terça-feira, dezembro 03, 2013

Histórias do Futebol em Portugal (14)... A revolta dos operários de Alcântara!


A revolta dos operários de Alcântara, bem que podia ser o nome de um filme da autoria do malogrado João César Monteiro, ou o título de uma notícia sensacionalista aludindo ao corte de salários ou a uma ação de despedimento coletivo - situações tão comuns no Portugal dos dias de hoje! - de uma qualquer empresa do popular bairro lisboeta. Mas não, não se trata de qualquer notícia bombástica ou de uma obra de ficção cinematográfica, mas antes de um facto - ainda que metaforizado - que surpreendeu o Portugal futebolístico no ano de 1928, e que ainda hoje é encarada como uma das vitórias mais sensacionais - e sobretudo inesperadas - alcançadas por um modesto emblema na centenária história do desporto rei lusitano. Fazemos alusão ao triunfo do Carcavelinhos Futebol Clube na primeira grande competição de nível nacional - vulgo, o Campeonato de Portugal - na temporada de 1927/28. Fundado em 1912 o Carcavelinhos vivia na sombra dos grandes do futebol lisboeta, o mesmo será dizer, do Sporting, do Benfica, e do Belenenses, sendo apoiado entusiasticamente por um pequeno grupo de operários do emblemático bairro de Alcântara. A popularidade do Carcavelinhos estava porém longe de significar que este pequeno clube pudesse alcançar a glória na exigente prova que era já o Campeonato de Portugal. Mas o que é certo, é que pé ante pé, os operários de Alcântara chegaram ao topo, escrevendo quiçá o capítulo mais entusiasmante da fábula David vence Golias da Grande Enciclopédia do Futebol Português.

Este Campeonato de Portugal fica ainda marcado pelos números expressivos, não só o elevado números de clubes participantes - além dos seus campeões regionais algumas associações, casos de Lisboa e Porto, inscreveram na prova os segundo, terceiro, e quarto classificados dos seus respetivos campeonatos - mas também pelo avolumado número de golos marcados. Uma nota de rodapé também para dizer que à semelhança da temporada transata voltou a instituir-se a Competição de Classificação, uma prova disputada à margem dos campeonatos regionais que servia para apurar mais um leque de clubes para o Campeonato de Portugal.

Vendaval de golos em Lisboa e no Porto

Campeonato de Portugal cuja primeira eliminatória decorreu no dia 4 de março de 1928, e logo com uma série de goleadas que fizeram com que este fosse o certame mais produtivo - no que a golos concerne - da história desta competição que em 1938/39 encerrou portas para dar lugar à atual Taça de Portugal. A maior avalanche de golos ocorreu em Lisboa, no Campo Grande, recinto que acolheu o desnivelado duelo entre o gigante Sporting e o Torres Novas, o respresentante da Associação de Futebol de Santarém saído da Competição de Classificação. Encontro que não teve grande história, ou melhor, a história foi escrita somente em tons de verde e branco, como comprova o pesado resultado de 18-0 (!), a maior goleada de sempre do Campeonato de Portugal. Jurado foi o leão mais feroz apontado à baliza do modesto Torres Novas, já que na sua conta pessoal registou cinco golos, seguido de muito perto por José Manuel Martins e Abrantes Mendes, ambos com quatro tentos.
A norte, no Porto, o emblema mais representativo da cidade, o Futebol Clube do Porto não quis ficar atrás do rival de Lisboa, e na receção - no Campo do Bessa - ao Vila Real alcançou um triunfo por 13-1, com o destaque individual a ir para os hattricks de Freire, Valdemar Mota, e Acácio Mesquita, sendo que este último iria sair deste campeonato consagrado como o melhor marcador dos dragões, com quatro tentos.

