quinta-feira, abril 10, 2025

Copa América (8)... Uruguai 1924

Os campeões olímpicos (e do Mundo) revalidaram o título 
das américas em 1924

É já ostentando a coroa de melhor equipa do Mundo, ou de campeões do Mundo, se preferirem, que o Uruguai entrava em campo no Campeonato Sul-Americano de 1924 para defender o título conquistado um ano antes. Sim, campeões do Mundo, já que à época o torneio olímpico de futebol era a competição mais alta a nível planetário, e arrecadar a medalha de ouro significava por aqueles dias ser campeão mundial. E o Uruguai tinha alcançado (nos Jogos Olímpicos de Paris) esse feito sensivelmente quatro meses antes do pontapé de saída da 8.ª edição da atual Copa América. Estávamos de facto diante da melhor seleção do planeta, e se dúvidas ainda restassem elas seriam (novamente) dissipadas num torneio que inicialmente estava destinado a ter como sede a cidade de Assunção, no Paraguai. Porém, a capital paraguaia não dispunha de unidades hoteleiras com condições mínimas para albergar as delegações visitantes, o que levou a organização a transferir a prova para Montevideu, onde havia sido realizada nas edições de 1923 e 1917. Dessa forma, o Parque Central de Montevideu voltou a ser – tal como no ano anterior – o palco de uma competição que para além do Uruguai contou com a participação da Argentina, do Chile e do Paraguai, quatro seleções que mediram forças num sistema de poule – todos contra todos – em que a equipa que somasse mais pontos seria coroada campeã. Ou seja, tal e qual às anteriores edições. 
Duelo inaugural da Copa de 24, entre argentinos e paraguaios
E no dia 12 de outubro de 1924 deu-se o pontapé de saída do 8.º Campeonato Sul Americano, em que 12.000 pessoas assistiram ao pobre nulo (0-0) entre argentinos e paraguaios. Este empate haveria de sair caro àquela que a par do Uruguai era a seleção favorita ao título, a Argentina. Sete dias depois (!!!) entraram em campo os campeões olímpicos – e por consequência do Mundo – para medir forças com o Chile. E o que se viu foi não só mais do que uma demonstração do poderio e arte do futebol uruguaio, que esmagou o seu oponente por 5-0, com destaque para o hattrick de Pedro Petrone, que desta forma se tornava no primeiro futebolista a apontar três golos ao serviço da seleção celeste no mesmo jogo e logo numa competição internacional.  

Fase do jogo entre Uruguai e Paraguai
No dia 25 de outubro teve lugar o terceiro jogo da prova, tendo a Argentina puxado, finalmente, dos galões para bater o Chile por 2-0, sendo que no dia seguinte o Uruguai derrotava o Paraguai por 3-1, com golos de Petrone, Ángel Romano e Pedro Cea. Face a estes dois resultados desde logo ficou definido que o clássico do Rio da Prata entre uruguaios e argentinos teria contornos de final, pois quem vencesse seria matematicamente campeão. Contudo, à equipa da casa bastaria um empate para revalidar o cetro. E assim foi. 

Episódio caricato que se repetiria entre os velhos rivais do Rio da Prata na final do primeiro Mundial seis anos depois

O grande clássico das américas nos anos 20: Uruguai vs Argentina
para decidir o campeão do continente em 1924

