O primeiro onze nacional em Riade |
O avião
da KLM que transportava oito das 16 seleções participantes – entre as quais
Portugal – no Campeonato do Mundo de Sub-20 de 1989 chega a Dahran no dia 13 de
fevereiro. As várias delegações foram recebidas em ambiente de festa e debaixo
de uma temperatura incómoda de 17 graus. Porém, os flashes e as objetivas das
máquinas fotográficas estavam centradas em duas ou três seleções: Nigéria, União
Soviética e Brasil, os principais favoritos na bolsa de apostas a vencer prova.
Os
próprios jogadores portugueses não eram unânimes na crença de ver Portugal
chegar ao título! Só o guarda-redes Fernando Brassard arriscava em colocar a
seleção lusa no lugar mais alto do pódio. Premunição? Viria a acertar em cheio!
Dez dos
restantes jogadores portugueses colocava Portugal na final com... o Brasil!
Era, de facto a final sonhada pela quase totalidade dos atletas, enquanto que
cinco deles previam um duelo final entre portugueses e soviéticos, quiçá
espreitando uma possível vingança da final do Euro de sub-19 perdida um ano
antes. Nesta sondagem aos 18 selecionados portugueses apenas Hélio, Tozé e
Xavier se inclinavam para uma final entre Brasil e União Soviética.
Após a
calorosa receção em Dahran a seleção portuguesa seguiu de autocarro até Riade,
onde iria integrar juntamente com a seleção da casa, a Nigéria e a
Checoslováquia o Grupo A da competição.
Dupla
suspeita no arranque da competição
Os "elefantes" nigerianos em Riade |
Ainda
antes do arranque da competição, no dia 17, a polémica instalou-se em torno dos
nigerianos, grandes favoritos à vitória no campeonato. E tudo por causa das
idades dos seus atletas.
Suspeitas
levantaram-se quanto à verdadeira idade dos africanos, na casa entre os 16 e os
19 anos, mas que na verdade... pareciam ter bem mais do que isso! Inclusive os
nigerianos haviam inscrito um atleta, Peter Ogaba, que no Bilhete de Identidade
dizia ter 14 anos (!), mas cuja aparência robusta indicava ter no mínimo o
dobro!
Na tentativa
de retirar os holofotes da suspeita da sua seleção, o treinador nigeriano,
Olatunde Disu, questionou os jornalistas da seguinte forma: «Vocês já os viram
(aos jogadores nigerianos) comer? São uns elefantes, comem comem, comem e estão
sempre cheios de fome!».
Estádio King Fahd |
Com a
“pulga atrás da orelha” estavam também os portugueses relativamente ao árbitro
brasileiro José Wright. Com fama de durão este professor do Rio de Janeiro
havia sido nomeado pela FIFA para dirigir dois encontros (!) de Portugal nesta
fase de grupos. Estaria o organismo máximo a preparar um cozinhado para afastar os portugueses da fase seguinte? A suspeita
pairou no ar... mas não se veio a confirmar, como veremos mais à frente.
Mas nem
tudo eram espinhos neste pontapé de
saída do Mundial. As delegações que marcaram presença na Arábia ficaram desde
logo deslumbradas com a imponência e beleza do Estádio King Fahd, em Riade, um
recinto de fascinante arquitetura, inaugurado um ano antes e que se
assemelhava... a um oásis no meio do
deserto!
E eis
que chega a hora de a seleção nacional pisar oficialmente o relvado desta
maravilha arquitetónica perante a Checoslováquia.
Serviços
mínimos chegaram para vencer na estreia
Depois
deste infortúnio a seleção nacional levou tempo a soltar-se e a mostrar o seu
real valor e a vitória só seria conquistada a dois minutos do fim graças a um
soberbo golo de Paulo Alves. A Bola
escrevia que «com alguns portugueses na bancada que juntamente com os sauditas
apoiaram a seleção, esta foi em suma uma partida tática e conservadora que só
conheceu fases de interesse na segunda parte».
Entrada com o pé direito festejada efusivamente |
O facto
de os checoslovacos terem jogado com cautelas serviu os interesses de Portugal.
Queiroz percebe que não pode continuar no impasse. Portugal era uma equipa
compacta mas pouco explosiva. Faz entrar João Pinto e o jogo mudou. Entrou para
a posição intermédia, entre o meio campo e o ataque, e a equipa portuguesa
ganhou maior mobilidade. Portugal passava a atacar com mais unidades: João
Pinto, Sousa, Resende e Paulo Alves.
