quarta-feira, agosto 03, 2022

Histórias do Futebol em Portugal (35)... Cracks de Lamego, o pequeno e único clube do interior a conquistar um título nacional na formação

A equipa dos Cracks de Lamego 
campeã nacional de juvenis em 1978
A história do futebol está repleta de contos de fadas, capítulos onde o frágil "David" derruba contra todas as expectativas o gigante "Golias". Portugal guarda alguns contos no seu historial futebolístico, mas há um que pela áurea inocente, pela pureza da idade, ficou na retina dos apaixonados da modalidade... no que ela tem de melhor. Estávamos em 1978, quando um jovem e desconhecido clube do interior surpreendeu o país da bola e conquistou um título que era exclusivo - e continua a sê-lo volvidos 44 anos  - dos chamados grandes do nosso futebol. O personagem principal desta fábula dá pelo nome de Cracks Clube de Lamego, emblema fundado em 1974, por um empresário local chamado José de Almeida, com a missão de formar jovens para o desporto e para a vida. E foi precisamente através do seu notável trabalho nos escalões de formação que este clube passou nos anos 70 a barreira do anonimato, cotando-se como uma boa escola de futebol, um facto louvável, e a prova provada de que longe dos grandes centros urbanos portugueses também se trabalha bem e se consegue extrair diamantes raros.

Mesmo sem um recinto próprio - nos primeiros anos de existência o clube disputou os seus jogos caseiros no campo de futebol do Liceu Latino Coelho, em Lamego - os Cracks cedo deram mostras de que haviam nascido para ganhar. Logo no primeiro ano de existência das camisolas listadas de vermelho e preto - as cores deste emblema - foram campeões distritais de iniciados da Associação de Futebol de Viseu, ficando em 8º lugar na fase nacional, despertando logo ali a curiosidade da região onde se encontravam inseridos. A fasquia foi elevada no ano seguinte, quando esta mesma equipa de iniciados se qualificou para a final da Taça Nacional - hoje em dia denominado de campeonato nacional - do citado escalão. Encontro decisivo esse que teve lugar em Leiria, sendo que o adversário dava pelo nome de Belenenses. Com talento e muita humildade os desconhecidos Cracks de Lamego estiveram muito perto de colocar o país de boca aberta, já quer deixaram escapar o título nos minutos finais na sequência de uma derrota por 1-2, numa partida em que até estiveram na frente do marcador. Tristes, mas satisfeitos, era este misto de sentimentos que após esta final se fazia sentir no seio do jovem clube, já que marcar presença numa final nacional com apenas dois anos de existência era já um feito extraordinário.

Mas quem pensasse que isto foi mera obra do acaso enganou-se, pois dois anos volvidos esta equipa (agora no escalão de juvenis), mais madura e experiente, mas com a mesma garra, união e humildade, entrou definitivamente na história do futebol português. Mais do que uma equipa, os juvenis dos Cracks de 77/78 eram um grupo muito unido, dentro e fora do campo, já que a esmagadora maioria deles andava na mesma escola, conheciam-se de há muitos anos fora dos retângulos de jogo, sendo que o futebol era só mais uma peça do puzzle que ajudou a fortalecer os laços de amizade entre todos. E o pai desta grande família era também um carola, por assim dizer, alguém que estava no futebol de forma desinteressada, e que se tornou numa figura incontornável da história deste clube. José Marques da Silva, o seu nome, que além de então presidente do clube era o treinador desta talentosa equipa, alguém que aqueles cracks ainda hoje consideram um pai, uma figura que mais do que formar jogadores formou homens.

