terça-feira, janeiro 08, 2019

Flashes Biográficos (13)... Algoth Niska

Algoth Niska

Algoth NISKA (Finlândia): A par das Ilhas Faroé, a Finlândia carrega o estatuto de parente pobre do futebol escandinavo.
Do país dos mil lagos – o território finlandês tem aproximadamente 188 000 lagos – pouco reza a história do belo jogo, não reservando mais, talvez, do que pouco mais do que um par de capítulos onde (na maior parte deles) a personagem principal dá pelo nome de Jari Litmanen, considerado o melhor futebolista da História da Finlândia, o qual durante duas décadas (1990-2010) brilhou não só com a camisola da frágil seleção escandinava como também assumiu papéis preponderantes em equipas de renome mundial como o Ajax, Liverpool ou Barcelona.
Porém, o talento de Kuningas (Rei) – como ficou eternizado Litmanen no desporto do seu país – não foi suficiente para conduzir a nação finlandesa a uma fase final de um Mundial ou de um Europeu, estando neste ponto ao mesmo nível das Ilhas Faroé, como os dois únicos países nórdicos que nunca disputaram qualquer uma das referidas competições internacionais.

Houve, no entanto, um período da sua história (desportiva) que a Finlândia teve a honra – e o privilégio – de partilhar o palco principal do futebol a nível planetário com as melhores seleções mundiais. Facto ocorrido numa época em que tanto o Mundial como o Europeu ainda não haviam visto a luz do dia, e que a nata do futebol mundial se reunia de quatro em quatro anos nos torneios olímpicos, para muitos, o embrião do atual Campeonato do Mundo FIFA. Estávamos em 1912, ano em que Estocolmo é palco da 5.ª edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, tendo a competição futebolística, cujo vencedor era endeusado como o campeão do Mundo, sido integrada por 11 combinados nacionais, entre eles a estreante Finlândia, ou melhor o Grão Ducado da Finlândia, na altura um Estado que integrava o Império Russo, mas que nestes Jogos competiu como nação autónoma!
Teoricamente olhada como um outsider neste torneio olímpico de 1912, em comparação com os então pesos-pesados do Planeta da Bola, Itália, Áustria, Dinamarca, Hungria ou a Grã-Bretanha (campeã olímpica em título), a Finlândia partia para esta missão com o intuito de aprender com os melhores no palco mais imponente do desporto rei planetário.
Só que... o aluno superou o mestre, e no fim os gélidos rapazes do norte da Europa alcançaram um impensável quarto lugar, ficando muito perto de uma histórica medalha. O memorável trajeto dos nórdicos começou com o derrube da potência Itália, liderada (tecnicamente) pelo então emergente génio da tática Vittorio Pozzo (que duas décadas mais tarde levaria a Squadra Azzurra ao topo do Mundo com a conquista de dois Campeonatos do Mundo consecutivos), seleção esta que caiu no prolongamento aos pés dos nórdicos por 2-3. A surpresa estava instalada. Mas iria ganhar contornos maiores quando nos quartos-de-final o sorteio ditou que o Grão Ducado da Finlândia enfrentasse a... Rússia! No Tranebergs Idrottsplats Stadium (um dos três recintos que acolheu o torneio olímpico desse ano) os súbitos do Império Russo levaram ao tapete os czars graças a um triunfo por 2-1. Que atrevimento (!) terão pensado algumas figuras do Poder localizado em Moscovo.
Sem querer entrar em pormenores daquele que é considerado o maior feito do futebol finlandês em mais de um século de história, até porque sobre o torneio olímpico de 1912 já aqui falámos (https://bit.ly/2Cbo4cg), resta dizer que o sonho de chegar ao título mundial acabou nas mãos dos favoritos britânicos, que nas meias-finais da competição vergaram os finlandeses a quatro golos sem resposta. A mais bela página do futebol da nação nórdica terminou às mãos da Holanda, que sob a batuta de um endiabrado Jan Bos (autor de cinco golos nesse encontro) arrecadou a medalha de bronze na sequência de uma estrondosa vitória por 9-0.

Esta breve resenha leva-nos à história de vida de uma das principais figuras dessa mítica caminhada olímpica por parte da Finlândia. Talvez, para muitos conhecedores da história do belo jogo finlandês, ele foi a primeira superstar daquele país. E com uma boa dose de loucura e rebeldia à mistura, como já iremos perceber.

Algoth Niska, a sua graça. Este nativo de Viipuri, nascido em 1888, desenvolveu ao longo da sua vida duas paixões, o futebol e o mar.
A morte de seu pai fez com que ainda adolescente, com 15 anos, se mudasse com a restante família para Helsínquia, tendo ali seguido os passos do seu desaparecido progenitor, no que às aventuras marítimas dizia respeito. O pai de Algoth fora capitão da marinha.
Ainda jovem, a nossa figura lançou-se em aventuras pelo imenso oceano, tornando-se com o passar dos anos um marinheiro experiente: conheceu países e adquiriu o conhecimento de vários idiomas.
Quando não estava em alto mar, Niska dava azo à sua outra paixão: o futebol. Neste ponto não existem muitos documentos sobre a sua carreira futebolística, apenas que era esquerdino, atuando como extremo no ataque das equipas por onde passou.

