A primeira vez é sempre inesquecível, e então se acontecer num lugar especial ainda mais inolvidável se torna. É desta forma que podemos olhar para a vitória do Sporting em casa do Southampton na temporada de 81/82 em jogo a contar para a 1.ª mão da 2.ª eliminatória da Taça UEFA, por concludentes 4-2. E o que tem esta vitória de tão especial assim, perguntar-se-ão os visitantes do Museu. Simples, tratou-se do primeiro triunfo de uma equipa portuguesa em solo britânico a contar para as competições europeias de clubes. Em solo britânico, isto é, na terra dos inventores do futebol moderno, os mestres ingleses, há que sublinhá-lo, visto que não era qualquer equipa que ousava chegar a Inglaterra e vencer um cavaleiro dali oriundo. Mas aquela era, e é, talvez uma das equipas mais lendárias da história do Sporting, a equipa que nessa temporada venceu tudo a nível nacional através de um futebol encantador edificado por artistas de enorme qualidade em todos os setores do terreno.
Havia, porém, uma zona do retângulo de jogo onde essa mestria se fazia notar ainda mais: o ataque. Setor este onde pontificava um dos tridentes mais cintilantes da história do futebol luso, um trio de artistas notáveis que muito contribuiu para que aquela fosse uma das melhores temporadas de sempre do Sporting. Falamos, claro, de António Oliveira, Rui Jordão e Manuel Fernandes. Pedra fundamental para que esta fosse uma das melhores épocas de sempre do Sporting foi o então seu lendário presidente, João Rocha, que após uma temporada (80/81) de insucesso desportivo começou por tomar a decisão de contratar um treinador que fizesse regressar a Alvalade a estrela das vitórias e mais do que isso, dos títulos. Depois de falhar a contratação de José Maria Pedroto e de John Mortimore, que tantas glórias haviam dado aos grandes rivais internos dos leões nos anos anteriores, respetivamente, FC Porto e Benfica, eis que a escolha recai noutro inglês, Malcolm Allison. Big Mal, como era conhecido no seu país, logo implementou um futebol de ataque no Sporting, assente na tal mestria e criatividade letal do trio Oliveira, Jordão e Manuel Fernandes, o qual era auxiliado por um meio campo operário, onde pontificavam nomes como Nogueira, Carlos Xavier, Ademar, Francisco Barão, ou Mário Jorge; uma defesa de betão, formada por figuras como Eurico, Inácio, ou Virgílio; e um guarda-redes ultra seguro, de seu nome Ferenc Mészáros. O guardião internacional húngaro foi a par de Oliveira a contratação mais sonante para aquela temporada de glória dos leões.
![]() |
Um "onze" do Sporting numa época (81/82) maravilhosa |
E bem se pode dizer que o encantamento por aquele Sporting não só da parte dos adeptos leoninos como de todos aqueles que gostam de bom futebol, começou precisamente na noite de 21 de outubro de 1981, data em que o Southampton recebia o conjunto português. Atenção, este não era um Southampton qualquer, mas sim uma equipa recheada de talentos, sendo o maior deles aquele que provavelmente era o melhor futebolista inglês de então, Kevin Keegan. Vencedor por duas ocasiões (1978 e 1979) da Bola de Ouro, o famoso futebolista era a principal referência do Southampton, onde ingressara em 80/81 após três temporadas de sucesso ao serviço dos alemães do Hamburgo. Confiantes de que a sua estrela-mor iria abater os leões portugueses, os adeptos ingleses lotaram por completo o velhinho The Dell, mítico estádio do Southampton, mas o que viram, na realidade, foi uma exibição categórica e de autor do Sporting concluída com um histórico triunfo por 4-2. O primeiro de sempre, como já vimos, de equipas lusas em Terras de Sua Majestade a contar para as provas uefeiras.
![]() |
O Southampton onde pontificava o lendário Kevin Keegan |
Abra-se aqui um parêntese, para recordar que antes deste jogo, os conjuntos portugueses haviam disputado 19 partidas europeias em solo da Velha Albion, por intermédio do Benfica, do FC Porto, do Belenenses, do Braga, do Vitória de Setúbal, do Vitória de Guimarães e do próprio Sporting, sendo que nesses 19 encontros anteriores ali disputados por estas equipas foram contabilizadas… 19 derrotas!
Mas o Sporting de Big Mal mudou esse paradigma naquela noite no relvado do The Dell. «O triunfo do Sporting frente a uma equipa onde joga o famoso Kevin Keegan, pode ser considerado uma proeza para o futebol português», assim escrevia o Diário de Lisboa na sua edição do dia seguinte a um jogo onde o Southampton cedo foi surpreendido com um futebol veloz e de ataque do Sporting, não sendo de admirar que logo aos 2 minutos Jordão, de cabeça, desse o melhor seguimento a uma jogada magistral de Oliveira, a qual foi construída pelo flanco direito do seu ataque. Aliás, ninguém esperava ver Oliveira nesse jogo a… defesa direito. A decisão de Allison deixou a todos perplexos, desde logo os seus próprios conterrâneos, e o que se passou foi que Oli – assim tratava Bil Mal o genial Oliveira – foi um verdadeiro diabo à solta no The Dell.
![]() |
O majestoso tridente ofensivo dos leões: Jordão, Manuel Fernandes e Oliveira |
![]() |
Keegan foi sempre muito bem vigiado pelos leões no The Dell |
Aqui fica a constituição das duas equipas nessa célebre noite europeia para o futebol português:
Southampton - Peter Wells, Chris Nicholl, Ivan Golac, Mark Whitlock (George Lawrence, 62), David Armstrong, Nick Holmes, Steve Williams, Alan Ball, Steve Moran, Mick Channon, e Kevin Keegan. Treinador: Lawrie McMenemy.
Sporting:
Ferenc Mészáros, Eurico, Inácio, Zezinho (Francisco Barão, 79), Carlos Xavier, António
Oliveira, Nogueira (Virgílio, 55), Ademar, Rui Jordão, Manuel Fernandes, e
Freire. Treinador: Malcolm Allison.
Vídeo: Resumo da célebre partida disputada no The Dell