sexta-feira, junho 07, 2024

Histórias do Planeta da Bola (32)... UEFA Regions Cup – 25 anos do esplendor inocente do futebol amador europeu (parte III)

O conto de fadas do futebol da República da Irlanda no plano internacional aconteceu no âmbito da Taça das Regiões da UEFA. Estávamos em 2015 quando a cidade de Dublin foi palco da 9.ª edição do certame, a qual coroou uma caminhada inolvidável da seleção regional da Eastern Region, que começou na fase intermédia (de qualificação para a fase final) e acabou na final realizada no Estádio Tallaght, na capital irlandesa. Ao longo deste trajeto a equipa da Irlanda somente conheceu o doce sabor da vitória, sete triunfos no total – quatro deles na fase final –, apontando 18 golos e sofrendo apenas 3, números que fazem desta uma das epopeias mais empolgantes destes 25 anos de história da prova uefeira. Após terem perdido a final de 2011 para a Associação de Futebol de Braga, os irlandeses queriam desta feita chegar mais longe, de tal modo que a seleção regional irlandesa realizou desde então um trabalho árduo para erguer o troféu no futuro imediato, como contou o treinador Gerry Smith no rescaldo desta conquista. E para atingir a grande final a seleção da Eastern Region levou a melhor sobre os combinados de Ankara (Turquia), de South Moravia (República Checa) e de Tuzla (Bósnia). No encontro decisivo o opositor dos pupilos de Smith foi a seleção regional de Zagreb, da Croácia, que se apresentava no Tallaght Stadium sem o seu principal jogador, Bozidar Karamatic, que começou a partida no banco, aparentemente por não se encontrar nas melhores condições físicas. No entanto, os rapazes de verde (os irlandeses) entraram no relvado cheios de confiança, não só porque jogavam diante do seu público, mas acima de tudo pelo trajeto imaculado que tinham feito até ali. Só a vitória estava no seu pensamento. 

Entrada para a final de Dublin
Porém, foi com algum nervosismo que a turma de Eastern Region começou o encontro, e logo aos 3 minutos apanhou um valente susto quando o croata Nikica Brujic disparou um míssil que levou a bola a não passar muito longe da baliza à guarda de Brendan O'Connell. Com o passar do tempo os irlandeses foram acalmando o seu jogo, foram tendo a posse de bola, ante uma seleção de Zagreb que apresentava um futebol muito físico. E foi neste cenário que aos 9 minutos o Estádio Tallaght explodiu de alegria, quando James Lee fez um cruzamento do lado direito do seu ataque para o coração da área, onde apareceu David Lacey a mergulhar de cabeça e a fazer um golo muito vistoso, um golo que fez lembrar o que o neerlandês Van Persie havia marcado no Mundial de 2014 ante a Espanha. Empolgados pelo tento, os irlandeses dispuseram de mais chances para marcar nos minutos seguintes, tendo James Lee desperdiçado uma oportunidade soberana ainda antes do intervalo. Os croatas vieram com outra atitude para a segunda metade, muito devido a decisão do selecionador Sreten Cuk em fazer entrar – ao minuto 57 – a principal estrela da seleção, o organizador de jogo Bozidar Karamatic. A sua influência no futebol dos croatas fez-se notar de imediato. Porém, Zagreb não conseguia criar situações de maior perigo junto da baliza de O´Connell, e muito devido à excelente prestação do setor mais recuado dos anfitriões. Na verdade, foram estes últimos que dispuseram das melhores ocasiões para marcar nos segundos 45 minutos. Thomas Dunne, James Carr, Lar Dunne foram os irlandeses que tiveram nos pés claras chances para acabar com as esperanças dos croatas em dar a volta aos acontecimentos. Apoiada fortemente pelo público, a equipa de Gerry Smith ganhou ainda mais força à medida que o tempo passava, força e certeza de que dificilmente aquele título lhe escaparia. E assim foi. Quando apito do helvético Nikolaj Hanni soou pela última vez naquela tarde 4 de julho em Dublin, estava escrito o momento de glória do futebol da República da Irlanda no capítulo internacional. 

