A equipa do Académico do Porto na época de 41/42, a última na 1.ª Divisão Nacional |
Apesar da palavra “futebol” fazer parte da designação deste histórico agente desportivo nascido na cidade do Porto há 113 anos, o que é certo é que este e o Belo Jogo andaram quase sempre em caminhos opostos no que a capítulos de glória diz respeito. Houve quem escrevesse – neste caso o distinto jornalista portuense Manuel Dias, no seu livro “Futebol no Porto” – que esta foi mesmo uma “relação” de azar, e que deixou, ou ainda deixa, alguma mágoa no seio da família deste mui nobre emblema portuense que é o Académico Futebol Clube. E é sobre a derradeira aparição do Académico do Porto entre a elite do futebol nacional – o mesmo será dizer a 1.ª Divisão Nacional – que iremos debruçar-nos nas próximas linhas. Sim, é verdade, o Académico faz parte da história do escalão maior do futebol nacional, cabendo-lhe mesmo o privilégio de ter sido um dos oito clubes que na temporada de 1934/35 inaugurou o Campeonato Nacional da 1.ª Divisão, nos dias de hoje denominado de I Liga.
O majestoso Estádio do Lima, o primeiro grande estádio em Portugal |
Voltando um pouco atrás nesta viagem ao passado, para recordar que foi o futebol que fez nascer o Académico, como indica, e já vimos, a sua própria designação. Contudo, com o passar dos anos o clube alargou a sua atividade a outras modalidades, que correram melhor, digamos, no plano desportivo do que o futebol. E mesmo o facto de o Académico ter sido o dono daquele que foi o primeiro grande estádio a ser construído em Portugal, o Estádio do Lima, não fez com que o clube se tornasse grande no Desporto Rei como seriam os seus vizinhos (em termos de proximidade) FC Porto e Salgueiros, a título de exemplo. As explicações para esta infelicidade dos academistas no futebol variam. O facto de ter precisamente como vizinhos de porta o FC Porto e o Salgueiros, ou simplesmente porque nunca se rendeu ao profissionalismo do futebol, são dois hipotéticos argumentos que até hoje não estão suficiente bem esclarecidos para justificar o insucesso do Académico no futebol. Mas há quem prefira ver no meio disto tudo o copo meio cheio, e encarar como um sucesso o facto de o Académico figurar no top 10 dos clubes com mais participações na primeira década de existência da 1.ª Divisão Nacional. Neste aspeto, o clube portuense só é superado pelo FC Porto, Benfica, Sporting, Belenenses, Académica de Coimbra e Vitória de Setúbal. Entre as épocas de 1934/35 e 1941/42, os alvi-negros, as cores deste nobre clube portuense, estiveram por cinco ocasiões no principal escalão do futebol português. E é então a última delas que hoje vamos recordar ao pormenor com o apoio das páginas de outro nobre – e hoje desaparecido – património do Porto, o jornal Norte Desportivo.
Pesadelo em Lisboa (parte I)
A
derradeira aventura academista na 1.ª Divisão começou a 18 de janeiro de 1942,
quando no mítico Estádio do Lima o Belenenses entrou com o pé direito no Nacional de 41/42, graças a um triunfo por 2-0. Levy
de Sousa, António Jorge, Rafael, Eliseu, Manau, Torres, Marques, Raul Castro,
Álvaro Pereira, Julinho e Larsen, formaram o “onze” do Académico neste encontro
de estreia.
