No
entanto, não seria Manuel José a apresentar o emblema de Portimão à Velha Europa do futebol, uma tarefa que
ficou nas mãos de Vítor Oliveira, que como já foi referido encerrou a sua
carreira de atleta no Algarve e foi um dos obreiros que em campo garantiu a
presença da Taça UEFA de 85/86. Vítor Oliveira que dava assim em Portimão
início a uma brilhante carreira de treinador, tendo passado nos 34 anos
seguintes por diversos clubes do nosso futebol, alcançando na maior parte deles
subidas de divisão, de tal maneira que ainda hoje é conhecido como o "Rei
das Subidas". Figura esta que desapareceu do nosso convívio muito
recentemente, em 2020, e que deixou, naturalmente, saudades a todos aqueles que
consigo trabalharam e conviveram.
Mas
voltamos à temporada de 85/86, onde o Portimonense fez alguns reajustes ao seu
plantel não só com o intuito de repetir a boa prestação interna da época
transata, mas de igual modo para fazer boa figura na estreia internacional.
Entre as novas caras encontravam-se o médio brasileiro Nivaldo, vindo do
Benfica, e o avançado Pita, que haveria de ficar com o seu nome gravado na
história do Portimonense no âmbito desta entrada na Europa do futebol.
O histórico "onze" do Portimonense que bateu o Partizan de Belgrado |
O apadrinhamento europeu dos algarvios foi feito por um emblema muito experiente nestas andanças, por um gigante do futebol do leste europeu, o Partizan de Belgrado. Se a inexperiência já de si era um fator que à partida condicionava os homens de Portimão, o facto de terem pela frente um dos maiores clubes da então Jugoslávia tornava esta numa missão praticamente impossível, o que se viria a confirmar no final da eliminatória. Mas o nosso foco é no jogo da primeira mão, em Portimão, cujo estádio se engalanou para o batismo europeu do seu clube. E quando aludimos ao termo engalanou queremos dizer que não era só a atmosfera quente - não só pelo calor típico algarvio, mas sobretudo pela massa adepta presente - que envolveu esse histórico encontro realizado a 18 de setembro de 1985, mas também porque nesse dia, ou melhor, nessa noite, era inaugurada a iluminação elétrica do estádio, que tinha custado a módica quantia de 35.000 contos. Quiçá todos estes condimentos ajudaram o Portimonense a alcançar uma vitória histórica, por 1-0, um resultado que assustou o Partizan, segundo a crónica de A Bola. Pela pena de uma magistral dupla de jornalistas, os Serpa, Homero (o pai) e Vítor (o filho), escreveu-se que na noite morna de Portimão o clube local, sem traquejo internacional, fez a sua estreia europeia ante um experiente Partizan, uma equipa com largo prestígio na Europa, e que talvez tivesse sido esta a razão pela qual a turma algarvia entrou em campo com uma certa inibição. Facto que com o passar do tempo se eclipsou, e o Portimonense começou a mostrar o desejo de dar boa conta do recado. Os portugueses foram para Vítor Serpa uma equipa «combativa, determinada, mas que não teve dúvidas nunca quanto à diferença da qualidade técnica que a separava do adversário. De tal modo assim foi que o Portimonense apenas conseguia equilibrar as operações, ou até, eventualmente, sobrepor-se ao seu adversário, quando adregava imprimir maior velocidade ao jogo, tirando assim partido da rapidez de execução de alguns dos seus jogadores. E sabe-se por um certo saber de experiência feito, o quanto de uma forma geral desagrada às equipas de leste jogar de pressa», assim descrevia o jornalista um jogo que terminou com uma «vitória saborosa na jornada que assinala a estreia - facto que só por si merece ser devidamente assinalado», mas que era um resultado que não garantia um passo decisivo para passar a eliminatória. E como estava certo o jornalista da Travessa da Queimada.
Já o seu pai escrevia que foi num ambiente «misto de euforia e de dúvidas - até
porque na sua opinião os algarvios ainda não haviam encontrado naquela época o
entrosamento necessário - que a equipa de
Vítor Oliveira entrou no relvado do seu estádio, pela primeira vez iluminado,
para defrontar, em desafio oficial, uma equipa estrangeira: Partizan de
Belgrado, uma turma habituadíssima às competições internacionais; portanto, com
muito mais experiência do que o Portimonense que só agora inaugurou esta nova
via num percurso que está a fazer, desde a Segunda Divisão, em constante
progresso».
Lance do jogo do Algarve |
Mais
a fundo, Homero Serpa dizia que as equipas jogaram este desafio do Algarve um
pouco no escuro, com algum receio uma da outra, tendo sido, no entanto, dos de
Portimão os dois primeiros sinais de algum perigo, sendo que na visão do
jornalista o primeiro lance é uma clara grande penalidade cometida por Nikodijevic
sobre Freire, que o árbitro belga Alphonse Constantin ignorou. Acrescentaria
que os primeiros dez minutos da partida foram de domínio algarvio, uma equipa
que nas suas palavras «se esqueceu da
categoria do adversário que tinha pela frente».
