quinta-feira, maio 28, 2015

Histórias do Planeta da Bola (10)... Os anos dourados (1927-1939) da Taça Mitropa - A primeira montra de estrelas do futebol europeu (parte V)

Matthias Sindelar, uma das maiores figuras da história
da Taça Mitropa tenta aqui passar pelos

defesas do Ferencvaros na meia-final de 1935
Iniciamos hoje a penúltima de uma série de seis viagens pela era dourada (1927-1939) da Mitropa Cup, a competição progenitora das atuais eurotaças. E a nossa primeira paragem nesta nova incursão ao passado da prova idealizada por Hugo Meisl dá-se em 1935, ano em que um célebre cidadão belga centrou em si as luzes da ribalta da 9ª edição da competição continental.O seu nome? Raymond Braine, foi ele o general que conduziu o exército do Sparta de Praga à conquista da Europa do futebol pela segunda vez na história do mítico clube checoslovaco. Com uma técnica sublime aliada a um apurado faro para o golo, ele foi o ás de trunfo do Sparta de Ferro para dizimar a feroz concorrência. Sparta que apareceu nesta edição da Mitropa na condição de vice-campeão da Checoslováquia, tendo na primeira ronda enfrentado outro antigo campeão do certame continental, os austríacos do First Viena. O primeiro embate deu-se na Áustria, tendo o Sparta oferecido o jogo ao inimigo, isto é, permitiu que o First controlasse do princípio ao fim o rumo dos acontecimentos, optando por jogar apenas em contra-ataque, criando uma série de lances venenosos que semeavam o pânico no último reduto vienense. Num desses lances Nejedly marcou o golo que valeu um precioso empate (1-1) com que os checoslovacos deixaram a capital austríaca. Na segunda mão, tudo foi diferente. O Sparta assumiu o jogo, partindo com toda a sua armada para cima dos vienenses, que pouco puderam fazer para evitar a derrota (5-3) e a consequente eliminação. No plano individual Braine e Olidich Zajiek dividiram o protagonismo: o primeiro foi o cérebro da equipa, ao passo que o segundo assumiu o papel de goleador, ao apontar três dos cinco golos do emblema de Praga.
Raymond Braine, a grande figura
da 9ª edição da Taça Mitropa
E por falar na capital da então Checoslováquia, a outra equipa desta cidade, o Slavia, também entrou com o pé direito na edição de 1935 da Taça Mitropa, após vencer os estreantes do Szegedi, modesto clube húngaro que foi arrasado na primeira mão da eliminatória pelo endiabrado Kopecky, autor de três dos quatro golos com que os campeões da Checoslováquia bateram (4-1) o quarto classificado do campeonato húngaro na sua própria casa. Com a passagem à fase seguinte praticamente assegurada o Slavia relaxou na segunda mão, permitindo que o Szegedi saísse de Praga com uma vitória por 1-0. 
A grande surpresa desta primeira ronda foi protagonizada por outro caloiro nestas andanças, o Zidenice, que surgia na competição por via do terceiro posto conquistado no campeonato da Checoslováquia. Na entrada para a eliminatória o papel do Zidenice na prova não seria mais do que um mero participante, até porque o oponente dava pelo nome de Rapid de Viena, campeão da Áustria, e um dos grandes candidatos ao triunfo final. A surpresa começou a ser desenhada na primeira mão, quando diante do seu público o Zidenice chegou ao intervalo a vencer os austríacos por 3-0, com a particularidade destes três golos terem sido apontados por Vaclav Prusa. Na segunda parte o Rapid puxou dos seus galões e conseguiu reduzir para 2-3, resultado que encerrou o marcador, e que fazia sonhar o campeão da Áustria com uma reviravolta fácil no seu estádio. Como estavam enganados! Em Viena, o Zidenice alcançou um empate a duas bolas – ao intervalo vencia por 2-1 –, garantindo uma impensável qualificação para os quartos-de-final, colocando assim rostos de espanto na Europa do futebol.
A edição de 1935 da Mitropa Cup foi de má memória para a maioria dos conjuntos austríacos. Depois do Rapid e do First Viena terem dito adeus à competição logo na primeira eliminatória, o Admira foi pelo mesmo caminho, após cair com estrondo aos pés do MTK de Budapeste por um total de 9-4. Um desfecho que inicialmente até não era de todo previsível, já que em Viena o Admira venceu por 3-2 o seu adversário. Somente 3-2, há que sublinhá-lo, pois o desperdício foi uma característica evidente na performance do vice-campeão austríaco ao longo de toda a partida. Com muito menos oportunidades de golo mas tremendamente eficazes na hora de rematar à baliza os húngaros apontaram dois preciosos golos que lhes deram grandes esperanças para o embate da segunda mão, golos esses apontados por Heinrich Muller, jogador de nacionalidade... austríaca. O jogo de volta resumiu-se ao vendaval ofensivo do MTK, vendaval esse que demorou 45 minutos a surgir, já que ao intervalo o Admira vencia por 1-0. Os segundos 45 minutos foram então explosivos para a turma da casa, que apontou sete golos, três deles por intermédio de Cseh.