O troféu de campeão nacional
Ninguém no país, se calhar nem mesmo em Lamego, poderia imaginar o final feliz que a temporada de 1977/78 teve para os Cracks. Pé ante pé a equipa lamecense atingiu uma nova final nacional, desta feita no escalão de juvenis. E tal como dois anos antes, os lamecenses estavam longe de serem favoritos nesta decisão que teve lugar no Estádio 25 de Abril, em Tomar, já que pela frente encontraram outro símbolo do futebol nacional, o Vitória de Setúbal. Comandados por Miguel Gonçalves os sadinos haviam deixado pelo caminho até à final Benfica e Sporting, só para citar os pesos mais pesados, passe a expressão. Porém, da teoria à prática o caminho por vezes é longo e enganador, e os favoritos setubalenses foram vergados pelo (ainda muito) desconhecido Cracks de Lamego, por 1-0. O tento foi da autoria de um dos meninos de ouro - não eram todos ? - daquele grupo, Toni, aos 9 minutos da segunda parte, num excelente golpe de cabeça que deu seguimento a um cruzamento vindo flanco esquerdo do ataque da sua equipa.  

Aquele até então desconhecido emblema do grande público português conquistava o título nacional de juvenis, um feito surpreendente até aos dias de hoje, já que mais nenhum clube de pequena dimensão do interior do país logrou chegar tão longe.

A emoção tomou conta de toda a comitiva de um clube amador, tão amador - na mais pureza da palavra - que uma das histórias que antecede esta final de Tomar atesta esta envolvência pura com o futebol. Reza a história que na chegada à cidade do Rio Nabão a comitiva dos Cracks apercebe-se que não trouxera as meias do seu equipamento oficial, sendo que valeu a boa vontade e gentileza do clube da terra, o União de Tomar, que ostentava as mesmas cores, para que os craques do Cracks, passe a redundância, entrassem em campo para disputar aquela histórica final.

Como já referimos, toda a comitiva dos novos campeões nacionais de juvenis verteu lágrimas de emoção após o apito final, sendo um deles  José Marques da Silva, que nas declarações finais aos jornalistas disse que esta havia sido a vitória da humildade, um triunfo que nas suas palavras premiava o esforço de quatro anos de existência do clube.

Um ângulo da Cidade de Lamego nos anos 70
A cidade de Lamego rejubilou, naturalmente, com esta conquista dos seus meninos, que no regresso a casa foram recebidos como verdadeiros heróis. Lamego parou na receção aos Cracks, naquele histórico 3 de julho de 1978, tendo os campeões nacionais percorrido a cidade a pé, mostrando uma taça que para muitos ainda era um sonho ali estar. Por entre uma multidão em êxtase os campeões seriam recebidos nos Paços do Concelho de Lamego, uma cidade que hoje olha para estes jovens - hoje homens feitos - como imortais. Este título foi um dos primeiros passos para que os Cracks de Lamego se tornassem nos anos/décadas seguintes numa das boas escolas de formação do nosso futebol. Certo que nunca mais conquistaram um título desta dimensão, mas as suas vitrinas estão recheadas de muitas outras dezenas de cetros distritais, além de que catapultaram largas dezenas de jogadores para patamares mais altos no futebol nacional.

Foi precisamente isto o que acontece com os cracks campeões de 1978, que depois deste feito centraram em si os olhares dos tubarões nacionais que foram a Lamego em busca de explorar a verdadeira mina que ali tinha sido descoberta. Álvaro Magalhães é hoje talvez o nome mais sonante daquela histórica equipa campeã nacional, ele que viria após este feito a ser contratado pelo Benfica, onde fez uma brilhante carreira, chegando a internacional (esteve presente no Europeu de 84, por exemplo). Para a Luz viajariam também Toni e José João, ao passo que Henrique Ló e Martinho foram para a Académica. Para a eternidade fica o histórico "onze" que em Tomar fez um pequeno clube da província mostrar que a (tenra) idade e altura (pequena dimensão) não "jogam à bola": Moisés, Martinho, José João (capitão de equipa), Vasco, Duarte, Toni, Henrique Ló, Álvaro Magalhães, Mário, Jorge Eduardo e Telmo.  

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