Campo do Bessa que nesse dia teve sessão tripla, ou seja, após o vendaval portista seguiu-se um novo vendaval, desta feita protagonizado pelos donos do recinto, o
Boavista, que esmagaram o Lusitano de Vildemoinhos - o representante da Associação de Futebol de Viseu que fazia a estreia na prova - por 8-0, ao passo que para encerrar a maratona futebolística do Bessa o também caloiro Leça Futebol Clube derrotava o experiente - nestas andanças - Sporting de Braga por 2-1, graças à veia goleadora do avançado João da Costa, o autor dos dois tentos leceiros.
Na cidade conhecida como a Princesa do Lima, isto é, Viana do Castelo, o emblema local, o Vianense, caiu aos pés de outra das equipas sensação deste campeonato, o Salgueiros, por 2-1.
Estreia auspiciosa teve também o Fafe - um dos dois representantes da Associação de Futebol de Braga - que em casa, no Campo de S. Jorge, derrotou também por 2-1 a Académica, graças a dois golos de Freitas. Vitória curta seria igualmente alcançada pelo Beira-Mar, de Aveiro, que no seu Campo de S. Domingos bateu os portuenses do Sport Progresso por 3-2. Quanto aos campeões de Portugal em título, o Belenenses, receberam no Campo Grande o Luso Beja, tendo uma tarde inspirada do avançado azul Severo Tiago, autor de três golos, ajudado os pupilos de Artur José Pereira a vencer o combinado alentejano - que até esteve a ganhar - por 7-1.

Também no Campo Grande, que à semelhança do Campo do Bessa foi palco de mais do que um jogo nesse dia, o Casa Pia - cuja estrela-mor era o guarda-redes António Roquete, jogador este que no verão de 1928 defendeu a baliza da seleção nacional portuguesa nos Jogos Olímpicos de Amesterdão - derrotou por 2-1 os setubalenses do Comércio e Indústria. No Barreiro, Bento de Almeida, José Correia, e Agrípio Cardoso, desenharam um triunfo por 3-0 do Barreirense orientado por Augusto Sabbo sobre o União de Lisboa.
Por fim, em Setúbal, o finalista vencido da edição anterior, o Vitória Futebol Clube, não dava hipótese aos representantes do Algarve, o Lusitano de Vila Real de Santo António, que saiu do Campo dos Arcos vergado a uma derrota por 6-1. Vitória de Setúbal que nessa temporada tinha nas suas fileiras um atleta chamado António Palhinhas, que anos mais tarde haveria de se distinguir como...árbitro de futebol, tendo sido ele o juíz da primeira final da Taça de Portugal, disputada em 1939, entre a Académica e o Benfica.

Salgueiristas de alma grande eliminam o poderoso vizinho FC Porto

Quase dois meses depois da realização da ronda inaugural foi dada luz verde para que entrasse em cena a ronda dos oitavos-de-final, e logo com uma enorme supresa a norte. No Campo do Ameal - recinto dos portuenses do Progresso - a balança do favoritismo pendia para o lado do FC Porto na antecâmara do duelo com os vizinhos do Salgueiros. Partida que começou a um ritmo elevado, sendo que logo ao minuto cinco os salgueiristas presentes no Ameal foram ao delírio na sequência de um golpe fatal de Fernando Castro, talentoso extremo-esquerdo de Paranhos que na época posterior a esta histórica campanha da sua equipa iria transferir-se para... o FC Porto, onde jogaria nas oito temporadas seguintes. Festa do Salgueiros que no entanto iria durar apenas um minuto, já que pouco depois da bola ter ido ao centro do terreno Acácio Mesquita restabeleceu o empate. O pequeno - grande - Sport Comércio e Salgueiros não se amedrontou com esta recuperação do gigante da Invicta, e ainda antes do intervalo voltou para a frente do marcador no seguimento de um lance infeliz do portista Augusto Freire, médio que introduziu o esférico na baliza à guarda do seu colega de equipa Mihaly Siska. 2-1 para o Salgueiros, que na etapa complementar segurou heroicamente aquela que seria uma vitória histórica, e para a qual muito contribuiram Soares, Faísca, Sousa, Coentro Faria, Francisco Castro, Evaristo, Ventura, Teixeira, Américo Marques Teixeira, Reis, e Alberto Augusto (este jogador foi, recorde-se, o autor do primeiro golo da história da seleção nacional), os onze magníficos salgueiristas de alma imensa...
Quiçá envergonhados pela derrota ante o modesto vizinho de Paranhos os portistas desafiaram - mês e meio depois - os salgueiristas para um novo duelo - particular, desta feita - para tentar vingar a humilhante derrota, mas aquele não era de facto um bom ano para o FC Porto defrontar o Salgueiros, que na Constituição arrancaria um empate a duas bolas.

