Uruguai, campeão das américas em 1923 |
Mas
para chegar à Cidade Luz os magos
sul-americanos tiveram, mais uma vez, de demonstrar a sua superioridade perante
os seus vizinhos do continente em mais um Campeonato Sul-Americano. Torneio que
neste ano cumpria a sua 7.ª edição.
O
palco escolhido foi Montevideu, a capital do Uruguai que acolhia assim pela
segunda vez a competição, depois de o ter feito em 1917, e com boas memórias
para a seleção charrúa, que na altura
venceu pela segunda vez consecutiva o troféu mais importante de seleções da
América do Sul. Inicialmente, o Campeonato Sul-Americano de 1923 estava
programado para o Paraguai. Contudo, a falta de infraestruturas desportivas
existentes e as dificuldades económicas que a nação guarani passava, fizeram com que a sede mudasse para a maior cidade
uruguaia.
O
torneio de 1923 foi disputado entre os dias 29 de outubro de 2 de dezembro,
contando com as participações da seleção da casa, da Argentina, do Paraguai e
do campeão em título, o Brasil. O sistema da competição era semelhante aos
anteriores campeonatos, isto é, todos contra todas numa só volta, sendo a
equipa que somasse mais pontos aquela que se consagraria campeã. E tal como em
edições anteriores, seleções houve que levaram a prova pouco, ou nada, a sério.
Foi o caso do Brasil, que viajou para o Uruguai com uma equipa de segunda
linha, já que os clubes de São Paulo e os principais emblemas do Rio de Janeiro
não cederam os seus jogadores. Além de que brasileiros e uruguaios não viviam
as melhores das relações por aqueles dias, estando as duas federações de costas
voltadas devido a conflitos de arbitragens em confrontos anteriores. Houve até
quem estivesse contra a ida de qualquer delegação canarinha a Montevideu, e quando se decidiu enviar a seleção houve quem se insurgisse contra
isso na Câmara dos Deputados! A desoladora seleção do Brasil
Também
a Argentina atravessava o Rio da Prata sem os seus melhores futebolistas de
então, tudo porque equipas como River Plate, Independiente, Racing e San
Lorenzo não mostraram grande interesse em dispensar os seus atletas para a
competição.
Por
seu turno, o Uruguai, apesar de jogar em casa, também estava dividido. Isto,
porque os seus principais clubes, o Nacional e o Peñarol, lideravam organismos
diferentes que por aqueles dias tentavam controlar o futebol do país. Os
primeiros lideravam a Associación, ao
passo que os segundos controlavam a Federación.
Como o que estava filiado na FIFA era o primeiro organismo, a base da seleção
desse ano foi a equipa do Nacional, à qual se juntaram alguns atletas de clubes
menores, como o Lito, o Belgrano, o Charley, ou o Club Bella Vista. Porém,
desenganem-se os leitores que pensem que destes pequenos emblemas foram
recrutados jogadores menores. Nada disso. Do Club Bella Vista, por exemplo,
despontou naquela seleção nada mais nada menos do que um tal de José Leandro
Andrade, de quem já aqui falamos em múltiplas ocasiões. Também deste clube
surgiu José Nasazzi, que começou o seu legado de lenda do futebol charrúa neste campeonato sul-americano.
Vendaval de golos a abrir
O
mítico Parque Central, casa do Nacional, acolheu todos os encontros deste
campeonato, que abriu com um vendaval de golos protagonizados por argentinos e
paraguaios. Venceram os primeiros por 4-3, com destaque para o atacante Vicente
Aguirre, que atuava no Central Córdova, uma modesta equipa de Rosário, e que
neste encontro apontou três dos quatro golos da albiceleste.Aguirre
No
dia 4 de novembro o Paraguai voltou a entrar em campo, desta feita para
defrontar a equipa da casa. Diante 20.000 pessoas que lotaram o Parque Central,
os charrúas só precisaram de 10
minutos para festejar o primeiro golo. Héctor Scarone foi o autor desse golo a
favor dos uruguaios. No resto de jogo o Paraguai ofereceu grande resistência, a
qual só seria quebrada a dois minutos do fim quando Pedro Petrone apontou o
tento que confirmou a vitória da celeste.
Uma
semana depois disputou-se o terceiro encontro deste campeonato, com o Brasil a
entrar em campo ante o Paraguai. Com uma equipa composta por muitos estreantes
nestas andanças internacionais, casos do guarda-redes Nélson da Conceição, de Pennaforte,
Alemão, Mica, Nilo, Paschoal, Coelho, ou Amaro, o escrete sucumbiu aos pés dos guaranis
por 1-0 (golo de Ildefonso López) e de pronto complicou as contas quanto a uma
eventual revalidação do título de campeão das américas.
O
definitivo adeus do Brasil a este torneio deu-se uma semana mais tarde quando
defrontou a Argentina. Após uma primeira parte equilibrada, como comprovou a igualdade
a um golo ao intervalo, os argentinos arregaçaram as mangas e a um quarto de
hora do fim deram a machadada final no grupo orientado pelo treinador Francisco
Bueno Netto, mais conhecido por Chico Netto.
