terça-feira, abril 03, 2012

Histórias do Futebol em Portugal (5)... À quinta foi de vez: Portugal, finalmente, chega às vitórias

Contrariamente ao que diz o velho ditado de que «à terceira é sempre de vez» só à quinta tentativa é que a seleção portuguesa de futebol alcançou a primeira vitória da sua história. E fê-lo contra uma poderosa Itália que não muito tempo após este histórico momento do futebol lusitano haveria de dominar o planeta da bola na sequência da conquista de dois Campeonatos do Mundo consecutivos.
Antes do confronto com a “squadra azzurra” Portugal havia disputado quatro encontros particulares, todos diante da vizinha Espanha... e todos concluidos com derrotas para as cores portuguesas. Porém, na tarde de 28 de junho de 1925 a sorte mudou para a armada lusitana. Na “catedral” do Lumiar, em Lisboa, Portugal disputava mais um particular, desta feita diante de um novo adversário. Desafio que à boa moda portuguesa seria antecedido de alguns episódios caricatos, desde logo a chacota pública de que foi alvo a decisão do selecionador nacional de então, Ribeiro dos Reis, em levar os atletas escolhidos para um estágio. Militar de profissão Ribeiro dos Reis impôs então um rigoroso programa de treinos aos homens por si escolhidos, à moda daquilo o que se fazia... no exército! Foram realizados retiros rigorosos para localidades fora da capital, um não menos rigoroso regime de (uma saudável) alimentação, e duras caminhadas por serras e montes acompanhadas de longas sessões de exercícios físicos.
A opinião pública, espicaçada em parte pela imprensa da época e por alguns “inimigos” da seleção (!), lançava faíscas de ironia dizendo que tal procedimento mais «parecia a tropa!», ou que «o estágio é uma paródia, as massagens dão cabo dos homens de barba rija, ovomaltine e chocolates são para crianças!». Não se sabendo se terá sido ou não devido ao estágio o que é certo é que perante 16 000 almas Portugal bateu a Itália por 1-0, alcançando assim o primeiro triunfo da sua curta vida futebolística (recorde-se que a estreia da seleção havia sido em dezembro de 1921 diante da Espanha, em Madrid, capítulo esse que o Museu já aqui recordou noutras viagens ao passado). Esta vitória foi engolida em seco pelos críticos da época, pois... dali em diante os estágios foram uma constante para as equipas de futebol nacional. Ah, falta o golo, esse foi da autoria do sportinguista João Francisco Maia.
Novidade para a época foi também o facto da imprensa ter dado um destaque especial a este jogo, pois além de uma ampla cobertura dos acontecimentos nele ocorridos apresentou uma análise individual de cada um dos onze guerreiros lusitanos que entraram em campo. Uma banalidade nos dias de hoje pouco comum para aquela época levada a cabo pelo jornal O Sport de Lisboa.
Aqui fica pois na integra (com as “regras” ortográficas da época) essa histórica análise individual daqueles imortais heróis lusitanos:

Francisco Vieira, do Sport Lisboa e Benfica: Pareceu-nos possuido de um nervosismo, que não lhe conheciamos. Possivelmente, falta de confiança. Foi valente e arrojado. Teve algumas defesas de encaixe que lhe falharam, deixando resvalar a bola das mãos; valeu-lhe o facto de os avançados italianos não o carregarem. A par destes escapanços, e compensando-os, executou defesas de valor. E entrou amiude em acção, na segunda parte. As suas mais difíceis defesas foram, porém, realizadas no primeiro tempo, a dois livres. Em geral, viu o seu trabalho facilitado por não ser carregado. A característica marcante do ataque italiano – denunciar o remate – permitiu-lhe boas defesas. Foi brilhante, umas vezes; e mediocre, outras.



Anónio Pinho, do Casa Pia A.C.: Um começo difícil. Depois, achou-se. A formidável actuação do seu médio, reduziu-lhe sensivelmente o número de entradas em disputa de jogo: foi seguro.
No geral, segurança e valentia, comquanto pouco usado. Útil na defesa e feliz nas jogadas do contra-ataque.