Nesta ronda entraria em ação o Benfica - orientado pelo lendário Ribeiro dos Reis, clube cuja estrela principal era Raul Tamanqueiro -, que na deslocação ao terreno do Fafe venceu facilmente a equipa local por 6-1. Fácil também foi o triunfo dos leões - Sporting - sobre os vizinhos do Império, por 4-1. No recém inaugurado Campo do Restelo - propriedade do Belenenses - um bis de José Correia dava a vitória (2-0) do Barreirense sobre os gansos do Casa Pia, enquanto que a norte - no Porto - o Boavista socumbia aos pés do Vitória de Setúbal por 2-4, enquanto que a aventura do Leça terminava diante de um avassalador Belenenses, que no Ameal venceu os leceiros por 8-1. Por fim, em Aveiro, sob a arbitragem do portuense Armando Moura, o futuro campeão de Portugal vencia a equipa da casa, o Beira-Mar, por 3-0, e mal passava pela cabeça dos quase desconhecidos jogadores do emblema de Alcântara que esta seria o início de uma odisseia memorável.

Agressões, insultos, e expulsões na reedição da final de 1927

A 13 de maio deu-se o pontapé de saída nos quartos-de-final da prova, e quis o sorteio que Belenenses e Vitória de Setúbal reeditassem a final da época anterior, que recorde-se havia sorrido aos azuis do Restelo. Só que este foi tudo menos um jogo de futebol, mais se assemelhando a uma batalha campal entre jogadores dos dois lados, travada no Campo das Amoreiras. Pautado por uma constante troca de insultos e agressões que levaram o árbitro do encontro, Armando Moura, a ter de dar ordem de expulsão a alguns atletas, entre outros o internacional belenense César de Matos, que estava já selecionado por Cândido de Oliveira para representar as cores nacionais no Torneio Olímpico de Amesterdão dali a poucas semanas. Pelo facto de ser um lemento fundamental na equipa das quinas a Federação Portuguesa de Futebol perdoou o castigo ao jogador belenense, que assim embarcou na aventura olímpica. Ah, quanto ao resultado desportivo desta final antecipada - assim foi denominado por muitos dos especialistas da bola daquela época - saldou-se numa vitória setubalense por 4-1, com golos de Nazaré (2), Armando Martins, e Luís Xavier, para os rapazes do Sado, enquanto que o lendário Pepe fez o tento de honra dos campeões em título, que assim caiam por terra.

Também nas Amoreiras, mas sem problemas e de forma tranquila, o Sporting batia o Barreirense por 5-0, com tentos de José Manuel Martins, Jurado, João Francisco, Abrantes Mendes, e Agostinho Cervantes.
Épico e emotivo até final foi o Benfica - União da Madeira. Aos 18 minutos os insulares colocaram as Amoreiras em silêncio, na sequência do golo de João Tomás de Sousa. A cinco minutos do descanso Pedro Sousa amplia a vantagem madeirense, e o público da casa teme o pior.
Porém, na etapa complementar apareceu Mário de Carvalho, virtuoso avançado benfiquista, que logo aos dois minutos reduziu para 1-2. O União - que teria nesta a sua única aparição no Campeonato de Portugal - não se acanhou, e três minutos volvidos fez o 3-1, de novo por intermédio de João Tomás de Sousa. A partir daqui Ribeiro dos Reis deu ordem aos seus jogadores para atacarem de todas as formas e feitios a baliza de Manuel de Sousa - de facto esta equipa do União tinha muitos Sousa's! - e ao minuto 63 Jorge Tavares encurta para 2-3 a desvantagem encarnada. O último quarto de hora foi diabólico, muito por culpa de um autêntico diabo à solta no retângulo das Amoreiras, Mário de Caravalho, de seu nome. Com dois golos - aos minutos 75 e 80 - ofereceu ao seu Benfica a passagem à meia-final frente a um União que até final lutou por um resultado positivo.