Nivaldo prepara-se para mais um ataque à baliza do Partizan |
Pita, um jogador que Homero Serpa considerava o melhor ponta-de-lança do futebol português a atuar de cabeça! O Partizan ficou perplexo com este golo, em contraposto com os adeptos algarvios, que entusiasmados por este festejo empolgaram ainda mais o seu conjunto. «Toda a equipa sobe de rendimento (...) Os jugoslavos perturbam-se. O Portimonense, galvanizado, arranca para uma exibição memorável, com um futebol de nível internacional. Sem grande técnica, mas, veloz, e com o aproveitamento milimétrico de todo o terreno. Agora, a equipa portuguesa torna se num bico-de-obra para o seu adversário», lia-se na reportagem de A Bola.
Vítor Oliveira passou de jogador a treinador dos algarvios |
Mas
ninguém tira aos algarvios o prazer de ter assustado os poderosos jugoslavos e
de se terem estreado nas competições europeias com uma surpreendente, mas
justa, vitória. Surpresa era pois o estado de alma que reinava no balneário do
Partizan no final do encontro, a começar pelo treinador Nenad Bjekovic. «Os portugueses estiveram muito bem e
confesso que me surpreenderam. Estava à espera que jogassem em passes curtos e
a trocarem a bola e apareceu-me um estilo de jogo totalmente, ao contrário. O
Portimonense surgiu a jogar em passes longos e a actuar muito bem de cabeça. (...)
No meu entender, os portugueses sobressaíram pelo seu jogo colectivo, se bem que
tenha de distinguir a exibição de Nivaldo, muito boa, um elemento que faz jogar
a equipa e demonstra bastante experiência», disse o técnico jugoslavo que
fez ainda uma antevisão do encontro da segunda mão, opinando que este seria
decisivo, e que a sua equipa tinha boas hipóteses de seguir em frente.
Cadorin, uma das principais figuras dos algarvios |
Na
cabine de Portimonense reinava a alegria, mas ao mesmo tempo um sentimento de
que o resultado era curto para a viagem à Jugoslávia quinze dias depois. Vítor
Oliveira estava satisfeito com a exibição da sua equipa e com o resultado, «embora reconheça que se tivéssemos marcado mais
um ou dois golos seria mais justo para a minha equipa. (...) Apesar de escasso
(o resultado), vamos tentar passar a eliminatória, a fim de prestigiar a cidade
de Portimão e o nome de Portugal», disse então o técnico.
Também
o experiente defesa Simões era de opinião que o score era curto em relação à exibição dos de Portimão, endereçando ainda uma palavra ao público
afeto à sua equipa: «não quero deixar de
enaltecer o apoio entusiástico que o público de Portimão nos dispensou e bom
seria que assim se mantivesse durante as jornadas do campeonato. Esse calor humano
à nossa volta só engrandece a equipa».
Para
a história do Portimonense e do futebol português aqui fica a ficha deste jogo:
Estádio
do Portimonense. Árbitro: Alphonse Constantin (Bélgica)
Portimonense:
Vital; Dinis, Balacó, Simões, Teixeirinha, Freire, Carvalho, Nivaldo, Luís
Reina, Pita e Cadorin. Substituições: Nivaldo por João Reina, Freire por Barão,
aos 40 e 44 minutos respetivamente. Treinador: Vítor Oliveira.
Partizan:
Omeovic; Radovic, Vermezovic, Capljic, Rojevic, Zivkovic, Stevanovic, Radanovic,
Nikodijevic, Varga e Vucievic. Substituições: Varga por Djukic, Stevanovic por
Diermai, aos 21 e 27 minutos, respetivamente. Treinador: Nenad Bjekovic.
Golo:
Pita, aos 47 minutos.
ENTREVISTA COM JOÃO REINA
«DIGNIFICÁMOS O FUTEBOL PORTUGUÊS E PRINCIPALMENTE O FUTEBOL ALGARVIO»
Algarvio de gema (nasceu em Olhão), João Reina era uma das figuras do plantel do Portimonense que viveu na pele a aventura europeia de 85/86. Ele participou no célebre jogo com o Partizan, entrando para o lugar de Nivaldo. Chegou a Portimão precisamente na histórica temporada em que o emblema algarvio alcançou o 5.º lugar que deu acesso à Taça UEFA, e nesta entrevista ao Museu Virtual do Futebol o antigo defesa recordou não só a épica vitória ante o conjunto oriundo da ex-Jugoslávia, como também falou dos timoneiros (Vítor Oliveira e Manuel José) que conduziram a nau algarvia naqueles anos dourados, bem como o significado que este triunfo teve para toda a região do Algarve.
