terça-feira, fevereiro 08, 2011

Grandes Mestres da Táctica (6)... Bora Milutinovic

Pode não ter os títulos, os prémios, e a consequente fama que deles advêm conquistados por mestres como José Mourinho ou Alex Ferguson –só para citar os actualmente mais mediáticos técnicos do Mundo – mas tem algo que dificilmente alguma destas duas lendas da táctica algum dia conseguirão: estar presente em CINCO Campeonantos do Mundo CONSECUTIVOS com CINCO equipas diferentes! Leram bem os prezados visitantes, não há qualquer tipo de engano. Um facto, ou melhor dizendo, um recorde no planeta da bola, que pertence a Bora Milutinovic, o nosso mestre da táctica de hoje. Uma pequeno parêntese para dizer que no último Mundial, realizado em 2010 na África do Sul, o brasileiro Carlos Alberto Parreira igualou Bora em termos de presenças em certames máximos da FIFA, pese embora não o tenha feita em campeonatos consecutivos.
Voltando ao ilustre visitado de hoje é de dizer antes do mais que ele é um filho da ex-Jugoslávia, país onde nasceu a 7 de Setembro de 1944. Enquanto jogador os seus desempenhos passam despercebidos à lupa dos mais atentos ao fenómeno da bola, visto que a sua carreira, pouco mais do que modesta, foi desenvolvida na Jugoslávia (ao serviço do FK Bor, OFK Belgrado e Partizan de Belgrado), França (Nice, Mónaco e Rouen), Suíça (Winterthur) e México (Pumas UNAM). Mesmo assim dava já para ver a tendência de “caixeiro viajante” do futebol, deambulando de país para país com a bola a “correr-lhe nas veias”.
E seria precisamente no México que Milutinovic daria o pontapé de saída numa invejável e “variada” carreira de treinador. Penduradas as chuteiras em 1977 inicia nesse mesmo ano uma caminhada de quatro anos ao serviço do Pumas UNAM. Uma caminhada com uma performance bastante positiva, facto que levou a federação mexicana a requisitar os seus serviços em 1983. O objectivo pedido de imediato ao treinador jugoslavo passava por levar a selecção principal dos “aztecas” o mais longe possível no Mundial de 1986, que iria decorrer precisamente no México (embora em 83 ainda estivesse atribuido à Colômbia, que mais tarde, e face aos graves problemas económicos que o país enfrenteva, abandonaria a organização a favor dos mexicanos).

Mundial 1986: Prova superada (1)

Para satisfazer o pedido dos responsáveis federativos mexicanos Bora construiu uma das melhores selecções mexicanas da história, formada por ícones como Negrete, Carlos Hermosillo, Quirarte, ou a estrela-mor da companhia Hugo Sanchez, na época um dos avançados mais temidos do planeta.
Na fase de grupos os mexicanos levaram a melhor sobre a concorrência, alguma dela de peso, diga-se de passagem, como é o caso da Bélgica, na época um dos melhores combinados do Mundo com estrelas como Pfaff, Gerets, Scifo, ou Ceulemans. E seriam precisamente os belgas (que neste Mundial terminariam no 4º lugar final) as primeiras vítimas da armada de Bora. Uma vitória por 2-1 num completamente lotado Estádio Azteca (110.000 pessoas) colocava o povo mexicano em delírio.
No jogo seguinte um precioso empate a uma bola com o não menos perigoso Paraguai de Romerito punha os anfitriões com um pé na fase seguinte da prova. E a confirmação deu-se na derradeira jornada do grupo B quando um golo solitário de Fernando Quirarte sobre o Iraque deu o definitivo passaporte ao México para os oitavos-de-final.
Pelo facto de ter conquistado o 1º lugar do seu grupo a selecção mexicana continuou a realizar os seus jogos no imperial e gigantesco Azteca, catedral que no primeiro jogo dos oitavos-de-final colocaria frente-a-frente a turma da casa e a Bulgária. E ai, perante 114.000 almas, na sequência de mais uma exibição muito positiva, o México subia mais um degrau do seu Mundial, já que eliminava os búlgaros com dois tentos sem resposta.
Desde logo estava igualada a melhor performance dos mexicanos em Campeonatos do Mundo: os quartos-de-final, um feito conquistado pela selecção de 1970 no Mundial que nesse mesmo ano decorreu curiosamente no México.
E nos quartos-de-final do Mundial 86 Bora tinha pela frente um difícil obstáculo chamado Alemanha Ocidental. O nome diz tudo. Era tão somente uma das mais poderosas equipas do Mundo. Os bravos mexicanos não se amedrontaram, muito longe disso, e fizeram a vida negra ao combinado orientado pela antiga lenda dos relvados Franz Beckenbauer. De tal maneira que o jogo chegou ao final do tempo extra empatado a zero bolas, tendo então a surgido a necessidade do desempate por grandes penalidades. Aqui a lotaria saiu aos germânicos, mas Bora e os seus pupilos foram apelaudidos de pé por um público orgulhoso do desempenho da sua pátria. A prova estava assim superada para Bora.
Depois deste Mundial o treinador voltou ao trabalho nos clubes, tendo em 1987 efectuado breves passagens – sem grande sucesso – pela Argentina (ao serviço do San Lorenzo) e por Itália (Udinese).