No Porto, mais precisamente no Campo do Covelo, um confronto de outsiders. Salgueiros e Carcavelinhos, lutavam pela última vaga nas meias-finais. E se contra o FC Porto os salgueiristas haviam sido heróis, ante o conjunto da capital foram uma sombra de si próprios. Os rapazes de Alcântara fizeram o que quiseram dos portuenses, chegando com facilidade à goleada (8-1), com destaque para os três golos de José Domingos e de Carlos Canuto, sendo que este último acumulava as funções de treinador e jogador. Reis foi o autor do tento solitário dos salgueiristas que assim saiam de cena mais cedo do que imaginariam, ainda para mais depois de terem posto fora do comboio um dos favoritos a chegar à estação final.

O sonho começa a transformar-se em realidade

Face ao enquadramento das meias-finais poucos seriam aqueles que não visionavam já um duelo Sporting - Benfica na final do campeonato. Os leões tinham pela frente o Vitória sadino, enquanto que as águias mediam forças com o Carcavelinhos. Favoritos eram pois os grandes de Lisboa. Mas nem sempre a teoria se confirma na prática, pelo menos no caso do Benfica. Nas Amoreiras, a 24 de junho, o Carcavelinhos fez história, Com um futebol dinâmico e artístico o emblema de Alcântara trocou as voltas ao poderoso Benfica, tendo vencido por 3-0 - todos os golos foram apontados na segunda parte. José Domingos, por duas ocasiões, e Carlos Canuto fizeram o gosto ao pé. Acontecesse o que quer que fosse este campeonato já tinha sido marcado pela surpresa chamada Carcavelinhos. Mas a história ainda não estava toda contada.
No outro jogo, também no mítico Campo das Amoreiras, o Sporting derrotava o Vitória de Setúbal por 3-1, com golos de Abrantes Mendes, José Manuel Martins, e Agostinho Cervantes, alcançando assim a desejada final.

Sporting tinha o pensamento no Brasil... e acabou por viver um pesadelo na Palhavã

No dia 30 de junho de 1928 o Campo da Palhavã (Lisboa) era pela primeira vez na sua história palco de uma final do Campeonato de Portugal. Tudo estava preparado para que a festa final fosse pintada em tons de verde e branco, as cores do super-favorito Sporting, que teria como missão provar que o surpreendente trajeto vitorioso do pequeno clube de Alcântara não tinha sido senão um mero golpe de sorte. Como estavam enganados os leões orientados por Filipe dos Santos. Além disso a equipa leonina queria rapidamente decidir aquela final, pois já tinha as malas feitas para no dia seguinte à final fazer uma longa viagem até ao Brasil, país onde iria realizar uma digressão a convite do Fluminense. O passeio até Terras de Vera Cruz terá subido em demasia à cabeça dos jogadores sportinguistas, que não querendo de maneira alguma perder o bilhete de embarque no paquete que os haveria de levar até ao Rio de Janeiro logo trataram de tirar o pé de acelerador na final do campeonato, de modo a evitar lesões que os impedisse de ir passear até ao outro lado do Atlântico. Ousadia que haveria de sair cara ao Sporting.
Até porque do outro lado estava o Carcavelinbos, equipa que para o treinador/jornalista Ribeiro dos Reis, o qual nas meias-finais havia visto o seu Benfica ser eliminado pelo clube de Alcântara, jogava de fato macaco, à operário, pois claro. «Uma equipa que possuí um sistema de ataque verdadeiramente sui generis: eram simulações a passar a bola, simulações a recebê-la, jogadores em corrida para o esférico dando a impressão de o irem dominar mas deixando-o seguir para um companheiro que já previa a manha do movimento, era, enfim, toda uma série de lances em que imaginação se aguçava, rasgava, encantava», escrevia Ribeiro dos Reis na sua análise aos campeões de Portugal de 1928.

