Os célebres duelos travados ao longo de décadas fazem com que hoje sejam encarados como verdadeiros clássicos. Daqueles jogos emblemáticos que enfeitam qualquer Campeonato do Mundo ou da Europa. A partir de hoje vamos então desfiar um pouco do novelo dos grandes clássicos que tiveram lugar nas duas maiores competições de futebol do planeta, começando esta nossa viagem no tempo pela sempre escaldante batalha entre Espanha e Itália.
Dois países que já se defrontaram nos relvados por mais em mais de uma vintena de ocasiões, contudo em jogos a doer, isto é, em palcos de fases finais de Mundiais e Europeus somente por cinco vezes o fizeram.
1934
A primeira delas foi talvez a mais épica, traduzida numa dura batalha lavrada em dois actos levados à cena em Florença, em 1934. Foi o ano em que a Itália organizou a segunda edição do Mundial da FIFA, um campeonato manchado pelo fascismo de Benito Mussolini. Para muitos este foi o Mundial da vergonha, da falta de verdade desportiva em grande parte dos jogos, em especial os da equipa da casa, a qual seria à vista de todos levada ao colo até ao título. Em 1934 o fascismo venceu... e não o futebol como teria razão de ser. Exemplos puros da falta de ética desportiva foram os confrontos entre espanhóis e italianos nos quartos-de-final da prova.
Em 31 de Maio desse longínquo ano subiram ao relvado do Estádio de Florença alguns homens que mais tarde haveriam de se tornar mitos do belo jogo, casos de Meazza, Schiavio, Combi, ou Zamora. Debaixo de um calor tórrido 38.000 almas assistiram a uma luta diabólica de 120 minutos entre duas das maiores potências futebolísticas da altura. Duas horas de futebol de um tremendo desgaste físico que em diversas ocasiões atingiu o limite das forças humanas. E assim o foi não só pela entrega apaixonada com que os atletas de ambas as selecções tiveram ao longo do jogo mas sobretudo pela violência extrema que nele vigorou. Em particular por parte dos italianos para quem tudo valia para travar os seus rivais, desde entradas violentíssimas, pontapés, ou socos. Tudo nas barbas do complacente árbitro belga Baert que fazia vista grossa aos bárbaros ataques dos italianos aos espanhóis. Apesar do massacre de que estava a ser alvo a Espanha inaugurou o marcador, por intermédio de Regueiro, aos 31 minutos. Ferrari igualaria aos 45 minutos, num lance irregular, já que o mítico guardião Zamora foi agarrado por um jogador da casa e desta forma impedido de disputar o lance. Roubo, gritaram os espanhóis, um grito de revolta que de nada valeria, pois Baert mais uma vez faria vista grossa e permitia à Itália ter uma nova oportunidade no dia seguinte de passar às meias-finais. Sim, porque no final dos 120 minutos o resultado teimosamente permanecia numa injusta – para “nuestros hermanos, não só pela superioridade patenteada como também pela actuação tendenciosa do juíz da partida – igualdade a um golo.
Como na época as grandes penalidades ainda não vigoravam como sistema de desempate marcou-se novo duelo para o dia seguinte. A violência da véspera tinha deixado profundas marcas nos dois combinados, em especial para o lado da Espanha que viu sete (!) dos seus craques impedidos – por lesão – de dar novo contributo à equipa, entre outros o “divino” Zamora. Mesmo assim as suas reservas voltaram a resistir heroicamente não só a mais uma sessão de pugilato por parte dos italianos como igualmente a uma actuação tendenciosa do árbitro. Neste último ponto há a sublinhar que se Baert prejudicou seriamente a Espanha o suíço Rene Mercet fê-lo a triplicar na partida de desempate. Mercet deu à Itália o passaporte para a fase seguinte, ignorando a violência de italianos, em especial de Monti que enviou o extremo da “roja” Bosh mais cedo para os balneários na sequência de uma monumental agressão a pontapé, e na anulação de dois golos limpos da selecção espanhola. Giuseppe Meazza como não quer a coisa apontou o único golo desta partida (aos 12 minutos) e a Itália seguia de forma rídicula para a meia-final. Aquando do seu regresso à Suíça Mercet foi irradeado pela federação de futebol deste país. Outra coisa não seria de esperar de um país que sempre se definiu em tudo como... neutral.