Uma
semana mais tarde os portuenses viajaram até à capital para defrontar aquele
que iria ser o campeão nacional desta temporada, o Benfica. E no Campo Grande «os encarnados encararam com à vontade»
o seu jogo com o Académico, conforme dava nota o Norte Desportivo. 4-1 a favor
dos benfiquistas, foi o resultado de uma partida onde o «Benfica só por intermitências deixou de conduzir a luta, e mesmo
nesses períodos de reação, a defesa encarnada jogou com afoiteza bastante para
se opor ao ataque inconsequente dos campeões portuenses». Nota de rodapé, o
Académico regressava à 1.ª Divisão com o título de campeão regional do Porto no
bolso. Mas voltando à crónica do jogo do Campo Grande, «o mesmo raramente teve emoção. Faltou a dança dos números para
espevitar o interesse. O ataque do Benfica defrontou uma linha de médios pouco
segura, e conseguiu construir bons ataques». O ataque do Benfica defrontou uma linha de médios pouco
segura, e conseguiu construir bons ataques», assim relatava o jornalista
que cobriu a partida. Foi, pois, com relativa facilidade que os benfiquistas
penetraram na defensiva alvi-negra, fazendo com que Alfredo Valadas, Francisco
Albino, Teixeirinha e Manuel da Costa batessem o guardião Levy de Sousa por
quatro ocasiões.
Julinho, estrela do Académico que brilharia no Benfica |
Do lado do Académico nem tudo foi mau ao olho do correspondente do Norte Desportivo. Eliseu destacou-se «mais pela sua agressividade do que propriamente pelo bom jogo produzido. No ataque, Julinho e Marques foram as figuras mais em relevo». Julinho, esse mesmo, que na época seguinte iria assentar arraias em Lisboa, onde ao serviço do Benfica atingiu o caminho da glória ao longo de 10 temporadas consecutivas. Júlio Correia da Silva, o seu nome completo, foi figura de proa na conquista de três campeonatos nacionais, cinco Taças de Portugal e uma Taça Latina ao serviço dos encarnados. Pelo Benfica, Julinho revelou-se um avançado letal para os adversários, e a prová-lo os seus cerca de 200 golos apontados com a camisola encarnada. De novo com os olhos centrados nas memórias do jogo entre Benfica e Académico do Porto a contar para a 2.ª jornada do Nacional de 41/42, para recordar que os lisboetas não sentiram dificuldades em ficar com os dois pontos. Embora, «de quando em vez os portuenses mostraram lampejos de possuírem regular valor, mas foi sol de pouca dura…», dava conta o Norte Desportivo. Ainda assim, Julinho fez o tempo de honra de um Académico que alinhou com a seguinte formação: Levy de Sousa, António Jorge, Rafael, Manau, Guimarães, Eliseu, Raul Castro, Julinho, Marques, Álvaro Pereira e Larsen.
Poderoso Sporting suou e… teve a sorte do seu lado no Lima
Na ronda
seguinte um novo obstáculo surgiu no caminho dos academistas. Desta feita, era
o campeão nacional em título, o Sporting que visitava o Estádio do Lima. Uma
assistência numerosa marcou presença no majestoso recinto desportivo portuense
para ver «a constelação de estrelas»
leoninas, conforme escreveu o jornalista do Norte Desportivo presente na
partida, José Parreira. Apesar do teórico desnível em termos de capacidade de
argumentos para vencer, o jogo principia (às 15H05!) com relativo equilíbrio. O
Sporting, «em pequenos pormenores aparece
ao de cima, com um sistema de jogo mais claro, mais positivo», assim
interpreta José Parreira. Contudo, a partida entra numa toada de parada e resposta,
com os dois guarda-redes, Levy de Sousa, do lado do Académico, e Azevedo, do
lado do Sporting, chamados a intervir com alguma regularidade. «O encontro tem fases de bom espetáculo.
Prevê-se que qualquer um dos grupos marcará vantagem se iniciar primeiro o
marcador, pois as duas balizas são visitadas com frequência. Os portuenses não
se assustam perante a classe dos visitantes». Atente-se ao facto de já
naquela altura os chamados Grandes do
futebol luso sofrerem a bom sofrer sempre que visitam o reduto de um clube de
menor nomeada futebolística, como era então o caso do Académico.