Kenneth Hoey
Para o técnico Gerry Smith esta havia sido a «a melhor semana da minha vida futebolística. Esta vitória é para todos os envolvidos (nesta caminhada). Os jogadores, os dirigentes das equipas de todo o país, as pessoas que marcam os campos e que penduram as redes das balizas, as pessoas que apoiam as suas equipas locais, isto é para eles, e estou emocionado por todos aqueles que estiveram envolvidos nesta caminhada e que podem festejar este sucesso»Na hora de comemorar também o defesa Noel Murray não escondeu a sua emoção por esta importante conquista: «Inacreditável, simplesmente inacreditável! Foi um trabalho muito duro realizado durante toda a semana (da fase final), foi um grande esforço dos jogadores e isso faz com que tudo valha a pena», disse o futebolista. Também o capitão desta seleção regional viveu um momento ímpar na sua carreira. Para Kenneth Hoey este foi «um resultado brilhante, o melhor que já alcancei. É uma honra ser capitão desta equipa, mas há muitos capitães naquele balneário», disse logo após erguer o primeiro troféu do futebol irlandês, ele que em 2011 havia sentido em Barcelos o amargo de perder a final da UEFA Regions Cup.

Vingança croata serviu-se na Turquia

Em 2017 Portugal volta a participar na fase final da Taça das Regiões da UEFA, desta feita pela Associação de Futebol de Lisboa, que assim se torna na terceira associação a representar a nação lusa na fase decisiva da competição. Depois de um ano antes se ter sagrado campeã nacional da Taça das Regiões, a seleção lisboeta superou uma fase intermédia realizada na Polónia, na cidade de Legnica, em setembro de 2016, garantindo desta forma a qualificação para a fase final, um feito que não passou despercebido à Câmara Municipal de Lisboa, que homenageou a comitiva no regresso do leste da Europa. A fase final da UEFA Regions Cup de 2017 aconteceu em Istambul, na Turquia, tendo a turma lisboeta sentido o profissionalismo que a UEFA aplica nesta competição de futebol não profissional, e a prova disso é que a comitiva lusa ficou hospedada no moderno Complexo Desportivo da Federação Turca de Futebol. A competição em si não correu de feição à seleção regional portuguesa, comandada por Marco Guerreiro, já que não foi além de um 3.º lugar no Grupo A, fruto de três empates, um dos quais contra os futuros campeões do torneio, a seleção regional de Zagreb. As exibições da seleção da Associação de Futebol de Lisboa na fase final mereceram, porém, alguns elogios por parte da imprensa local e dos seus adversários diretos. E seria então no Complexo Desportivo da Federação Turca de Futebol que se realizou a final da 10.ª edição da competição, um jogo cujo desfecho soube a… vingança. Ou seja, a seleção de Zagreb vingou a derrota na edição anterior ante a seleção irlandesa da Eastern Region contra a… seleção irlandesa da Munster/Connacht. O momento chave da final aconteceu ao minuto 26, quando Toni Adzic fez o único tento do jogo que assegurou a vitória final à seleção croata. Zagreb tornou-se assim na primeira equipa da Croácia a vencer esta competição.

