Matthias Sindelar, um dos mais virtuosos futebolistas da História e a grande figura da edição de 1933 da Mitropa Cup |
Raimundo Orsi |
Quem também teve motivos para festejar nesta primeira ronda foi a outra equipa italiana em prova, a Ambrosiana-Inter, que se desenvencilhou dos campeões da Áustria, o First de Viena, por um total de 4-1. Porém, na primeira mão, na capital austríaca, o emblema de Milão não teve vida fácil, devendo ao seu guarda-redes, Carlo Ceresoli, o facto de ter saído derrotado pela margem mínima (1-0). Na segunda mão uma exibição de gala de Giuseppe Meazza acabou com as aspirações dos conterrâneos de Mozart. Secundado de forma brilhante pelos extremos Frione e Levratto, Il Peppino, como era conhecido, apontou três dos quatro golos da sua squadra, que assim avançava para a fase seguinte, onde iria enfrentar o Sparta de Praga, conjunto este que graças à sua temível linha avançada formada por Raymond Braine, Josef Silný, Nejedly, e Frantisek Kloz afastou com dois triunfos mínimos (3-2 e 2-1) mas inteiramente merecidos o MTK de Budapeste.
A equipa da Juventus que na meia-final foi varrida por um vendaval chamado... Sindelar |
E se o Homem de Papel foi o herói do jogo de Viena, o guarda-redes austríaco Johann Billich centrou em si as atenções na partida de Turim, disputada no Stadio Benito Mussolini. Como lhe competia a Juventus entrou em campo disposta a provar que a tarefa de dar a volta ao marcador não era uma missão de todo impossível, com o trio ofensivo formado por Ferrari, Borel, e Cesarini a criar um sem número de oportunidades junto da baliza forasteira. Porém, esta era guardada de maneira heróica por Billich que só por uma vez foi buscar a bola ao fundo das redes, na sequência de um remate fulminante de Giovanni Ferrari, aos 21 minutos. Golo que foi sol de pouca dura, já que volvidos apenas nove minutos Josef Stroh restabeleceu a igualdade no marcador que até final não mais iria sofrer alterações, não obstante da avalanche ofensiva patenteada pela Juve na etapa complementar.
Attilio Demaria |
E se o calor havia massacrado os jogadores da Ambrosiana-Inter na primeira mão, em Praga o massacre foi protagonizado pelos futebolistas do Sparta, que durante 90 minutos não largaram a baliza de Ceresoli. Ataques atrás de ataques resumiram um encontro de sentido - quase - único, o da baliza dos transalpinos, que muito tiveram de suar para sair da capital da Checoslováquia com uma preciosa igualdade a duas bolas, resultados que assim lhes garantia a presença na final. Frantisek Klos marcou os dois golos do Sparta, enquanto que do outro lado Demaria voltou a ser o abono de família da squadra de Milão, ao apontar mais um golo, o seu quarto no confronto com os checoslovacos.
Sindelar e Meazza, duas lendas do futebol mundial dos anos 30, posam juntos antes da final Mitropa Cup de 1933 |
A jogar com menos um elemento os transalpinos não deixaram porém de atacar a baliza de Billich, sempre com perigo, e quase sempre por intermédio do génio Meazza. Fazendo jus a um velho ditado popular português, "água mole em pedra dura tanto bate até que fura", Il Peppino iria inaugurar o marcador a cinco minutos do intervalo, período em que para espanto da multidão presente na Arena Civica, Levratto retorna ao relvado - lesionado - para, no minuto seguinte, fazer o 2-0, naquele que foi um ato de coragem e paixão pelo emblema que carregava ao peito. No segundo tempo os papéis inverteram-se.
O Austria passou a controlar o jogo, postura essa que seria premiada com um golo, apontado por Rudolf Viertl, aos 77 minutos. 2-1, vitória da Ambrosiana-Inter, que partia assim para Viena com uma magra vantagem na bagagem. E como seria insuficiente...
