O inglês George Moorhouse |
Para os ingleses, isso seria uma estocada no seu orgulho e vaidade autoritária de donos e senhores do belo jogo.
Esta posição fez com que ignorassem por completo a ideia de Robert Guérin, jornalista (francês) do Le Matin, de Paris, e secretário do Departamento de Futebol da União Francesa de Desportos, que em 1902 iniciou contactos com algumas associações (ou federações) nacionais de países como a Espanha, a Holanda, a Suécia e a Dinamarca no sentido de criar uma organização internacional que tutelasse o futebol a nível mundial.
Robert Guérin |
Reunidos
em Paris, na Rue Saint Honoré, nº 229, representantes das associações nacionais
de França, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça fundaram nesse
dia a FIFA.
De
pronto foram encetados convites a outras associações/federações nacionais para
integrar o recém-criado organismo internacional – para o qual Robert Guérin foi
nomeado presidente –, entre eles a Inglaterra, que além de (continuar a)
recusar a integração nesta nova entidade, não a reconhecia oficialmente.
Inclusive, e já depois de a FIFA ter visto a “luz do dia”, a Football
Association (FA) reuniu em Londres várias associações nacionais com o intuito
de mostrar “quem continuava a conduzir os destinos do futebol planetário”.
A
FA tinha por estes dias associadas a si federações dos Estados Unidos da
América, Chile, ou Argentina, criando assim um autêntico braço de ferro com a
FIFA. A renitência por parte dos ingleses em reconhecer esta federação como a
entidade máxima do futebol internacional durou até 1906, quando em Berna o
inglês Daniel Burley Woolfall foi nomeado presidente do organismo, sucedendo no
cargo a Guérin.
A primeira sede da FIFA, em Paris |
Com Woolfall no poder os ingleses sentiam-se novamente senhores do futebol planetário.
O então presidente da FIFA teve um papel decisivo não só na internacionalização das leis do jogo, como também na criação daquela que é talvez a primeira grande competição internacional de futebol e que esteve na génese da idealização do atual Campeonato do Mundo da FIFA: o torneio olímpico de futebol.
Competição que foi inserida nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1908, e que até à criação do Mundial FIFA foi a prova mais importante do futebol planetário ao nível de seleções – pese embora a FA tenha controlado as operações do primeiro torneio olímpico de futebol oficial, denotando aqui uma autoridade arrogante sobre a FIFA.
Com
a morte de Woolfall, em 1918, a Inglaterra voltou a afastar-se da FIFA, numa
altura em que o organismo internacional passava por uma fase conturbada da sua
curta existência, como consequência dos “estilhaços” provocados pela I Guerra
Mundial.
Jules Rimet: o pai do Campeonato do Mundo |
O cromo de Moorhouse nos tempos do Tranmere Rovers |
Combatente
na I Guerra Mundial, Moorhouse começou por defender – enquanto profissional – a
camisola do Tranmere Rovers, pese embora o tenha feito sobretudo ao serviço das
reservas do clube de Merseyside, entre 1921 e 1923. Com poucas oportunidades
para mostrar o seu valor, George Moorhouse – que no terreno de jogo atuava como
lateral-esquerdo – atravessou o Atlântico, rumo ao Canadá, com o intuito de
encontrar uma vida melhor num continente (americano) que aos olhos dos europeus
se afigurava como a “terra prometida”, bem diferente de uma Europa que por
estes dias tentava curar as feridas provocadas pelo primeiro grande confronto
bélico da História.
Moorhouse
chegou ao Canadá em 1923, tendo ali representado – ainda que de forma amadora –
os Pacific Railway, uma equipa constituída por elementos ligados aos caminhos
de ferro da região do Quebec. E se em Inglaterra o talento do nativo de
Liverpool havia passado praticamente despercebido, na América do Norte tal não
viria a acontecer. Após um par de jogos ao serviço dos Pacific Railway, o
jogador inglês impressionou um dos grandes impulsionadores do soccer norte-americano dos anos 20, Nat
Agar, também ele um inglês de berço que enquanto futebolista viveu os primeiros
passos da modalidade em Terras do Tio Sam,
sendo que enquanto dirigente esteve na génese da fundação da United States Football Association, em
1913.
