quinta-feira, junho 06, 2024

Histórias do Planeta da Bola (30)... UEFA Regions Cup – 25 anos do esplendor inocente do futebol amador europeu (parte I)

Cada remate, cada golo e cada comemoração são vivenciados de forma apaixonada e pura, desinteressada sob o ponto de vista material, fazendo com que a essência do Belo Jogo seja vincada sem os vícios do profissionalismo explorador. É um pouco esta a imagem que temos da forma como o futebol amador é vivido em todo o Planeta da Bola, onde apenas a paixão, ou o amor, pelo jogo entram em campo, o que faz com que muitas vezes jogadores, treinadores, ou dirigentes coloquem em segundo plano as suas vidas pessoais e profissionais para viver de graça, sem contrapartidas financeiras chorudas, este amor pelo futebol. Vem isto a propósito da efeméride que se assinala neste ano de 2024, a qual desde 1991 até à presente data exulta a magia inocente do futebol não profissional. Fazemos alusão aos 25 anos de existência da UEFA Regions Cup, ou Taça das Regiões da UEFA, no nosso idioma, o certame que de dois em dois anos reúne as melhores seleções regionais amadoras dos países do Velho Continente. A ideia para criar um torneio continental para equipas amadoras surgiu em meados dos anos 60 do século passado, quando a UEFA criou a Taça Amadora, disputada somente por equipas. Teve, porém, uma duração efémera e despercebida, surgindo em 1967 e desaparecendo em 1978, conhecendo ao longo deste período somente quatro edições. Falta de interesse de equipas e do público foram os argumentos principais que levaram à extinção da prova uefeira.

Porém, o facto de grande parte dos jogadores filiados nas 54 federações que são membros da UEFA serem amadores, ou semi-profissionais, o organismo que tutela o futebol europeu reativou a competição, sob outra designação, já na reta final do século XX, permitindo que personagens do mundo do futebol não profissional vivam o sonho de competir a nível internacional como se estivessem a viver a fazer final de um Campeonato da Europa ou de uma Liga dos Campeões. «Estes são os rapazes que fazem isto por nada, apenas pelo amor ao jogo», disse em 2015 o treinador da equipa irlandesa da Eastern Region, que venceu a Taça das Regiões desse ano e que de certa forma ajuda a explicar a essência da competição, ou seja, a de que a maioria dos futebolistas tem as suas atividades profissionais – nas mais diversas áreas, e que muitas delas nada têm a ver com o futebol – e que encaram a modalidade apenas por mero divertimento.

Há que ter um certo cuidado, no entanto, quando rotulamos esta competição de amadora, pois na verdade, a sua organização é encarada de forma tão profissional como a fase final de um Europeu, proporcionando desta forma aos futebolistas uma experiência única de competição internacional organizada pela UEFA, com tudo o que de melhor essa prova tem direito. E é preciso igualmente um certo cuidado quando nos aludimos a estes futebolistas como amadores, já que apesar de não viverem exclusivamente do futebol, não quer dizer que o tratem, ou encarem, de forma amadora, perdendo dessa maneira o Belo Jogo o seu encanto, muito pelo contrário.

Em Roma sê Romano, ou neste caso, em Veneto ganham os que lá estão

Viajando agora pela história da Taça das Regiões da UEFA, percebemos que ela é disputada pelas regiões/associações de cada país da Europa que vencem as respetivas competições internas. Para exemplificar, no caso português, é disputada de dois em dois anos a Taça das Regiões/Fase Nacional pelas 22 associações de futebol que existem em Portugal – uma por cada distrito –, sendo que o campeão nacional, digamos, se apura para a Taça das Regiões da UEFA a realizar no ano seguinte.

A competição conhece uma fase pré-eliminar, que é disputada pelas 12 seleções regionais com a classificação mais baixa no ranking da UEFA, e que são divididas em três grupos de quatro equipes, sendo que os três primeiros classificados avançam para a fase intermédia, a qual é composta por 32 participantes distribuídos por oito grupos de quatro equipas. Os vencedores de cada grupo avançam para a fase final da prova, cuja sede é atribuída a um dos oito finalistas.

