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O Sporting de Braga perfilado no Estádio Filadélfia na antecâmara da estreia europeia |
O
Sporting Clube de Braga há muito que conquistou por mérito próprio o estatuto
de (atual) “quarto grande” do futebol português. Assim o é não só pelas
performances alcançadas a nível interno – com a aquisição de troféus e com boas classificações no campeonatonacional –, mas de igual modo pela sistemática presença nas competições
europeias, onde os minhotos são habituais clientes. De modo que neste momento, os bracarenses são no ranking das participações nas provas da UEFA o quarto clube luso com
mais presenças. Em termos mais precisos, e contando já com os encontros
europeus realizados na presente temporada, os minhotos somam 201 jogos
internacionais, apenas superados, claro está, pelos três grandes (Benfica, FC
Porto e Sporting). E se hoje é impensável não ver o Braga disputar uma competição
da UEFA, o que constituiria um fracasso para os arsenalistas, há seis décadas
atrás significava um feito notável pisar o palco do futebol europeu. E pelos
caminhos da história percorremos 59 anos para recordar o primeiro jogo europeu
do Sporting de Braga, facto ocorrido a 28 de setembro de 1966, em Atenas. 
Estávamos
no início da temporada de 66/67 e o Braga tornava-se na primeira equipa do
Minho a chegar às competições europeias fruto da conquista do seu primeiro
grande título nacional, a Taça de Portugal, arrecadada na época transata às
custas do Vitória de Setúbal, que no Jamor caiu por 1-0 aos pés do emblema da Cidade
dos Arcebispos. Pois bem, a taça garantiu o bilhete para a disputa da 7.ª
edição da Taça das Taças, onde o Braga teve pela frente o AEK de Atenas.
Orientados pelo antigo e fiel escudeiro – vulgo, treinador-adjunto – de BelaGuttman no Benfica, Fernando Caiado, o Braga não acusou o facto de ser caloiro
nestas andanças e silenciou a capital helénica com uma vitória por 1-0. Uma
exibição serena e bem delineada sob o ponto de vista técnico derrotou o futebol
rude e violento do então campeão em título da Taça da Grécia, como nos deu conta
o enviado especial do jornal A Bola a Atenas, Cruz dos Santos. «Contrapor-se-á,
certamente, que o vencedor da Taça da Grécia não é equipa de capacidade
extraordinária, pelo que o êxito do popular clube minhoto tem de ser encarado apenas
dentro da relatividade das coisas. (…) A verdade, porém, é que esse mesmo
sentido de relatividade das coisas que nos leva à exuberância do entusiasmo da
hora que passa, já que tão verdadeiro isso é o facto de, em contrapartida,
termos assistido a uma das mais impressionantes demonstrações de querer e da
vontade da gente lusa, na interpretação de um estreante português na alta roda
do futebol europeu», escrevia o jornalista. A vitória bracarense tem ainda mais
significado se atendermos às condições adversas que os lusos enfrentaram no
Estádio Filadélfia, que se transformou num verdadeiro inferno, não só devido ao
futebol duro praticado pelo AEK, mas também, e sobretudo, pelo ambiente agreste
provocado pelos adeptos locais, ou não estivéssemos na Grécia.  |
| Luciano |
O único golo do
jogo foi marcado por Luciano, à passagem do minuto 24, tento esse que é assim
descrito por Cruz dos Santos: «Dos pés de Perrichon a bola foi aos pés de
Balopoulos, que impressionado pela proximidade de Luciano atrasou a bola ao seu
guarda-redes, que partira ao seu encontro. O toque foi desviado por Maniateas,
e este ultrapassado pela bola que foi aos pés de Luciano. O bracarense evitou o
seu mergulho e com o esférico já quase a escapar-se no lado direito, pela linha
de cabeceira, teve a arte a serenidade para lhe dar o pontapé decisivo». O
Braga não só resistia ao ímpeto inicial do adversário como conseguia colocar-se
em vantagem no marcador. Defensivamente, os minhotos realizaram um jogo sólido,
perante um AEK que substituiu a sua menor capacidade técnica por um futebol viril
e rude. O Braga – que no onze inicial apresentou oito elementos que meses antes
haviam conquistado a Taça de Portugal – percebeu isso cedo, e com calma e
querer levou a “água ao seu moinho”. Diante de 40.000 pessoas – lotação esgotada
– o espírito coletivo dos portugueses imperou, defendendo com estoicismo durante