Ai está Sindelar em mais um ataque
às redes contrárias
A exceção ao pobre desempenho das equipas austríacas nesta 9ª edição da Mitropa foi o Austria de Viena, conjunto cuja estrela principal dava pelo nome de Matthias Sindelar, o Mozart do futebol, como ainda hoje é conhecido. O Austria, que aparecia nesta competição pelo facto de ter vencido a taça do seu país, mediu forças com os italianos da Ambrosiana-Inter, reeditando assim a final de 1933 da Taça Mitropa. Mais do que a reedição da citada final ocorrida dois anos antes este jogo marcou o reencontro de dois dos maiores génios do futebol internacional daqueles dias, Sindelar e Giuseppe Mezza. Levou a melhor o austríaco, que esteve envolvido nos cinco golos com que a sua equipa derrotou (5-2) os transalpinos. No encontro de volta, em Viena, Sindi realizou mais uma soberba exibição, culminada com a obtenção dos três golos com que o Austria derrotou, mais uma vez, os vice-campeões de Itália.
Quem também saiu humilhada da prova logo na primeira ronda foi a Roma, que depositava na sua estrela-mor, Enrique Guaita, as esperanças em afastar os húngaros do Ferencvaros. E a primeira mão, jogada na capital italiana, até nem correu mal, já que um triunfo por 3-1, com o destaque individual a ir para Scopelli, autor de dois golos. Em Budapeste o descalabro aconteceu. Uma exibição verdadeiramente assombrosa – no bom sentido – de Gyorgy Sarosi abriu caminho à goleada de 8-0 (!) oferecido pelo vice-campeão da Hungria à squadra orientada por Luigi Barbesino. Sarosi marcou por quatro vezes – três delas de grande penalidade – abrindo desta forma o caminho até... à grande final.
O onze da Fiorentina que em 1935 fez a estreia do emblema viola nas competições europeias
Estreia absoluta nestas andanças europeias teve a Fiorentina, que a 16 de junho de 1935 media forças com o campeão da Hungria, o Ujpest, em território inimigo. Mas nem este facto amedrontou os ragazzi de Florença, sobretudo os dois extremos da equipa viola, Comini e Gringa, os quais além de terem feito os dois únicos golos do jogo semearam inúmeras vezes o pânico no reduto defensivo dos locais. Em Florença o Ujpest arriscou tudo na tentativa de corrigir o resultado negativo averbado em casa, exibindo uma postura totalmente ofensiva. Porém, e uma vez mais, os italianos não baixaram a guarda, e responderam na mesma moeda. O resultado final deste duelo de parada e resposta foi um novo triunfo da Fiorentina, desta feita por 4-3, com três dos golos viola a serem da autoria de Cesare Augusto Fasanelli.
Passagem de eliminatória relativamente tranquila tiveram os penta campeões italianos, a Juventus, que se desenvencilhou dos checoslovacos do Viktoria Plzen por 8-4 – no total das duas mãos. Na Checoslováquia a Vecchia Signora empatou a três bolas, enquanto que em Turim o Viktoria foi autenticamente atropelado por 5-1, sendo aqui de sublinhar a magnífica exibição individual de Giovanni Ferrari.
Página do jornal que retatou o massacre
do Ferencvaros à Roma
A Taça Mitropa de 1935 foi farta em resultados avolumados. À semelhança do que havia ocorrido na primeira ronda, os quartos-de-final foram férteis em goleadas. A maior delas foi obtida pelos futuros campeões, o Sparta de Praga, cujo tridente ofensivo – Nejedly, Facsinek, e Braine – abateu o muro viola com sete tiros certeiros. A segunda mão foi pois um passeio para os checolosvacos, que jogando de forma descontraída – demasiado até – permitiram que a Fiorentina se despedisse do certame com uma vitória (3-1.) Melhor destino teve a outra equipa italiana por esta altura ainda em prova, a Juventus, que da viagem até Budapeste trouxe uma confortável vitória por 3-1. Uma vitória heróica há que referi-lo, já que a Juve jogou com menos um homem desde os 40 minutos. Neste jogo a linha da frente dos transalpinos esteve diabólica, em particular Ferrari, autor de um golo e de uma belíssima exibição. Na segunda mão Ferrari voltou a fazer o gosto ao pé, e depois disso foi a vez da defesa – edificada por Foni, Rosetta, Bertolini, e Monti – da Juve brilhar a grande altura ao travar a esmagadora maioria dos venenosos ataques dos contrários, que só por uma vez conseguiram bater o guardião Valinasso.
Quem continuou a surpreender a Europa futebolística foi o Zidenice, cujo futebol mais físico causou mossa ao Ferencvaros, uma equipa tecnicamente mais evoluída que os checoslovacos. 4-2 a favor do surpreendente Zidencie, foi o score final da primeira mão. Em Budapeste os vice-campeões húngaros deram a volta à eliminatória, e que volta (!), conforme expressa o pesado marcador de 6-1 a seu favor, com Toldi e Sarosi em evidência ao apontarem, cada um deles, dois golos. Mais equilibrado foi o duelo entre o Austria de Viena e o Slavia de Praga, resolvido num jogo extra. Mas já lá vamos. Na primeira mão, ocorrida em Praga, o Slavia venceu por 1-0, enquanto que na volta, em Viena, o Austria derrotou o seu oponente por 2-1. Surgiu então a necessidade de um play-off, jogo decisivo este em que Sindelar voltou a estar magnífico. Jogou (muito) e fez jogar todos os seus companheiros, uma estupenda exibição coletiva que foi concluída com uma robusta vitória por 5-2. Sindi fez um dos golos.
