, esta última era aliás na altura considerada a melhor jogadora do planeta da bola. Como foi estar perto de duas lendas da modalidade, isto além, claro, do trabalho que por certo lhe deram ao longo desse encontro.

Meg: Na verdade não cheguei a falar com elas em 1991, mas recordo-me que na preparação para os Jogos Olímpicos de 1996 houve um intercâmbio com a seleção norte-americana, elas vieram ao Brasil e nós fomos lá. Nessa altura tive oportunidade de as conhecer mais de perto, pois no regresso da Copa do Mundo da China apenas deu para nos cumprimentar-mos quando nos cruzámos no avião que nos iria trazer a um país da Europa e daí cada qual seguia para sua respetiva casa.


MVF: Quatro anos depois foi a vez da Suécia acolher a segunda edição do Mundial feminino, e a Meg lá estava mais uma vez na defesa das redes da seleção, que a julgar pelos resultados (foi última de um grupo que era composto pela equipa da casa, pela Alemanha, e pelo Japão) ainda estava um pouco aquém do alto nível competitivo que se encontrava quer nos Estados Unidos da América quer em muitos países da Velha Europa. Na altura a Meg estava com 39 anos, o que para uma atleta internacional de alta competição, seja em que modalidade for, é uma idade já um pouco... avançada, por assim dizer. O que a motivou a ir à Suécia?

Meg: Essencialmente a possibilidade de estar presente nos Jogos Olímpicos, um sonho antigo pelo qual vinha a lutar desde os meus tempos de atleta internacional no andebol. O objetivo de estar presente nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, fez com que eu tivesse cuidados físicos redobrados, pois como você disse eu já contava com 39 anos na altura da Copa da Suécia. Mas o meu grande sonho era ir aos Jogos Olímpicos, e naquela época a Copa do Mundo servia igualmente de fase de qualificação para as Olimpíadas (nota: as seleções melhor posicionadas garantiam uma vaga nos Jogos), e isso foi o grande incentivo que justificou a minha presença na Suécia. A garantia de uma presença nos Jogos Olímpicos via Copa do Mundo levou a um incremento de várias competições continentais com vista à qualificação para o Mundial. Um pouco por todo o Mundo formou-se uma corrente em prol do futebol feminino.

MVF: Essa corrente fez-se sentir de alguma forma concreta no quotidiano brasileiro?

Meg: Bem, entre 1991 e 1995 houve uma continuidade no trabalho que vinha a ser feito em prol do futebol feminino. Trabalho esse ao qual era agora acrescida a ambição de levar a seleção aos Jogos Olímpicos, pelo que nesse sentido houve uma prospeção interna na tentativa de encontrar as melhores jogadoras. Foi nesse período também que alguns clubes retomaram a sua atividade no futebol feminino, e o Vasco da Gama, por exemplo, formou uma grande equipa, que mais tarde viria a tornar-se na equipa que todos queriam vencer. Aquele time do Vasco, onde eu aliás jogava na época, foi então a base da seleção que esteve na Copa de 95.
Quanto à nossa presença nesse segundo Mundial da FIFA devo dizer que foi dura! Ficámos em último lugar do nosso grupo, um grupo complicado que tinha a Suécia, que além de jogar em casa era vice campeã da Europa, o Japão, com a sua característica garra, e a campeã da Europa, a Alemanha. Recordo-me que nesse campeonato a grande Formiga fez a estreia pela seleção, jogadora que ainda está em atividade, e que aliás integra a seleção que está preparando a Copa de 2015. Apesar das dificuldades, começámos mais uma vez bem, ao vencer a equipa da casa por 1-0, perdendo depois para o Japão (1-2) e para a Alemanha (1-6). Mesmo assim conseguimos a ambicionada qualificação para os Jogos Olímpicos.