Jorge Vieira, do Sporting Clube de Portugal: Em competência com uma aza perigosa e compenetrada, que gastou muita energia ao médio, Jorge foi obrigado a entrar em jogo muitas mais vezes que o seu companheiro. Sempre brilhante e sempre oportuno. Capitão magnífico; incitando e instruindo.






Raul Figueiredo, do Sporting Clube Olhanense: O melhor dos portuguêses; o mais brilhante em campo. O melhor dos nossos porque não há um erro sequer a desculpar-se-lhe; o mais brilhante em campo, porque de todos os jogadores italianos e nossos, foi aquele que melhor dominou a bola e aquele que executou com mais perfeição. Possue o estofo de internacional.






Augusto Silva, do Clube de Futebol “Os Belenenses”: No geral, foi um trabalhador esforçado, batido nas jogadas de defesa, lembremos que quando um médio-centro joga contra um trio interior bem compenetrado, como o de Itália, há-de forçosamente ter pouca acção nas jogadas de defesa; passa o tempo à procura da bola mas é batido naturalmente; e a intercepção quando se dá, deriva mais dum passe, mal colocado, por qualquer desses três homens, que pela própria acção do médio.
Ora, Silva foi batido na defesa e não conseguiu no decurso do jogo três aberturas às pontas. Dizendo-se que durante o encontro muitas e muitas vezes, Silva bateu o médio contrário, denunciou a abertura aos extremos, e acabou por dar um pontapé tortíssimo no adversário (???), cremos pronunciar a verdade, considerando natural a má saída do jogo da defesa e mal sucedido o jogo de contra-ataque que ele com inteligência esboçou.




César de Matos, do Clube de Futebol “Os Belenenses”: Receoso, desde os primeiros momentos. A aza direita italiana utilizou-o a seu bel prazer. Só nas jogadas altas César teve vantagem. Poucas, muito poucas vezes, César lançou o seu ponta. Mostrou-se pouco decidido nas entradas ao lançamento do extremo contrário.






Domingos Neves, do Sporting Clube Olhanense: O aspecto principal da sua exibição foi: apatia. Internou-se pouco. Centrando, cometeu várias vezes o erro de atirar em completas condições de desiquilibrio, originando assim um número elevado de pontapés altos e atrazados.
Foi batido pelo médio contrário por teimar em receber a bola sem ir ao seu encontro, isto é, esperar que ele fosse ter consigo, junto à linha lateral, onde estava postado.





Mário de Carvalho, do Sport Lisboa e Benfica: Pareceu-se muita a sua exibição com a de Augusto Silva. Foi muitas vezes mal sucedido. Recebia a bola do médio, esboçava um ataque, mas quando passava, dava à bola efeitos que não vinham ao caso. E, em geral, esqueceu-se de apontar às redes, principalmente no primeiro tempo.





João Francisco Maia, do Sporting Clube de Portugal: Apezar de ter marcado a bola, que deu a vitória às nossas novas côres, Maia foi um avançado-centro que teve a sua melhor acção na defesa, junto a qualquer da linha intermédia. Trabalhou muito jogo da defesa até à linha de ataque; chegando à altura dos seus companheiros da frente; foi umas vezes incompreendido; outras, incompreensível.
O mais esforçado de toda a linha de Portugal; constantemente em jogo, do príncipio até ao fim.





José Delfim, do Sporting Clube Olhanense: Foi o mais perfeito da linha da frente. As melhores avançadas foram obra sua. Dominou bem a bola.

É um jogador de grande futuro.






Manuel Fonseca, do Académico Futebol Clube (do Porto): Muitíssimo infeliz. A julgar pelo que fez nos treinos de Lisboa e das Caldas, deve ser atribuída a uma má tarde, a sua má exibição de quinta-feira. Talvez um tanto de nervosismo, proveniente da estreia.






Legenda das fotografias:
1-O "onze" nacional saudando o público após a histórica vitória sobre a Itália
2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12- Um a um, os grandes obreiros do triunfo lusitano sobre a squadra azzurra

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