Gyorgy Sarosi, estrela do Ferencvaros
e melhor marcador (9 golos)
da Taça Mitropa de 1935
Necessidade de um jogo de desempate voltou a surgir nas meias-finais, mais concretamente no braço de ferro entre Sparta de Praga e Juventus. Na primeira mão, realizada na capital da então Checoslováquia, o setor recuado dos anfitriões exibiu-se a um nível perfeito, impedido com classe que a temível linha avançada dos transalpinos causasse estragos na baliza à guarda de Klenovec. A Juve saiu de Praga derrotada por 2-0. E mais do que isso viu-se impedida de utilizar Monti na segunda mão, já que o ítalo-argentino recebeu ordem de expulsão no jogo do Estádio Strahov. A segunda mão teve contornos dramáticos. Com dois golos de Borel a Juventus igualou a eliminatória, mas à passagem do minuto 52 Nejedly gelou o tiffosi presentes no Stadio Benito Mussolini, em Turim, ao reduzir para 1-2 e recolocar o Sparta na frente do combate. Depois disto o jogo teve quase única e exclusivamente sentido único, o da baliza forasteira, e aos 85 minutos a Juve ganha uma grande penalidade a seu favor. Castigo máximo que no entanto seria salvo pelo guardião Klenovec, uma defesa festejada como se de um golo se tratasse, já que a passagem à final estava praticamente assegurada. No entanto, os jogos só terminam quando o árbitro apita, e em cima do minuto 90 Borel volta a faturar, levando a decisão para um play-off. No duelo decisivo voltou a brilhar a estrela de Raymond Braine, jogador que ao longo de 90 minutos causou enormes calafrios na defesa da Vecchia Signora. O avançado belga apontou dois golos e viu ainda os seus companheiros baterem Valinasso em mais três ocasiões, perfazendo desta forma um resultado final de 5-1 a favor dos checoslovacos.
Toldi remata para o fundo das redes e coloca
o Ferencvaros na final
Na outra meia-final o Ferencvaros voltou a mostrar que me casa era uma equipa imbatível e acima disso tremendamente eficaz no plano ofensivo. No entanto, a turma de Budapeste começou por sofrer às mãos do Mozart do futebol, ou melhor, aos pés de Sindelar, jogador este que abriu o marcador no Ulloi Ut Stadium. Depois disto o goleador e capitão de equipa Gyorgy Sarosi mostrou todo o seu talento finalizador, contribuindo com dois golos para a reviravolta no marcador. Sarosi que haveria de sagrar-se o melhor marcador desta edição, com nove remates certeiros. Sindelar ainda reduziu, mas a dez minutos do final Kiss fez o 4-2 final para os húngaros. Em Viena assistiu-se a um encontro de alto nível técnico, um jogaço de futebol, como se diz na gíria. Sindelar, quem mais poderia ser, abriu o marcador para o Austria, emblema que aos 58 minutos vencia por 3-1 e desta forma empatava a eliminatória. Porém, na reta final, apareceu Toldi, que fez o seu segundo golo da tarde e mais do que isso garantiu que o Ferencvaros iria marcar presença na final da Mitropa.
O bilhete da 1ª mão da final da Taça Mitropa de 1935
Final essa que começou por ser discutida em Budapeste, onde mais uma vez o Ferencvaros ditou leis. Com apenas 30 minutos jogados já os húngaros lideravam o marcador, e logo por dois golos de diferença! Pareciam assim encaminhados para a glória final. Mas, ainda faltava muito para que essa glória fosse alcançada. Faltava um segundo jogo, e ainda a segunda parte da primeira mão, 45 minutos estes que foram terríveis para o Ferencvaros. Em primeiro lugar, o emblema da capital da Hungria ficou privado do seu grande goleador, Sarosi, que abandonou o retângulo de jogo por lesão, e pior do que isso viu o matador do adversário, Raymond Braine, reduzir para 1-2 aos 71 minutos, selando assim o resultado final. Na segunda mão, e mesmo com Sarosi recuperado, o Ferencvaros não se conseguiu impor ao Sparta de ferro, que logo aos 26 minutos inaugurava o marcador por intermédio de Faczinek. A reviravolta na eliminatória foi conformada pela grande estrela desta edição da Mitropa Cup, Raymond Braine. Aos 34 minutos o belga fez o 2-0, e já no segundo tempo, aos 69 minutos, fez um novo golo, carimbando assim não só a vitória no jogo como na competição. O Sparta, primeiro vencedor da competição europeia, voltava a erguer o troféu, juntando-se assim – na altura – aos italianos do Bologna na condição de clube que em mais ocasiões triunfou na prova idealizada por Hugo Meisl.