Italianos e espanhóis posam para a foto antes da primeira final

Há 25 anos, em 1999, portanto, deu-se o pontapé de saída da UEFA Regions Cup, tendo a região de Veneto, em Itália, acolhido a primeira edição do certame. Realizada no espaço de uma semana apenas (entre 31 de outubro e 6 de novembro desse ano) a prova foi ganha pela equipa da casa, Veneto, que até nem começou da melhor forma a caminhada de glória, já que na estreia empatou a uma bola com o representante de Israel. A performance foi melhorada nos dois jogos seguinte do Grupo B, com duas vitórias – ante os ucranianos da região de Kyiv Oblast e os georgianos da região de Tbilisi – que asseguraram o primeiro lugar e a consequente passagem à final. A seleção da região de Madrid foi o opositor dos transalpinos, que no Stadio Comunale delle Terme, em Abano, obrigaram os anfitriões a horas extras para erguer o troféu. Após uma igualdade a duas bolas no final dos 90 minutos teve de se jogar um prolongamento. Aí, Michele De Toni foi o herói ao apontar o golo da vitória em cima do minuto 120. Tudo isto perante o olhar de 700 espetadores. Para o herói dessa primeira final aquele golo foi o melhor momento da sua relação com o futebol. «Foi incrível, chorei de felicidade. É a melhor recordação da minha carreira desportiva», confidenciou De Toni ao site da UEFA em 2013. 

Sobre as incidências do encontro, o jogador transalpino lembrou que «foi um jogo difícil contra a equipa espanhola, mas a poucos segundos do apito final do prolongamento fizemos um último ataque para marcar. Quando me virei, todos no estádio estavam aos saltos e os jogadores no banco correram na minha direção para comemorar». Mais do que um mero torneio internacional que coroa uma região/associação de um país como campeão da Europa de futebol não profissional, a UEFA Regions Cup é acima de tudo um meio de convivência, de partilha de experiências, entre futebolistas de vários pontos do Velho Continente, como aliás, ficou vincado nesta primeira edição, a julgar pelas palavras do treinador campeão, Loris Bodo. «A atmosfera era incrível! A parte da competição começou com o pontapé de saída e terminou com o apito final, o resto… foram boas conversas, trocas culturais e também uma troca de itens pessoais, ou seja, do género, “eu dou-te a minha camisola e tu dás-me as tuas chuteiras”. Este é o tipo de relação que está no centro do torneio», lembrou também em 2013 ao site da UEFA o primeiro treinador campeão.

A.F. Braga passou muito perto de uma glória que viria a alcançar


Dois anos volvidos, e já no novo milénio, a seleção distrital portuguesa mais bem sucedida ao longo destes 25 anos de história tem o seu primeiro grande momento. A seleção da Associação de Futebol de Braga alcança não só a fase final do torneio, como chega ao jogo decisivo, depois de superar no Grupo A as seleções de Madrid, da Dalmatia (Croácia) e da Vojvodina (da então Sérvia e Montenegro). Fase final que tem lugar na República Checa, na região da Moravia. Pela segunda edição consecutiva a seleção anfitriã alcançava a final, mas desta vez a seleção da Moravia beneficiou de alguma sorte para levar de vencida a turma portuguesa no encontro decisivo disputado no Estádio Letná, em Zlin. Mais de 2000 pessoas assistiram à final, onde na qual a equipa da casa criou a primeira situação de perigo, aos 7 minutos, quando Michal Svach obrigou o defesa bracarense Alberto Oliveira a sacudir para canto, com alguma dificuldade, a bola. O aviso estava dado, mas a seleção de Braga mostrou não ter medo e após os 12 primeiros minutos Nuno Mendes e Lourenço Almeida já tinham dado que fazer ao guarda-redes Petr Macala. Porém, a festa do golo foi primeiramente feita pela turma da Moravia, quando o mesmo Macala lançou da sua baliza um contra-ataque ainda antes do primeiro quarto de hora. O esférico chegou a Gabriel David, que depois de se desenvencilhar de dois defesas portugueses bateu o guardião Marco Gonçalves, apontando assim o seu quinto tento no torneio. Antes do intervalo, a Associação de Futebol de Braga esteve muito perto do empate, quando um passe errado de Kroca para o seu guarda-redes foi intercetado por José Gonçalves, que depois de contornar Macala atirou escandalosamente por cima da baliza. Este lance afetou o defesa Kroca, que pouco depois da meia hora cometeu outro deslize: fez penalti sobre Vítor Ferreira. Porém, Petr Macala vestiu a capa de herói e defendeu para canto a bola rematada por António Ferreira. O lance não afetou os portugueses, pelo contrário, que voltaram do intervalo dispostos a alterar o rumo dos acontecimentos. E aos 55 minutos uma bela jogada de combinação entre Jorge Pires e Vítor Ferreira permitiu a este último restabelecer o empate aos 55 minutos.