A
seleção passou a jogar com mais uma unidade na frente o que fez aumentar
consideravelmente a sua sedução pelo ataque. Os portugueses começavam a
soltar-se e a dar uma ideia mais aproximada do seu valor. (Por sua vez) Os
checoslovacos contra-atacavam com algum perigo mas sempre com pouca audácia. Os
últimos 20 minutos dos portugueses foram muito aceitáveis (…) e veio o golão de
Paulo Alves e a certeza de que Portugal mesmo sem ter feito uma exibição bonita
acabou por cumprir a sua função.
O
árbitro brasileiro Wright também a cumpriu: foi imparcial».
Quanto
ao árbitro estavam, aparentemente dissipadas as suspeitas iniciais dos
portugueses, que neste primeiro jogo se puderam dar por mais felizes com o
resultado do que com a exibição.
Para
recordar (eternamente) também o golaço milagroso de Paulo Alves: numa jogada
desenvolvida no lado direito e protagonizada por Abel Silva em que este
conseguiu, já numa zona já adiantada do terreno, vencer a oposição de um
adversário, cruzando depois para o interior da área contrária, onde apareceu
Paulo Alves que saltando muito bem arrancou um “tiro” de cabeça para o fundo da
baliza de Juraka.
Para
Carlos Queiroz, «as duas equipas devem sentir-se orgulhosas porque lutaram
muito, com imensa coragem. Devo reconhecer que Portugal não jogou bem na 1.ª
parte, não jogou um futebol bonito, mais de acordo com aquilo que lhe é
habitual. No segundo tempo a equipa pôde jogar muito melhor», disse o técnico
que não escondeu a felicidade de ver a sua equipa entrar com o pé direito no
Mundial.
No
plano individual, Bizarro fez esquecer Vítor Baía e Paulo Madeira esteve
imperial na defesa. Notas soltas de uma exibição... assim assim.
Neste
primeiro jogo a equipa lusa alinhou com: (12) Bizarro; (2) Abel Silva, (10)
Paulo Madeira, (15) Valido e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio e (11) Filipe
( (14) João Pinto, ao intervalo); (6) Jorge Couto ( (4) Paulo Sousa, aos 7m),
(3) Paulo Alves e (13) Resende.
Magia
de João Pinto eclipsou arrogância nigeriana
O onze inicial que venceu categoricamente a Nigéria |
Vindos
igualmente de uma vitória mínima (2-1) no jogo de estreia ante os anfitriões da
Arábia Saudita, os nigerianos continuavam a espalhar excesso de... confiança de
que o título mundial dificilmente lhes iria escapar.
Esta
atitude, de certa maneira arrogante, acabou por beneficiar Portugal, que neste
jogo realizou a melhor exibição na 1.ª fase. Enquanto os nigerianos desfilavam
nas areias do deserto como se fossem
as maiores estrelas deste Mundial, Carlos Queiroz preparava uma revolução
tática na seleção nacional que... trocou às voltas aos africanos.
Desde
logo alterou o esquema tático, passado do habitual 4-3-3 para um 4-4-2. Para
fazer companhia a Paulo Alves na frente de ataque luso, Queiroz lançou João
Pinto, uma aposta que se viria a revelar mais do que acertada! Mas as mexidas
no tabuleiro nacional não se ficaram
por aqui. Paulo Madeira foi colocado a lateral direito, Fernando Couto entrou
para o eixo da defesa, Abel Silva passou para médio direito e Xavier entrou
para a meia esquerda.
«Com
isto, Portugal reforçou a sua capacidade defensiva e o seu poder de resistência
ao choque», disse o jornalista Rui Santos na análise ao que seria a segunda
vitória lusa no torneio.
João Pinto prisioneiro de dois árabes |
Para A Bola, o jovem astro do Boavista «abria uma nova era no futebol português, através do seu futebol de grande
qualidade que se plasma dentro e fora das grandes áreas». Estava encontrado o
sucessor de Paulo Futre no trono de rei
do futebol lusitano.
Na
crónica do jogo, A Bola escrevia que «ao
atirar para o campo uma formação robusta para poder suportar o primeiro impacto
ditado pelos nigerianos, Queiroz e Vingada acertaram no 20,como se costuma
dizer.
