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Cândido de Oliveira, o Timoneiro |
Esperança,
vontade de aprender e orgulho em servir a pátria no palco mais importante do
futebol mundial “invadia” o grupo português que partiu para Amesterdão no dia
22 de maio de 1928. Holanda, França, Luxemburgo, Argentina, Estónia, Egito,
Bélgica, Turquia, Estados Unidos da América, Espanha, Uruguai, Alemanha, Chile,
Suíça, México, Jugoslávia e Portugal, eis os integrantes do cartaz do torneio
olímpico de 1928. Uns mais favoritos do que outros, naturalmente. Jornalistas
de todo o Mundo rumaram a Amesterdão para acompanhar os JO, sendo que grande
parte deles o fez pelo futebol, a modalidade que movia uma crescente massa
adepta no globo terrestre. Alemanha apresentava o maior número de jornalistas
presentes nos Jogos, com 54, ao passo que Portugal enviava somente oito, entre
outros António Ferro (Diário de Notícias), Adelino Mendes (O Século), Salazar
Correia (Ilustração), Ribeiro dos Reis (Os Sports) e Cândido de Oliveira
(Diário de Lisboa). Esta última figura viajava para a Holanda com uma dupla
função, não só com a responsabilidade de transformar – brilhantemente, como era
seu apanágio – em notícia os acontecimentos de Amesterdão, mas sobretudo o de
liderar sob o ponto de vista técnico o combinado nacional. Cândido Fernandes
Plácido de Oliveira (nasceu a 24 de Setembro de 1896), é uma das figuras mais
marcantes da história do futebol em Portugal. Mestre Cândido – como era
conhecido – foi o primeiro grande estudioso do futebol em Portugal, responsável
maior pelo aparecimento da seleção nacional, trabalhador incansável no sentido
de que o futebol português se colocasse ao nível do que acontecia nos outros
países da Europa, sobretudo nas suas vertentes organizativas.
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A comitiva nacional antes partida para Amesterdão |
Como já
referimos, a comitiva nacional embarcou no Sud Express (comboio) rumo a
Amesterdão no dia 22 de maio de 1928. Largas centenas de pessoas foram à gare
do Rossio saudar e endereçar votos de “boa sorte” aos “embaixadores” do futebol
nacional. A partida foi entusiástica, calorosa e vibrante. Os aplausos da
multidão só pararam de se ouvir quando o comboio desapareceu de vista na
escuridão do túnel do Rossio. O país – ainda que representado por algumas
largas dezenas de entusiastas que marcaram presença no momento do embarque –
depositava uma entusiasmante esperança em António Roquete (Casa Pia), Carlos
Alves (Carcavelinhos), Jorge Vieira (Sporting), Raul “Tamanqueiro” Figueiredo
(Benfica), Augusto Silva (Belenenses),
César de Matos (Belenenses), José Manuel Soares “Pepe” (Belenenses), Vítor
Silva (Benfica), José Manuel Martins (Sporting), Cipriano dos Santos
(Sporting), Jorge Tavares (Benfica), Liberto dos Santos (União de Lisboa),
Alfredo Ramos (Belenenses), Armando Martins (Vitória de Setúbal), João dos Santos
(Vitória de Setúbal), Aníbal José (Vitória de Setúbal), Óscar de Carvalho
(Boavista) e Valdemar Mota (FC Porto). Estes eram os heróis nacionais do povo
português, os jogadores que iriam defender a pátria no então palco principal do
futebol mundial. Com estes seguiam Salazar Correia, Ribeiros dos Reis e Cândido
de Oliveira, que além de jornalistas integravam igualmente os quadros da
Federação Portuguesa de Futebol, aos quais se haveria de juntar, em Paris, o
tenente-coronel Manuel Latino, membro do Comité Olímpico de Portugal.
A viagem até
Amesterdão durou 40 horas (!), tendo pelo meio a comitiva lusa feito uma escala
em Paris, onde pernoitou antes de assentar arraiais na Holanda. Chegados ao
país da Tulipas – cerca das 22H00 do dia 24 de maio – ecos de descontentamento
desde logo se fizeram ouvir pelos jogadores lusos em consequência da verdadeira
espelunca em que foram despejados. As dormidas eram no Holland Hotel, ao passo
que as refeições eram servidas no Hotel Suisse. Quartos pequenos e comida má,
eram queixas recorrentes dos guerreiros lusos. O primeiro treino da seleção em
solo holandês ocorreu – no dia seguinte – no campo do Ajax, clube este cujo
massagista foi contratado pela nossa federação para tratar da saúde física dos
nossos rapazes. Ainda no dia 24 a FIFA realiza em Amesterdão um congresso,
tendo o seu mítico presidente, Jules Rimet, recebido das mãos da rainha
Guilhermina (da Holanda) uma condecoração na sequência dos serviços prestados
em prol da dinamização do futebol planetário. Rimet agradeceu, cumprimentou
todas as delegações presentes e falou na união de todas as nações através do
desporto e do futebol em particular. Estavam lançadas as sementes do que viria
a ser uma realidade dois anos depois: o nascimento do Campeonato do Mundo da
FIFA. O sonho de Jules Rimet estava a caminho.
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Fase do duro duelo com o Chile |
O sorteio do
torneio olímpico ditou que o estreante Portugal teria de enfrentar outra
seleção nova nestas andanças internacionais: o Chile, numa pré-eliminatória.
