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É gooooloooo do Belenenses! |
No futebol existem vitórias que são encaradas como se títulos pomposos se tratassem. Mesmo até que esses triunfos na prática não tenham levado a caminho algum, ou por outras palavras, que não tenham evitado uma eliminação de uma qualquer competição. Mas sempre que o pequeno David vence o gigante Golias é sempre uma história inolvidável e digna de ser recordada vezes sem conta. E na temporada de 1987/88 o Belenenses vestiu a pele de David após vencer no seu estádio um Golias que dava pelo nome de Barcelona, em jogo da 2.ª mão da 1.ª eliminatória da então Taça UEFA. Foi um triunfo histórico, mas que na verdade não foi suficiente para que os azuis do Restelo afastassem os catalães da prova, isto é, na Cidade Condal registou-se um resultado favorável ao Barcelona por 2-0, e em Lisboa o emblema da Cruz de Cristo venceu por 1-0. E é precisamente sobre este célebre triunfo que hoje vamos recordar, o qual resultou de um dos jogos mais épicos realizados pelo grande Belenenses nas provas europeias. Numa nota introdutória a este momento, é de realçar que esta era a terceira vez que os dois clubes se encontram numa eliminatória das competições europeias, sendo que apesar de ultrapassar sempre o Belenenses, o Barça nunca ganhou um jogo disputado no Restelo, contabilizando dois empates e uma derrota.
Pois bem, em 87/88 o Barcelona não viveu um grande momento desportivo, muito pelo contrário. A equipa ficou num modesto 6.º lugar na LigaEspanhola, caiu nos quartos-de-final da Taça UEFA, e nem a vitória na Copa del Rey apagou uma época tão cinzenta. E isso ficou logo patente no jogo da primeira mão da eliminatória ante do Belenenses, realizado em Camp Nou, em que só um milagre deu o triunfo (2-0) aos catalães no… período de compensação. A vitória sofrida fez-se sentir entre os adeptos blaugrana, que no final se despediram da sua equipa com lenços brancos, sendo que a vítima imediata desta indignação foi o treinador inglês Terry Venables, despedido pouco depois e substituído no cargo pelo espanhol Luis Aragonés. Não era por falta e argumentos que o Barça vivia, ou viveu, naquele ano uma fase negativa, muito pelo contrário. Nomes de craveira mundial como o inglês Gary Lineker, o alemão Bernd Schuster, ou os espanhóis Andoni Zubizarreta, Víctor Muñoz, Migueli, Julio Alberto, Urbano, ou Alexanko faziam daquele Barcelona um dos conjuntos mais bem apetrechados do futebol europeu. Porém, nem sempre fartura (de craques) é sinónimo de qualidade. E qualidade era também o que não faltava a um Belenenses que viveria nesta reta final dos anos 80 um dos melhores períodos da sua história.
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Um "onze" do Belém nessa temporada de 87/88 |
Orientado pelo brasileiro Marinho Peres – que enquanto futebolista havia passado, curiosamente, pelo Barcelona – os azuis do Restelo fizeram uma temporada soberba, que terminou com um 3.º lugar no campeonato nacional, o que lhes valeria uma nova qualificação para a Taça UEFA da época seguinte onde voltariam a escrever história, ao eliminar o então detentor do título uefeiro, o Bayer Leverkusen. Mas isso é uma outra história. Centremos atenções no jogo de 30 de setembro de 1987, no Estádio do Restelo, que veio a provar que eliminar o Barcelona depois de uma derrota por 2-0 em Camp Nou não era afinal uma missão assim tão impossível de atingir. Não aconteceu, é certo, mas esteve muito perto de ser alcançada como iremos perceber nas próximas linhas. A exibição dos lisboetas no encontro da 1.º mão galvanizou os adeptos belenenses, que acorreram em massa ao Restelo. Quiçá esperançados numa reviravolta épica, mais otimistas ficaram quando logo aos 4 minutos viram o cerebral Schuster perder no seu meio campo uma bola para o búlgaro Mladenov, que sem perder tempo sprintou pelo flanco esquerdo do seu ataque, entrou na área e cruzou para o miolo onde apareceu Mapuata solto de marcação para fazer um golo que fez explodir de alegria as bancadas do Restelo. «Cumpriu-se o primeiro desejo de Marinho Peres: que o Belenenses marcasse cedo», assim rezava o início da crónica do encontro escrita por Jorge Caiágua no jornal oficial do emblema da Cruz de Cristo.