As três equipas - o Austria de Viena, a Ambrosina-Inter, e o trio de arbitragem - que deram vida à final de 1933 posam juntas antes do pontapé de saída |
Números e nomes:
Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)
Ujpest (Hungria) - Juventus (Itália): 2-4/2-6
Slavia Praga (Checoslováquia) - Austria Viena (Áustria): 3-1/0-3
MTK Budapeste (Hungria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 2-3/1-2
First Viena (Áustria) - Ambrosiana-Inter (Itália): 1-0/0-4
Meias-finais (1ª e 2ª mãos)
Ambrosiana-Inter (Itália) - Sparta Praga (Checoslováquia): 4-1/2-2
Austria Viena (Áustria) - Juventus (Itália): 3-0/1-1
Final (1ª mão)
Ambrosiana-Inter (Itália) - Austria Viena (Áustria): 2-1
Data: 3 de setembro de 1933
Estádio: Arena Civica, em Milão (Itália)
Árbitro: Ferenc Klug (Hungria)
Ambrosiana-Inter: Carlo Ceresoli, Paolo Agosteo, Luigi Allemandi, Alfredo Pitto, Ricardo Faccio, Armando Castellazzi, Francisco Frione, Renato De Manzano, Giuseppe Meazza (c), Attilio Demaria, e Felice Levratto. Treinador: Árpád Weisz.
Austria Viena: Johann Billich, Karl Graf, Walter Nausch (c), Matthias Majemnik, Johann Mock, Karl Gall, Josef Molzer, Josef Stroh, Matthias Sindelar, Camillo Jerusalem, e Rudolf Viertl. Treinador: Josef Blum.
Golos: 1-0 (Meazza, aos 40m), 2-0 (Levratto, aos 41m), 2-1 (Viertl, aos 77m)
Final (2ª mão)
Austria Viena (Áustria) - Ambrosiana-Inter (Itália): 3-1
Data: 8 de setembro de 1933
Estádio: Prater, em Viena (Áustria)
Árbitro: Frantisek Cejnar (Checoslováquia)
Austria Viena: Johann Billich, Karl Graf, Walter Nausch (c), Matthias Majemnik, Johann Mock, Karl Adamek, Josef Molzer, Josef Stroh, Matthias Sindelar, Camillo Jerusalem, e Rudolf Viertl. Treinador: Josef Blum.
Ambrosiana-Inter: Carlo Ceresoli, Paolo Agosteo, Luigi Allemandi, Alfredo Pitto, Ricardo Faccio, Giuseppe Viani, Francisco Frione, Pietro Serantoni, Giuseppe Meazza (c), Attilio Demaria, e Armando Castellazzi. Treinador: Árpád Weisz.
Golos: 1-0 (Sindelar, aos 45), 2-0 (Sindelar, aos 80m), 2-1 (Meazza, aos 85m), 3-1 (Sindelar, aos 88m)
Matthias Sindelar - o primeiro jogar na fila de cima, a contar da esquerda para a direita - foi o ilustre condutor que levou o Austria de Viena à conquista da Taça Mitropa de 1933 |
Carlo Reguzzoni, o melhor marcador da edição de 1934 da competição |
Cada um dos quatro países envolvidos na competição passava agora a dispor de quatro vagas a serem ocupadas pelo campeão, vice-campeão, terceiro e quarto classificados, sendo que no caso da Áustria uma dessas vagas era ocupada pelo vencedor da taça. Com o aumento do número de clubes a competição europeia criada por Hugo Meisl conheceu alguns emblemas novos em 1934. Um desses caloiros foi o Floridsdorfer, da Áustria, que logo na primeira ronda evidenciou toda a sua inexperiência internacional ao ser copiosamente goleado por um resultado global de 10-1 pelos antigos campeões da prova, os húngaros do Ferencvaros, com o destaque individual deste confronto desnivelado a ir para o avançado do clube de Budapeste, Gyorgy Sarosi, autor de três dos dez tentos da sua equipa, a qual no jogo da segunda mão, disputado no mítico estádio Hohe Warte, em Viena, atuou para 800 pessoas, num recinto que tinha capacidade para acolher 40 000, constituindo-se este como um dos registos mais baixos - em termos de assistência - da história da era dourada da Mitropa Cup.