Números e nomes:



1ª Eliminatória (1ª e 2ª mãos)

Admira Viena (Áustria) – MTK Budapeste (Hungria): 3-2/1-7
Viktoria Plzen (Checoslováquia) - Juventus (Itália): 3-3/1-5
First Viena (Áustria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 1-1/3-5
Ujpest (Hungria) – Fiorentina (Itália): 0-2/3-4
Rapid Viena (Áustria) - Zidenice (Checoslováquia): 2-2/2-3
Roma (Itália) - Ferencvaros (Hungria): 3-1/0-8
Szegedi (Hungria) - Slavia Praga (Checoslováquia): 1-4/1-0
Ambrosiana-Inter (Itália) - Austria Viena (Áustria): 2-5/1-3

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

MTK Budapeste (Hungria) - Juventus (Itália): 1-3/1-1
Sparta Praga (Checoslováquia) – Fiorentina (Itália): 7-1/1-3
Zidenice (Checoslováquia) – Ferencvaros (Hungria): 4-2/1-6
Slavia Praga (Checoslováquia) - Austria Viena (Áustria): 1-0/1-2/2-5 (desempate)

Meias-finais (1ª e 2ª mãos)

Ferencvaros (Hungria) - Austria Viena (Áustria): 4-2/2-3
Sparta Praga (Checoslováquia) - Juventus (Itália): 2-0/1-3/5-1 (desempate)

Final (1ª mão)



Ferencvaros (Hungria) – Sparta Praga (Checoslováquia): 2-1

Data: 8 de setembro de 1935
Estádio: Ulloi Ut, em Budapeste (Hungria)
Árbitro: William Walter Walden (Inglaterra)

Ferencvaros: Jozsef Háda, Gyula Polgár, Lajos Korányi, Károly Mikes, János Móré, Nándor Bán, Mihai Tanzer, Gyula Kiss, Gyorgy Sarosi (c), Géza Toldi, e Tibor Kemény. Treinador: Zoltan Blum.

Sparta Praga: Bohumil Klenovec, Jaroslav Burgr (c), Josef Ctyroky, Josef Kostalek, Jaroslav Boucek, Erich Srbek, Ferdinand Faczinek, Oldrich Zajucek, Raymond Braine, Oldrich Nejedly, e Geza Kalocsay. Treinador: Frantisek Sedlacek.

Golos: 1-0 (Toldi, aos 16m), 2-0 (Kiss, aos 27m), 2-1 (Braine, aos 71m).

Final (2ª mão)



Sparta Praga (Checoslováquia) – Ferencvaros (Hungria): 3-0

Data: 15 de setembro de 1935
Estádio: Strahov, em Praga (Checoslováquia)
Árbitro: Albert Foo (Inglaterra)

Sparta Praga: Bohumil Klenovec, Jaroslav Burgr (c), Josef Ctyroky, Josef Kostalek, Jaroslav Boucek, Erich Srbek, Ferdinand Faczinek, Oldrich Zajucek, Raymond Braine, Oldrich Nejedly, e Geza Kalocsay. Treinador: Frantisek Sedlacek.

Ferencvaros: Jozsef Háda, Gyula Polgár, Lajos Korányi, Károly Mikes, János Móré, Nándor Bán, Mihai Tanzer, Gyula Kiss, Gyorgy Sarosi (c), Géza Toldi, e Tibor Kemény. Treinador: Zoltan Blum.