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O lance do golo de Mapuata |
O jornalista escrevia mais adiante que o clube português se bateu com empenho e dignidade, confirmando o valor da equipa. De facto, assistiu-se a um jogo quase de sentido único, o da baliza de Zubizarreta, muito por culpa dos pupilos de Marinho Peres, que entraram no relvado impondo um ritmo veloz ao jogo, antecipando-se às jogadas de ataque dos catalães quase sempre, e quando a bola era recuperada não perdiam tempo a lançá-la para os homens da frente. Na realidade, esta partida mostrou uma vez mais que além de o Belenenses estar numa excelente forma, o seu opositor continuava a jogar mal, e no Restelo viu-se um Barça que atuou sempre sobre brasas. Para se resguardar das investidas azuis, os catalães mastigaram sempre muito o jogo no seu meio campo ao longo da primeira parte. Chiquinho Conde e Mladenov, que juntamente com Mapuata formavam o tridente ofensivo do Belenenses nessa célebre noite, não aproveitaram as abertas que o Barcelona por vezes ia dando na sua zona defensiva. Ainda no primeiro tempo, o búlgaro e o moçambicano desperdiçaram flagrantes oportunidades para desfeitear o grande Zubi. Mas não era apenas o setor atacante dos portugueses a dar nas vistas, já que a defesa, comandada pelo capitão e líder do grupo, José António, esteve sublime quer na marcação, quer na antecipação de jogadas ofensivas dos catalães. José António e Sobrinho, a dupla de centrais do Belenenses, foi um verdadeiro muro nessa noite. O próprio José António aventurou-se algumas vezes no ataque da sua equipa, e num desses lances, já perto do fim, chegou um tudo ou nada atrasado a uma recarga após defesa incompleta de Zubizarreta a um cabeceamento de Chiquinho Conde.
Não foram poucas as ocasiões em que na segunda metade vimos os jogadores do Barcelona a recorreram às faltas (algumas bem duras) para travar o ímpeto belenense. «Jogou tão bem o Belenenses, foi tão grande o esforço que desenvolveu frente à equipa do clube mais poderoso do Mundo, que Marinho Peres não hesitou em mandar entrar Luís Reina e Chico Faria, acabando o desafio com todos os avançados disponíveis, sempre com o objetivo de alcançar o segundo golo. E se esse risco que o técnico brasileiro correu numa demonstração cabal da sua grande visão estratégica, foi possível, não devemos esquecer desta vez, o acerto da defensiva azul, criticada noutras ocasiões, mas que na quarta-feira atuou com eficácia», assim analisava o jornalista Jorge Caiágua a exibição coletiva do seu clube. Apesar desta exibição categórica, culminada com uma inédita e mais do que merecida vitória sobre o todo poderoso Barcelona, o Belenenses ficava pelo caminho na Taça UEFA, um desfecho algo injusto para o futebol produzido pelos azuis nos dois jogos, sobretudo no do Restelo. «Foi pena. Vencemos mas deixamos a Taça UEFA com uma certa frustração. Caímos de pé», rematou assim a crónica o jornalista do órgão de comunicação oficial do Belenenses.
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Schuster e Lineker, duas das grandes estrelas do Barça de 87/88 |
Anos mais
tarde, numa entrevista à RTP em que juntamente com Jaime recordou este jogo, o
defesa Sobrinho confessou que antes deste jogo se abeirou da estrela inglesa do
Barça, Gary Lineker, no sentido de com este trocar de camisola no final, ao que
o inglês terá respondido: “depois vemos isso”. Porém, seria o próprio Lineker
que após o apito final do suíço Kurt Rothlisberger foi ter com Sobrinho a pedir
para trocarem de camisola, confessando ao jogador português que nunca ninguém
lhe tinha feito uma marcação tão cerrada e ao mesmo tempo disciplinada como a
que o defesa central belenenses lhe fez naquela noite.
Para a eternidade, aqui fica a ficha deste célebre capítulo
da história do Belenenses nas provas da UEFA.
Belenenses: Jorge Martins, Teixeira, José António, Sobrinho,
Artur Fonte (Luís Reina, 54), Paulo Monteiro (Chico Faria, 69), Jaime Mercês, Juanico,
Mapuata, Mladenov, e Chiquinho Conde. Treinador: Marinho Peres.
Barcelona: Zubizarreta, Gerardo Miranda, Moratalla, Migueli, Julio Alberto, Urbano, Víctor Muñoz, Bernd Schuster, Roberto Fernández, Gary Lineker, e Lobo Carrasco. Treinador: Luis Aragónes.
Vídeo do histórico golo de Mapuata diante do Barcelona:
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