segunda-feira, junho 05, 2023

Grandes Mestres da Táctica (13)... Jim McLean

Pegar num clube com pouca, ou nenhuma, cultura de títulos e conduzi-lo até à glória é algo que na história do futebol foi alcançado por poucos treinadores. Sobretudo, se atendermos ao facto de esse trajeto glorioso ter sido feito em ligas/campeonatos dominadas décadas e fio por "gigantes", ou emblemas de maior dimensão/poderio. O nosso Mestre da Tática de hoje fez isso, e só não atingiu o patamar dos Deuses do futebol planetário enquanto treinador, porque, entre outros aspetos, a sua Era Dourada coincidiu com a de outro génio da tática: Alex Ferguson. 

James Yuille McLean, ou simplesmente, Jim McLean, é a figura dos bancos que hoje vamos recordar, um homem que está diretamente ligado ao período de maior sucesso dos simpáticos escoceses do Dundee United. Não é fácil triunfar num país onde a história de glória do futebol se restringe quase à cidade de Glasgow, através dos rivais Celtic e Rangers, que só à sua conta detêm (juntos) 108 dos 132 títulos do escalão principal da Escócia (hoje em dia denominada de Scottish Premiership) disputados até hoje.  

Porém, a década de 80 do século passado contrariou esta abismal tendência dos "gigantes" de Glasgow, muito por culta de dois então jovens treinadores que ao comando de emblemas de menor dimensão se intrometerem (com sucesso) na hegemonia de títulos de Celtic e Rangers. Esses homens foram Jim McLean, ao serviço do Dundee United, e Alex Ferguson, aos comandos do Aberdeen. Claro que na balança de títulos, Ferguson teve mais peso, já que venceu três campeonatos nacionais da 1.ª Divisão escocesa, quatro Taças da Escócia, uma Taça da Liga Escocesa, e ainda uma competição europeia, a Taça dos Vencedores das Taças, curiosamente o último troféu internacional ganho por um emblema escocês. Tudo isto na tal década de 80.

O palmarés de McLean é mais modesto, mas na essência o seu legado foi tão importante como o de Sir Alex, pois também ele levou um pequeno clube, que até à sua chegada só tinha como cartão de visita dois títulos da 2.ª Divisão escocesa, à glória.

McLean levado em ombros após 
a conquista do título de 1983
Jim nasceu em Larkhall, em 21 de abril de 1937, e era filho de um padeiro local, sendo que o seu avô materno havia sido jogador do Rangers. Como tantos e tantos outros meninos da sua idade, McLean começou a trabalhar cedo, como marceneiro, atividade desenvolvida em paralelo com a de futebolista amador. Nos retângulos de jogo atuou como avançado, primeiro no Hamilton Academical, entre 1956 e 1960, passando depois para o Clyde, onde esteve cinco temporadas, até se transferir para o Dundee Fooball Club, onde se tornou futebolista profissional. Após três temporadas a defender a camisola dos The Dark Blues, a alcunha do Dundee FC, Jim transferiu-se para Kilmarnock, onde uma lesão pôs fim à sua carreira de futebolista, corria o ano de 1970. Não esteve muito tempo longe dos relvados, pois em 71 regressa a Dundee para fazer parte da equipa técnica dos The Dark Blues, mas não por muito tempo. Tudo porque com apenas 34 anos resolveu literalmente atravessar a Rua Tannadice para assumir o comando técnico dos vizinhos Dundee United. Ambos os estádios (dos dois emblemas da cidade de Dundee) distam um do outro de poucos mais de 200 metros (!), pelo que esta foi uma viagem curta e muito proveitosa, como se iria perceber nos mais de 20 anos que se seguiram. Então com apenas 34 anos Jim McLean substituiu no cargo outra lenda do United, Jerry Kerr, que em 1960 havia guiado os tangerinas - alcunha do United, devido à cor das suas camisolas, cor de laranja - até à 1.ª Divisão da Escócia. Não foi uma substituição fácil, não só pelo longo trajeto de Kerr à frente do Dundee United enquanto treinador, mas também porque havia sido futebolista no clube ao longo de oito temporadas. Mas, rapidamente este sentimento dos adeptos dos Tangerines se desfez, pois o jovem McLean implementou de pronto uma filosofia vencedora no clube. Ele começou a chamar à sua responsabilidade todos os aspetos que tinham a ver com futebol no seio do clube. Fez uma verdadeira revolução no Dundee United, contratando uma série de jogadores poucos conhecidos, com salários modestos, moldando-os à sua imagem. Entre outros, formou jogadores como David Narey, Paul Sturrock, Paul Hegarty, Davie Dodds, Eamonn Bannon, ou Maurice Malpas, que saltaram do anonimato para a seleção da Escócia! Os bons resultados do Dundee United de Jim McLean não foram imediatos, ele teve de ter tempo para reconstruir o clube à maneira - disciplinadora e dura, dizem alguns dos que conviveram com ele - até atingir a glória. Sob a sua batuta os Tangerines começaram a figurar mais vezes no topo da tabela do escalão maior da Escócia, qualificando-se com regularidades para as provas europeias. Até que o primeiro título de renome surgiu em 1980, com a conquista da Taça da Liga escocesa, após derrotar o Aberdeen de... Alex Ferguson, numa finalíssima disputada em Dens Park, nada mais nada menos do que a casa do rival Dundee FC. Que ironia! 