Golos: 1-0 (Faczinek, aos 26m), 2-0 (Braine, aos 34m), 3-0 (Braine, aos 69m).
A turma do Sparta de Praga que em 1935 conquistou a segunda Taça Mitropa para o lendário clube

1936: Suíços entram em campo

Uma verdadeira relíquia: a medalha
atribuida aos campeões
da Taça Mitropa de 1936
A grande novidade da 10ª edição da Taça Mitropa foi a inclusão de uma nova nação na competição: a Suíça. Os helvéticos fizeram-se representar por quatro clubes que pouca ou nenhuma luta deram aos seus oponentes, numa demonstração clara de que no plano futebolístico a Suíça estava ainda muito longe de países como a Checoslováquia, a Hungria, a Áustria, e a Itália. Para acolher os emblemas suíços no certame o comité organizador da Mitropa teve a necessidade de incluir uma ronda pré-eliminar no calendário da edição de 1936, ronda essa disputada entre os quatro representantes da nação estreante e os quartos classificados dos campeonatos nacionais dos quatro países habituais da prova. E as memórias da estreia dos cavaleiros helvéticos nestas andanças europeias resume-se a uma palavra: goleada. Sem grandes dificuldades o Zidenice (Checoslováquia), o Phobus (Hungria), o Austria de Viena (Áustria), e o Torino (Itália) afastaram de forma concludente, isto é, na sequência de vitórias avolumadas, respetivamente o Lausanne-Sports, o Young Fellows, o FC Bern, e o Grasshopper de Zurique. 
 
Chegados à 1ª eliminatória um dos embates mais apetecíveis opunha os campeões húngaros, o MTK de Budapeste, aos vice-campeões da Áustria, o First Viena. Na primeira mão, ocorrida na capital da Hungria, esta última equipa mostrou o porquê de ter tido a defesa menos batida – apenas 25 golos consentidos – no campeonato austríaco de 35/36, ao barrar com êxito todas as investidas húngaras à sua baliza. Mais do que isso fizeram dois golos, por intermédio de Franz Erdl, que praticamente sentenciaram a eliminatória. Na segunda mão assistiu-se a mais uma grande exibição do First, e em particular de Gschweild, que além de ter apontado um dos cinco golos da sua equipa deu outros a marcar na sequência de belas jogadas individuais.
O First não foi a única equipa de Viena a fazer a festa da passagem aos quartos-de-final. O Austria, liderado pelo astro Matthias Sindelar, iniciou uma caminhada que seria de glória ante os campeões italianos de 1935/36, o Bologna, equipa esta que tinha colocado um ponto final num reinado de cinco anos consecutivos da Juventus no campeonato transalpino. Na primeira mão, jogada em Itália, os bolonheses exibiram-se a grande nível no plano defensivo, conseguindo anular os movimentos da grande estrela austríaca, Sindelar, pese embora ao nível atacante não tenham conseguido marcar mais do que dois golos, facto que a juntar ao golo sofrido fazia com que os detentores do scudetto levassem uma vantagem demasiado curta na bagagem para a segunda mão. Jogo este onde, e como seria de esperar, os austríacos entraram a todo o gás, chegando ao intervalo com uma vantagem de dois golos. Na segunda parte o Bologna surgiu mais atrevido no retângulo de jogo, mas foi o Austria, ou melhor, foi Sindelar, que deu a machadada final nas aspirações italianas. Duas jogadas magistrais do Homem de Papel culminaram na obtenção de dois golos – um deles da sua própria autoria e outro de Camillo Jerusalem – que selaram o resultado final em 4-0 a fazer dos austríacos, que desta forma continuavam em prova. 
 
Sindelar, sempre ele, a causar calafrios
na defesa do Bologna
Outra equipa italiana que ficou pelo caminho foi o Torino, que fazia a sua estreia nas competições europeias. A presença do emblema de Turim na Taça Mitropa de 36 é apontada por muitos historiadores desportivos como o início da lenda de Il Grande Torino, de um legado que iria durar até 1949, ano em que um trágico acidente aéreo eclipsou do mapa do futebol aquele que foi o conjunto mais brilhante do futebol italiano da segunda metade da década de 30 e dos anos 40 do século passado. Mas voltando à edição de 1936 da Mitropa, o Torino até nem entrou mal no duelo ante os húngaros do Ujpest, que do mítico recinto dos italianos, o Stadio Filadelfia, sairam derrotados por duas bolas a zero. Na segunda mão o Ujpest deu a volta à eliminatória, e muito devido à ação de uma jovem estrela que emergia então no emblema húngaro, estrela essa que dava pelo nome de Gyula Zsengeller, avançado que muito contribuiu para o robusto triunfo por 5-0 que abriu a porta dos quartos (-de-final) aos vice-campeões da Hungria.
Os campeões em título, o Sparta de Praga, chegavam à edição de 1936 da Taça Mitropa com a moral em alta, não só porque eram os detentores do troféu continental mas sobretudo porque haviam colocado um ponto final no domínio de três anos consecutivos dos vizinhos e rivais do Slavia no campeonato da Checoslováquia. No entanto, e contra todas as previsões iniciais, o Sparta enfrentou algumas dificuldades na eliminatória ante os estreantes do Phobus. De forma confortável os campões checoslovacos venceram, em casa, o encontro da primeira mão, por 5-2, com destaque para os dois golos de Nejedly, mas no jogo de volta foram surpreendentemente dominados pelos húngaros, que ao minuto 87 venciam por 4-1, e com este cenário impunha-se a necessidade de um play-off para desempatar a contenda. Contudo, nos segundos finais do jogo, surgiu o inspirado Nejedly, que com um remate fatal fez o 2-4 final que classificou o Sparta para a ronda seguinte. Foi por pouco que o campeão não caiu à primeira. 
 
