Seleção da AFL que em 1913 fez uma digressão ao Brasil |
Atuar fora do país era no início dos anos 10 do século passado algo raro no panorama do futebol português. Contavam-se pelos dedos de uma só mão as viagens de grupos nacionais ao estrangeiro para medir forças com combinados locais, sendo que a vizinha Espanha havia sido o destino mais longínquo que grupos portugueses haviam feito. Ir ao Brasil era pois algo digno de (vincado) registo, não só pela longa viagem (durava 14 dias de barco) mas de igual modo pelo elevado custo da travessia do Atlântico. Talvez por isso a grande notícia do ano de 1913 tenha sido a deslocação de um grupo português a Terras de Vera Cruz com a finalidade de ali disputar um conjunto de jogos amigáveis com equipas locais. Esta história teve início em 1912, quando o Botafogo do Rio de Janeiro convidou a Associação de Futebol de Lisboa (AFL) para uma visita à Cidade Maravilhosa.
O convite não foi de pronto aceite, desde logo pela dispendiosa e morosa viagem, além de que o profissionalismo era coisa que não existia na época e os atletas tinham as suas profissões. Mas com tempo tudo se resolveu. A AFL, na época a maior associação de futebol do país, lá aceitou o convite, reunindo em seguida alguns dos melhores futebolistas que atuavam nos seus campeonatos regionais. O elenco que compôs a seleção da AFL foi recrutado a três clubes, nomeadamente o Sport Lisboa e Benfica, o Sporting Clube de Portugal e o Clube Internacional de Football (CIF). O primeiro emblema contribuiu com oito jogadores, sendo eles, Álvaro Gaspar, Artur José Pereira, Augusto Paiva Simões, Carlos Homem de Figueiredo, Henrique Costa, José Domingos Fernandes, Luís Vieira e Cosme Damião. Já os sportinguistas cederam os atletas Amadeu Cruz, António Stromp, Francisco Stromp, João Bentes e Cândido Rosa Rodrigues, ao passo que o CIF se fez representar por três futebolistas, Eduardo Luís Pinto Basto, Boaventura Belo e Carlos Sobral.
A
epopeia da viagem ao Brasil aconteceu em julho de 1913, tendo a comitiva
partido da capital portuguesa a 26 de junho a bordo do Drina, barco pertencente
à Mala Real Inglesa. Dois dias antes, o grupo foi brindado com um jantar de
despedida no Hotel Francfort, em Lisboa. À partida, centenas de pessoas
despediram-se da comitiva lusa, que integrava ainda figuras como Alberto Lima, presidente
do Benfica e diretor do jornal O Sport Lisboa; Duarte Rodrigues,
também jornalista, mas da revista Tiro e Sport, tendo sido este nome o mensageiro
do convite do Botafogo à AFL, já que era o correspondente do emblema carioca em
Portugal; e Mário Duarte, futebolista aveirense designado pelo Ministério do
Interior para acompanhar a equipa lisboeta.
A comitiva lusa no barco durante a longa travessia no Atlântico |
Depois da longa travessia no Atlântico o grupo atraca no Rio de Janeiro no dia 10 de julho. Nesta cidade os lusos disputam quatro desafios. Ante o Scratch, inglês (Rio Cricket e Paysandu) perdeu 1-3, contra o Scratch brasileiro perdeu 0-1, diante da Liga Metropolitana empatou 0-0, e contra o Botafogo ganhou 1-0.
Em São Paulo a seleção da AFL realizou três encontros, contra a Atlética das Palmeiras empatou 2-2, contra o Colégio Mackenzie perdeu 1-5 e contra o Clube Atlético Paulistano ganhou 1-0. Artur José Pereira (3), Carlos Sobral (2) e António Stromp foram os marcadores dos golos portugueses nesta digressão ao Brasil. Ao longo desta estadia em terras sul-americanas a comitiva portuguesa foi alvo de várias homenagens, tendo sido presenteada com troféus, que, segunda reza a história, ficariam retidos na Alfândega quando a delegação regressou a Portugal, pois estavam sujeitos ao pagamento de taxas incomportáveis à época para uma delegação desportiva. E só em 1915, com a ajuda de Francisco Luís da Silva Calejo e com o despacho do primeiro-ministro, Afonso Costa, é que os troféus foram libertados. Outra curiosidade nesta viagem alude ao facto de um dos atletas, no caso Luís Vieira, ter ficado no Brasil a representar o Botafogo, tornando-se assim no segundo jogador português a atuar naquele país, sucedendo, digamos assim, a José Bello, que representou o Fluminense entre 1907 e 1909.
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