Polacos do Dolny Slask bisam na final dos cinco penáltis

Depois de Veneto, em 2013, foi a vez da seleção regional polaca de Dolny Slask vencer a competição pela segunda vez na história. Corria o ano de 2019, quando a região da Baviera, na Alemanha, acolheu a fase final da prova. A seleção da casa chegou à final, o que desde logo se constituiu como um feito histórico, já que até então nenhuma seleção regional germânica o havia conseguido, mas os polacos estragaram a festa numa final insólita. E porquê assim o foi? Porque todos os cinco golos do jogo que iria definir o campeão da 11.ª edição da competição foram apontados da marca de grande penalidade! Não há memória de uma final europeia assim, de facto. O primeiro golo foi para a turma da casa, por intermédio de Ugur Turk, aos 35 minutos. A seleção de Dolny Slask correu então atrás do prejuízo, e o empate chegou em cima do intervalo, novamente na cobrança de um castigo máximo. O primeiro remate de Mateusz Jaros foi defendido pelo guardião da casa, mas na recarga o polaco atirou a contar. Ainda antes do intervalo o guarda-redes da casa fez uma defesa espetacular que evitou novo tento dos forasteiros, mas aos 47 minutos da segunda metade nada pôde fazer quando o árbitro romeno Sebastian Coltescu assinalou o terceiro penálti da tarde no relvado da Wacker-Arena, em Burghausen. Kornel Traczyk não perdoou e fez o 2-1 para a seleção polaca, de nada valendo a estirada do guardião alemão, que adivinhou o lado para onde foi a bola. A tarefa dos alemães, que até começaram esta final por cima, fruto de uma maior iniciativa ofensiva, ficou mais complicada à passagem do minuto 70, quando Michael Kraus viu o segundo cartão amarelo e foi expulso. Com mais um jogador em campo, os polacos deram a machadada final aos 80 minutos, altura em que Bohdanowicz fez o 3-1. Os donos da casa lutaram com todas as suas armas para chegar de novo ao golo, tendo sido premiados em cima dos 90 minutos com um novo penálti, o qual seria convertido por Lukas Igrund. De nada valeu este golo, já que pela segunda vez na história a seleção de Dolny Slask levava para casa a taça.

Euforia nas Rias Baixas galegas

2020 fica para a história como o ano em que o Mundo foi assombrado por uma pandemia: a Covid-19. Em poucos meses, o vírus espalhou-se por todo o planeta, infetou mais de 75 milhões de pessoas e causou impactos negativos em todos os setores. Naturalmente que o desporto também foi e muito afetado pelo efeito da Covid-19. Foram vários os grandes eventos desportivos cancelados, ou adiados, um pouco por todo o Mundo devido ao surto do novo coronavírus. Também a Taça das Regiões da UEFA foi vítima do novo coronavírus, tendo a sua edição de 2021 sido cancelada por força da pandemia. Desta forma, só em 2023 o certame voltou à ribalta, desta feita na região da Galiza, em Espanha. E pela sexta ocasião em 25 anos de história da competição, a taça voltava a ficar em casa, isto é, conquistada pela seleção anfitriã. O título coroou uma seleção que irá, por certo, ficar na história do futebol desta região do norte de Espanha, já que a equipa orientada por Iván Cancela concluiu em Vilagarcía de Arousa, localidade que acolheu a final, um trajeto 100 por centro vitorioso de… quatro anos. Por outras palavras, a turma galega não conheceu a derrota ao longo de quatro anos consecutivos. A fase final da 12.ª edição do certame foi a todos os níveis espetacular, desde o futebol desenvolvido pelas oito seleções presentes, como de igual modo pela excelente organização. 

