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Um aspeto do Estádio das Laranjeiras, na abertura do Campeonato Sul-Americano de 1922 |
2016 é um ano especial para a Copa América. A mais prestigiada competição de seleções do continente americano comemora o seu centenário. 100 anos carregados de emoções e momentos de magia desenrolados nas maiores catedrais da bola erguidas em solo (sul) americano pela mão de dezenas de astros do belo jogo. Depois de termos feito uma visita às cinco primeiras edições da Copa viajamos hoje até 1922, ano em que o Brasil organizou e venceu pela segunda vez na sua história o então denominado Campeonato Sul Americano de futebol. Desde logo nesta sexta edição do torneio foi vislumbrada uma novidade: o facto de serem cinco as seleções perfiladas na linha de partida na corrida rumo ao título - já que até então a competição havia sido disputada por quatro combinados nacionais, em cada uma das anteriores edições, compreenda-se. Inicialmente o Campeonato Sul Americano de 1922 esteve agendado para o Chile, contudo o Brasil solicitou à CONMEBOL o acolhimento do torneio no sentido de comemorar com pompa e circunstância o centenário da sua independência. Pretensão aceite, e desde pronto ficaria definido que à semelhança de 1919 o Estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, seria o palco de todas as emoções. No entanto, nem tudo na antecâmara desta edição foi motivo de festa. O episódio mais sombrio, passo a expressão, aludiu mais uma vez ao racismo que imperava naqueles dias um pouco por todo o Mundo, sendo que a nação brasileira não era exceção. Epitácio Pessoa, o Presidente da República do Brasil de então, decretou em 1921 que a seleção que nesse ano iria defender na Argentina o título conquistado dois anos antes fosse integrada apenas por jogadores de pele branca (!), facto que fez com a maior estrela da nação, Arthur Friedenreich, ficasse fora da convocatória. Com esta regra o presidente brasileiro queria evitar uma nova exposição ao ridículo do selecionado do seu país, composto por diversos jogadores de origem negra, como a que havia ocorrido em 1920, quando os argentinos apelidaram os brasileiros de "macacos". A exclusão do mestiço Friedenreich do torneio de 1921 resultou num profundo fracasso, já que a seleção não só perdeu o título para os vizinhos e eternos inimigos argentinos como também teve atuações paupérrimas. Pressionado por grande parte da população, que exigia o regresso de Fried, Epitácio Pessoa é obrigado em 1922 a revogar a lei que proibia a inclusão de negros e mestiços na equipa nacional, tendo o astro do Paulistano integrado o grupo de 18 jogadores que o treinador/jogador Arthur Antunes de Moraes e Castro, conhecido no Planeta da Bola por Laís, levou à sexta edição da Copa. Além da nação anfitriã o torneio foi disputado ainda pelo Uruguai, Chile, Paraguai e Argentina. Porém, os campeões em título surgiam no Rio de Janeiro desfalcados de uma parte significativa dos seus melhores futebolistas. Clubes como o River Plate, o San Lorenzo, o Independiente ou o Racing, alguns dos principais emblemas da nação das Pampas onde atuavam grande parte dos craques do futebol argentino de então, impediram a viagem dos seus jogadores internacionais à Cidade Maravilhosa.
A bola começou a rolar...
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Brasileiros e paraguaios antes do jogo decisivo da Copa de 22 |
No dia 17 de setembro de 1922 é dado então o pontapé de saída da Copa, entre a nação da casa e o Chile. Sob a arbitragem do uruguaio Ricardo Villarino o jogo termina empatado a uma bola, para deceção dos 30.000 torcedores que se encontravam nas Laranjeiras. Pior do que o empate o Brasil ficava sem a sua estrela principal, Arthur Friedenreich, que saiu lesionado do encontro. Tatú fez aos 9 minutos o golo brasileiro, tendo Manuel Bravo reposto a igualdade a quatro minutos do intervalo.