Embate entre Roma e Rapid
Franz Binder foi o herói do Rapid de Viena no jogo da primeira ante os italianos da Roma. Com dois golos na conta pessoal o avançado austríaco contribiu assim para um triunfo de 3-1 da sua equipa, resultado que no entanto não foi suficiente para avançar na competição, já que na capital transalpina a turma local goleou por 5-1.
Outro dos grandes destaques individuais desta 10ª edição da Taça Mitropa foi o italiano Giuseppe Meazza, a grande estrela da Ambrosiana-Inter e da Squadra Azzura da década de 30. Peppino, como era carinhosamente tratado pelos companheiros de equipa e pelos adeptos da bola, foi a principal figura da eliminatória ante os checoslovacos do Zidenice, ao apontar sete (!) dos 11 golos com que os transalpinos afastaram sem dificuldade – com um resultado global de 11-3 – o quarto classificado do campeonato checoslovaco da temporada anterior. Meazza que seria o melhor marcador desta edição, com 10 tentos.
Pautado pelo equilíbrio foi o embate entre o Ferencvaros e o Slavia de Praga. Na primeira mão, em Budapeste, os vice-campeões da Mitropa da época anterior exerceram um domínio avassalador sobre o seu oponente, performance essa expressa numa vitória por 5-2, sendo que quatro dos cinco golos dos húngaros foram apontados pelo matador Gyorgy Sarosi. Na segunda mão inverteram-se os papéis, com o Slavia a cilindrar o seu oponente por 4-0 e a garantir desta forma a passagem à ronda seguinte. 
 
Por fim, a grande surpresa desta 1ª eliminatória, a eliminação do campeão austríaco, o Admira, diante dos estreantes checoslovacos do Prostejov. A surpresa, ou escândalo, como então foi descrita este embate, começou a ser desenhado em Viena, bela cidade de onde o Prostejov saiu com um triunfo de... 4-0!!! Drozd foi o grande herói dos novatos checoslovacos, ao apontar um hattrick nesta partida. Na segunda mão o Admira ainda tentou consertar os tremendos estragos feitos pelos checoslovacos em Viena, sendo que com apenas 10 minutos jogados já Bican e Hahnemann haviam colocado os campeões da Áustria a vencer por 2-0. No entanto, e depois desta entrada fulgurante do Admira, o Prostejov aguentou-se, foi travando os ataques do seu adversário, e aos 67 minutos reduziu para 1-2, sentenciando quase de imediato a eliminatória. O golo dos anfitriões despoletou a fúria dos vienenses, que até final viram cinco dos seus jogadores serem expulsos por comportamento violento. Que triste fim para o campeão da Áustria.