1980
Seria preciso esperar 46 anos para ver novamente Espanha e Itália esgrimirem argumentos em campo numa partida de uma fase final de uma grande competição. Tal facto ocorreu em 1980, e mais uma vez em solo transalpino, desta feita em Milão, num encontro da 1ª fase do Campeonato da Europa. Bem mais calmas do que em 34 as duas equipas empataram a zero no jogo de estreia do grupo B da fase final do Euro. Competição onde seriam os italianos a cavalgar mais além, já que chegariam às meias-finais, ao passo que a Espanha ficaria pela 1ª fase. Um Europeu onde a República Federal da Alemanha faria a festa final com a conquista do seu segundo ceptro continental.
1988
E foi de novo numa fase final de um Europeu que os dois velhos inimigos se voltariam a cruzar, desta feita na Alemanha, mais concretamente em Frankfurt no dia 14 de Junho de 1988. Ambos lutavam por um lugar nas meias-finais do Euro 88, vindo os dois combinados de bons resultados na 1ª jornada do grupo A da citada competição. A Espanha havia saído de uma vitória sobre a Dinamarca (3-2) ao passo que a “squadra azzurra” havia empatado com a poderosa equipa da casa a uma bola. Poderosa era também a Itália daquela altura, que se apresentava no Euro com um misto de experiência (Bergomi, Baresi, e Altobelli) e juventude (Maldini, Vialli, e Mancini). Uma senhora selecção. Na Espanha começava a despontar a “Quinta del Buitre” formada por notáveis jogadores como Butragueño, Michel, Zubizarreta, Bakero ou Julio Salinas. Num encontro equilibrado Gianluca Vialli... desequilibrou. Estavam decorridos 73 minutos quando o então avançado da Sampdória fez o único golo do jogo e deu os dois pontos à sua selecção. Esta derrota seria fatal para a Espanha, equipa que no derradeiro jogo do grupo perdeu com a Alemanha e ficou arredada da fase seguinte. A Itália essa ficaria-se pelas meias-finais caindo aos pés de uma forte União Soviética. A Holanda de Van Basten e Gullit venceria a competição.
1994
Após dois confrontos pacíficos, de certa forma, o sangue voltou a ser derramado num Espanha – Itália. Cenário traçado em Boston, nos Estados Unidos da América, durante o Mundial de 1994. Curiosamente, e tal como em 1934, este seria um duelo alusivo aos quartos-de-final do certame, e à semelhança do ocorrido nos anos 30 este seria igualmente um jogo marcado pelos nervos à flor da pele. Os agressores? Uma vez mais os transalpinos, ou melhor, o transalpino Mauro Tassotti. A cena fatal acontece já muito perto do fim do clássico, e numa altura em que a Espanha procurava com intensidade o empate a dois. A “fúria” (espanhola) beneficia de um pontapé de canto, e quando a bola pingava na área Tassotti dá uma cotovelda no rosto de Luis Enrique. Grande penalidade e consequente expulsão que o húngaro Sandor Puhl deixou passar em branco para espanto de todos os presentes no Estádio Foxboro naquela tarde de 9 de Julho. O agressor parece não entender – ou fingir não saber – o que se passa aquando da paragem do encontro, enquanto a vítima chora de raiva enquanto o sangue jorra pelo seu nariz. A Itália mais uma vez leva a melhor no que concerne a resultado final: 2-1, com golos dos Baggio (sem qualquer grau de parentesco entre si)... o Dino (aos 25 minutos) e o Roberto (aos 87), este último a grande estrela da “Azzurra” da época. Caminero marcara pelo caminho para a Espanha, quando o relógio registava 58 minutos.