Além
de figura influente do soccer, Agar
era igualmente o proprietário dos Brooklyn Wanderers, tendo de pronto convidado
Moorhouse para se juntar à sua equipa. Assim foi. A aventura do cidadão de
Liverpool no clube de Agar duraria somente um par de meses, pois ao fim de quatro
soberbas exibições, George Moorhouse tinha Nova Iorque a seus pés. Foi então
que aquele que era para muitos o maior emblema da Big Apple – e um dos maiores de toda a América – de então seduziu o
habilidoso full-back para os seus
quadros. Corria o (final de) ano de 1923 quando os New York Giants contrataram
Moorhouse. Nos Giants, o inglês tocou a fama, tornando-se num dos mais
reputados futebolistas da América nos anos 20, precisamente na chamada Golden Era (Era Dourada) do soccer estado-unidense. Defendeu o clube
ao longo de sete temporadas ao mais alto nível, o mesmo é dizer na American Soccer League, a principal
competição nacional dos States de
então, tendo disputado por este emblema um total de 241 jogos e apontado 46
golos, registo impressionante para um lateral-esquerdo.
A "cortina de aço" yankee: Wood, Douglas e Moorhouse |
Ele foi um dos 16 selecionados de Bob Millar (treinador) para efetuar a viagem pelas águas do Atlântico rumo à América do Sul, no sentido de defender as cores da bandeira da América na primeira edição do Campeonato do Mundo da FIFA.
A
estreia de Moorhouse pelo combinado nacional havia-se dado quatro anos antes,
tendo o Canadá sido atropelado por concludentes 6-1 num encontro particular.
Julho de 1930 entra na história do desporto planetário como o mês em que em
Montevideu foi dado o pontapé de saída
do sonho de Jules Rimet: o Campeonato do Mundo. Moorhouse estava lá, e
juntamente com outros extraordinários futebolistas como Bart McGhee, Bert
Patenaude, Jimmy Douglas, Tom Florie ou o luso-americano Billy Gonsalves
conduziu a seleção yankee à melhor
performance de sempre num Mundial FIFA: o 3.º lugar. Goerge Moorhouse, o
guarda-redes Douglas e o defesa Alexander Wood foram apelidados pela imprensa
sul-americana (presente no evento) como a “cortina de aço”, pela solidez com
que fechavam os caminhos da sua baliza, enquanto que lá na frente Florie,
Patenaude, McGhee e Gonsalves tratavam de atormentar os defesas adversários.
Seleção norte-americana que participou no Mundial de 1930 |
Alguns
historiadores apontam que esta desconfiança e suspeita sobre a seleção yankee remonta ao facto de que o poderio
(monetário) do soccer daquele país
nos anos 20 fez atrair grandes estrelas do futebol europeu, que não só
procuravam na América um nível de vida melhor, mas sobretudo tentavam fugir da
Guerra que assolava o Velho Continente.
Atletas provenientes da Inglaterra, Escócia, Áustria, Hungria, Itália, ou
Alemanha emergiram em vários clubes norte-americanos durante a referida década
de 20 – a Golden Era do soccer estado-unidense –, fazendo
inúmeras digressões não só pelo continente americano como também pela Europa.
Ora,
terá sido esta multiculturalidade que vigorou durante anos no futebol dos States que levou outros países a
desconfiarem da “originalidade” da seleção estado-unidense no primeiro grande
torneio da FIFA. Certo é que no dia 13 de julho os Estados Unidos da América
tinham a honra de dar o pontapé de saída
do primeiro Campeonato do Mundo da história, quando no Parque Central de
Montevideu enfrentaram a Bélgica – no mesmo dia e na mesma hora, também jogaram
as seleções de França e México no Estádio de Pocitos.
Fase do jogo entre EUA e Paraguai |
O
facto de a Jugoslávia – derrotada na outra semi-final ante os futuros campeões
mundiais, do Uruguai – se ter recusado a disputar o encontro de atribuição dos
3.º e 4.º lugares conferiu aos norte-americanos a medalha de bronze, o que
ainda hoje constitui o melhor resultado numa fase final de um Mundial de uma
nação que sonha um dia vir a ser a número 1, como em tantas outras modalidades.
Porém,
a aventura de Moorhouse com a seleção prolongar-se-ia até ao Mundial seguinte,
realizado em Itália, em 1934, tendo o inglês (naturalizado) sido novamente
selecionado e nomeado – desta feita – como capitão de equipa. Apesar de o
combinado agora às ordens do escocês David Gould incluir algumas lendas do
Mundial anterior, como Gonsalves, Florie, Jimmy Gallagher e o próprio
Moorhouse, o que é certo é que os States
cedo saíram da competição, após serem esmagados por 7-1 pela equipa da casa, na
primeira ronda de eliminatórias.
Após
a saída do futebol, George Moorhouse continuou a viver no país que lhe abriu as
portas do belo jogo ao mais alto
nível, a nação que o tirou do anonimato das reservas do Tranmere Rovers e que
lhe concedeu a honra de figurar no National
Soccer Hall of Fame, privilégio só concedido aos grandes ícones do soccer.
Faleceu
a 13 de julho de 1982, curiosamente o mesmo em que meio século antes havia
entrado na história ao “antecipar-se” à sua pátria natal na participação num
Mundial FIFA.
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