Estreia auspiciosa tiveram os checoslovacos do Kladno, que protagonizariam a maior surpresa desta primeira eliminatória ao afastar os vice-campeões da temporada anterior, a Ambrosiana-Inter. Na primeira mão, os italianos arrancaram uma igualdade a uma bola no terreno do adversário, sendo impensável que no encontro de volta, em Milão, pudessem deixar escapar a oportunidade de continuar a sua caminhada rumo a uma nova final, no mínimo! Na verdade, Meazza e seus companheiros estavam enganados, já que uma exibição letal do ex-avançado do Sparta de Praga, Frantisek Kloz - um dos melhores marcadores da edição anterior - ajudou o Kladno a vencer em Itália por 3-2 e colocar desta forma a Europa do futebol em estado de choque! Pudera.
Angelo Schiavio remata para o fundo das redes húngaras |
Outra das surpresas desta primeira ronda foi a eliminação dos campeões em título, o Austria de Viena, aos pés dos húngaros do Ujpest. Privados do seu capitão de equipa, Walter Nausch, por se encontrar lesionado, os austríacos foram derrotados pelo mesmo score (2-1) nos dois embates, onde ficou vincada a robustez defensiva do vice-campeão magiar.
Tranquila foi a passagem dos campeões de Itália, a Juventus, diante dos frágeis checoslovacos do FK Teplice, enquanto que o equilíbrio surgiu em dois dos restantes duelos desta primeira eliminatória, decididos num terceiro, quarto, quinto, e sexto jogos!!! Sem a sua estrela-mor, Anton Schall, os campeões da Áustria, o Admira de Viena, enfrentaram os estreantes do Nápoles, que na primeira mão causou surpresa ao empatar a zero bolas no terreno do adversário. Na cidade do sul de Itália verificou-se um novo empate no jogo de volta, desta feita com golos, 2-2, tendo os napolitanos estado em vantagem grande parte do tempo por 2-0, score que até poderia ser mais avolumado não fosse a tarde inspirada do guardião Peter Platzer. Porém, na reta final da partida apareceu Adolf Vogl, que com dois golos obrigou à necessidade de se realizar um terceiro e decisivo duelo. Ato este que decorreu em campo neutro, em Zurique mais concretamente, tendo ai o Admira vincado o porquê de ter vencido com distinção o competitivo campeonato austríaco na temporada anterior. 5-0, foi o pesado resultado com que os vienenses afastaram os italianos, com destaque para as magníficas performances de Stoiber, Sigl, e - mais uma vez - Vogl.
Raymond Braine, uma das grandes estrelas do Sparta Praga |
Pior sorte teve a outra equipa de Praga, o Slavia, que perdeu o braço de ferro com o Rapid de Viena.
Gyorgy Sarosi |
Com a preciosa ajuda do melhor marcador do campeonato italiano da temporada transata, Felice Borel, a Juventus alcançou uma saborosa vitória - todas o são, naturalmente - em casa do Ujpest, por 3-1, com o citado atleta a fazer o gosto ao pé em duas ocasiões. Na segunda mão uma exibição categórica dos irmãos gémeos Mario e Giovanni Varglien no setor defensivo da Vecchia Signora impediu que o ataque dos húngaros fizesse estragos de maior em Turim, tendo o encontro terminado com um empate a uma bola, com Borel a apontar o tento dos italianos que assim seguiam em frente. Tranquila foi a passagem do Bologna, que na primeira mão, diante do seu público, humilhou por completo o Rapid de Viena. 6-1 foi o resultado de uma partida onde os atacantes Reguzzoni e Schiavio estiveram em claro destaque ao apontarem os golos da sua equipa. Em Viena, o Rapid adiantou-se cedo no marcador, por intermédio de Binder, logo aos dois minutos, dando ideia de que o milagre poderia acontecer, mas Reguzzoni logo tratou de arrefecer o ímpeto dos locais com o golo do empate, de nada valendo os três golos de Binder no segundo tempo.
Em grande forma estava por esta altura o Admira de Viena, que na receção ao Sparta de Praga aplicou a chapa 4 com uma classe meritória inquestionável, numa partida onde no plano individual sobressaiu o austríaco Wilhelm Hahnemann. Na segunda mão, e contrariamente ao que se previa, foi o Admira a entrar mais atrevido no jogo, tendo o bis de Karl Durspekt colocado os visitantes a vencer por 2-0 ao intervalo. Com a passagem às meias finais mais do que assegurada os vienenses abrandaram na segunda parte, permitindo que os checoslovacos concluíssem a sua participação na Mitropa Cup de 1934 com uma vitória (3-2).