Bom, quanto ao jogo propriamente dito - rico ao nível da qualidade técnica, de parte a parte -, o Sporting até entrou melhor, com duas oportunidades flagrantes no primeiro quarto de hora, primeiro por José Manuel Martins, que com um remate forte levou o esférico a sair a escassos centímetros do poste da baliza de Gabriel Santos, e posteriormente por Abrantes Mendes, que isolado perante o guardião de Alcântara permitiu que este num ato de bravura lhe saisse aos pés e ficasse com a posse da bola. Depois disto só deu Carcavelinhos. A magia dos operários de Alcântara entrou em campo, e aos 20 minutos na sequência de uma boa jogada de entendimento José Domingos inaugurou o marcador.
No segundo tempo o Sporting correu atrás do prejuízo, e com apenas sete minutos jogados Abrantes Mendes repõe a igualdade. Pouco depois o árbitro lisboeta Silvestre Rosmaninho é obrigado a interromper o encontro devido aos confrontos físicos que jogadores de ambos os lados da barricada levavam a efeito. Durante alguns minutos a magia do futebol - do Carcavelinhos - deu lugar a tristes cenas de pugilato, na sequência de uma entrada violenta de José Manuel Martins sobre o guarda-redes Gabriel Santos. Serenados os ânimos voltou-se ao futebol, e à magia do Carcavelinhos, traduzida em mais um golo de José Domingos. Depois disto os pupilos de Carlos Canuto tomaram as devidas precauções defensivas, abrandando um pouco o ritmo frenético do seu peculiar estilo de jogar futebol. Mas nem assim o Sporting - com a cabeça no Brasil? Ainda? - aproveitou, muito por culpa da desinspiração do seu setor ofensivo. A machadada final foi dada por Manuel Rodrigues, aos 75 minutos, com o 3-1, e este mesmo jogar ainda viria a desperdiçar uma grande penalidade já perto do final. No cair do pano a festa estalou para os lados de Alcântara, bairro popular que nesse ano viveu uma segunda noite de Santo António, devido à carreira memorável de uma equipa de artistas operários.

A figura: Carlos Alves

Até à conquista do título de campeão de Portugal a maioria dos jogadores do Carcavelinhos era totalmente desconhecida do grande público afeto ao futebol lusitano. A excessão a este quase total anonimato era Carlos Alves, o defesa-direito daquela célebre equipa de operários, e para muitos o melhor jogador português de sempre nesta posição! Carlos Alves nasceu em Lisboa, a 10 de outubro de 1903, e o Carcavelinhos foi o seu primeiro grande amor no futebol. Estreou-se no combinado de Alcântara nessa temporada de 27/28, e logo com o título de campeão de Portugal. As suas soberbas exibições nessa epopeia convenceram o selecionador nacional da altura, Cândido de Oliveira, a convocá-lo para o Torneio Olímpico de Futebol de Amesterdão, na época o maior evento futebolístico a nível global. Era além disso a primeira vez que Portugal surgia na alta roda do futebol internacional. Talvez por isso 1928 tenha sido o ano dourado da carreira de Alves: campeão de Portugal e titular do onze nacional nos Jogos Olímpicos, onde a seleção haveria somente de cair nos quartos-de-final aos pés do Egito. Portugal fez uma campanha memorável, para a qual muito contribuiu o talento de lendas como Pepe, Valdemar Mota, Vítor Silva, Raul Tamanqueiro, Jorge Vieira, Augusto Silva, César de Matos, e claro, Carlos Alves, o luvas pretas! Assim ficou eternizado o defesa direito. A razão desta alcunha? Porque jogava sempre de luvas pretas. Mas porquê? Ao que parece antes da final do Campeonato de Portugal de 1928 uma admiradora dele se abeirou e disse que se as utilizasse seria campeão. Carlos assim o fez, e de facto foi campeão. Dali em diante nunca mais deixou de usar as luvas, fosse em que jogo fosse. Deram sorte. Ainda em relação aos Jogos Olímpicos de 1928 os críticos da altura nomearam Carlos Alves como o melhor defesa-direito do torneio em parceria com o espanhol Jacinto Quincoces. Um luxo, e uma honra. Quem o viu jogar disse que era um jogador diferente, um homem que refinou a posição de defesa-direito, priveligiando a classe no toque de bola em simultâneo com a destreza do desarme, em vez do habitual - até então - estilo duro - e quase violento - dos defesas de roubar a bola ao adversário. Tinha um pé direito fortíssimo, e foi autor de muitos golos ao longo da sua carreira, muitos deles de livre direto, arte da qual era mestre.

