quinta-feira, dezembro 05, 2013

Figuras do apito (3)... António Palhinhas - O despoletar de uma acesa rivalidade

António Palhinhas
Um pouco por todo o planeta da bola a palavra polémica encontra-se quase sempre acorrentada aos homens do apito. Desde os primórdios do futebol que o árbitro é a figura contestada sempre que algo corre mal para um dos lados em campo, mesmo que por vezes as suas decisões nenhuma interferência tenham tido num empate ou numa derrota comprometedora. Mas pronto, há sempre que arranjar um bode expiatório, e ninguém melhor do que o homem do apito para fazer de vilão no filme do jogo. O futebol português está repleto de vilões no que toca à arbitragem, e desde a sua juventude - no início do século XX - que o jogo viveu largas dezenas de episódios recambulescos.
A nossa figura do apito de hoje é António Palhinhas, uma lenda da arbitragem nacional que fez história no nosso futebol... no bem, e no mal.
Nascido em Setúbal, a 10 de maio de 1904 - como curiosidade sublinhe-se que este cidadão é apenas 11 dias mais velho que a FIFA, fundada a 21 de maio de 1924 - António dos Santos Palhinhas entrou no planeta da bola na qualidade de... jogador! Sabe-se que foi atleta - atuava como médio - do Vitória de Setúbal, tendo feito parte das equipas que disputaram os campeonatos de Portugal das épocas de 1927/28 e de 1928/29, não se conhecendo, contudo, mais registos sobre a carreira futebolística do jogador sadino.
Seria no entanto de apito na boca que ele se tornaria mais conhecido na história do futebol português. Como tantos jogadores daquela altura o fizeram, depois de pendurar as chuteiras enverdou pela carreira de árbitro. Não se sabe bem quando Palhinhas tomou esta decisão, mas presume-se que cedo, pois com 26 anos dirige o seu primeiro jogo oficial. Foi a 19 de abril de 1931, e logo numa das mais imponentes catedrais daquela época, vulgo, o Estádio do Lima, palco onde dirigiu um FC Porto / Casa Pia (2-1), a contar para a primeira mão dos oitavos-de-final do Campeonato de Portugal de 1930/31. Esta seria mesmo uma estreia de sonho para o árbitro sadino, que mais à frente seria nomeado para apitar a final desse mesmo campeonato, entre o Benfica e o FC Porto, duelo realizado em Coimbra - no Campo do Arnado - que os lisboetas venceram por 3-0.

Insígnias da FIFA
Na temporada seguinte apita apenas um jogo (Sporting / Lusitano de Évora) do Campeonato de Portugal, naquela altura a única competição nacional do futebol luso.
Porém, a época de 1932/33 foi uma das melhores da carreira do árbitro António Palhinhas. Apitou quatro encontros do campeonato, inclusive o da final, entre o Belenenses e o Sporting, que os primeiros venceram por 3-1. Mas aquando dessa final, realizada no Estádio do Lumiar, em Lisboa, Palhinhas já era árbitro internacional, estatuto que poucos homens do apito em Portugal haviam até então alcançado. Ele foi mesmo um dos primeiros lusos a receber as insígnias da FIFA, tendo arbitrado o seu primeiro encontro internacional - um amigável - a 21 de maio de 1933. Foi um Espanha / Bulgária, em Sevilha, que os nuestros hermanos venceram por expressivos 13-0, encontro este onde brilharam o médio espanhol Chacho - autor de seis golos - e o mítico guarda-redes Don Ricardo Zamora.
No plano interno Palhinhas continuaria nos anos seguintes a dirigir alguns encontros não só do Campeonato de Portugal como também do Campeonato Nacional da 1ª Divisão, prova que iria ver a luz do dia na temporada de 1934/35, tendo o árbitro de Setúbal apitado dois encontros - o Belenenses / União de Lisboa, e o Belenenses / Benfica - nessa temporada de estreia.

Responsável pela acesa rivalidade entre FC Porto e Benfica?

Lance da polémica meia-final da edição de estria da Taça de Portugal
Mas a carreira de António Palhinhas também ficou marcada por momentos menos positivos. O mais saliente de todos ocorreu na temporada de 1938/39, na qual fez a estreia a Taça de Portugal, prova que sucedeu ao Campeonato de Portugal, que em 37/38 conheceu a sua derradeira edição. Na nova prova tutelada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Palhinhas apitou três encontros, o primeiro deles nos oitavos-de-final, um Benfica / Luso Beja (3-0). Mas a polémica surgiu na segunda mão das meias-finais, quando foi nomeado para dirigir o Benfica / FC Porto. Portistas que na primeira mão, realizada no Lima, haviam vencido por 6-1, e poucos seriam aqueles que duvidavam que a primeira final da taça não iria ter os azuis-e-brancos como um dos convidados principais. Porém, em Lisboa, o impensável aconteceu. Como se já não bastasse o ambiente para lá de hostil onde foram recebidos os jogadores do FC Porto ainda esbarraram contra uma arbitragem muito caseira de António Palhinhas. Influenciado pelo ambiente explosivo das Amoreiras? Quem sabe. O que é certo é que o juíz sadino deu uma mãozinha preciosa para que os encarnados vencessem por 6-0 e assim garantissem presença na final. Reza a lenda que a determinada altura do jogo os dirigentes do FC Porto presentes nas bancadas deram ordens à sua equipa para abandonar o campo em sinal de protesto para com a atuação do árbitro, que entretanto havia expulsado do campo o portuense Reboredo e fazia vista grossa às bárbaras agressões de benfiquistas a portistas.

Academistas festejam a vitória na primeira taça da história
O que é certo é que este jogo menos conseguido de António Palhinhas não influenciou a escolha da FPF quanto ao nome do árbitro para dirigir no Campo das Salésias (Lisboa) a primeira final da Taça de Portugal. Palhinhas, pois claro foi o escolhido, mas com ambos os finalistas - Académica de Coimbra e Benfica - a torcer o nariz quanto a esta decisão. Este descontentamento benfiquista veio dar razão aos protestos do FC Porto: Palhinhas não era de confiança! No entanto, segundo as crónicas da época a final decorreu sem problemas de maior, e a Académica faria no final a festa após um triunfo por 4-3. É caso para dizer que polémica meia-final da taça de 1939 foi uma mancha numa carreira gloriosa, e são muitos aqueles que ainda hoje acusam António Palhinhas de ser o causador da acesa rivalidade entre FC Porto e Benfica, rivalidade essa que terá nascido - na sua verdadeira ascenção da palavra - após esse célebre encontro.
Até 1942, ano em que deu por encerrada a sua carreira, António Palhinhas dirigiu mais alguns encontros das duas competições nacionais - campeonato e taça - e teve ainda tempo para apitar pela segunda vez fora de portas, e novamente um amigável no qual participava a seleção espanhola, que a 15 de março de 1942 derrotava, de novo em Sevilha, a França por 4-0. António Palhinhas faleceu a 11 de dezembro de 1953.

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