Feita à adaptação ao “excelente relvado” - segundo nota dos responsáveis
técnicos lusos – do Olímpico de Amesterdão, a seleção entrou em ação no dia 27.
Sob arbitragem do egípcio Mohamed, Portugal alinhou com: Roquete, Carlos Alves,
Jorge Vieira (capitão de equipa), Raul Tamanqueiro, Augusto Silva, César de
Matos, Valdemar Mota, Pepe, Vítor Silva, Armando Martins, e José Manuel
Martins.
No caminho
para o estádio o entusiasmo reinava entre os portugueses. Ainda no hotel, antes
da entrada no autocarro que os iria conduzir ao Olímpico de Amesterdão, a
comitiva entuou a “Portuguesa”, um ato sentimental e de profunda emoção
conforme foi descrito pelos presentes
como um sinal de união e determinação em defender de forma briosa a
pátria. O pontapé de saída do encontro ante os chilenos foi dado às 15H00, e
desde cedo os sul-americanos atacaram energicamente a baliza de Roquete, sendo
que logo ao minuto três abriram o marcador.
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O genial Pepe |
Os
portugueses pareciam nervosos, cometendo vários erros, e apercebendo-se desse
facto aliado à vantagem que tinham no marcador, os chilenos continuariam a
carregar no acelerador e aos 14 minutos ampliam a vantagem. Depois disto,
abrandaram o ritmo e Portugal acordou! O génio de Pepe começou a aparecer pela
ala esquerda. Os lusos começaram a atacar com mais perigo, tendo construído e
perdido algumas ocasiões flagrantes de golo. Vítor Silva é um dos perdulários.
Os centro campistas chilenos usaram e abusaram da dureza, tendo Armando Martins
por duas ocasiões sido vítima da extrema agressividade dos sul-americanos,
tendo numa delas tido sido transportado em braços para fora do terreno de jogo.
Reduzidos momentaneamente a dez elementos os portugueses não tremem, mas numa
perigosa investida chilena valeu a atenção e mestria – na tarefa de bem
defender a baliza – de Roquete com um espetacular mergulho a evitar o terceiro.
E eis que já com Armando Martins em campo, o até então desinspirado avançado
Vítor Silva começa a redimir-se e na sequência de um magistral cruzamento de
Pepe reduz, aos 38 minutos, a desvantagem lusitana.
O golo animou
as hostes portuguesas e dois minutos volvidos Pepe dá o melhor seguimento a um
cruzamento de César de Matos e restabelece a igualdade com que se atingiu o
intervalo.
A segunda
parte foi inteiramente dominada pelos portugueses. Na sequência de um canto, a
bola é aliviada para longe da zona de perigo, mas José Manuel Martins recupera
o esférico a favor dos lusitanos, cruzando em seguida para a cabeça de Pepe
endereçar o esférico para o interior da baliza à guarda de Ibacache. 3-2 e pela
primeira vez Portugal estava na frente do marcador. O Chile corre então atrás
do prejuízo, mas sem sucesso dada muralha que se ergueu no meio campo
português. Aos 63 minutos um magnífico passe do belenense Pepe para o portista
Valdemar Mota resultou no quarto golo da nossa seleção. Após driblar três
chilenos Mota fuzila a baliza contrária. Já sem forças, os sul-americanos ainda
esboçam uma ténue intenção de voltar a violar a baliza de Roquete, mas tal
intenção não chegou a constituir perigo para o nosso onze, que defendeu com
“unhas e dentes” o seu goal . E assim
chegava o final, com 4-2 a favor dos nossos rapazes, que desta forma avançavam
no torneio, enviando os chilenos para o torneio de consolação (uma espécie de
competição destinada às seleções derrotadas na pré-eliminatória e na 1ª
eliminatória.
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Mais um lance de perigo no jogo de estreia dos lusos |
A imprensa
destaca o magnífico António Roquete, que salvou a baliza lusa em várias
ocasiões; o formidável Raul Tamanqueiro, cujos dribles diabólicos fizeram as
delícias dos cerca de 2,300 espetadores presentes; e o brilhante Pepe, o melhor
entre os homens mais avançados da seleção. Na bancada estava presente um dos
mais brilhantes pensadores (táticos) do futebol mundial daqueles anos, o
austríaco Hugo Meisl, o criador do Wunderteam
(equipa maravilha) da Áustria dos anos 20, e que impressionado com a qualidade
dos portugueses neste jogo tratou de oficializar um convite para que Portugal
visitasse a sua nação logo após o torneio olímpico para um match amigável. Nessa mesma noite o cônsul de Portugal em
Amesterdão, Barjona de Freitas, organizava uma pequena festa em honra da equipa
nacional, que tão orgulhosa deixara a nação após este épico triunfo. Cá pelo
burgo, eram muitos os portugueses que se juntavam junto às redações dos
principais jornais (em Lisboa os principais locais de afluência eram o Rossio e
a Praça do Comércio) para saber novidades de Amesterdão. Numa época em que as
transmissões/relatos de jogos de futebol tanto na televisão como na rádio eram
ainda uma miragem, os jornais iam dando as informações – que lhes chegavam por
telégrafo – do que ia acontecendo no Estádio Olímpico de Amesterdão através de
placards gigantes. E assim que foi dada a informação do resultado final, a
multidão explodiu de alegria. Melhor estreia na alta-roda internacional,
Portugal não poderia ter tido.
(continua)
Um comentário:
Excelente relato de acontecimentos históricos, que faz parecer estar a viver os mesmos no presente. Obrigado pelo testemunho!
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