João Reina com a camisola do Portimonense |
João
Reina (JR): O Portimonense já vinha fazendo boas épocas na 1.ª Divisão Nacional,
e com a entrada de vários jogadores e do treinador Manuel José, que tinha um grande conhecimento
do futebol português, a pré época correu muito bem e começámos nos lugares
acima do meio da tabela. Depois, fomos cimentando a nossa posição, conseguido a
qualificação (europeia) com muito mérito.
MVF: Recorda-se como é que Portimão, e o Algarve em geral, viveram esta qualificação para uma competição europeia?
JR:
Sendo o primeiro clube algarvio a conseguir esse feito Portimão e o Algarve
estavam naturalmente ansiosos à espera desses jogos (europeus).
MVF: E quando no sorteio uefeiro vos colocou pela frente o Partizan, um clube poderoso, oriundo de uma escola de futebol muito forte, o que vos passou pela cabeça nessa altura?
JR:
Toda a gente conhecia o Partizan, que na altura era uma das boas equipas da
Europa. Mas nós tínhamos o sonho de fazer uma boa prova.
MVF: O que vos disse Vítor Oliveira nos dias que antecederam este jogo, como é que ele trabalhou a vossa mente no sentido de ultrapassar este obstáculo?
JR:
O mister Vítor Oliveira sempre se
mostrou tranquilo, sempre a motivar-nos não só nestes jogos (europeus), como também
para os do campeonato. Mas sempre acreditando que poderíamos seguir em frente
nesta eliminatória.
MVF: Por falar em Vítor Oliveira, o João Reina partilhou o balneário com ele nos anos de Portimonense, quer enquanto colega de equipa, quer na qualidade de pupilo. O que lhe diz Vítor Oliveira ainda hoje, o que se lembra dele?
JR:
Como colega foi um orgulho fazer parte da equipa dele. Sempre foi amigo do seu
amigo, e como seu pupilo (mais tarde) dele sempre foi um treinador a pensar em
prol da equipa, sem olhar a nomes, fazendo
jogar quem estava seu melhor momento de forma. Com ele aprendi muito de
futebol, e já na altura o Portimonense jogava com três centrais e dois alas e eu
fui um dos que fui adaptado à posição de ala, onde penso que me saí bem. O Vítor
Oliveira é uma pessoa que nunca vou esquecer.
MVF: Não podemos esquecer que esta qualificação europeia foi obra de outro nome consagrado da tática em Portugal, Manuel José...
JR:
Foi o mister Manuel José que me levou
para o Portimonense, tendo ele conseguido o feito de nos apurarmos para uma
competição da UEFA. Foi dos bons treinadores que tive ao longo da minha
carreira, e dele guardo boas recordações, tal como do mister Vítor Oliveira.
MVF: Veio o dia do jogo, ou melhor, a noite, porque se estreava a iluminação artificial, e o que sentiu quando a bola começou a rolar no ambiente quente - no duplo sentido - algarvio. Como foram os primeiros minutos de jogo, estavam nervosos, acreditavam que podiam ganhar, em suma como estava a equipa?
JR:
Naturalmente estávamos todos nervosos, mas com o decorrer dos minutos fomos
acreditando que poderíamos fazer um bom resultado. Acho até que o 1-0 foi pouco
pelo que produzimos, principalmente na 2.ª parte. Tínhamos um excelente grupo. com
alguns jogadores mais experiente que encaravam o jogo de outra forma.
MVF: Rezam as crónicas que na segunda parte o Portimonense soltou-se mais, dominou o jogo, e veio o golaço de Pita. O que se lembra destes momentos da etapa complementar, do golo, e de que vos disse Vítor Oliveira ao intervalo e que mudou a atitude dos jogadores de Portimão (?)
JR:
O Portimonense, como já disse, fez uma grande 2.ª parte, tendo o golo do Pita
reposto alguma verdade no marcador. O Vítor Oliveira só nos fez acreditar que
poderíamos sair com uma vitória nesse jogo.
MVF: Esta é uma pergunta clássica, mas impõe-se: qual foi o segredo para vencer o Partizan naquela noite?
JR:
O segredo foi acreditarmos no grupo que tínhamos, e que fazendo um jogo sem
erros poderíamos ganhar. E foi o que aconteceu.
MVF: Tem ideia do que significou esta vitória para o clube e em particular para a região do Algarve, que até então internacionalmente era só conhecida pelo sol e pelas belas praias?
JR:
Para o clube foi o encarar o campeonato com mais tranquilidade, sabendo que os
nossos adversários iriam olhar pata nós de outra forma, respeitando-nos mais.
Para a região foi o dar a saber que no Algarve também existia futebol.
MVF: E depois, o que aconteceu em Belgrado para justificar a pesada derrota e a consequente eliminação da Taça UEFA?
JR: Em Belgrado sofremos logo nos primeiros minutos um golo, e contra estas equipas quando se sofre cedo dificilmente se consegue contrariar a sua maior experiência, como era o caso do Partizan. Mas penso que dignificámos o futebol português e principalmente o futebol algarvio.
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