Seis dias depois os chilenos - que regressavam ao torneio após terem estado ausentes na edição anterior - defrontaram o Uruguai, quiçá a grande potência do futebol sul-americano de então, mas que se apresentava no Rio sem jogadores do Peñarol, devido a divergências entre este clube e a federação daquele país. Mesmo sem algumas das suas principais estrelas, entre outros o maestro Piendibene, os uruguaios deram boa conta de si, e ainda antes dos 20 minutos já venciam por 2-0, resultado com que foi finalizado o duelo.
Um dia depois, cerca de 22.000 pessoas aguardavam ansiosamente nas bancadas das Laranjeiras a primeira vitória do time da casa, diante do Paraguai. Porém, as piores notícias confirmavam-se: Friedenreich não iria jogar. O craque não recuperou da lesão sofrida no jogo de estreia, e o treinador/jogador Laís optou por reservá-lo para o teoricamente complicado encontro com o Uruguai, na ronda seguinte. A ausência de Fried parece ter afetado o onze do Brasil, que logo aos 14 minutos viu Gerardo Rivas adiantar os paraguaios no marcador. Os brasileiros correram então atrás do prejuízo, mas só à passagem do minuto 71 chegariam à igualdade na sequência de um remate certeiro de Amílcar. Uma espécie de Argentina B esmagou no dia 28 de setembro o Chile por 4-0, com o destaque individual a ir para o avançado Juan Francia, autor de dois dos tentos da turma das Pampas, ele que haveria de sair do Brasil consagrado como o goleador do torneio, com quatro tentos.
Um "Brasil - Uruguai" que entrou para a História
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Claudio Sapelli |
No dia 1 de outubro seria escrito um dos capítulos mais importantes não só da história do futebol como do próprio desporto a nível planetário. Com o Estádio das Laranjeiras a rebentar pelas costuras Brasil e Uruguai defrontaram-se naquele que era olhado pela imprensa como o primeiro grande jogo da Copa. O porquê deste ter sido um jogo histórico? Certamente que a resposta não se ficou a dever ao desolador nulo que subiu ao marcador no final dos 90 minutos, mas antes pelo facto deste ter sido o primeiro jogo de futebol a ser transmitido pela rádio. Este facto histórico vem desde logo contrariar a ideia de que a primeira transmissão de uma partida de futebol via rádio teria ocorrido em Inglaterra, no ano de 1927, entre as equipas do Arsenal e do Sheffield United. A verdade é que em 1922, no terraço do jornal El Plata, em Montevideu, Claudio Sapelli, proprietário da Casa Sapelli, especializada na venda de aparelhos radiofónicos, fez o primeiro relato de um jogo de futebol, precisamente o que colocou frente a frente o Brasil e a equipa celeste. Milhares de adeptos juntaram-se nas imediações do jornal El Plata que no seu terraço instalou um aparelho telégrafo que recebia as informações do jogo do Rio de Janeiro, as quais, por sua vez, eram lidas por Sapelli através de um megafone. Do
cabo do telégrafo saíam duas vias, uma para compartilhar com a
multidão, e outra para que Sapelli, a partir do mesmo terraço e com
o equipamento de transmissão portátil, levasse os acontecimentos do
encontro a centenas de ouvintes. Este não foi contudo o primeiro evento desportivo a ser transmitido pela rádio, já que em julho desse mesmo ano, nos Estados Unidos da América, um combate de boxe teve essa "honra". Bom, voltando ao jogo, o Brasil apostou tudo na sua estrela principal, Friedenreich, paupado no jogo anterior, mas na verdade o astro foi lançado às feras em condições físicas muito limitadas, uma vez que não se encontrava totalmente recuperado da lesão contraída no encontro de estreia. Com isto, o Brasil somava o seu terceiro empate consecutivo, e só um milagre iria permitir à seleção reconquistar o título. Mas, por vezes os milagres também acontecem, como se iria verificar. E se os brasileiros precisavam da ajuda de terceiros para alcançar o primeiro lugar - recorda-se que o campeonato era disputado em sistema de poule, onde todos jogavam contra todos, sendo que à equipa que somasse mais pontos era atribuído o título de campeão - os chilenos disseram definitivamente adeus à Copa depois de terem sido batidos pelo Paraguai por três bolas sem resposta.