Perante
este quadro de resultados o encontro com os anfitriões não foi mais do que um
mero cumprir de calendário para os brasileiros. Apesar de favorito o Uruguai só
conseguiu chegar ao golo na segunda parte por intermédio de Pedro Petrone. Porém,
e sem nada a perder ou a ganhar, a seleção brasileira mostrou-se corajosa e empatou
a partida apenas três minutos volvidos por Nilo, ele que já havia marcado
contra a Argentina. Reza a história que depois de bater o guardião Casella,
Nilo desmaiou no terreno de jogo! A partir daqui a pressão uruguaia tornou-se
intensa junto do último reduto brasileiro, e com apenas 15 minutos para jogar o
Uruguai chegou ao segundo golo. Pedro Cea, lendário avançado do Nacional, desfez
a igualdade. Brasil que neste jogo entrou em campo ostentando a bandeira
uruguaia! Sinal de pazes entre as duas nações? Ficou a dúvida no ar. Paraguai - Uruguai
Duelo do rio da Prata decide campeão
Este
quadro de resultados o derradeiro jogo da competição, entre Uruguai e
Argentina, ganhava contornos de final, pois as duas equipas chegavam a este
duelo com duas vitórias cada uma. E quem vencesse este terceiro encontro era por
isso campeão!Um lance entre argentinos e uruguaios
E
no relvado do Parque Central mais uma vez sobressaiu a classe de Pedro Petrone.
Foi dele o golo que aos 30 minutos desbloqueou o nulo. Os locais mantiveram a
vantagem praticamente até o final da partida, sendo que a dois minutos do fim,
um contra-ataque permitiu a Pascual Somma selar a vitória uruguaia e chegar à
quarta conquista do Campeonato Sul-Americano por parte da celeste desde a criação da prova em 1916.
Na
condição de campeão da América do Sul o Uruguai ganhou o direito a participar
nos Jogos Olímpicos do ano seguinte, cujo torneio de futebol era tão só a maior
competição futebolística daquela época, em que, como se sabe, o Campeonato do
Mundo da FIFA ainda não havia visto a luz do dia. E seria precisamente em Paris
que os uruguaios alcançariam o patamar da imortalidade.
A figura: Pedro Petrone
A par do argentino Vicente Aguirre ele foi o melhor marcador deste Campeonato Sul Americano de 1923. Marcou em todos os encontros da celeste e foi preponderante na conquista do título. Aquando da realização da competição atuava no modesto Charley (de Montevideu) e fez a sua estreia pela seleção do seu país precisamente neste torneio diante do Paraguai. Nasceu a 11 de junho de 1905, na capital do Uruguai, mais concretamente no Bairro la Comercial. Aos 15 anos já era a estrela maior do hoje desaparecido Charley de Montevideu, devido ao seu enorme poder de fogo, ou por outras palavras, talento para o golo. A sua estreia pelo Charley foi inesquecível, já que no Parque Central, contra o Lito, o seu clube venceu por 4-0 com quatro golos seus.
Em
1924 e fruto da sua fenomenal performance nos Jogos Olímpicos de Paris,
mudou-se para o gigante Nacional, onde permaneceu até 1931. Participou, a
título de exemplo, na grande digressão europeia realizada pelo Nacional, na
qual foi não só autor de 15 golos, mas também um dos principais jogadores em
destaque.
Em 1931, Perucho, como era carinhosamente conhecido pelos inchas, muda-se para a Europa, onde em duas temporadas defendeu as cores da Fiorentina. Pelo seu passe os italianos pagaram na altura a fortuna de 30.000 liras! Em Itália não foi muito feliz, perdeu alguma da velocidade que o caracterizava na América do Sul, mas ainda assim na sua primeira época marcou 25 golos em 27 jogos, vencendo juntamente com Angelo Schiavio, do Bologna, o título de artilheiro da Série A. Divergências com o treinador da equipa viola, Hermann Felsner, fizeram com que o atacante uruguaio voltasse em 1933 a casa para jogar uma temporada pelo Nacional, onde apontou 30 golos em 1930 e voltou a ganhar o título de campeão nacional, antes de terminar a sua carreira com apenas 28 anos. Ainda hoje o seu nome é recordado em todo o Uruguai, não só pelos golos que marcou mas por ter sido um dos principais nomes da maior geração de sempre do futebol uruguaio, a geração que aos títulos olímpicos de 1924 e 1928 juntou o ceptro de campeã do Mundo de 1930. Ele esteve nestas conquistas todas, ao serviço de uma seleção cujas cores defendeu em 29 ocasiões, tendo marcado 24 golos. Pedro Petrone é o seu nome.
Nomes e números:
29 de outubro de 1923
Argentina - Paraguai: 4-3
(Saruppo, 18; Aguirre, 58, 77, 86)
(Rivas,
10; Zelada, 50; Fretes, 759
4
de novembro de 1923
Uruguai - Paraguai: 2-0
(Scarone,
11; Petrone, 88)
Paraguai - Brasil: 1-0
(López,
56)
18
de novembro de 1923
Argentina - Brasil: 2-1
(Onzari,
11; Saruppo, 76)
(Nilo,
15)
Brasil entra em campo com a bandeira do Uruguai |
Uruguai - Brasil: 2-1
(Petrone,
56; Cea, 75)
(Nilo,
58)
Lotação esgotada na "final" entre Uruguai e Argentina no Parque Central |
Uruguai - Argentina: 2-0
(Petrone,
28; Somma, 88)
Classificação:
1.º
Uruguai: 6 pontos
2.º
Argentina: 4 pontos
3.º
Paraguai: 2 pontos
4.º
Brasil: 0 pontos
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