Cumprindo o sonho de uma vida: as Olimpíadas
MVF: O sonho estava concretizado, as Olimpíadas eram finalmente uma realidade. E também aqui reside o facto curioso de a Meg ter vivenciado o primeiro torneio olímpico de futebol feminino da história, certame que hoje em dia é tão, ou mais importante, que o próprio Mundial, isto no que concerne à alta competição ao nível de senhoras. E em Atlanta o Brasil esteve muito perto de conseguir uma medalha...

Meg: … A nossa “chave” foi dificílima. Tínhamos a Alemanha, a Noruega (campeã do Mundo em título) e o Japão, outra vez as japonesas no nosso caminho! Mesmo assim fizemos uma grande primeira fase, empatámos com as norueguesas (2-2), vencemos o Japão (2-0), e no último jogo, ante as alemãs, precisávamos apenas de um empate para chegar realmente a Atlanta. Isto porque, convém referir, que o torneio olímpico de futebol numa primeira fase foi jogado fora da cidade onde decorriam as Olimpíadas, em locais como Washington, ou Birmingham, por exemplo, sendo que só as semi-finalistas seguiam para a sede dos Jogos para disputar as medalhas. E nós conseguimos esse empate (1-1) com as alemãs, as quais foram mais cedo para casa, enquanto nós fomos para Atlanta! Aquele momento, a presença entre as quatro seleções que iriam lutar pelas medalhas olímpicas, foi a coroação da minha geração. Foi uma enorme emoção quando o jogo contra a Alemanha, que tinha uma super equipa, terminou. Eu caí no gramado e só pensava: “nós vamos para Atlanta, nós vamos para Atlanta”’. Já em Atlanta a emoção subiu de tom quando chegamos à Aldeia Olímpica, com todo aquele aparato. Nunca ninguém tinha conseguido tal, era a primeira vez na história do futebol feminino. Quanto a mim, concretizei um sonho...

MVF: … Um sonho que podia ter tido contornos ainda mais inolvidáveis caso tivesse trazido para casa uma medalha que escapou por muito pouco...

Meg: Estivemos muito bem, e quase fomos à final, de facto. Nas meias-finais encontrámos a China, e estávamos a vencer por 2-1 quando faltavam sete minutos para o final. Lembro-me que o desgaste físico ditava leis. As nossas jogadoras já não tinham forças, e no meio daquele estádio lotado eu só pensava: “Meu Deus, vamos à final, o jogo está a terminar”. Foi então que o treinador chinês fez duas substituições que viriam a ser decisivas no desfecho do encontro. As duas jogadoras que entraram deram a volta ao jogo, acabando a China por ir à final contra os Estados Unidos da América após nos ter vencido por 3-2. Depois, disputámos a medalha de bronze com a Noruega. O Brasil fez um grande jogo, ante uma seleção que estava ferida no orgulho por não nos ter conseguido vencer na primeira fase do torneio. Perdemos 2-0, e não trouxemos nenhuma medalha, mas tenho muito orgulho no trajeto que a seleção fez nas Olimpíadas de 96.


Momento emocionante ao
lado de Muhammed Ali
MVF: Podemos considerar Atlanta como o ponto alto da sua carreira desportiva?

Meg: Sim. Como já disse antes, foi o concretizar de um sonho. Não esqueço que num dos passeios pela Aldeia Olímpica tive a oportunidade de tirar uma foto com o lendário Muhammed Ali, que tinha participado na abertura dos Jogos ao disparar a flexa em direção à pira olímpica. Boa lembrança em Atlanta o facto de ter convivido com a seleção masculina da Nigéria, que viria a conquistar a medalha de ouro, eles ficaram no mesmo prédio que a nossa seleção. Eles eram muito humildes. Foi uma experiência única, poder estar ao lado dos melhores atletas olímpicos do Mundo... foi um sonho. Após Atlanta dei por encerrada a minha carreira na seleção, embora tivesse continuado a jogar pelo Vasco da Gama até aos 44 anos.

MVF: Hoje o Brasil tem aquela que para muitos é a melhor jogadora do Mundo, a Marta. É por demais visível que o futebol feminino no Brasil tem crescido imenso. A Meg sente-se como uma das responsáveis por esse crescimento, uma vez que esteve no início desta “viagem”...