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A seleção uruguaia que abandonou o campeonato em protesto face à arbitragem parcial do brasileiro Pedro Santos |
Quem também ficava incumbido de fazer as malas mais cedo do que o previsto era a Argentina, que no dia 8 enfrentou o vizinho e eterno inimigo da outra margem do Rio da Prata, o Uruguai. Orientados por Pedro Olivieri, os uruguaios, que até então ostentavam três títulos continentais, apresentavam como grande estrela El Loco Romano, jogador que no entanto esteve bastante longe de ser a pedra influente na manobra da equipa que havia sido nas três edições em que os charrúas saíram campeões. Ante a Argentina o herói foi Felipe Buffoni, autor do único golo. Por esta altura, muitos foram aqueles que pensavam que depois deste triunfo o Uruguai estaria a caminho do seu quarto título de campeão, até porque os dois testes mais complicados (Brasil e Argentina) estavam já superado, e que o encontro diante do Paraguai seria o da coroação. Porém, uma arbitragem desastrosa do brasileiro Pedro Santos suspendeu a previsível festa uruguaia. O árbitro deu uma preciosa ajuda aos paraguaios, que aos sete minutos viram Carlos Elizeche fazer o único golo de um encontro que terminou de forma tumultuosa, com os uruguaios a protestarem vivamente a atuação tendenciosa de Santos. Com isto a entrega do título ficava adiada, e mais do que isso permitia que o Brasil continuasse a sonhar com um desfecho feliz, mas para isso era preciso vencer a Argentina no penúltimo jogo do torneio. Sem Arthur Friedenreich, definitivamente afastado do torneio por motivos físicos, a seleção apostou tudo na experiência do trio de campeões do campeonato de 1919, isto é, em Neco, Amílcar e Heitor. E foi precisamente dos pés dos dois primeiros atletas que saíram os dois golos que bateram o guarda-redes/treinador Americo Tesoriere, fazendo com que desta forma o Brasil igualasse o Uruguai e o Paraguai no topo da classificação, com cinco pontos conquistados. Rezam as crónicas que este foi o melhor jogo dos brasileiros em todo o campeonato, uma partida onde, finalmente, exibiram o seu futebol tecnicamente refinado e empolgante. Paraguaios que até poderiam ter resolvido a questão do título na derradeira jornada da competição, mas o goleador desta Copa, Juan Francia, não permitiu, ao apontar um par de golos que derrotaram aquela que para muitos foi a equipa sensação desta sexta edição do Campeonato Sul-Americano.
Uruguaios desistem e Brasil vence o Paraguai na negra
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Neco,um dos atores principais do ceptro de 1922 |
Face a esta inédita igualdade pontual no topo da tabela no final do torneio, houve a necessidade de disputar uma segunda poule entre as três seleções empatadas. No entanto, e descontentes com a arbitragem do encontro com o Paraguai, o Uruguai decide, em forma de protesto, retirar-se da competição, deixando o caminho aberto para que brasileiros e paraguaios decidissem entre si quem seria o campeão. E eis que chegamos a 22 de outubro, dia em que a nação brasileira tinha o pensamento no Estádio das Laranjeiras. Ainda sem Friedenreich e o também histórico guarda-redes Marcos Carneiro de Mendonça (que apenas atuou nos dois primeiros jogos do torneio, dando em seguida o lugar a Júlio Kuntz, por motivos de lesão) o Brasil entrou em campo determinado em não se deixar surpreender pela equipa sensação da prova, na qual pontificavam o guardião Modesto Denis - ainda hoje considerado como um dos melhores de sempre da nação guarani - o médio Fleitas Solich e o avançado Gerardo Rivas. O corintiano Neco cedo tratou de sossegar os 25.000 torcedores que se deslocaram às Laranjeiras, quando aos 11 minutos bateu pela primeira vez Denis. O Brasil mandava no jogo, e no reatamento da partida, ao minuto 48, Formiga dilata a vantagem, tendo este mesmo jogador, a um minuto do fim, disparado para o 3-0 final. Depois de um começo morno o Brasil era bi-campeão das américas. Para eternidade ficam os nomes de Marcos, Kuntz, Palamone, Chico Netto, Barthô, Laís, Amílcar, Xingô, Fortes, Nesi, Formiga, Neco, Friedenreich, Zézé, Tatú, Heitor, Rodrigues e Junqueira, os campeões da Copa de 1922.