Defendeu com brio a camisola do Carcavelinhos até 1933, altura em que viaja para o Porto para defender as cores do Académico Futebol Clube, entre 1934 e 1936. Ao serviço dos academistas participa na primeira edição do Campeonato Nacional da 1ª Divisão (34/35), ganho pelo FC Porto, emblema que em 35/66 contrata o valoroso jogador. De azul e branco vestido o luvas pretas não foi feliz, já que problemas pulmonares o atiraram para um sanatório onde ficou internado durante dois anos, e como consequência colocou um ponto final numa carreira formidável.
Depois, foi para Faro, onde treinou o Farense, criando ai a famosa equipa "o 8º Exército" - assim apelidada pela larga invencibilidade em todo o Algarve -, mas devido ao seu feitio - dizem - conflituoso abriu guerra a muitos jogadores do clube algarvio, o que levou à sua saída.
Veio depois para Albergaria-a-Velha, para treinar o modesto emblema local, o Alba, o clube onde começou a despontar o seu neto, João (Alves), que haveria de abraçar a fama na década de 70 ao serviço de clubes como o Benfica, o Paris Saint-Germain, ou o Salamanca.
Carlos Alves - que foi internacional por Portugal em 18 ocasiões - viria a falecer a 12 de novembro de 1970.

Nomes e números do Campeonato de Portugal de 1928

1ª eliminatória

Vianense - Salgueiros: 1-2

FC Porto - Vila Real: 13-1

Boavista - Lusitano Vildemoinhos: 8-0

Leça - Sp. Braga: 2-1

Fafe - Académica: 2-1

Beira-Mar - Progresso: 3-2

Sporting - Torres Novas: 18-0

Casa Pia - Comércio e Indústria: 2-1

Belenenses - Luso Beja: 7-1

Barreirense - União Lisboa: 3-0

Vitória de Setúbal - Lusitano VRSA: 6-1

Oitavos-de-final

Beira-Mar - Carcavelinhos: 0-3

Leça - Belenenses: 1-8

Sporting - Império: 4-1

Casa Pia - Barreirense: 0-2

Salgueiros - FC Porto: 2-1

Fafe - Benfica: 1-6

Quartos-de-final

Belenenses - Vitória de Setúbal: 1-4

Sporting - Barreirense: 5-0

Salgueiros - Carcavelinhos: 1-8

Benfica - União da Madeira: 4-3

Meias-finais

Benfica - Carcavelinhos: 0-3

Sporting - Vitória de Setúbal: 3-1

Final

Carcavelinhos - Sporting: 3-1

Data: 30 de junho de 1928

Árbitro: Silvestre Rosmaninho (Lisboa)

Estádio: Campo da Palhavã, em Lisboa

Carcavelinhos: Gabriel Santos, Carlos Alves, Abreu, Artur Pereira, Daniel Vicente, Carlos Domingues, Manuel Abrantes, Armando Silva, Carlos Canuto, José Domingos, e Manuel Rodrigues. Treinador: Carlos Canuto.

Sporting: Cipriano Santos, António Penafiel, Jorge Vieira, Martinho de Oliveira, Serra e Moura, Matias Lopes, João Francisco, Abrantes Mendes, João Jurado, Agostinho Cervantes, e José Manuel Martins. Treinador: Filipe dos Santos

Golos: 1-0 (José Domingos, aos 20m), 1-1 (Abrantes Mendes, aos 52m), 2-1 (José Domingos, aos 53m), 3-1 (Manuel Rodrigues, aos 75m)

Legenda das fotografias:
1-O poster do Carcavelinhos, campeão de Portugal em 1928
2-Acácio Mesquita, o melhor marcador do FC Porto nesta edição
3-Belenense Severo Tiago espreita mais uma oportunidade de golo durante o encontro com o Luso Beja
4-O guarda-redes internacional do Casa Pia, António Roquete
5-Fase do emblemático jogo entre FC Porto e Salgueiros
6-A equipa do Benfica
7-Jogadores do Carcavelinhos em ação
8-Mário de carvalho, o herói do Benfica nos quartos-de-final
9-Carlos Canuto, jogador/treinador do Carcavelinhos, e mais tarde árbitro internacional
10-O conjunto do Sporting
11-Carlos Alves disputa um lance na final do campeonato
12-Mais um lance da final do Campo da Palhavã
13-Carlos Alves, com a camisola do Carcavelinhos...
14-... e com a do Académico do Porto

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