"Peppino" Meazza,
aqui a evidenciar toda a sua genialidade
O futebol italiano começava nos anos 30 a mostrar a sua tendência para a rigidez defensiva que hoje em dia o caracteriza. No duelo da primeira mão dos quartos-de-final a Ambrosiana-Inter abdicou por completo do seu setor atacante para passar 90 minutos a jogar... à defesa diante do First Viena. Perante o ferrolho italiano só por duas ocasiões os austríacos conseguiram marcar, garantindo assim uma vitória justa mas que se iria revelar demasiado curta na viagem para Milão. Aqui, a Ambrosiana-Inter mudou o chip e assumiu desde cedo o controlo do jogo, levando o perigo por diversas ocasiões à baliza contrária. A igualdade a uma bola registada ao intervalo não traduzia aquilo o que se havia passado no relvado durante os primeiros 45 minutos, onde os italianos foram nitidamente melhores. Porém, a justiça acabaria por chegar na etapa complementar, onde a Ambrosiana-Inter repetiu a dose e esmagou por completo o First, apontando três golos que selaram o marcador em 4-1 e acima de tudo garantiram a presença nas meias-finais.
A outra equipa italiana ainda em prova, a Roma, saiu de cena de forma inglória. Realizou uma magnífica exibição em Praga, diante do Sparta, na primeira mão da eliminatória, exibição essa que no entanto não ficou traduzida num resultado positivo muito por culpa do seu inexperiente guarda-redes de 17 anos, Fulvio Bernardini, que na hora h sucumbiu ao poder de fogo dos atacantes Braine e Nejedly. Seria pois com uma desvantagem de 0-3 que a Roma iria receber na segunda mão os detentores do ceptro, num jogo que começou de forma eletrizante com dois golos logo nos primeiros dois minutos! Os romanos abriram o marcador mal o árbitro deu início ao duelo, sendo que no minuto seguinte o Sparta empatou. Depois disto os checoslovacos remeteram-se à defesa, e até final o resultado não mais foi alterado.
A aventura dos estreantes do Prostejov terminou aos pés do Ujpest, última equipa esta que sob o comando da jovem estrela Gyula Zsengeller dominou ambas partidas da eliminatória, acabando por vencer com um total de 3-0.
Em Viena, o Austria precisou apenas de 45 minutos para garantir uma confortável vitória por 3-0 no encontro da primeira mão diante do Slavia de Praga. Sindelar, Sesta, e Nausch foram os homens golos dos austríacos, que na segunda mão exibiram-se de forma majestosa no plano defensivo, consentindo apenas um golo aos vice-campeões da Checoslováquia.

A talentosa squadra da Ambrosiana-Inter que chegou às meias-finais da Mitropa em 36
Milão testemunhou um grande jogo de futebol protagonizada pela Ambrosiana-Inter e pelo Sparta de Praga, a contar para a primeira mão das meias-finais. Os campeões da nação de leste beneficiaram de uma intervenção infeliz do defesa transalpino Ernesto Mascheroni para se colocarem em vantagem logo aos 9 minutos, vantagem essa que seria ampliada três minutos depois pelo temível dianteiro belga Braine. Os nerazzurri reagiram bem, e à passagem do quarto de hora Ferrari reduziu. Até ao intervalo a avalanche italiana iria causar mais estragos junto da baliza de Klenovec, primeiro por Meazza, aos 31 minutos, e posteriormente por intermédio de Ferraris, que ao minuto 35 colocou a Ambrosiana-Inter em vantagem. No entanto, do outro lado estavam dois dos maiores goleadores do futebol continental de então, Raymond Braine e Oldrich Nejedly. Este último empatou a partida a quatro minutos do descanso, ao passo que o belga recolocou o Sparta na liderança aos 72 minutos. Zaycek deu a machadada final aos 84 minutos, selando o marcador em 5-3 a favor do Sparta, que assim tinha caminho aberto para uma nova final. Em Praga, na segunda mão, os italianos ainda lutaram por um final feliz, mas do outro lado Braine teve uma nova tarde verdadeiramente diabólica, apontando dois dos três golos com que o Sparta obteve um novo triunfo e carimbou a passagem ao encontro decisivo.

E se Braine foi o herói da meia-final entre Sparta e Ambrosiana-Inter, Sindelar não quis ficar atrás do belga e vestiu também ele a capa de herói da eliminatória entre o Austria de Viena e o Ujpest. No entanto, a primeira mão, ocorrida na Hungria, ficou manchada pela violência, primeiro entre jogadores de ambas as equipas, e depois entre adeptos. De tal modo que a polícia foi chamada a intervir no sentido de evitar uma batalha campal. No plano desportivo, o Austria levou a melhor, por 2-1. Na segunda mão o talentoso Gyula Zsengeller ainda deu esperanças ao Ujpest, depois de inaugurar o marcador no Estádio do Prater. A entrada fulgurante dos húngaros seria no entanto sol de pouca dura, já que depois disto apareceu... Matthias Sindelar. O Mozart do futebol liderou o assalto do Austria à baliza húngara, apontando dois golos e dando outros a marcar, contribuindo, e muito, para que o Austria vencesse por claros 5-2 e garantisse a presença em mais uma final.
Liderado pelo Mozart do Futebol - Matthias Sindelar - o Austria de Viena
voltou em 1936 a subir ao topo da Europa do futebol
A 6 de setembro de 1936 o Estádio do Prater, em Viena, recebeu 42.000 espetadores ansiosos por ver aquele que se previa ser um hino ao futebol espetáculo, prevendo-se emoção e golos em catadupa. O Sparta chegava à capital da Áustria com um invejável registo de uma centena de golos apontados em 26 partidas disputadas – repartidas entre o campeonato checoslovaco e a Mitropa Cup!!! Porém, a veia goleadora dos rapazes de Praga não se fez notar, muito devido à soberba performance da defesa local, que anulou com mestria os perigosos avançados Braine e Nejedly. Não querendo ficar atrás do setor homólogo, também a defesa do Sparta esteve impecável na hora de travar... Sindelar. Resultado final: 0-0. Em Praga, uma semana mais tarde, o Estádio Strahov foi pequeno demais para o número de entusiastas que não quiseram perder o segundo assalto da grande final. Mais uma vez o Austria esteve intransponível no plano defensivo, sendo aqui de destacar a aexibição do defesa Mock que bloqueou com garra e arte todas as tentativas de Raymond Braine importunar o guardião Zohrer. Karl Sesta fez o mesmo com Nejedly. Do lado oposto do campo estava Sindelar, que aos 67 minutos pegou na bola e como que num ápice de magia colocou-a magistralmente nos pés de Jerusalem que fez o único golo do jogo, o golo da vitória, o golo do segundo título continental para o Austria de Viena.