Bela
lição de estratégia que deram. E não se ficou por aqui. Quando Paulo Alves se
lesionou nos lances iniciais da partida, pensou-se que Portugal pudesse perder
sedução pela finalização. Os professores tornearam a questão de forma
inteligente, fazendo adiantar Xavier, jogador de grande porte, para a zona dos
centrais contrários. Cumprida a missão de suster o impacto inicial dos
africanos a missão de Portugal mudou no segundo tempo. Xavier recuou para o
meio campo e Folha entrou para o ataque. A ideia era esta: já levaram com uma
dose de músculo, agora levem com uma dose de imaginação. Folha foi a
inteligência dinâmica dos portugueses. Ficou percetível que o futebol força dos
africanos foi insuficiente perante a sólida estrutura de Portugal e do seu
futebol imaginativo. E com as expulsões de dois nigerianos tudo ficou mais
fácil (…) O caminho da vitória foi desbravado com muita inteligência».
Mas a
nota artística foi mesmo para João Pinto, cuja mágica criatividade derrubou os
nigerianos à passagem do minuto 80. Na sequência de um centro de Morgado, no
lado esquerdo, Hélio cabeceou na direção do novo menino de ouro do futebol português, que por sua vez dominou o
esférico com o peito e na sua trajetória descendente aplicou-lhe um pontapé
forte e certeiro para o fundo da rede de Ikeji.
Portugal
jogou com: (12) Bizarro; (15) Valido), (10) Paulo Madeira), (16) Fernando Couto
e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio, (2) Abel Silva ( (17) Folha, ao
intervalo) e (9) Xavier; (14) João Pinto e (3) Paulo Alves ( (11) Filipe, aos
25m).
Descontração
geral acabou em goleada
João Pinto, Abel e Bizarro |
Frágil
nas aparências, porque na realidade a equipa orientada pelo brasileiro José
Roberto Ávila foi um osso duro de roer
para os pupilos de Queiroz. E assim o foi muito por culpa da postura demasiado
desinibida dos tugas... e das areias do deserto que pairavam sobre o
relvado. Uma forte rajada de vento que se fez sentir na hora do encontro, levou
uma nuvem de areia do deserto para o interior do estádio, facto de que se
queixaram os portugueses. Mas, na verdade, o que lhes atirou o maior volume de
areia para os olhos foi mesmo a seleção local, conforme explicou o jornalista
Rui Santos. «A equipa portuguesa convenceu-se de que após bater a Checoslováquia
e a Nigéria tinha direito a um dia de folga (…) Os jogadores portugueses nem sequer
tentaram resolvera a partida nos minutos iniciais para depois gerirem a
vantagem (…) muita lentidão caraterizou toda a primeira parte, mas a equipa portuguesa
podia ser lenta e ao mesmo tempo rigorosa, mas não foi. Durante muito tempo
Portugal lá foi empastelando o jogo até ao meio campo, mas a partir daí parece
que a equipa estava condenada a perder a bola.
Portugal
não tinha razões nenhumas para se queixar. Consentiu o agigantamento da Arábia.
Queiroz decide colocar Folha na direita e o portista através do seu atrevimento
transmitiu uma centelha de atrevimento ao futebol da equipa portuguesa. Até
João Pinto não atinava. (…) Acontece então o segundo golo e Portugal revela-se
impotente para reagir. (...) Em resumo, Portugal disse ontem um redondo não ao
bom futebol depois de uma exibição inteligente e eloquente ante a Nigéria».
Nem João Pinto valeu a Portugal diante dos árabes |
Para o
guarda-redes Bizarro, a seleção concedeu muitos espaços aos sauditas, ao passo
que para Valido a culpa da derrota «foi de todos». Por seu turno, Folha
queixou-se do vento forte que se fez sentir.
Como
consequência da derrota, Portugal continuou instalado em Riade, já que no outro
jogo do grupo o empate dos nigerianos a 18 minutos do fim ditou que os
africanos iriam fazer as malas para Damman, onde iriam defrontar a União
Soviética. Do mal o menos para o conjunto português, até porque Riade seria
cidade talismã.
Ante a
Arábia Saudita, os portugueses jogaram com: (12) Bizarro; (15) Valido), (10)
Paulo Madeira), (16) Fernando Couto e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio, (9)
Xavier, (4) Paulo Sousa ( (17) Folha, aos 54m) e (13) Resende ( (3) Paulo
Alves, ao intervalo); (14) João Pinto.
(continua)
Vídeos:
PORTUGAL - CHECOSLOVÁQUIA: 1-0
PORTUGAL - NIGÉRIA: 1-0
PORTUGAL - ARÁBIA SAUDITA: 0-3
PORTUGAL - NIGÉRIA: 1-0
PORTUGAL - ARÁBIA SAUDITA: 0-3
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