quarta-feira, abril 16, 2025

Jogos Memoráveis (10)... Southampton - Sporting (Taça UEFA 1981/82)


A primeira vez é sempre inesquecível, e então se acontecer num lugar especial ainda mais inolvidável se torna. É desta forma que podemos olhar para a vitória do Sporting em casa do Southampton na temporada de 81/82 em jogo a contar para a 1.ª mão da 2.ª eliminatória da Taça UEFA, por concludentes 4-2. E o que tem esta vitória de tão especial assim, perguntar-se-ão os visitantes do Museu. Simples, tratou-se do primeiro triunfo de uma equipa portuguesa em solo britânico a contar para as competições europeias de clubes. Em solo britânico, isto é, na terra dos inventores do futebol moderno, os mestres ingleses, há que sublinhá-lo, visto que não era qualquer equipa que ousava chegar a Inglaterra e vencer um cavaleiro dali oriundo. Mas aquela era, e é, talvez uma das equipas mais lendárias da história do Sporting, a equipa que nessa temporada venceu tudo a nível nacional através de um futebol encantador edificado por artistas de enorme qualidade em todos os setores do terreno. 


Havia, porém, uma zona do retângulo de jogo onde essa mestria se fazia notar ainda mais: o ataque. Setor este onde pontificava um dos tridentes mais cintilantes da história do futebol luso, um trio de artistas notáveis que muito contribuiu para que aquela fosse uma das melhores temporadas de sempre do Sporting. Falamos, claro, de António Oliveira, Rui Jordão e Manuel Fernandes. Pedra fundamental para que esta fosse uma das melhores épocas de sempre do Sporting foi o então seu lendário presidente, João Rocha, que após uma temporada (80/81) de insucesso desportivo começou por tomar a decisão de contratar um treinador que fizesse regressar a Alvalade a estrela das vitórias e mais do que isso, dos títulos. Depois de falhar a contratação de José Maria Pedroto e de John Mortimore, que tantas glórias haviam dado aos grandes rivais internos dos leões nos anos anteriores, respetivamente, FC Porto e Benfica, eis que a escolha recai noutro inglês, Malcolm Allison. Big Mal, como era conhecido no seu país, logo implementou um futebol de ataque no Sporting, assente na tal mestria e criatividade letal do trio Oliveira, Jordão e Manuel Fernandes, o qual era auxiliado por um meio campo operário, onde pontificavam nomes como Nogueira, Carlos Xavier, Ademar, Francisco Barão, ou Mário Jorge; uma defesa de betão, formada por figuras como Eurico, Inácio, ou Virgílio; e um guarda-redes ultra seguro, de seu nome Ferenc Mészáros. O guardião internacional húngaro foi a par de Oliveira a contratação mais sonante para aquela temporada de glória dos leões
Um "onze" do Sporting numa época (81/82) maravilhosa

E bem se pode dizer que o encantamento por aquele Sporting não só da parte dos adeptos leoninos como de todos aqueles que gostam de bom futebol, começou precisamente na noite de 21 de outubro de 1981, data em que o Southampton recebia o conjunto português. Atenção, este não era um Southampton qualquer, mas sim uma equipa recheada de talentos, sendo o maior deles aquele que provavelmente era o melhor futebolista inglês de então, Kevin Keegan. Vencedor por duas ocasiões (1978 e 1979) da Bola de Ouro, o famoso futebolista era a principal referência do Southampton, onde ingressara em 80/81 após três temporadas de sucesso ao serviço dos alemães do Hamburgo. Confiantes de que a sua estrela-mor iria abater os leões portugueses, os adeptos ingleses lotaram por completo o velhinho The Dell, mítico estádio do Southampton, mas o que viram, na realidade, foi uma exibição categórica e de autor do Sporting concluída com um histórico triunfo por 4-2. O primeiro de sempre, como já vimos, de equipas lusas em Terras de Sua Majestade a contar para as provas uefeiras. 

O Southampton onde pontificava o lendário Kevin Keegan

Abra-se aqui um parêntese, para recordar que antes deste jogo, os conjuntos portugueses haviam disputado 19 partidas europeias em solo da Velha Albion, por intermédio do Benfica, do FC Porto, do Belenenses, do Braga, do Vitória de Setúbal, do Vitória de Guimarães e do próprio Sporting, sendo que nesses 19 encontros anteriores ali disputados por estas equipas foram contabilizadas… 19 derrotas!

Mas o Sporting de Big Mal mudou esse paradigma naquela noite no relvado do The Dell. «O triunfo do Sporting frente a uma equipa onde joga o famoso Kevin Keegan, pode ser considerado uma proeza para o futebol português», assim escrevia o Diário de Lisboa na sua edição do dia seguinte a um jogo onde o Southampton cedo foi surpreendido com um futebol veloz e de ataque do Sporting, não sendo de admirar que logo aos 2 minutos Jordão, de cabeça, desse o melhor seguimento a uma jogada magistral de Oliveira, a qual foi construída pelo flanco direito do seu ataque. Aliás, ninguém esperava ver Oliveira nesse jogo a… defesa direito. A decisão de Allison deixou a todos perplexos, desde logo os seus próprios conterrâneos, e o que se passou foi que Oli – assim tratava Bil Mal o genial Oliveira – foi um verdadeiro diabo à solta no The Dell.