Meg: Sim, para muitos a Marta ainda é a melhor do mundo, foi cinco vezes eleita como a melhor, e penso que ainda vai ajudar o Brasil no Mundial 2015 ,no Canadá, e na Olimpíada do Rio, em 2016. Claro que eu e a minha geração, e outras que vieram a seguir, colaboraram muito para o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil e no resto do Mundo...

MVF: … Mas no entanto esse contributo ainda não deu os frutos mais desejados, por outras palavras, os títulos internacionais. O que tem faltado à seleção feminina do Brasil para seguir o exemplo da sua congénere masculina e conquistar títulos para o país?

Meg: Bem, acho que falta ao Brasil mais investimento interno, com mais competições nacionais importantes. O Ministério dos Desportos começou à investir somente em 2013 na modalidade, ajudou na edificação do Campeonato Brasileiro, no Campeonato Universitário, e em competições de escalões de formação. Se continuar assim, estou certa de que chegaremos mais rapidamente à uma medalha no Mundial ou nas olimpíadas. É importante que as atletas fiquem em atividade constante, participando em competições permanentes e de bom nível técnico, pois nem todas jogam no exterior, em campeonatos competitivos, como é o caso da Marta.



Escrete canarinho, na sua versão feminina, entra em campo
nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996
MVF: Muitos cidadãos comuns partilham ainda hoje a ideia de que ser mulher no universo desportivo é uma tarefa complicada. Isto porque muitas mulheres são mães, esposas, fadas do lar, outras têm os seus empregos, e sendo atleta torna toda essa conjugação de papéis difícil...

Meg: … Bem, nos anos 80/90 era mais difícil a mulher praticar desporto. Existia mais preconceito, como falei no início. Porém, as coisas foram mudando aos poucos. No plano feminino, o Brasil é campeão mundial de lei, de andebol, de atletismo, judo,... só falta mesmo o futebol. As pessoas foram absorvendo a realidade. Esta transformação de mentalidade acontece juntamente com os espaços conquistados pelas mulheres noutras profissões, como a política, engenharia, segurança, e tantas outras que antes eram ocupadas sobretudo pelos homens. No meu caso eu sempre estudei e trabalhei ao mesmo tempo. Ganhei uma bolsa de estudo no segundo curso que fiz, o de Fisioterapia, e também tive o meu primeiro emprego como professora de Educação Física no colégio ligado à faculdade. E assim fui andando: jogando e trabalhando. Claro que era difícil conjugar a atividade profissional com a prática desportiva, e eu, sempre que defendia a seleção de andebol ,ou a de futebol, tinha que entrar com processo administrativo na Prefeitura (câmara municipal) para me ausentar. Nos colégios particulares eu própria colocava um professor no meu lugar, e depois era eu que tinha de pagar o trabalho deles!

MVF: Sério? Bom, a terminar este agradável papo diga-nos, porque nunca se aventurou numa carreira de futebolista profissional no estrangeiro?

Meg: No meu primeiro Mundial de futebol, na China, eu já estava com 35 anos. Nesta época, se não me engano, só saiu a Roseli, para o futebol japonês, e a Lúcia, que foi para a Itália. Após Atlanta houve uma corrida desenfreada para o futebol dos Estados Unidos da América, recordo-me que a Pretinha, a Roseli, e a Sissi foram jogar para lá. Eu já estava com 40 anos, e para mim o futebol “estourou” muito tarde, já estava na altura de parar. Por isso, decidi não me aventurar.

MVF: Esta é mesmo a última pergunta. Porque é que ainda hoje é conhecida como o Taffarel de saias? (risos)

Meg: Bom, acho que a comparação com o Taffarel é porque somos ambos do sul do país, ele é gaúcho e eu paranaense e filha de gaúchos. Também por defendermos a baliza da seleção na mesma altura, e por sermos os dois loiros (risos).

Nenhum comentário: