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A equipa dos Cracks de Lamego campeã nacional de juvenis em 1978 |
A
história do futebol está repleta de contos
de fadas, capítulos onde o frágil "David" derruba contra todas as
expectativas o gigante "Golias". Portugal guarda alguns contos no seu historial futebolístico,
mas há um que pela áurea inocente, pela pureza da idade, ficou na retina dos
apaixonados da modalidade... no que ela tem de melhor. Estávamos em 1978,
quando um jovem e desconhecido clube do interior surpreendeu o país da bola e conquistou um título que
era exclusivo - e continua a sê-lo
volvidos 44 anos - dos chamados grandes
do nosso futebol. O personagem principal desta fábula dá pelo nome de Cracks
Clube de Lamego, emblema fundado em 1974, por um empresário local chamado José
de Almeida, com a missão de formar jovens para o desporto e para a vida. E foi
precisamente através do seu notável trabalho nos escalões de formação que este
clube passou nos anos 70 a barreira do anonimato, cotando-se como uma boa
escola de futebol, um facto louvável, e a prova
provada de que longe dos grandes centros urbanos portugueses também se
trabalha bem e se consegue extrair diamantes
raros.
Mesmo
sem um recinto próprio - nos primeiros anos de existência o clube disputou os
seus jogos caseiros no campo de futebol do Liceu Latino Coelho, em Lamego - os
Cracks cedo deram mostras de que haviam nascido para ganhar. Logo no primeiro
ano de existência das camisolas listadas de vermelho e preto - as cores deste
emblema - foram campeões distritais de iniciados da Associação de Futebol de
Viseu, ficando em 8º lugar na fase nacional, despertando logo ali a curiosidade
da região onde se encontravam inseridos. A fasquia foi elevada no ano seguinte,
quando esta mesma equipa de iniciados se qualificou para a final da Taça Nacional
- hoje em dia denominado de campeonato nacional - do citado escalão. Encontro
decisivo esse que teve lugar em Leiria, sendo que o adversário dava pelo nome
de Belenenses. Com talento e muita humildade os desconhecidos Cracks de Lamego
estiveram muito perto de colocar o país de boca aberta, já quer deixaram escapar
o título nos minutos finais na sequência de uma derrota por 1-2, numa partida
em que até estiveram na frente do marcador. Tristes, mas satisfeitos, era este
misto de sentimentos que após esta final se fazia sentir no seio do jovem
clube, já que marcar presença numa final nacional com apenas dois anos de
existência era já um feito extraordinário.
Mas
quem pensasse que isto foi mera obra do acaso enganou-se, pois dois anos
volvidos esta equipa (agora no escalão de juvenis), mais madura e experiente,
mas com a mesma garra, união e humildade, entrou definitivamente na história do
futebol português. Mais do que uma equipa, os juvenis dos Cracks de 77/78 eram
um grupo muito unido, dentro e fora do campo, já que a esmagadora maioria deles
andava na mesma escola, conheciam-se de há muitos anos fora dos retângulos de
jogo, sendo que o futebol era só mais uma peça do puzzle que ajudou a
fortalecer os laços de amizade entre todos. E o pai desta grande família era também um carola, por assim dizer,
alguém que estava no futebol de forma desinteressada, e que se tornou numa
figura incontornável da história deste clube. José Marques da Silva, o seu
nome, que além de então presidente do clube era o treinador desta talentosa
equipa, alguém que aqueles cracks
ainda hoje consideram um pai, uma figura que mais do que formar jogadores formou
homens.
