quinta-feira, outubro 17, 2013

Figuras do apito (2)... John Lewis - O primeiro mestre do apito

O belga John Langenus pode até ter sido o primeira figura do apito a atrair até si os holofotes do mediatismo do futebol internacional, mas muito antes desta lenda outra estrela brilhou no sempre polémico mundo da arbitragem. Falamos do inglês John Lewis, afamado juíz internacional que em 1908 teve a honra de apitar a primeira grande final internacional oficial da história do belo jogo. Mas já lá vamos. Lewis, que nasceu a meio do século XIX (1848) na pequena cidade de Market Drayton, próxima do País de Gales, teve a honra de ver nascer o modern football no seio da Velha Albion. A sua ligação ao jogo iniciou-se quando era ainda um jovem estudante na Shrewsbury School. Nos intervalos das aulas aprimorou o gosto pela prática do jogo que então vivia os seus primeiros anos, sendo que em meados de 1868 muda-se para Blackburn, uma cidade que na época encarava com maior fervor o cricket do que o jovem futebol. Cerca de sete anos mais tarde, juntamente com o seu amigo de longa data dos tempos da Shrewsbury School, Arthur Constantine, organiza no St. Leger Hotel uma reunião cujo ponto único prendia-se com a fundação de um clube de futebol na cidade. Dessa reunião nasce a 5 de novembro desse ano de 1875 o Blackburn Rovers Football Club, tendo a Lewis sido entrega a responsabilidade de ficar com o cargo de tesoureiro do clube.
Tesoureiro e jogador, pois claro, sendo que cerca de um mês mais tarde após a sua fundação o Blackburn Rovers disputa com o Preston o primeiro jogo oficial, com um onze composto por Alfred Birtwistle, Walter Duckworth, J. T. Syckelmoore, Thomas Greenwood, Harry Greenwood, Jack Baldwin and Arthur Constantine, e obviamente, John Lewis.
A performance do jovem Lewis enquanto soldado nos campos de batalha, o mesmo é dizer futebolista, foi curta. Dos relvados aos gabinetes o caminho foi curto. Em 1879 ele ajuda a fundar Lancashire Football Association, uma espécie de associação regional, sendo que pouco depois é nomeado secretário da Worcestershire Football Association, posto que desempenhou com elevada distinção durante 21 anos.
Em simultâneo com o posto de dirigente ele inicia uma brilhante carreira no mundo da arbitragem, desempenho que lhe iria valer com o passar dos anos o pomposo cognome de Príncipe dos Árbitros.
Em finais do século a FA Cup (Taça de Inglaterra) além de ser a comprtição mais antiga do planeta futebolístico era igualmente a mais afamada, pelo que atingir a final era o prémio mais ambicionado por jogadores, treinadores, e árbitros da Great Britain. Na qualidade de melhor árbitro inglês daquele tempo John Lewis teve o privilégio de dirigir três FA Cup finals, tendo a primeira delas ocorrida a 20 de abril de 1895, a qual colocou frente a frente o Aston Villa e o West Bromwich Albion, com os primeiros a levantarem o famoso troféu após uma vitória por 1-0.

Dois anos mais tarde Lewis é de novo chamado ao Crystal Palace de Londres - a primeira grande catedral da bola britânica - para apitar mais uma final da FA Cup, e de novo com o Aston Villa como um dos atores da peça futebolística, sendo que do outro lado estava o Everton, que para Liverpool levou na bagagem uma derrota por 2-3.
1898 é um ano marcante para Lewis, que por esta altura era já um nobre e respeitado cavalheiro no seio do football britânico. Numa altura em que desempenhava já o cargo de vice-presidente da Football Association - federação inglesa de futebol - arbitra o seu primeiro jogo internacional, ocorrido a 26 de março desse ano, em Belfast, entre a Irlanda do Norte e a Escócia (0-3). Cerca de 15 dias mais tarde volta ao Crystal Palace para dirigir a terceira e última FA Cup final da sua carreira, entre o Nottingham Forest e o Derby County (3-1).