A primeira coroa de glória nos gélidos retângulos nórdicos do navegador/futebolista foi alcançada em 1908, ano em que é disputado o primeiro campeonato nacional da Finlândia, tendo o Unitas Sports Club sagrado-se o primeiro campeão da história daquela nação. Uma das estrelas desse conjunto era Algoth Niska, que se havia juntado ao Unitas dois anos após se ter mudado para Helsínquia. Ali esteve até 1909, altura em que troca de camisola. Muda-se então para o Helsingfors, por aquela altura já um dos mais populares emblemas da capital finlandesa.

É já na década seguinte que Niska alcança a fama que ainda hoje detém na História do seu país. E esse estatuto pode ser dividido em três atos: as Olimpíadas de 1912, a desobediência à lei que proibia a venda de bebidas alcoólicas na Finlândia - que entrou em vigor em 1919 – e o salvamento de judeus das mãos dos nazis no arranque da II Guerra Mundial.

Niska, ao meio,
em Estocolmo 1912
O primeiro ato já foi esmiuçado na introdução desta viagem ao passado, tendo Niska sido um dos 15 jogadores que em Estocolmo escreveram a página mais brilhante da seleção nacional finlandesa.
O extremo-esquerdo nascido em Viipuri jogou nas quatro partidas que o combinado nórdico efetuou naquele que era então o evento mais importante do calendário futebolístico planetário.
No plano futebolístico a estrela de Niska praticamente se eclipsou após a olimpíada, sendo apenas de realçar a conquista do seu segundo título de campeão nacional, em 1916, ao serviço do Kiffen, o último emblema que se lhe conhece.

Algoth continuava paralelamente cada vez mais ligado ao mar e quando a I Guerra Mundial terminou ele obtém uma formação académica na Escola de Navegação de Helsínquia. E eis que chegamos a 1919, ano em que entra em vigor na Finlândia a Lei da Proibição, uma legislação que proíbe a venda de bebidas alcoólicas naquele país, sendo que na Suécia, embora essa venda não fosse proibida, havia regras rígidas quanto à comercialização de bebidas alcoólicas.
Com a entrada da lei os lojistas/vendedores de bebidas alcoólicas de Helsínquia logo trataram de despachar a mercadoria por 3 reis de mel coado, já que as bebidas teriam de ser eliminadas de circulação com a entrada da lei.
Um desses comerciantes vendeu todo o seu vastíssimo stock de álcool a Niska, que a partir daqui abraçava uma nova profissão: a de contrabandista. Fazendo jus à sua condição de marinheiro experiente, ele aventurou-se nos mares escandinavos vestindo a pele de pirata do contrabando (de bebidas alcoólicas).

Viajando entre a Finlândia e a Suécia - e em algumas ocasiões também para a Alemanha - Niska enfrentou nos anos que se seguiram o perigo dos mares, e este perigo em duplo sentido, isto é, à turbulência dos mares nórdicos ele também tinha de driblar a atenta vigilância da polícia marítima.
Da sua clientela constava a aristocracia sueca e finlandesa, e a certa altura do negócio quando o stock começava a faltar, Niska já conhecia de cor e salteado os armazéns clandestinos onde podia abastecer a sua embarcação.

Algoth Niska era na década de 20 do século passado um afamado pirata do contrabando de álcool e talvez por isso a marcação serrada da polícia marítima fosse cada vez mais intensa. Até à Lei da Proibição ser revogada, em 1932, Niska não saiu sempre vencedor dos confrontos com as autoridades, tendo sido detido e preso algumas vezes, quer na Finlândia, quer na Suécia.

Niska, os barcos e o mar,
uma ligação aventureira
Com a revogação da lei o contrabando de bebidas alcoólicas deixou de ser produtivo e o pirata dos mares nórdicos com queda para a bola teve de se dedicar a outro negócio: salvar judeus das garras dos nazis na Alemanha.
Tornou-se numa espécie de Aristides de Sousa Mendes da Finlândia, mas no seu caso fê-lo para ganhar a vida. Com o início da II Guerra Mundial, Niska começou a forjar e contrabandear passaportes finlandeses para que os judeus pudessem abandonar o território alemão rumo à Finlândia, no sentido de fugirem do Holocausto. Esta sua atividade clandestina terminou quando um dos judeus contrabandeados foi descoberto na fronteira finlandesa e Niska passou a estar debaixo de olho das autoridades policiais. Conta-se que terá salvo cerca de meia centenas de judeus da morte com esta sua atividade comercial, por assim dizer.
Depois disto, pouco ou nada se ouviu falar deste homem, a não ser a 28 de maio de 1954, dia em que foi noticiada a sua morte após uma batalha perdida contra um tumor cerebral que lhe havia sido diagnosticado um ano antes.    

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