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O troféu de campeão nacional |
Ninguém
no país, se calhar nem mesmo em Lamego, poderia imaginar o final feliz que a
temporada de 1977/78 teve para os Cracks. Pé
ante pé a equipa lamecense atingiu uma nova final nacional, desta feita no
escalão de juvenis. E tal como dois anos antes, os lamecenses estavam longe de
serem favoritos nesta decisão que teve lugar no Estádio 25 de Abril, em Tomar,
já que pela frente encontraram outro símbolo do futebol nacional, o Vitória de
Setúbal. Comandados por Miguel Gonçalves os sadinos haviam deixado pelo caminho
até à final Benfica e Sporting, só para citar os pesos mais pesados, passe a
expressão. Porém, da teoria à prática o caminho por vezes é longo e enganador,
e os favoritos setubalenses foram vergados pelo (ainda muito) desconhecido
Cracks de Lamego, por 1-0. O tento foi da autoria de um dos meninos de ouro - não eram todos ? -
daquele grupo, Toni, aos 9 minutos da segunda parte, num excelente golpe de
cabeça que deu seguimento a um cruzamento vindo flanco esquerdo do ataque da
sua equipa.
Aquele
até então desconhecido emblema do grande público português conquistava o título
nacional de juvenis, um feito surpreendente até aos dias de hoje, já que mais
nenhum clube de pequena dimensão do interior do país logrou chegar tão longe.
A
emoção tomou conta de toda a comitiva de um clube amador, tão amador - na mais
pureza da palavra - que uma das histórias que antecede esta final de Tomar atesta
esta envolvência pura com o futebol. Reza a história que na chegada à cidade do
Rio Nabão a comitiva dos Cracks apercebe-se que não trouxera as meias do seu
equipamento oficial, sendo que valeu a boa vontade e gentileza do clube da
terra, o União de Tomar, que ostentava as mesmas cores, para que os craques do
Cracks, passe a redundância, entrassem em campo para disputar aquela histórica
final.
Como
já referimos, toda a comitiva dos novos campeões nacionais de juvenis verteu
lágrimas de emoção após o apito final, sendo um deles José Marques da Silva, que nas declarações
finais aos jornalistas disse que esta havia sido a vitória da humildade, um
triunfo que nas suas palavras premiava o esforço de quatro anos de existência
do clube.
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Um ângulo da Cidade de Lamego nos anos 70 |
A
cidade de Lamego rejubilou, naturalmente, com esta conquista dos seus meninos,
que no regresso a casa foram recebidos como verdadeiros heróis. Lamego parou na
receção aos Cracks, naquele histórico 3 de julho de 1978, tendo os campeões
nacionais percorrido a cidade a pé, mostrando uma taça que para muitos ainda
era um sonho ali estar. Por entre uma multidão em êxtase os campeões seriam
recebidos nos Paços do Concelho de Lamego, uma cidade que hoje olha para estes
jovens - hoje homens feitos - como imortais. Este título foi um dos primeiros
passos para que os Cracks de Lamego se tornassem nos anos/décadas seguintes numa
das boas escolas de formação do nosso futebol. Certo que nunca mais
conquistaram um título desta dimensão, mas as suas vitrinas estão recheadas de
muitas outras dezenas de cetros distritais, além de que catapultaram largas
dezenas de jogadores para patamares mais altos no futebol nacional.
Foi
precisamente isto o que acontece com os cracks
campeões de 1978, que depois deste feito centraram em si os olhares dos tubarões nacionais que foram a Lamego em
busca de explorar a verdadeira mina que ali tinha sido descoberta. Álvaro
Magalhães é hoje talvez o nome mais sonante daquela histórica equipa campeã
nacional, ele que viria após este feito a ser contratado pelo Benfica, onde fez
uma brilhante carreira, chegando a internacional (esteve presente no Europeu de
84, por exemplo). Para a Luz viajariam também Toni e José João, ao passo que Henrique
Ló e Martinho foram para a Académica. Para a eternidade fica o histórico
"onze" que em Tomar fez um pequeno clube da província mostrar que a
(tenra) idade e altura (pequena dimensão) não "jogam à bola": Moisés,
Martinho, José João (capitão de equipa), Vasco, Duarte, Toni, Henrique Ló, Álvaro
Magalhães, Mário, Jorge Eduardo e Telmo.
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