O gozo – de mais uma vitória obtida – dos italianos sobre os velhos rivais terminaria dias mais tarde, altura em que sairam derrotados pelo Brasil na grande final do “USA 94”. Tassotti também não teve razões para voltar a sorrir, já que a agressão a Luis Enrique valeu-lhe a posterior suspensão de seis jogos.
2008
Já diz o ditado que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, e à quinta foi de vez. A Espanha vencia a Itália pela primeira numa fase final de uma grande competição. Feito ocorrido há pouco mais de dois anos durante o Europeu organizado em conjunto pela Suíça e pela Áustria. E mais uma vez... nos quartos-de-final. Este jogo é encarado como a transição de poderes de um país para o outro. Por outras palavras, a Itália, campeã do Mundo em título (alcançado dois anos antes na Alemanha) apresenta-se neste Euro cansada e com um combinado muito perto da sua reforma, em contraste com uma jovem e excitante Espanha que dali para a frente iria dominar o planeta. O local da passagem de testemunho? O mítico Ernst Happel (também mundialmente conhecido como Estádio do Prater), em Viena. 22 de Junho foi a data da célebre cimeira latina.
Desde o apito inicial que os transalpinos esperavam um erro espanhol para chegar ao golo, enquanto a “armada espanhola” comandada pelo experiente técnico Luis Aragonés desenhava o seu jogo com passes curtos no seu meio-campo para ir ganhando metros até à baliza defendida pelo mago Buffon. Muito a custo a defesa “azzurra” foi sempre aguentando as investidas espanholas e só na segunda parte se assistiu a um verdadeiro lance de perigo da Itália junto da baliza contrária, o qual seria prontamente anulado pelo (já) lendário Casillas. A genial dupla de avançados da Espanha (Torres e Villa) estava presa à teia defensiva armada pelo treinador Donadoni pelo que o prolongamento chegou sem surpresa. Ai, ambos os conjuntos quiseram marcar, contudo a ansiedade aliada ao desgaste físico acabariam por aniquiliar os objectivos comuns. Seguiram-se as terríveis grandes penalidades para desempatar tudo. A lotaria saiu então à Espanha, que muito ficou a dever à inspiração do seu guardião Iker Casillas, o qual parou dois remates transalpinos. 4-2 no final, um resultado que ainda bafejado pela sorte dos penaltis consolidou de vez a “armada espanhola” de Fernando “El niño” Torres, David Villa, Casillas, David Silva, Puyol, Xavi, e Fabregas como a nova potência do futebol. A prova dos nove seria tirada alguns dias depois, também no Ernst Happel, onde um tento solitário de Torres (ante a Alemanha) deu o segundo título europeu a “nuestros hermanos”.
2012
Tal como em 1934 o duelo entre italianos e espanhóis teve "dose dupla", ou seja, as duas equipas encontraram-se por duas ocasiões na mesma competição. Facto ocorrido no Euro 2012, disputado pela primeira vez no leste europeu, mais precisamente na Ucrânia e na Polónia. Espanha que partia para este Campeonato da Europa como a principal candidata à (re)conquista do título, não apenas porque era a detentora dos ceptros Europeu e Mundial, mas essencialmente porque continuava a ser a mais poderosa seleção do planeta. No entanto, a "máquina espanhola" seria travada no dia 10 de junho, em Gdansk (Polónia), quando no jogo inaugural do Grupo C do Euro 2012 a Itália ao realizar uma magnífica exibição
arrancou um empate a um golo, deixando no ar a ideia de que afinal o futebol da "roja" não era invencível. Di Natale, veterano goleador da Udinese, saltou do banco no início da 2ª parte para aos 60m colocar a armada espanhola em sentido, apontando o primeiro golo do encontro. A alegria transalpina durou apenas 4 minutos, já que o genial Cesc Fàbregas restabeleceria o empate na sequência de um passe magistral do não menos genial David Silva. As duas equipas voltariam a encontrar-se quase 3 semanas depois... na final desse Europeu. Kiev e o seu estádio olímpico acolheriam a grande final da competição, um duelo que pelo o que as duas equipas vinham fazendo se antevia equilibrado, mas tal previsão não viria a ser traduzida para a realidade. Exibindo o seu magistral futebol, o célebre "Tiki-taka", a Espanha arrasou por completo a Itália, ao construir uma pesada goleada de 4-0 (!) - a