Capitães do Ferencvaros e do Bologna posam para a posteridade junto da equipa de arbitragem antes do início da primeira mão da meia-final |
Fase da partida entre Bologna e Admira Viena |
Depois da conquista do Mundo - na sequência do triunfo da Squadra Azzura no Campeonato do Mundo da FIFA - o futebol italiano arrecadava agora a coroa europeia no que a clubes dizia respeito. Memorável.
Números e nomes:
Oitavos-de-final (1ª e 2ª mãos)
Ferencvaros (Hungria) - Floridsdorfer (Áustria): 8-0/2-1
Kladno (Checoslováquia) - Ambrosiana-Inter (Itália): 1-1/3-2
Bologna (Itália) - Bocskay (Hungria): 2-0/1-2
Slavia Praga (Checoslováquia) - Rapid Viena (Áustria): 1-3/1-1
Austria Viena (Áustria) - Ujpest (Hungria): 1-2/1-2
Juventus (Itália) - Teplice (Checoslováquia): 4-2/1-0
Admira Viena (Áustria) - Nápoles (Itália): 0-0/2-2/5-0 (desempate)
MTK Budapeste (Hungria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 2-1/1-2/1-1 (Sparta vence por sorteio)
Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)
Ferencvaros (Hungria) - Kladno (Checoslováquia): 6-0/1-4
Ujpest (Hungria) - Juventus (Itália): 1-3/1-1
Bologna (Itália) - Rapid Viena (Áustria): 6-1/1-4
Admira Viena (Áustria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 4-0/2-3
Meias-finais (1ª e 2ª mãos)
Recorte de um jornal da época dando conta do embate entre o Bologna e o Ferencvaros |
Admira Viena (Áustria) - Juventus (Itália): 3-1/1-2
Final (1ª mão)
Admira Viena (Áustria) - Bologna (Itália): 3-2
Data: 5 de setembro de 1934
Estádio: Prater, em Viena (Áustria)
Árbitro: William Walden (Inglaterra)
Admira Viena: Peter Platzer, Robert Pavlicek, Anton Janda, Johann Urbanek, Karl Hummeberger, Josef Mirschitzka, Ignaz Sigl (c), Wilhelm Hahnemann, Karl Stoiber, Anton Schall, e Adolf Vogl. Treinador: Hans Skolaut.
Bologna: Mario Gianni, Eraldo Monzeglio, Felice Gasperi, Mario Montesanto (c), Aldo Donati, Giordano Corsi, Bruno Maini, Raffaele Sansone, Aldo Spivach, Francisco Fedullo, e Carlo Reguzzoni. Treinador: Lajos Kovács.
Golos: 0-1 (Spivach, aos 7m), 0-2 (Reguzzoni, aos 25m), 1-2 (Stoiber, aos 56m), 2-2 (Vogl, aos 58m), 3-2 (Schall, aos 60m)
Final (2ª mão)
Bologna (Itália) - Admira Viena (Áustria): 5-1
Data: 9 de setembro de 1934
Estádio: Del Littoriale, em Bolonha (Itália)
Árbitro: Arthur James Jewell (Inglaterra)
Bologna: Mario Gianni, Eraldo Monzeglio, Felice Gasperi, Mario Montesanto, Aldo Donati, Giordano Corsi, Bruno Maini, Raffaele Sansone, Angelo Schiavio (c), Francisco Fedullo, e Carlo Reguzzoni. Treinador: Lajos Kovács.
Admira Viena: Peter Platzer, Robert Pavlicek, Anton Janda, Johann Urbanek, Karl Hummeberger, Josef Mirschitzka, Karl Durspekt, Wilhelm Hahnemann, Karl Stoiber, Anton Schall, e Adolf Vogl (c). Treinador: Hans Skolaut.
Golos: 1-0 (Maini, aos 21m), 1-1 (Vogl, aos 32m), 2-1 (Reguzzoni, aos 33m), 3-1 (Reguzzoni, aos 40m), 4-1 (Fedullo, aos 84m), 5-1 (Reguzzoni, aos 88m).
A squadra do Bologna que pela segunda vez no curto espaço de três anos conquistou a coroa do futebol europeu |
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