mais de uma hora o precioso golo de Luciano. Diante de 40.000 infernais almas gregas,
e perante a atitude incorreta e violenta do AEK, cuja agressividade para lá da
lei patenteada pelos seus jogadores não foi punida como devia pelo árbitro da
partida, que quiçá amedrontado com o ambiente escaldante que se fazia sentir em
redor do relvado perdoou em diversas ocasiões expulsões aos locais. Velocidade
e rudeza eram na opinião de Cruz dos Santos os principais argumentos de uma
equipa que praticou um futebol de técnica modesta e que neste campo não se
podia comprar com a técnica mais evoluída do Braga.  |
| A comitiva bracarense que viajou para Atenas |
«As linhas
mestras do seu trato com a bola estão nas passagens largas, na velocidade e no
ar acutilante. Tais predicados, como normalmente acontece, andam associados a
grande dureza, manifestadas em cargas impiedosas, demolidoras e no gosto pelo
choque», assim descrevia o jornalista o conjunto grego. Uma dessas demonstrações
de futebol violento aconteceu sobre o homem que havia sido responsável pela
aventura europeia do Braga, o argentino Perrichon, ele que no Jamor, meses
antes, havia feito o tento do triunfo que valeu a Taça de Portugal. Pois bem,
no encontro de Atenas, a poucos minutos do fim, Perrichon e o seu companheiro
de equipa Bino tentavam queimar tempo junto à bandeirola de canto através de
sucessivas trocas de bola. Esta peladinha a dois foi subitamente e
violentamente interrompida por um jogador grego, que pegou na bola com a mão e
atirou de forma violenta à cara de Perrichon sem que o árbitro tivesse visto (?)
o lance!  |
| Cumprimento aos portugueses antes do apito inicial em Atenas |
Na análise individual que Cruz dos Santos fez aos jogadores
portugueses, Perrichon foi, aliás, aquele que mostrou mais classe nesta
partida. «Os bracarenses demonstraram no jogo de hoje que poderão realizar algo
de interessante nas difíceis competições internacionais. No aspeto técnico chegaram
a impressionais razoavelmente, disfarçando, em certos casos, a falta de
experiência. Como lição bem estudada e aprendida, o 4-4-2 deu origem –
funcionou com bastante perfeição – a que os dois homens do “vaivém” a meio
campo, Albino e Estevão, fossem os mais sacrificados, se bem que não se possa
esquecer quanto o processo obrigou Perrichon e Luciano a intensa movimentação
para os lados quando a equipa defendeu, e para o meio campo quando a equipa
atacou. Perrichon, o de melhor técnico no onze, e Luciano, muito mexido e
habilidoso, foram aliás os elementos influentes na conquista do belo êxito. (…)
Armando nas redes terá sido, porém, o mais brilhante, transmitindo confiança
aos colegas da defesa, na qual se verificou uma muralha de transposição nada
fácil, mercê da conjugação de esforços verdadeiramente notável».  |
| O guarda-redes Armando foi um dos esteios do Braga na Grécia |
Naturalmente
feliz com este triunfo estava o treinador Fernando Caiado, que nas cabines era,
porém, cauteloso na euforia, ao dizer que «o ovo só é nosso quando estiver na
mão», por outras palavras, que a eliminatória ainda não estava resolvida. «Só
depois do jogo de Braga é que sabemos quem passa à fase seguinte. É preciso
muito cuidado. Os gregos tecnicamente não são famosos, mas são muito fortes e
rápidos. Em Braga não poderemos jogar tão fechados e o jogo é capaz de ser outro.
(Neste jogo) Os nossos jogadores revelaram nervosismo e inexperiência, mas
fiquei satisfeito por ter visto na equipa magnifico coletivismo», disse Caiado
ao jornalista de A Bola. E em
Braga uma nova vitória, desta feita por 3-2, garantiriam a passagem dos
portugueses à ronda seguinte, onde seriam afastados da prova pelos húngaros do
Gyori ETO. Mas para
a história fica mesmo este batismo europeu do Sporting Clube de Braga num encontro
arbitrado pelo húngaro Lajos Horvath, e onde os dois conjuntos alinharam da
seguinte forma: AEK Atenas – Theodoros Maniateas, Aleko Sofianidis, Fotis
Balopoulos, Nikos Stathopoulos, Tasos Vasiliou, Giorgos Karafeskos, Stelios
Skevofilakas, Spiros Pomonis, Vasilis Mastrakoulis, Mimis Papaioannou.
Treinador: Trifon Tzanetis. Braga – Armando,
José Maria Azevedo, Joaquim Coimbra, José Manuel, Luciano, José Neto, Bino, Ribeiro,
Mário Espingardeiro, Perrichon, Estêvão. Treinador: Fernando Caiado.
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