maior goleada numa final de um Campeonato da Europa - e renovar desta forma o título de "rainha da Europa". David Silva, Jordi Alba, Fernando Torres, e Juan Mata foram os autores dos golos da "roja" orientada por Vicente del Bosque. Ao revalidar o ceptro europeu os espanhóis faziam desde logo história no planeta da bola, pois tornavam-se na primeira seleção a ganhar 3 grandes competições planetárias consecutivas: Euro 2008, Mundial 2010, e Euro 2012. Para muitos a Espanha era de longe a melhor equipa da história do belo jogo (!), e jogadores como Casillas, Xavi, Xavi Alonzo, Iniesta, Sergio Ramos, Fàbregas, ou Torres, ascendiam definitivamente ao Olimpo dos Deuses do Futebol. (*)
(*) Texto escrito em julho de 2012
Legenda das fotografias:
1- Duas lendas das balizas: Combi e Zamora. Os capitães de Itália e Espanha, respectivamente, apertam as mãos de forma amistosa antes do primeiro duelo da história entre ambas as selecções. O pior estava para acontecer nas horas que se seguiram no relvado de Florença.
2- O golo irregular da Itália no primeiro jogo com a Espanha em 1934. Ferrari marca mas Zamora é agarrado e impedido de disputar o lance.
3- A Itália sempre produziu grandes guarda-redes ao longo da sua história, nesta foto aparece Dino Zoff, o capitão e comandante da Azzurra no Euro 80
4- Novo duelo entre os velhos rivais, desta feita em Frankfurt, durante o Euro 88
5- Polémico seria também o jogo de 1994, a contar para o Mundial. Aqui o italiano Maldini luta pela posse do esférico com o espanhol Goikotxea.
6- A começo do reinado da Espanha no trono do futebol mundial é bem capaz de ter começado neste jogo do Euro 2008 contra a Itália.
7-Imagem da final do Euro 2012, onde a Espanha esmagou por completo a Itália
Dois países que já se defrontaram nos relvados por mais em mais de uma vintena de ocasiões, contudo em jogos a doer, isto é, em palcos de fases finais de Mundiais e Europeus somente por cinco vezes o fizeram.
1934
A primeira delas foi talvez a mais épica, traduzida numa dura batalha lavrada em dois actos levados à cena em Florença, em 1934. Foi o ano em que a Itália organizou a segunda edição do Mundial da FIFA, um campeonato manchado pelo fascismo de Benito Mussolini. Para muitos este foi o Mundial da vergonha, da falta de verdade desportiva em grande parte dos jogos, em especial os da equipa da casa, a qual seria à vista de todos levada ao colo até ao título. Em 1934 o fascismo venceu... e não o futebol como teria razão de ser. Exemplos puros da falta de ética desportiva foram os confrontos entre espanhóis e italianos nos quartos-de-final da prova.
Em 31 de Maio desse longínquo ano subiram ao relvado do Estádio de Florença alguns homens que mais tarde haveriam de se tornar mitos do belo jogo, casos de Meazza, Schiavio, Combi, ou Zamora. Debaixo de um calor tórrido 38.000 almas assistiram a uma luta diabólica de 120 minutos entre duas das maiores potências futebolísticas da altura. Duas horas de futebol de um tremendo desgaste físico que em diversas ocasiões atingiu o limite das forças humanas. E assim o foi não só pela entrega apaixonada com que os atletas de ambas as selecções tiveram ao longo do jogo mas sobretudo pela violência extrema que nele vigorou. Em particular por parte dos italianos para quem tudo valia para travar os seus rivais, desde entradas violentíssimas, pontapés, ou socos. Tudo nas barbas do complacente árbitro belga Baert que fazia vista grossa aos bárbaros ataques dos italianos aos espanhóis. Apesar do massacre de que estava a ser alvo a Espanha inaugurou o marcador, por intermédio de Regueiro, aos 31 minutos. Ferrari igualaria aos 45 minutos, num lance irregular, já que o mítico guardião Zamora foi agarrado por um jogador da casa e desta forma impedido de disputar o lance. Roubo, gritaram os espanhóis, um grito de revolta que de nada valeria, pois Baert mais uma vez faria vista grossa e permitia à Itália ter uma nova oportunidade no dia seguinte de passar às meias-finais. Sim, porque no final dos 120 minutos o resultado teimosamente permanecia numa injusta – para “nuestros hermanos, não só pela superioridade patenteada como também pela actuação tendenciosa do juíz da partida – igualdade a um golo.