Petr Macala
Depois disto as defesas de ambas as equipas passaram a sobressair no jogo. Atentas e eficientes na forma como sacudiram a pressão dos setores atacantes, até que a 6 minutos do fim Maurício Freitas colocou os lusos em vantagem pela primeira vez. A seleção da Moravia teve sangue frio, e nos minutos que restavam lutou para ser feliz. O prémio chegou no período de compensação, altura em que um remate de Svach foi travado com a mão em cima da linha de golo por Leonel Fernandes, tendo o árbitro francês Tony Chapron não tido qualquer dúvida em assinalar grande penalidade e dado ordem de expulsão ao jogador português. O mesmo Svach converteu o castigo, restabeleceu a igualdade, e levou o jogo para prolongamento. No prolongamento as contas ficariam equilibradas, quando Miroslav Hubacek viu o segundo cartão amarelo no jogo e foi também tomar banho mais cedo. No capitulo das intensões em chegar ao golo, a Moravia esteve por cima, tendo o lance mais perigoso acontecido aos 10 minutos, quando Petr Simcik rematou a bola à trave após um cruzamento de Svach. Com o empate a prevalecer no final do tempo extra foi necessário recorrer-se ao desempate através de grandes penalidades, e aí Petr Macala provou que era mesmo um especialista neste tipo de lances. O guardião checo defendeu os remates de Nuno Mendes e Marco Alves, ao passo que ele próprio e os seus companheiros Svach, Alois Lachlik e Libor Pumprla não desperdiçaram as respetivas oportunidades para marcar e garantir a vitória por 4-2 nos penaltis e acima de tudo o título de campeões da Taça das Regiões da UEFA, que pela segunda edição consecutiva ficava na posse da seleção anfitriã.

Título regressa a Itália

40 seleções regionais participaram na terceira edição da Taça das Regiões da UEFA, um sinal claro da crescente popularidade do torneio. No entanto, só oito alcançaram a fase final, que desta feita teve como palco a região alemã de Wurttemberg. Um verdadeiro forno, diz quem lá esteve no mês de junho de 2003, altura em que decorreu a competição debaixo de… calor intenso. Nos Grupo A os italianos da região de Piedmont–Aosta Valley não entraram bem no torneio ao empatarem a uma bola com a seleção das Astúrias (Espanha), ao passo que a seleção anfitriã derrotou a seleção helvética de Ticino por claros 4-0. A vitória do combinado transalpino por 3-0 sobre Ticino e o empate (1-1) dos alemães com as Astúrias na 2.ª ronda, adiaram a decisão sobre quem passava à final para a derradeira jornada. E perante uma razoável moldura humana no Estádio do Carl-Zeiss, em Oberkochen, o Wurttemberg perdeu por 1-3 diante dos italianos, que assim asseguraram a passagem ao jogo mais desejado. E pela frente a turma do Piedmont–Aosta Valley teve a seleção da Ligue du Maine, de França, que venceu o Grupo B graças à regra de desempate por confronto direto, já que no final das contas terminou com os mesmos pontos (6) que a seleção húngara de Szabolcs Gabona. No entanto, o facto de na 1.ª jornada ter despachado os magiares por expressivos 8-3 – que até hoje constitui o resultado mais dilatado numa fase final da competição – garantiu a qualificação aos pupilos do técnico René Logie.