Nomes e números:



Pré-Eliminatória (1ª e 2ª mãos)

Zidenice (Checoslováquia) - Lausanne-Sports (Suíça): 5-0/1-2
Young Fellows (Suíça) Phobus (Hungria): 0-3/2-6
FC Bern (Suíça) – Torino (Itália): 1-4/1-7
Austria Viena (Áustria) - Grasshopper (Suíça): 3-1/1-1

1ª Eliminatória (1ª e 2ª mãos)

MTK Budapeste (Hungria) - First Viena (Áustria): 0-2/1-5
Zidenice (Checoslováquia) – Ambrosiana-Inter (Itália): 2-3/1-8
Sparta Praga (Checoslováquia) - Phobus (Hungria): 5-2/2-4
Rapid Viena (Áustria) – Roma (Itália): 3-1/1-5
Admira (Áustria) - Prostejov (Checoslováquia): 0-4/3-2
Torino (Itália) – Ujpest (Hungria): 2-0/0-5
Bologna (Itália) - Austria Viena (Áustria): 2-1/0-4
Ferencvaros (Hungria) - Slavia Praga (Checoslováquia): 5-2/0-4

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

First Viena (Áustria) – Ambrosiana-Inter (Itália): 2-0/1-4
Austria Viena (Áustria) - Slavia Praga (Checoslováquia): 3-0/0-1
Sparta Praga (Checoslováquia) - Roma (Itália): 3-0/1-1
Prostejov (Checoslováquia) – Ujpest (Hungria): 0-1/0-2

Meias-finais (1ª e 2ª mãos)

Ambrosiana-Inter (Itália) - Sparta Praga (Checoslováquia): 3-5/2-3
Ujpest (Hungria) - Austria Viena (Áustria): 1-2/2-5

Final (1ª mão)



Austria Viena (Áustria) – Sparta Praga (Checoslováquia): 0-0

Data: 6 de setembro de 1936
Estádio: Prater, em Viena (Áustria)
Árbitro: Giuseppe Scarpi (Itália)

Austria Viena: Rudolf Zohrer, Karl Andritz, Karl Sesta, Karl Adamek, Johann Mock, Walter Nausch (c), Franz Riegler, Josef Stroh, Matthias Sindelar, Camillo Jerusalem, e Rudolf Viertl. Treinador: Jeno Konrad.

Sparta Praga: Bohumil Klenovec, Jaroslav Burgr (c), Josef Ctyroky, Josef Kostalek, Jaroslav Boucek, Ludovit Rado, Ferdinand Faczinek, Oldrich Zajucek, Raymond Braine, Oldrich Nejedly, e Geza Kalocsay. Treinador: Frantisek Sedlacek.

Final (2ª mão)



Sparta Praga (Checoslováquia) – Austria Viena (Áustria): 0-1

Data: 13 de setembro de 1936
Estádio: Strahov, em Praga (Checoslováquia)
Árbitro: Rinaldo Barlassina (Itália)

Sparta Praga: Bohumil Klenovec, Jaroslav Burgr (c), Josef Ctyroky, Josef Kostalek, Jaroslav Boucek, Ludovit Rado, Ferdinand Faczinek, Oldrich Zajucek, Raymond Braine, Oldrich Nejedly, e Geza Kalocsay. Treinador: Frantisek Sedlacek.

Austria Viena: Rudolf Zohrer, Karl Andritz, Karl Sesta, Karl Adamek, Johann Mock, Walter Nausch (c), Franz Riegler, Josef Stroh, Matthias Sindelar, Camillo Jerusalem, e Rudolf Viertl. Treinador: Jeno Konrad.

Golo: 0-1 (Jerusalem, aos 67m)

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