Mundial 1990: Aventura memorável com os “ticos”

Terminada a curta experiência ao serviço dos clubes atrás citados Bora voltaria a abraçar um projecto lançado por uma federação de futebol, neste caso a da Costa Rica, que o convidaria a dirigir o combinado principal daquele país nas eliminatórias para o Mundial de 1990, o qual iria decorrer em Itália.
Pegando em jogadores completamente desconhecidos o jugoslavo operou o primeiro grande milagre da sua carreira como técnico: levar os “ticos” (alcunha da selecção costa-riquenha) à fase final do Mundial. Um feito digno de um sublinhado mais carregado, tendo em conta que na primeira experiência de Milutinovic na fase final da prova máxima da FIFA o México na qualidade de país organizador já tinha um lugar garantido na dita fase, contrariamente à Costa Rica que teve de passar por um longo processo de qualificação. Só por isso se podia dizer que o trabalho de Bora à frente dos “ticos” tinha já sido coroado de sucesso.
No entanto a supresa ainda estava para vir. Chegados a Itália a Costa Rica era vista como o “bombo da festa” do grupo C que incluia ainda o colosso Brasil e as sempre temidas Suécia e Escócia.
E seria esta última selecção a primeira a provar do veneno letal dos “ticos”. Em Génova os pupilos de Bora puseram o Mundo de boca aberta depois de uma sensacional vitória por 1-0. E se muitos encaravam esta como uma mera lufada de sorte dos costa-riquenhos no seu jogo estreia numa fase final de um Mundial o jogo seguinte veio provar o contrário. Pela frente os “ticos” tinham o poderoso Brasil... que se viu grego para chegar ao final do encontro realizado em Turim com um magro triunfo por 1-0.
No derradeiro encontro do grupo foi a vez da Suécia vergar perante o futebol rendilhado dos caribenhos como expressa o score de 2-1 a favor destes últimos.
Perante isto o “bombo da festa” do Itália 90 estava na fase seguinte da competição. Quem diria! Acontecesse o que acontecesse nos oitavos-de-final diante da Checoslováquia os “ticos” tinham já assegurado o seu lugar na história deste campeonato como um das boas recordações. E o que aconteceu foi uma derrota por 1-4 que mandou Bora e companhia para casa com uma memorável campanha na bagagem.

Mundial 1994: Prova superada (2)

O nome de Bora Milutinovic era por estas alturas (início da década de 90) bastante badalado na alta roda do futebol internacional, não sendo pois de estranhar que a Federação Americana de Futebol tivesse lançado em primeiro lugar para cima da mesa o seu nome na hora de escolher o timoneiro que haveria de conduzir a selecção dos “states” no Mundial que em 1994 iria ser disputado precisamente em terras do “Tio Sam”.
Este era um desafio enorme para Bora, não pela falta de condições monetárias ou estruturais mas antes pelo facto de nos Estados Unidos da América (EUA) o futebol, ou soccer como por lá é baptizado, ser um completo desconhecido da maior parte dos nativos daquele país. Mais do que montar uma selecção capaz de não envergonhar a essência do belo jogo Bora tinha por missão uni-la ao país.
E a tarefa uma vez mais foi superada. Na hora do arranque do USA 94 eram muitos os teóricos que apontavam a selecção norte-americana como a primeira organizadora de um Mundial a falhar a qualificação para os oitavos-de-final, muito por culpa da condição de orfão que o soccer exercia nos EUA. Pois enganaram-se. Mesmo não sendo composta por génios da bola a selecção “yankee” encarou este como o desafio da sua vida, aparaltou-se, esmerou-se, uniu-se e a prova foi superada.
Fazendo parte do grupo A da competição os EUA começaram por calar os teóricos da bola no jogo inagural diante da Suíça – uma selecção que vinha patenteando um futebol de invejável qualidade – com uma igualdade a uma bola. Seguiu-se o embate com a Colômbia, selecção esta que antes do pontapé de saída do USA 94 era tida como uma das favoritas à conquista do título, com o Rose Bowl de Los Angeles a rebentar pelas costuras, numa clara demonstração que o povo analfabecto em linguagem futebolística estava ao lado da sua selecção. Um clima que catapultou os pupilos de Bora para uma histórica vitória por 2-1... e a fase seguinte estava ali tão perto. No derradeiro jogo do grupo derrota com a Roménia (0-1) mas o 3º lugar do grupo e a consequente qualificação para a fase seguinte já ninguém tirava aos inicialmente tidos como “toscos” americanos.
Nos oitavos-de-final Bora voltou a encontrar-se com o gigante Brasil, comandado soberbamente por Romário, selecção esta que voltou a sentir grandes dificuldades para bater um combinado orientado pelo treinador jugoslavo. 1-0, golo de Bebeto, sossegou os corações brasileiros que acabariam por entrar em delírio dias mais tarde com a conquista do “tetra-campeonato” do Mundo.
Bora tinha vencido mais um desafio, este um triplo desafio, ou seja, tinha formado uma boa selecção composta por nomes como Tony Meola, Alexi Lalas, Marcelo Balboa, Cobi Jones, ou Tab Ramos, havia unido a equipa nacional ao povo, e acima de tudo havia contribuido para que o soccer passasse a ser olhado com mais atenção e paixão por aquelas bandas.