O atacante francês Anthony Guyard
No dia 28 de junho cerca de 1000 espetadores deslocaram-se ao Albstadion, em Heidenheim, para assistir a um jogo onde a seleção da Ligue du Maine depositava grandes esperanças na sua dupla de atacantes constituída por Anthony Guyard e Jonas Missaye, em grande parte responsáveis pelos 12 golos que a equipa tinha apontado na fase de grupos. Porém, sob o ponto de vista tático os italianos foram mais equilibrados, o que acabou ser a chave de um triunfo por 2-1 do conjunto do Piedmont–Aosta Valley. O herói da final foi alguém que só tinha chegado ao local da final na… véspera do encontro decisivo! Paolo Borgna, o seu nome, o autor dos dois golos apontados ainda antes dos 30 minutos da primeira parte de um jogo onde até final a turma transalpina controlou as investidas dos franceses, de nada valendo o tento de Farid Kharraz aos 83 minutos. Desta forma, e pela segunda vez, uma equipa italiana levantava o troféu, país (Itália) que a par da Espanha é aquele que em 25 anos de história mais UEFA Regions Cup conquistou: três. Quanto à seleção de Piedmont–Aosta Valley tornou-se na primeira a vencer a competição fora do seu país, algo que nas primeiras duas edições não tinha ocorrido.

Orgulho na identidade basca fez-se sentir na Polónia

Regionalistas convictos, e por consequência defensores acérrimos das suas raízes, os bascos vivenciaram em 2005 a primeira grande conquista internacional do seu futebol no âmbito da Taça das Regiões da UEFA. Facto ocorrido na Polónia, mais precisamente em Proszowice, local onde a seleção de Euskadi, ou País Basco na nossa língua, derrotou a seleção da região Sudoeste-Sofia (Polónia), por 1-0 na final, e conquistou o primeiro troféu para Espanha. Os bascos terminaram o Grupo B com os mesmos pontos (6) que os ucranianos do KZESO Kakhovka, mas levaram a melhor no confronto direto – fruto de um triunfo por 4-1 na 1.ª jornada – o que lhe permitiu jogar a final com a seleção campeã da Bulgária. Esta última equipa atingiu o jogo decisivo de forma dramática, isto é, nos minutos finais da 3.ª jornada da fase de grupos, altura em que a seleção da Eslováquia Central vencia por 2-1 a turma búlgara e estava a somente 5 minutos de atingir a final. Foi nesta altura que um cabeceamento pleno de êxito de Ivan Todorov bateu o guardião Peter Pernis – considerado um dos melhores desta edição da prova – e levou os búlgaros para o jogo decisivo. E seria numa tarde chuvosa que que bascos e búlgaros evoluíram no relvado do Estádio de Proszowice perante os olhares de cerca de 350 espetadores. A final ficaria decidida por apenas um golo a favor dos bascos, e que golo esse! Um golaço, melhor dizendo, apontado por Alain Arroyo à passagem dos 33 minutos da primeira metade. 

A seleção de Euskadi campeã em 2005

Na sequência de uma bela incursão de ataque por Jon Unai Martínez, pelo flanco esquerdo, Arroyo controlou a bola com o peito e de primeira atirou forte para o fundo da baliza búlgara. Na primeira parte os bascos poderiam até ter feito mais golos, dado que não só dominaram os acontecimentos, como também dispuseram de variadas oportunidades para voltar a bater o guarda-redes Giorev. A segunda metade teve início na mesma toada que a primeira, ou seja, com os bascos por cima e determinados em voltar a fazer estragos na área contrária. Porém, a expulsão do seu capitão de equipa, Fernando Véliz, ao minuto 54, alterou o rumo dos acontecimentos, e a seleção de Euskadi passou do ataque à… defesa. E neste plano brilhou a grande altura o guarda-redes José Carlos González, que fez defesas importantes e algumas de grande espetáculo, como foi o caso de um potente remate de fora de área que levava selo de golo e que foi travado de forma espetacular pelo guardião basco que dessa forma segurou o magro triunfo e o consequente título europeu. Uma nota curiosa para dizer que o marcador do único golo desta final foi o mesmo que oito anos volvidos desta conquista apontou o último golo no mítico Estádio San Mamés, lendário recinto do Athletic de Bilbao que então foi demolido para dar lugar ao moderno Nuevo San Mamés.  
Alain Arroyo
Pormenor curioso aquando da entrega do troféu aos novos campeões da Europa de futebol amador, é que os jogadores bascos envergavam uma t-shirt onde se lia: “Oficial do País Basco”. O orgulho de uma região bem estampado na hora do triunfo, portanto.

(continua)

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