Como na época as grandes penalidades ainda não vigoravam como sistema de desempate marcou-se novo duelo para o dia seguinte. A violência da véspera tinha deixado profundas marcas nos dois combinados, em especial para o lado da Espanha que viu sete (!) dos seus craques impedidos – por lesão – de dar novo contributo à equipa, entre outros o “divino” Zamora. Mesmo assim as suas reservas voltaram a resistir heroicamente não só a mais uma sessão de pugilato por parte dos italianos como igualmente a uma actuação tendenciosa do árbitro. Neste último ponto há a sublinhar que se Baert prejudicou seriamente a Espanha o suíço Rene Mercet fê-lo a triplicar na partida de desempate. Mercet deu à Itália o passaporte para a fase seguinte, ignorando a violência de italianos, em especial de Monti que enviou o extremo da “roja” Bosh mais cedo para os balneários na sequência de uma monumental agressão a pontapé, e na anulação de dois golos limpos da selecção espanhola. Giuseppe Meazza como não quer a coisa apontou o único golo desta partida (aos 12 minutos) e a Itália seguia de forma rídicula para a meia-final. Aquando do seu regresso à Suíça Mercet foi irradeado pela federação de futebol deste país. Outra coisa não seria de esperar de um país que sempre se definiu em tudo como... neutral.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (1934)
1980
Seria preciso esperar 46 anos para ver novamente Espanha e Itália esgrimirem argumentos em campo numa partida de uma fase final de uma grande competição. Tal facto ocorreu em 1980, e mais uma vez em solo transalpino, desta feita em Milão, num encontro da 1ª fase do Campeonato da Europa. Bem mais calmas do que em 34 as duas equipas empataram a zero no jogo de estreia do grupo B da fase final do Euro. Competição onde seriam os italianos a cavalgar mais além, já que chegariam às meias-finais, ao passo que a Espanha ficaria pela 1ª fase. Um Europeu onde a República Federal da Alemanha faria a festa final com a conquista do seu segundo ceptro continental.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (1980)
E foi de novo numa fase final de um Europeu que os dois velhos inimigos se voltariam a cruzar, desta feita na Alemanha, mais concretamente em Frankfurt no dia 14 de Junho de 1988. Ambos lutavam por um lugar nas meias-finais do Euro 88, vindo os dois combinados de bons resultados na 1ª jornada do grupo A da citada competição. A Espanha havia saído de uma vitória sobre a Dinamarca (3-2) ao passo que a “squadra azzurra” havia empatado com a poderosa equipa da casa a uma bola. Poderosa era também a Itália daquela altura, que se apresentava no Euro com um misto de experiência (Bergomi, Baresi, e Altobelli) e juventude (Maldini, Vialli, e Mancini). Uma senhora selecção. Na Espanha começava a despontar a “Quinta del Buitre” formada por notáveis jogadores como Butragueño, Michel, Zubizarreta, Bakero ou Julio Salinas. Num encontro equilibrado Gianluca Vialli... desequilibrou. Estavam decorridos 73 minutos quando o então avançado da Sampdória fez o único golo do jogo e deu os dois pontos à sua selecção. Esta derrota seria fatal para a Espanha, equipa que no derradeiro jogo do grupo perdeu com a Alemanha e ficou arredada da fase seguinte. A Itália essa ficaria-se pelas meias-finais caindo aos pés de uma forte União Soviética. A Holanda de Van Basten e Gullit venceria a competição.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (1988)
