quinta-feira, fevereiro 06, 2025

Histórias do Planeta da Bola (34)... Há 100 anos a Inglaterra testemunhou o primeiro preconceito racial na sua seleção


Barrar a convocatória de um futebolista para uma qualquer equipa devido à cor da sua pele é aos olhos da atualidade um ato criminoso e acima de tudo vergonhoso. Mas há precisamente 100 anos atrás nem toda a gente pensava desta forma, ou pelo menos julga-se que assim era quando recordamos o caso de Jack Leslie, o primeiro negro a ser convocado e ao mesmo tempo desconvocado para a seleção inglesa. Nascido no bairro londrino de Canning Town, no dia 17 de agosto de 1901, Jack era filho de pai jamaicano e mãe inglesa. Ao serviço do Barking Town, modesto emblema de outro bairro da capital inglesa, Leslie cedo começou a dar nas vistas pela sua veia goleadora. Conta-se que terá marcado ao serviço deste emblema mais de 250 golos nos primeiros anos de carreira, tendo tido um contributo preponderante para a conquistas da Taça Sénior Essex, em 1920; da London League Premier Division, no ano seguinte. Os feitos de Leslie começaram a ultrapassar as fronteiras de Londres, e em 1921 é contratado pelo Plymouth Argyle, clube do sudeste de Inglaterra, onde se tornaria uma verdadeira lenda nos 14 anos seguintes. Nos 400 encontros realizados com o clube apontou um total de 137 golos, fazendo uma dupla mortífera com outro ícone do clube, Sammy Black, uma parceria que ao longo de todos estes anos rendeu mais de 300 golos aos Pilgrims, a alcunha pelo qual é conhecido este emblema. E seria precisamente no auge da sua carreira, que em 1925 Leslie recebe da boca do seu treinador, Bob Jack, a notícia de que estava convocado para jogar pela seleção inglesa num jogo contra a Irlanda. A boa nova, para Leslie, foi divulgada pela imprensa, tendo o Birmingham Gazette e o Liverpool Echo feito eco da notícia. Porém, e para espanto de todos, quando a convocatória oficial saiu o nome de Jack Leslie não estava mencionado (!), sem qualquer explicação posterior dada pela Football Association (FA). De pronto, surgiram teorias de que Leslie tinha sido riscado da convocatória final devido à cor da sua pele, já que quando os responsáveis pela seleção se aperceberam que o jogador era negro simplesmente voltaram atrás na decisão de o convocar. Anos mais tarde, a FA admitiu que os seus dirigentes não sabiam inicialmente que Leslie era negro, e quando descobriram… já se sabe o resto da história. Em 1978, Leslie deu uma entrevista ao jornal Daily Mail em que disse que quando a FA descobriu que ele era negro julgaram que seria estrangeiro e como tal foi descartado da convocatória. Em 2022, ano em que Jack Leslie havia já deixado o mundo dos vivos (faleceu em 1988), a FA admitiu o erro que cometeu em 1925 e chamou os descendentes do jogador ao Estádio de Wembley, tendo-lhes entregue um boné! Sim, um boné que simbolizava a internacionalização que deveria ter acontecido quase (e então) 100 anos antes. Uma espécie de pedido de desculpas que, quiçá, terá chegado tarde demais, e que veio fazer justiça a um jogador que após pendurar as chuteiras  passou o restos dos seus dias a limpar… chuteiras. Sim, nas décadas de 60 e 70 Leslie seria funcionário do West Ham United, onde se ocupava de tratar/limpar das botas/chuteiras dos futebolistas dos Hammers, entre outros de lendas como Bobby Moore, Geoff Hurst, e Martin Peters, três campeões do Mundo ao serviço da Inglaterra, em 1966. Seleção inglesa que apenas em 1978 veria um jogador negro vestir a sua camisola: Viv Anderson, o seu nome.

 

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