Mas a ironia subiu de tom um ano mais tarde, quando o United revalidou o título de campeão da Taça da Liga à custa do vizinho e eterno inimigo Dundee FC, numa final mais uma vez disputada em Dens Park! Por esta altura , não haveria por certo nenhum fiel devoto dos The Dark Blues que estivesse arrependido em deixar que McLean tivesse atravessado a rua para abandonar Dens Park em direção a Tannadice Park (o estádio do Dundee United).

Final da Taça UEFA de 86/87
Com fama de durão (dizem que obrigava os jogadores a pegarem num balde e numa esfregona para limpar os balneários) e até de explorador (já que muitos dos jogadores que consigo trabalharam o acusaram de explorar os atletas pelo facto de lhes colocar à frente contratos de longa duração e com baixos salários), McLean atingiu o ponto mais alto da sua carreira de técnico em 82/83, altura em que trouxe para Dundee o título de campeão nacional da Escócia. Foi um campeonato inesquecível e disputado até ao fim pelos "gigantes" Rangers e Celtic, aos quais se juntaram Aberdeen (de Ferguson) e Dundee United. O título foi carimbado na última jornada, e adivinhe contra quem? Pois é, ante o vizinho e grande rival Dundee FC! E onde foi a festa? Isso mesmo, em Dens Park, a casa do inimigo! Nessa temporada histórica McLean usou apenas 14 jogadores (!) - sendo que dez deles eram oriundos da formação do clube, idealizada e gerida pelo próprio Jim - na caminhada triunfal, em que em 36 jogos venceu 24. Conquistada a Escócia era altura de conquistar... a Europa. McLean não o conseguiu, é certo, mas esteve muito perto de o fazer em duas ocasiões. Na condição de campeões escoceses o United disputou em 83/84 a Taça dos Campeões Europeus, e a caminhada só não foi de glória porque a Roma de Falcão, Toninho Cerezo, Graziani, Pruzzo, Bruno Conti e companhia estragou os planos dos escoceses nas meis-finais, impedido de McLean disputar a final da maior competição europeia de clubes em... Roma! Pois é, a final da "orelhuda" dessa temporada seria disputada na Cidade Eterna. McLean não conseguiu assim repetir o feito do seu grande rival dos anos 80 dentro do futebol escocês, Alex Ferguson, que um ano antes havia levado o Aberdeen à glória europeia, após vencer a Taça das Taças.

McLean eternizado em estátua
em Tannadice Park
Jim McLean teve uma nova hipótese de igualar o sucesso europeu de Sir Alex à frente de um clube modesto. Em 86/87, na Taça UEFA,  deixou pelo caminho potências como o Barcelona ou o Borussia Monchengladbach para atingir a final da então terceira prova mais importante de clubes do Velho Continente. No entanto, sucumbiu aos pés de um (então) poderoso IFK Gotemburgo.

Com o evoluir do futebol McLean achou por bem afastar-se dos bancos, no início da década de 90, optando pelo trabalho mais de gabinete, ou seja, integrando o setor administrativo do Dundee United. Foi dirigente do clube entre 1993 e 2000. Isto numa altura em que Ferguson era já rei absoluto em Manchester, ao serviço do United, para onde se havia mudado em 1986, na sequência do tremendo sucesso - interno e externo - obtido ao serviço do modesto Aberdeen. McLean não seguiu as pisadas do seu contemporâneo Alex Ferguson, não por falta de oportunidades, pois recebeu inúmeros convites para treinar clubes de maior nomeada, quer da Escócia, quer fora do seu país, mas a tranquilidade que sentia em Dundee, o amor à cidade e ao clube, fizeram com que aqui ficasse até ao fim da vida: no dia seguinte ao Natal de 2020.

Ainda hoje, quando se fala nos maiores treinadores escoceses de todos os tempos, o seu nome surge a par de Alex Ferguson, Bill Shankly, Jock Stein, ou Matt Busby.

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