1994
Após dois confrontos pacíficos, de certa forma, o sangue voltou a ser derramado num Espanha – Itália. Cenário traçado em Boston, nos Estados Unidos da América, durante o Mundial de 1994. Curiosamente, e tal como em 1934, este seria um duelo alusivo aos quartos-de-final do certame, e à semelhança do ocorrido nos anos 30 este seria igualmente um jogo marcado pelos nervos à flor da pele. Os agressores? Uma vez mais os transalpinos, ou melhor, o transalpino Mauro Tassotti. A cena fatal acontece já muito perto do fim do clássico, e numa altura em que a Espanha procurava com intensidade o empate a dois. A “fúria” (espanhola) beneficia de um pontapé de canto, e quando a bola pingava na área Tassotti dá uma cotovelda no rosto de Luis Enrique. Grande penalidade e consequente expulsão que o húngaro Sandor Puhl deixou passar em branco para espanto de todos os presentes no Estádio Foxboro naquela tarde de 9 de Julho. O agressor parece não entender – ou fingir não saber – o que se passa aquando da paragem do encontro, enquanto a vítima chora de raiva enquanto o sangue jorra pelo seu nariz. A Itália mais uma vez leva a melhor no que concerne a resultado final: 2-1, com golos dos Baggio (sem qualquer grau de parentesco entre si)... o Dino (aos 25 minutos) e o Roberto (aos 87), este último a grande estrela da “Azzurra” da época. Caminero marcara pelo caminho para a Espanha, quando o relógio registava 58 minutos.
O gozo – de mais uma vitória obtida – dos italianos sobre os velhos rivais terminaria dias mais tarde, altura em que sairam derrotados pelo Brasil na grande final do “USA 94”. Tassotti também não teve razões para voltar a sorrir, já que a agressão a Luis Enrique valeu-lhe a posterior suspensão de seis jogos.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (1994)
2008
Já diz o ditado que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, e à quinta foi de vez. A Espanha vencia a Itália pela primeira numa fase final de uma grande competição. Feito ocorrido há pouco mais de dois anos durante o Europeu organizado em conjunto pela Suíça e pela Áustria. E mais uma vez... nos quartos-de-final. Este jogo é encarado como a transição de poderes de um país para o outro. Por outras palavras, a Itália, campeã do Mundo em título (alcançado dois anos antes na Alemanha) apresenta-se neste Euro cansada e com um combinado muito perto da sua reforma, em contraste com uma jovem e excitante Espanha que dali para a frente iria dominar o planeta. O local da passagem de testemunho? O mítico Ernst Happel (também mundialmente conhecido como Estádio do Prater), em Viena. 22 de Junho foi a data da célebre cimeira latina.