Azevedo salvou o Sporting no Lima |
De acordo com as palavras do jornalista José Parreira, as «redes do Sporting passam por transe aflitivo, mas Azevedo não consente que os portuenses transformem…», ou então quando não era o mítico guardião leonino a parar os ataques academistas, era o… azar a fazê-lo, como foi o exemplo de um remate portentoso de Raul Castro, que fez com que Azevedo deixasse escapar a bola por entre as mãos para a mesma sair a arrasar o poste. Lá está, o azar que o Académico tantas vezes teve ao longo da sua aventura futebolística também aqui teve um exemplo. E como quem não marca acaba sempre por sofrer, o Sporting chega à vantagem na sequência de um pontapé de canto apontado por Mourão, lance que é aproveitado por Paciência para abrir o marcador. O médio leonino beneficia do desnorte de Rafael, que tapou a visão do lance ao seu guarda-redes, para marcar. O tento espicaçou o Sporting, que cresceu no encontro e passou a ocupar mais vezes o meio campo contrário. Já o Académico aparecia agora menos vezes junto da baliza lisboeta, e quando o fazia os seus avançados «não tinham talento para conseguir desbravar a barreira oposta». Aproveita o Sporting para marcar o segundo tento da tarde, por intermédio de Cruz, que materializa assim a maior clarividência ofensiva dos campeões nacionais. Porém, o início da segunda metade volta a conhecer um Académico disposto a mudar o resultado. Os portuenses voltam a obrigar os leões a cuidados defensivos. Eliseu cabeceia uma bola à trave da baliza de Azevedo numa altura em que o Académico já fazia por justificar o golo. Mais uma vez o azar… «O Sporting cede cantos em série, permitindo franco domínio dos portuenses», escreve Parreira. No entanto, mais uma vez é o Sporting que lança os foguetes dos festejos de mais um golo, desta feita da autoria de Mourão, que leva a melhor num lance individual com Rafael. O Académico vê ainda Álvaro Pereira ser expulso por carga violenta sobre o sportinguista Canário, e mais do que isso conhece uma nova derrota (0-3). Ante o Sporting o Académico alinhou com: Levy de Sousa, António Jorge, Rafael, Manau, Eliseu, Guimarães, Raul Castro, Larsen, Marques, Álvaro Pereira e Julinho.
Pesadelo em Lisboa (parte II)
Na 4.ª
jornada os portuenses têm uma nova deslocação a Lisboa, cidade que haveria de
lhes ser maldita nesta última presença na 1.ª Divisão. Depois da derrota por
4-0 ante o Benfica seguiu-se um outro desaire, mas desta feita bem mais pesado.
10-1 a favor dos Unidos de Lisboa. Esta seria a segunda derrota mais avolumada
averbada pelo Académico nesta época, superada apenas pelos 11-2 diante do
Sporting na segunda volta do campeonato.
No Campo
do Lumiar, e perante pouco público, encontravam-se duas equipas que lutavam
pelos primeiros pontos no campeonato. «Todavia,
os ex-cufistas estavam numa melhor situação, porque jogavam no seu ambiente,
enquanto o Académico atuava num campo desconhecido, e este pormenor em grupos
da mesma igualha tem uma importância especialíssima», assinalava o jornalista
do Norte Desportivo que assistiu ao jogo. E de facto teve. O Unidos «venceu bem. (…) O seu setor defensivo teve
uma tarefa que chegou a atingir o brilhantismo. Segurança no trio defensivo e
belo trabalho dos médios. O ataque pôde destacar-se porque a linha
intermediária do Académico vagueou muito», assim analisou o escriva.
O Unidos de Lisboa destroçou o Académico na 4.ª jornada por... 10-1 |
Ainda antes da meia hora de jogo já os Unidos venciam por 5-0, de nada valendo o tento de Marques, aos 20 minutos, já que o descalabro continuou até à dezena de golos na segunda metade de uma partida onde o “onze” academista foi composto da seguinte forma: Levy de Sousa, Dias, Rafael, Guimarães, Eliseu, Raul Castro, Couto, Larsen, Marques, Julinho e Álvaro Pereira. Por esta altura, e com quatro jornadas disputadas o Académico ocupava a 12.ª e última posição, com zero pontos somados, a única equipa que ainda não havia somado qualquer ponto.(continua)
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