A figura: Juan Francia
Já aqui foi referido que a Argentina apresentou-se no Rio de Janeiro para disputar a sexta edição do Campeonato Sul-Americano desfalcada de alguns dos seus melhores jogadores, facto que muito terá contribuído para o modesto 4º lugar final. Porém, um nome acabaria por se destacar no elenco das Pampas: Juan Francia, o melhor marcador do torneio, com quatro golos. Nascido em 1894, Francia destacou-se em várias equipas de Rosario, vestindo a pele de um ágil e tecnicamente talentoso extremo esquerdo. Gimnasia e Esgrima, Rosario Puerto Belgrano, Tiro Federal, ou Newell's Old Boys foram alguns dos emblemas que o atleta defendeu entre 1915 e 1931. Em 1918 faz a sua estreia internacional, num encontro ante o rival Uruguai, a contar para a Copa Honor Argentino, e quatro anos mais tarde é um dos convocados do treinador/jogador Americo Tesoriere para defender no Rio de Janeiro o título continental conquistado um ano antes em Buenos Aires. Este foi mesmo o seu momento de fama com o manto alvi celeste, já que depois deste campeonato apenas por mais duas ocasiões atuou pelo combinado nacional.
Nomes e números:
17 de setembro de 1922
Brasil – Chile: 1-1
(Tatú, aos 9m)
(Manuel Bravo, aos 41m)
23 de setembro de 1922
Uruguai – Chile: 2-0
(Heguy, aos 10m e Urdinarán, aos 19m)
24 de setembro de 1922
Brasil – Paraguai: 1-1
(Amílcar, aos 71m)
(Rivas, aos 14m)
28 de setembro de 1922
Argentina – Chile: 4-0
(Francia, aos 36m e 41m, Chiessa, aos 10m, e Gaslini, aos 75)
1 de outubro de 1922
Brasil – Uruguai: 0-0
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Paraguai, a seleção sensação da Copa de 1922 |
5 de outubro de 1922
Paraguai – Chile: 3-0
(Ramírez, aos 37m, López, aos 65m, e Fretes, aos 78m)
8 de Outubro de 1922
Uruguai – Argentina: 1-0
(Buffoni, aos 43m)
12 de outubro de 1922
Paraguai – Uruguai: 1-0
(Elizeche, aos 7m)
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Capitães da Argentina e do Brasil trocam flores antes do embate |
15 de outubro de 1922
Brasil – Argentina: 2-0
(Neco, aos 42m, e Amílcar, aos 86m)
18 de outubro de 1922
Argentina – Paraguai: 2-0
(Francia, aos 63m, e aos 79m)
Classificação:
1º Brasil: 5 pontos
2º Paraguai: 5 pontos
3º Uruguai: 5 pontos
4º Argentina: 4 pontos
5º Chile: 1 ponto
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A seleção do Brasil que em 1922 conquistou em casa o segundo campeonato Sul-Americano da sua história |
Play-off de apuramento do campeão
22 de outubro de 1922
Brasil - Paraguai: 3-0
(Formiga, aos 48m, e aos 89m, Neco, aos 11m)
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