Desde o apito inicial que os transalpinos esperavam um erro espanhol para chegar ao golo, enquanto a “armada espanhola” comandada pelo experiente técnico Luis Aragonés desenhava o seu jogo com passes curtos no seu meio-campo para ir ganhando metros até à baliza defendida pelo mago Buffon. Muito a custo a defesa “azzurra” foi sempre aguentando as investidas espanholas e só na segunda parte se assistiu a um verdadeiro lance de perigo da Itália junto da baliza contrária, o qual seria prontamente anulado pelo (já) lendário Casillas. A genial dupla de avançados da Espanha (Torres e Villa) estava presa à teia defensiva armada pelo treinador Donadoni pelo que o prolongamento chegou sem surpresa. Ai, ambos os conjuntos quiseram marcar, contudo a ansiedade aliada ao desgaste físico acabariam por aniquiliar os objectivos comuns. Seguiram-se as terríveis grandes penalidades para desempatar tudo. A lotaria saiu então à Espanha, que muito ficou a dever à inspiração do seu guardião Iker Casillas, o qual parou dois remates transalpinos. 4-2 no final, um resultado que ainda bafejado pela sorte dos penaltis consolidou de vez a “armada espanhola” de Fernando “El niño” Torres, David Villa, Casillas, David Silva, Puyol, Xavi, e Fabregas como a nova potência do futebol. A prova dos nove seria tirada alguns dias depois, também no Ernst Happel, onde um tento solitário de Torres (ante a Alemanha) deu o segundo título europeu a “nuestros hermanos”.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (2008)
2012
Tal como em 1934 o duelo entre italianos e espanhóis teve "dose dupla", ou seja, as duas equipas encontraram-se por duas ocasiões na mesma competição. Facto ocorrido no Euro 2012, disputado pela primeira vez no leste europeu, mais precisamente na Ucrânia e na Polónia. Espanha que partia para este Campeonato da Europa como a principal candidata à (re)conquista do título, não apenas porque era a detentora dos ceptros Europeu e Mundial, mas essencialmente porque continuava a ser a mais poderosa seleção do planeta. No entanto, a "máquina espanhola" seria travada no dia 10 de junho, em Gdansk (Polónia), quando no jogo inaugural do Grupo C do Euro 2012 a Itália ao realizar uma magnífica exibição
arrancou um empate a um golo, deixando no ar a ideia de que afinal o futebol da "roja" não era invencível. Di Natale, veterano goleador da Udinese, saltou do banco no início da 2ª parte para aos 60m colocar a armada espanhola em sentido, apontando o primeiro golo do encontro. A alegria transalpina durou apenas 4 minutos, já que o genial Cesc Fàbregas restabeleceria o empate na sequência de um passe magistral do não menos genial David Silva. As duas equipas voltariam a encontrar-se quase 3 semanas depois... na final desse Europeu. Kiev e o seu estádio olímpico acolheriam a grande final da competição, um duelo que pelo o que as duas equipas vinham fazendo se antevia equilibrado, mas tal previsão não viria a ser traduzida para a realidade. Exibindo o seu magistral futebol, o célebre "Tiki-taka", a Espanha arrasou por completo a Itália, ao construir uma pesada goleada de 4-0 (!) - a maior goleada numa final de um Campeonato da Europa - e renovar desta forma o título de "rainha da Europa". David Silva, Jordi Alba, Fernando Torres, e Juan Mata foram os autores dos golos da "roja" orientada por Vicente del Bosque. Ao revalidar o ceptro europeu os espanhóis faziam desde logo história no planeta da bola, pois tornavam-se na primeira seleção a ganhar 3 grandes competições planetárias consecutivas: Euro 2008, Mundial 2010, e Euro 2012. Para muitos a Espanha era de longe a melhor equipa da história do belo jogo (!), e jogadores como Casillas, Xavi, Xavi Alonzo, Iniesta, Sergio Ramos, Fàbregas, ou Torres, ascendiam definitivamente ao Olimpo dos Deuses do Futebol. (*)
(*) Texto escrito em julho de 2012
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (2012)
Legenda das fotografias:
1- Duas lendas das balizas: Combi e Zamora. Os capitães de Itália e Espanha, respectivamente, apertam as mãos de forma amistosa antes do primeiro duelo da história entre ambas as selecções. O pior estava para acontecer nas horas que se seguiram no relvado de Florença.
2- O golo irregular da Itália no primeiro jogo com a Espanha em 1934. Ferrari marca mas Zamora é agarrado e impedido de disputar o lance.
3- A Itália sempre produziu grandes guarda-redes ao longo da sua história, nesta foto aparece Dino Zoff, o capitão e comandante da Azzurra no Euro 80
4- Novo duelo entre os velhos rivais, desta feita em Frankfurt, durante o Euro 88
5- Polémico seria também o jogo de 1994, a contar para o Mundial. Aqui o italiano Maldini luta pela posse do esférico com o espanhol Goikotxea.
6- A começo do reinado da Espanha no trono do futebol mundial é bem capaz de ter começado neste jogo do Euro 2008 contra a Itália.
7-Imagem da final do Euro 2012, onde a Espanha esmagou por completo a Itália
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