Golo da Galiza contra a equipa bósnia
A seleção da Galiza integrou o Grupo A, tendo no primeiro encontro, realizado em Cambados, derrotado os seus congéneres dos Irlandeses Amadores por 2-0. Aos 9 minutos Iñaki Martínez marcou o primeiro golo da tarde, sendo que em cima do minuto 90 Joni Magisano selou o marcador. Na 2.ª jornada da fase de grupos apareceu aquele que foi um dos grandes destaques da seleção galega na competição, Álex Rey. Ante os bósnios da região de Zenica-Doboj, num encontro ocorrido no Campo de Baltar, em Sanxenxo, Rey fez o primeiro golo da sua seleção aos 24 minutos, após um cruzamento vindo do lado direito dos pés de Félix Rial. Na segunda metade, ao minuto 50, foi a vez de Rey devolver a gentileza, e também ele efetuar uma assistência para o seu colega de equipa, Adrián Otero, de cabeça, fazer o 2-0. Aos 69 minutos, Subasic reduziu desvantagens no marcador, na sequência de um golo olímpico (!) que fechava o marcador em 2-1 a favor dos galegos. E na derradeira ronda da fase de grupos assistiu-se no Campo Municipal de A Lomba, em Vilagarcía de Arousa, a uma autêntica final entre Galiza e os alemães da Baviera, que também haviam triunfado nas duas primeiras jornadas. Quem vencesse passaria à final. Assistiu-se a um jogo de nervos, angustiante, entre duas equipas que provaram que mereciam estar no encontro decisivo. Foi mais feliz, ou eficaz, a equipa da casa, que embalada pela pressão inicial que fez sobre o combinado germânico chegou ao golo. E por intermédio de quem? Álex Rey, pois claro. Uma falta no interior da área da seleção da Baviera não deixou dúvidas ao árbitro finlandês, Antti Munukka, que de pronto assinalou o castigo máximo. Estavam apenas decorridos 7 minutos, e na conversão Rey atirou forte e rasteiro , fazendo um golo que seria decisivo nas contas finais do grupo. Tudo porque os galegos seguraram a magra vantagem até final, e asseguraram dessa forma a passagem ao encontro final da competição, onde iriam ter pela frente a surpreendente seleção de Belgrado. O conjunto sérvio não era tido como favorito à passagem à final, já que esteve integrado num grupo (B) que tinha as fortes seleções da Associação de Futebol de Lisboa e os campeões em título, os polacos do Dolny Slask. O próprio selecionador sérvio, Goran Jankovic, afirmou na antecâmara da final que «se antes do torneio alguém nos dissesse que iríamos jogar a final ficaríamos satisfeitos. Mas… agora queremos mais». Pois é, já que contra os prognósticos iniciais ali estavam, porque não levar o troféu para casa? Porém, os sérvios estavam conscientes das dificuldades que iriam encontrar, a julgar pelas palavras do seu treinador: «Sabemos que os galegos são muito bons. Jogaram o melhor futebol da fase de grupos, pelo que a final vai ser um jogo muito duro para nós»

Álex Rey festeja com os adeptos na final
E no dia 17 de junho o Campo Municipal de A Lomba registou uma boa afluência para presenciar um capítulo histórico para o futebol galego. Aliás, desde logo a assistência da final entrou para a história da UEFA Regions Cup, já que com 4085 espetadores nas bancadas esta foi a final com maior número de público presente. Público que do princípio ao fim não se poupou a esforços no apoio à seleção galega. Assistiu-se a uma final intensa, com a Galiza a entrar a todo o gás e logo ao minuto 9 um passe longo desde o meio campo efetuado por Iñaki Martínez foi parar aos pés de Félix Rial, que solto de marcação só teve de contornar o guarda-redes sérvio e fazer o primeiro tento da tarde. Aos 40 minutos, Álex Rey dispara um forte remate de fora de área, tendo a bola sido travada por Krstovic com a mão. Grande penalidade assinalada e cartão vermelho para o jogador sérvio. Na conversão, Rey, que então representava o Rápido de Bouzas, atirou a bola para o lado contrário do guarda-redes, ampliando a vantagem com que se atingiu o intervalo. Belgrado esteve longe de se dar por vencido, e a prova disso foi a forma astuta com que entrou na segunda metade da final. Aos 57 minutos, uma jogada iniciada no guarda-redes forasteiro foi concluída por Kolarevic, que no interior da área tirou dois defesas galegos do caminho para fazer o 2-1 que relançou a partida. Até que aos 74 minutos uma bela jogada de combinação do ataque galego permitiu a Lorenzo tirar um cruzamento tenso do lado direito do seu ataque para o poste mais distante da baliza sérvia. Ali, estava solto de marcação Iñaki Martínez, que com um remate cruzado fez o 3-1 final e assegurou a conquista da terceira Taça das Regiões da UEFA para o futebol espanhol.

E assim chega ao fim esta nossa viagem pela história desta competição. 

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