Até 1908 ele apitou mais cinco partidas internacionais entre seleções, e quando Londres recebeu as Olimpíadas desse ano os organizadores do evento não tiveram dúvidas em convidar o veterano Lewis para arbitrar o jogo decisivo daquele que era o primeiro grande momento do futebol internacional. Não será pois demais recordar que os torneios olímpicos de futebol de 1900 e 1904 não foram mais do que meras demonstrações da modalidade, protagonizdas por clubes e/ou colégios locais, e não por seleções nacionais, pelo que a FIFA apenas oficializa os torneios olímpicos a partir de 1908. E naqueles dias vencer os Jogos Olímpicos - no que a futebol diz respeito - era o equivalente a vencer o campeonato do Mundo, que na sua ascenção da palavra só iria ver a luz do dia em 1930. 
Final olímpica - ou mundial - de 1908 que foi disputada no White City londrino, entre a equipa da casa, o combinado da Grã-Bretanha, e a Dinamarca, tendos os primeiros vencido por 2-0 e desta forma se auto-proclamado campeões do Mundo. Ah, o árbitro, foi John Lewis, pois claro, que no dia dessa primeira grande final internacional tinha... 60 anos de idade!
Mas a caminhada do afamado juíz no mundo da arbitragem estava ainda bem longe de entrar na reta final. Quase duas décadas mais tarde, em 1920, ele é de novo convidado a arbitrar na fase final de um torneio olímpico, numa altura em que detinha a bonita idade de 72 anos! Sim, 72 anos! Facto que desde logo fez dele o árbitro cuja carreira maior longevidade atingiu no planeta da bola. Em Antuérpia, sede dos Jogos de 1920, Lewis dirigiu dois encontros, sendo o primeiro deles a meia final que opôs a equipa da casa, a Bélgica, aos vizinhos da Holanda, que terminou com o triunfo dos primeiros por 3-0. No dia seguinte ao encontro o jornal belga L'Action Nationale teceu rasgados elogios à atuação do veteranissimo juíz, considerando como a pessoa mais do que indicada para apitar a esperada final entre belgas e checoslovacos.
Porém, esta final é quiçá o momento mais negativo da longa e brilhante carreira do árbitro inglês. Sobre os acontecimentos do duelo decisivo dos Jogos de Antuérpia já traçámos algumas linhas aquando da visita pormenorizada ao torneio olímpico desse ano - na nossa rubrica Futebol nos Jogos Olímpicos.
E é precisamente o texto alusivo a essa final que agora vamos recordar:
No dia 2 de setembro de 1920 toda a Bélgica parou. A ocasião não era para menos já que a sua seleção estava muito perto de alcançar o Olimpo dos Deuses do futebol. Mas para isso havia que ultrapassar uma das equipas sensação da prova, a poderosa Checoslováquia. O duelo começou mais cedo que o previsto, com a imprensa belga a acusar os seus adversários de serem um dos causadores do despoletar da I Guerra Mundial, implantando assim no povo belga uma sede de vingança e um sentimento de ódio face ao país de leste. Mais uma vez o futebol e a política surgiam de mãos dadas! Com o clima incendiado o estádio olímpico registou a sua maior enchente até então, tendo a organização tido a necessidade de fechar as portas do recinto bem antes do pontapé de saída da grande final, barrando assim a entrada aos muitos espetadores que se encontravam fora do estádio. 
E às 17H30 as duas equipas entram em campo debaixo de um ambiente frenético. E mais frenético ficaria quando aos 6 minutos a equipa da casa se adianta no marcador graças a uma grande penalidade apontada pela grande estrela da equipa, Coppée, num lance onde os checos protestariam vivamente contra a decisão do árbitro. Os ânimos continuavam exaltados dentro do retângulo de jogo, com as duas equipas a usarem e abusarem do jogo agressivo. O experiente árbitro inglês John Lewis mostrava-se incompreensivelmente nervoso face ao desenrolar dos acontecimentos. As faltas sucediam-se de minuto a minuto perante a passividade do juiz. E à passagem do minuto 30 Henri Larnoe ampliou a vantagem dos belgas para a explosão natural das bancadas maioritariamente preenchidas com adeptos da equipa da casa. E eis que 9 minutos depois os checoslovacos perderiam de vez a estribeiras. Karel Steiner comete uma falta sem grande dureza sobre a estrela da companhia belga, Robert Coppée, o qual se atira de forma teatral para o chão queixando-se de uma agressão. Sem complacências o árbitro britânico expulsa Steiner, uma decisão que levou o capitão de equipa checoslovaca, o criativo médio Karel Pesek, a abandonar também o relvado em solidariedade com o seu companheiro. E para espanto de todos os presentes os restantes 9 jogadores do combinado de leste imitariam os seus colegas de equipa. A partida ficou suspensa para revolta dos adeptos que lotavam o estádio olímpico, os quais invadiram o campo numa tentativa de agredir os desertores checoslovacos que só conseguiram sair com vida de Antuérpia graças à pronta intervenção do exército belga. O critério parcial do árbitro, a dureza dos belgas, e a hostilidade do público seriam os argumentos que os visitantes apresentariam para justificar o abandono da contenda. Assim sendo a organização não teve dúvidas em atribuir a vitória à Bélgica, que assim se proclamava campeã... do Mundo, tendo os seus jogadores sido levados em ombros por um público em absoluto delírio.

Terminou assim de uma maneira menos límpida a brilhante carreira de um homem que viria a falecer seis anos mais tarde.

Legenda das fotografias:
1-John Lewis
2-Uma das primeiras equipas do Blackburn Rovers, integrada, entre outros, por John Lewis
3-Uma rara imagem da final olímpica de 1908
4-Capitães da Bélgica e da Checoslováquia escolhem o campo antes da final olímpica de 1920, sob o olhar do velhinho (72 anos) árbitro inglês
5-Um dos muitos lances da polémica final de Antuérpia

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