Mundial 1998: De candidatos a desilusão

Depois de ter trilhado a sua carreira de técnico por caminhos do continente americano Bora Milutinovic aventurava-se agora em África. A Nigéria era o destino. Nigéria que era uma das pérolas daquele continente no que diz respeito a futebol, já que a sua selecção era composta por alguns dos diamantes mais preciosos do futebol planetário da época, casos de Yekini, Finidi, Rufai, Kanu, Okocha, Babangida, West, ou Ikpeba. Levá-los a França ao Mundial de 1998 foi por isso tarefa fácil para o mestre jugoslavo. Ai chegados começaram por encantar o Mundo com uma vitória (3-2) a todos os títulos sublime diante da Espanha de Raul, Zubizarreta, Hierro e companhia no jogo de abertura do grupo D do certame. A crítica rendeu-se ao colectivo nigeriano, começando a aparecer aqui e ali “recortes” atribuindo aos africanos estatuto de favoritos à conquista da prova! Exagero? Muito, como mais à frente se viria a confirmar.
O que é certo é que embalados pelo sonho os comandados de Bora bateriam (1-0) no jogo seguinte a poderosa Bulgária de Stoichkov, Kostadinov, Penev, Balakov, e companhia, e a fase seguinte era já uma certeza. Tanto assim é que os nigerianos se deram ao luxo de perder (1-3) o derradeiro encontro do grupo ante o Paraguai.
Do céu ao inferno o caminho seria curto nos oitavos-de-final perante a Dinamarca. No majestoso Stade de France (arredores de Paris) ficaria provado que ainda faltava à Nigéria percorrer um longo caminho até poder ser campeão do Mundo. Nesse encontro, os africanos não estiveram à altura dos jogos anteriores, em especial os dois primeiros, desprezando por completo a perigosa Dinamarca dos irmãos Laudrup. Consequência? Pesada derrota por 1-4 e adeus ao Mundial.
Depois desta nova aventura Bora voltou a sentar-se num banco de um clube. Em 1999 regressa aos EUA para orientar o Metrostars de Nova Iorque na recém criada Liga Norte-Americana (MLS).

Mundial 2002: Uma curta aventura

Contudo, o velho feiticeiro, assim era já conhecido por muitos devido ao seu dom de levar equipas pequenas a brilhar na grande montra do futebol global, sentia-se bem era a comandar selecções. Não foi pois de admirar que ao virar do milénio tenha surgido o convite da federação chinesa para que Bora tomasse as rédeas daquela selecção. Objectivo principal? Mundial 2002, que nesse ano se realizava pela primeira vez em solo oriental (Coreia do Sul e Japão).
O milagre foi alcançado, com Bora a entrar para a história daquela nação oriental que pela primeira vez iria jogar numa fase final de um campeonato do Mundo. A aventura seria porém curta, muito curta tendo em conta o passado do jugoslavo em Mundiais. A China não passaria da fase de grupos, depois de somar três derrotas em outros tantos encontros disputados (ante Costa Rica, Brasil, e Turquia). Mesmo assim Bora entrava para a história do futebol como o primeiro e único treinador a orientar cinco selecções diferentes em cinco Mundiais consecutivos.
Depois da China o feiticeiro voltou às américas, mais precisamente para as Honduras, com a intenção de participar com aquele país em mais uma fase final. Tentativa no entanto falhada já que seria despedido ainda durante as eliminatórias para o Mundial de 2006. Seguiram-se novas aventuras, primeiro ao serviço da Jamaica e por último como seleccionador do Iraque, país pelo qual falhou a qualificação para o Mundial 2010 em cima da meta.

Legenda das fotografias:
1- O "feiticeiro" Bora Milutinovic
2- Selecção do México no Mundial de 1986, a primeira experiência de Bora no grande certame da FIFA
3- A surpreendente Costa Rica no Itália 90
4- Milutinovic, o dono da bola do USA 94
5- A selecção nigeriana no França 98
6- Bora no banco da China naquela que foi a sua 5ª aventura consecutiva num Campeonato do Mundo

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