20.000 pessoas – a maior assistência do Sul-Americano de 1924 – lotaram no derradeiro dia da competição o Parque Central para assistir à “final” do torneio. Antes do pontapé de saída, o árbitro do encontro, o chileno Carlos Fanta, deparou-se com um contratempo caricato. Os uruguaios, a jogarem em casa, acharam-se no direito de jogar com a sua bola, que era confessionada de couro fraco e de dimensões maiores àquelas que os argentinos estavam habituados a jogar. O guarda-redes da Argentina, Américo Tesoriere, contou, anos mais tarde, que no seu país a bola habitualmente utilizada nos matchs era mais parecida com as que se utilizavam na Europa, de dimensões mais pequenas, e que os uruguaios diziam que aquilo era uma bola para as crianças jogarem. Após muita discussão, o árbitro Fanta decidiu-se pela “bola europeia”, para gaudio dos visitantes, sobretudo para o seu guarda-redes. Abra-se desde já aqui um parêntese para recordar que um episódio em (quase) tudo semelhante iria ocorrer seis anos depois na mesma cidade (Montevideu) e protagonizado por estas mesmas seleções, só que desta feita no primeiro Mundial da FIFA. Em 1930, uruguaios e argentinos queriam jogar a final do Campeonato do Mundo com as respetivas bolas, sendo que na altura o árbitro belga, John Langenus, repartiu o mal pelas aldeias, ou seja, decidiu que no primeiro tempo se iria jogar com a bola argentina e no segundo com a bola uruguaia. Mas voltemos aos acontecimentos da “final” da Copa América de 1924, onde os uruguaios dispuseram de inúmeras oportunidades para marcar, não fosse a boa atuação de Tesoriere, que mais habituado à “bola argentina” agarrava com facilidade o esférico sempre que este se aproximava da sua baliza. «Os uruguaios deviam ter-nos goleado, mas naquela tarde eu estava inspirado», contaria anos mais tarde Américo Tesoriere, que a propósito da avalanche ofensiva dos charruás neste encontro, recordou que a certa altura a bola pingou na área argentina onde apareceu o perigoso El Loco Romano pronto para desferir o golpe fatal. Apercebendo-se disso, Tesoriere antecipa-se ao avançado uruguaio ao adivinhar-lhe o lado para o qual aquele iria rematar. «Mergulhei para o lado esquerdo ainda antes dele rematar. Romano nem olhou e de pronto virou costas ao lance comemorando o golo. No entanto, como não ouviu gritos das bancadas virou-se para a baliza para ver o que se tinha passado, percebendo mais tarde que afinal eu tinha defendido aquele golo certo. Naquele momento ele virou-se para mim e disse um palavrão, mas depois confessou-me que não tinha entendido como eu tinha defendido aquele remate letal», contou o arquero argentino, que fruto da sua estupenda exibição seria no final carregado em ombros pelo próprio Romano e pelo companheiro de equipas deste, Alfredo Zibechi. Contas feitas, o encontro terminou empatado sem golos, o que de pronto conferiu o quinto título de campeão das américas ao Uruguai, que assim somava 5 pontos, mais um que os velhos inimigos da Argentina.

Lenda do futebol paraguaio nasce na Copa de 1924

Aurelio González

No terceiro lugar ficou a seleção do Paraguai, após ter vencido a sua congénere chilena por -1 na 3.ª e última jornada da prova. Uma vitória que muito se fica a dever a um então jovem de 19 anos, que fez neste Campeonato Sul-Americano a sua estreia pelo combinado guarani. Aurelio González, o seu nome. Nascido na cidade de Luque, a 25 de setembro de 1905, González é para muitos o melhor futebolista da história do Paraguai, sendo que a sua fama de goleador ao ultrapassar a fronteira dos campos de futebol, fizeram dele um verdadeiro herói deste país. Na Copa América de 1924, ele apontou dois dos três golos com que a sua seleção venceu o Chile, tornando-se a partir daquele momento na figura central da sua seleção, tendo inclusive, participado com esta no primeiro Mundial da FIFA, em 1930. Começou a despontar para o futebol no clube da sua terra, o Sportivo Luqueño, mas seria no Olimpia onde se tornou uma lenda, sendo conhecido como o Grande Capitão, tendo sido uma das figuras principais do primeiro tri-campeonato nacional (1927, 1928 e 1929) conquistado pelo emblema da capital. Na década de 30, González era já o mais popular futebolista paraguaio, quer do ponto de vista interno, quer externo, e como tal não foi de admirar que por esta altura os argentinos do San Lorenzo de Almagro lhe tivessem feito uma oferta milionária para se transferir para o clube daquele bairro de Buenos Aires. Oferta recusada por Aurelio, que pelo amor à pátria deixou de lado a bola para passar a servir o exército da sua nação na Guerra do Chaco, que opôs paraguaios a bolivianos. O conflito bélico entre os dois países paralisou o desporto local, e Aurelio González integrou o 14.º Regimento de Cerro Corá. Sobreviveu à guerra, foi elevado à categoria de herói nacional, pelo que fez dentro e fora dos campos de futebol. Faleceu a 9 de julho de 1997.

Nomes e números:

 

12 de outubro de 1924

Argentina – Paraguai: 0-0


19 de outubro de 1924

Uruguai – Chile: 5-0

(Pedro Petrone, 40, 53, 88; Pedro Zingone, 73; Ángel Romano, 78)


25 de outubro de 1924

Argentina – Chile: 2-0

(Gabino Sosa, 5; Juan Loyarte, 78)


26 de outubro de 1924

Uruguai – Paraguai: 3-1

(Pedro Petrone, 28; Ángel Romano, 37; Pedro Cea, 53)

(Urbieta Sosa, 77) 

Paraguaios saúdam a multidão em Montevideu


1 de novembro de 1924

Paraguai – Chile: 3-1

(Aurelio González, 15, 52; Ildefonso López, 33)

(David Arellano, 6) 

A guarda de honra feita aos campeões
da Copa América de 1924


2 de novembro de 1924

Uruguai – Argentina: 0-0

 

Classificação: 

1.º Uruguai: 5 pontos

2.º Argentina: 5 pontos

3.º Paraguai: 3 pontos

4.º Chile: 0 pontos

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