O majestoso tridente ofensivo dos leões: Jordão, Manuel Fernandes e Oliveira
O golo acordou os ingleses, que passaram a pressionar em zona alta os portugueses, mas a defesa leonina «susteve o ímpeto contrário e o meio campo e o ataque do Sporting trocavam a bola e lançavam perigosos contra-ataques que perturbavam a defesa inglesa», analisava o Diário de Lisboa. E seria num desses contragolpes venenosos que a sorte bafejou os portugueses e o azar bateu à porta dos britânicos. Estavam decorridos 20 minutos quando, pelo lado esquerdo, Freire rompeu com a bola pela área inglesa e pela frente encontrou Nick Holmes, que ao tentar roubar o esférico ao português traiu o seu guarda-redes e ampliou a vantagem dos visitantes. Apesar de atordoado com a postura inesperada dos portugueses, o Southampton não desistiu de atacar a baliza de Mészáros, «mas a defesa do Sporting, vigiando bem Keegan e atuando num sistema de dobras e apoios constantes (a que se associavam o meio campo e também Freire e Manuel Fernandes) foi-se opondo com êxito». Por seu turno, o Sporting continuava a dar azo a rápidos contra-ataques, e foi, uma vez mais, num desses lances que a três minutos do intervalo as bancadas do The Dell voltaram a estremecer com um novo golo lusitano. Oliveira, sempre ele, pelo flanco direito, lançou Manuel Fernandes, que ao superar a oposição da defesa local atirou para o fundo das redes de Peter Wells pela terceira vez naquela noite. Quem diria que ao intervalo o Sporting estaria a bater o Southampton em sua casa por 3-0! 

Keegan foi sempre muito bem vigiado pelos leões no The Dell
Na segunda parte houve sofrimento por parte dos leões, já que o Southampton, ferido no orgulho, apostou as fichas todas para inverter o rumo dos acontecimentos. O primeiro sinal de aviso foi dado por Mick Channon, aos 49 minutos, com um potente remate aos ferros da baliza de Mészáros. Persentindo, quiçá, o que seriam aqueles segundos 45 minutos, Malcolm Allison refresca e reforça o seu setor defensivo, tirando um homem de meio campo (Nogueira) e colocando em seu lugar um defesa (Virgílio). E quando não eram os homens do setor recuado leonino a dar conta do recado, lá estava Ferenc Mészáros a mostrar os seus dotes de guardião de craveira mundial. «Aos 56 minutos, Mészáros fez a defesa da noite: um “chapéu” de Moran apanhou-o adiantado e, quando o estádio aplaudia o golo, o guardião húngaro, em golpe de rins, desviou a bola para canto», contava a crónica do jogo escrita no Diário de Lisboa. À passagem da hora de jogo, George Lawrence reforçou o ataque inglês, e avalanche ofensiva dos anfitriões deu os seus frutos quando aos 68 minutos o central Eurico derrubou dentro de área o astro Kevin Keegan, não restando ao árbitro sueco, Erik Fredriksson, dúvidas quanto à marcação de grande penalidade a favor do Southampton. O mesmo Keegan bateu Mészáros e relançou a partida. O golo conferiu uma vitamina extra aos ingleses, que três minutos volvidos voltaram a marcar, desta feita Mick Channon, após assistência de Keegan. O Sporting passou a sofrer ainda mais a partir deste momento, com os ingleses a sufocarem ofensivamente os portugueses até final na expectativa de uma reviravolta. Valeu aos sportinguistas terem cabeça fria e muita concentração na hora em que o Southampton atacava. Até que a dois minutos dos 90 o sofrimento leonino terminou. Freire numa rápida incursão cruzou para o interior da área onde Manuel Fernandes não teve quaisquer dificuldades em fazer o 4-2 final a favor do Sporting. «A vitória do Sporting é indiscutível, sobretudo pela atuação da sua defesa, muito coesa, vibrante, corajosa e agressiva na marcação impiedosa que moveu aos jogadores contrários. O meio campo ajudou sempre que pôde e lançou o ataque em rápidos contra-ataques que desbarataram por completo a defesa inglesa, impotente face ao talento de Freire, Jordão Oliveira e Manuel Fernandes», concluiu o Diário de Lisboa. No jogo da 2.ª mão houve empate a zero bolas, o que permitiu ao Sporting avançar na prova, vindo a cair na ronda seguinte aos pés do Neuchâtel Xamax. 

Aqui fica a constituição das duas equipas nessa célebre noite europeia para o futebol português:

Southampton - Peter Wells, Chris Nicholl, Ivan Golac, Mark Whitlock (George Lawrence, 62), David Armstrong, Nick Holmes, Steve Williams, Alan Ball, Steve Moran, Mick Channon, e Kevin Keegan. Treinador: Lawrie McMenemy.

Sporting: Ferenc Mészáros, Eurico, Inácio, Zezinho (Francisco Barão, 79), Carlos Xavier, António Oliveira, Nogueira (Virgílio, 55), Ademar, Rui Jordão, Manuel Fernandes, e Freire. Treinador: Malcolm Allison.

Vídeo: Resumo da célebre partida disputada no The Dell

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