sexta-feira, julho 08, 2022

Cidades do Futebol (6)... Birmingham: Muito mais do que a terra natal dos Peaky Blinders

Birmingham
Terras há por esse Mundo fora que são hoje famosas por terem servido de berço a criminosos, quadrilhas, ou patifes da pior espécie e que graças ao seu ofício, digamos assim, também eles se tornaram célebres. Mas nenhuma é tão requintada - no que concerne a bandidagem - como Birmingham, graças aos seus... Peaky Blinders. Pelo menos no que à ficção diz respeito, já que na mundialmente aclamada série da Netflix este afamado gangue nascido naquela cidade prima por um estilo e personalidade muito... cool, não se sabendo se os verdadeiros Peaky Blinders eram tão refinados.

Mas perguntar-se-á o ilustre visitante o que tem a ver o célebre gangue com futebol? Alguma coisa terá, mas já lá vamos. Birmingham não é só a terra natal desta organização criminosa, é também o berço de dois emblemas que contribuíram, e muito, para a história do futebol inglês, mais concretamente para a criação de uma liga (campeonato). Na verdade, foi nesta que é a segunda maior urbe de Inglaterra que surgiu a ideia de fundar o mais antigo campeonato de futebol do Mundo, o inglês. Mas não só por isto estes dois símbolos, rivais, e a cidade que os viu nascer merecem um lugar de destaque no Grande Atlas do Futebol Planetário, já que os jogos entre si constituem-se como um dos dérbis mais antigos do Planeta da Bola. É verdade, o dérbi de Birmingham é dos que se joga há mais anos em todo o globo, sendo que o Second City Derby, como ficaram conhecidos os confrontos entre os dois filhos de Birmingham, é considerado o dérbi mais escaldante de Inglaterra!

O dérbi mais escaldante de Inglaterra joga-se em Birmingham

A equipa do Villa que conquistou o primeiro
troféu do clube: a Birmingham Senior Cup
Birmingham pode não ter o mediatismo global - em termos de futebol - de cidades como Londres, Manchester, ou Liverpool, mas tem o dérbi com maior rivalidade de todo o reino de Sua Majestade! Essa é que é essa! Os protagonistas deste duelo são o Aston Villa e o Birmingham City. Nasceram ambos numa época em que o futebol em Inglaterra vivia ainda de uma forma muito desorganizada, isto é, não havia muitos clubes organizados, a Taça de Inglaterra era ainda um bebé e era a única competição em que os poucos emblemas existentes mediam forças. Em suma, era tudo muito novo, e nesse sentido se pode considerar os dois filhos de Birmingham como dos mais antigos - e pioneiros - do futebol em Inglaterra. O primeiro a ver a luz do dia foi o Aston Villa, em 1874, diz-se que no dia 21 de novembro, diz-se, mas sem certezas, já que não há registos escritos desse facto baseado apenas na memória que vai ficando esbatida com o avançar dos anos. Porém, reza a história que numa noite invernal quatro rapazes ligados à equipa de críquete da Capela Wesleyana reuniram-se de forma casual debaixo de um candeeiro a gás na Heathfield Road, falando entre si sobre qual seria a solução para se manterem em atividade (desportiva) nos meses de inverno. E assim nasceu a ideia de fundar um clube alusivo ao novo jogo da Football Association (FA) que dava os primeiros passos no país. Jack Hughes, Frederick Mathews, Walter Price e William Scattergood, foram os quatro rapazes que fundaram então o Aston Villa Football Club. Pouco tempo depois já tinham jogadores suficientes para colocar a sua ideia em prática, pese embora na região não tivessem qualquer oponente, já que, como já o referimos, o football era um jogo muito desorganizado em grande parte de Inglaterra. Talvez por isso só em março do ano seguinte o Villa, como se tornou popularmente conhecido com o passar dos anos, tenha realizado o seu primeiro encontro - de que há memória. E foi contra uma equipa de rugby (!), mais concretamente o Aston Brook St.Mary's, que aceitou defrontar o Villa com uma condição muito peculiar, isto é, que numa das partes o match fosse disputada sob as regras do rugby e fosse usada uma bola oval, e noutra fossem aplicadas as regras do futebol e fosse usada uma bola redonda. E assim se levou por diante este jogo que terminou com a vitória do Aston Villa por 1-0, com o golo a ser apontado por um dos fundadores do clube, Jack Hughes. Reza a história que a bola de futebol usada neste encontro terá custado a módica quantia de 1 Xelim e 6 Pence. Uma pequena fortuna para quem estava a começar. De referir, como curiosidade, que o nome Villa advém da Capela Wesleyan Villa Cross, à qual estava ligado o clube de críquete dos quatro fundadores do Aston Villa.

Aqui começam a entrar os Peaky Blinders!

Os verdadeiros Peaky Blinders
Foi precisamente neste ano de 1875 que nasce na zona de Small Heath, um bairro situado no sudeste de Birmingham, um outro clube, este ligado à igreja, e formado por um grupo de jogadores de críquete da Igreja da Santíssima Trindade, em Bordesley Green. Em homenagem a esta zona habitada pelas classes operárias da cidade, o clube seria batizado de Small Heath Alliance. Em 1943 seria rebatizado de Birmingham City Football Club, tal e qual como o conhecemos hoje. Bom, mas é aqui que entra o célebre gangue dos Peaky Blinders, nascido nos finais do século XIX numa época em que Birmingham estava mergulhada na pobreza devido à revolução industrial, tal como noutras cidades do Reino Unido. O grupo durou até ao final dos anos 30 do século XX, e foi constituído por jovens desempregados, por órfãos, por simples marginais, que se afirmaram socialmente e politicamente através de roubos, contrabando, raptos, apostas ilegais, e manipulações de corridas de cavalos. O grupo liderado por Thomas Gilbert tinha as suas raízes precisamente em Small Heath, mas com o poder que foi conquistado à custa de outros grupos de crimes organizados locais rapidamente se expandiu a outra zonas da região, tornando-se numa espécie de ídolos, ou referência, para outros gangues que foram surgindo na cidade. Small Heath era pois uma zona de extrema pobreza e controlada pelo Peaky Blinders, não se sabendo se o gangue estava diretamente ligado ao clube ali criado. Sabia-se sim que faziam apostas ilegais, de futebol inclusive, e que nos anos seguintes essas apostas contemplavam os jogos em que entravam tanto o Villa como os Blues - como é conhecido o Birmingham City, devido às cores do seu equipamento, predominantemente azul -, e como tal é bem provável que tenham exercido o seu poder (ameaçador) sobre os clubes da cidade para falsear resultados. Talvez. Não se sabe qual o clube concreto que apoiavam, se o Aston Villa, se o Small Heath Alliance, embora na série ficcionada da BBC, e que se encontra na Netflix, há uma referência ao Birmingham City, quando a certa altura no pub frequentado pela família Shelby - que lidera os Peaky Blinders - é dito pela personagem que interpreta o empregado Harry à personagem Grace que os rapazes estão a caminho de Saint Andrews para rezar, ao que Grace pergunta qual o motivo dessa oração, sendo que o barman responde que Saint Andrews é um campo de futebol e que os Blues vão jogar. Os Blues são claramente o Small Heath Alliance, Saint Andrews a casa do Birmingham City desde 1906, e os rapazes são os jogadores e adeptos desta equipa, que na série frequentavam o Garrison, o pub dos Peaky Blinders.
Já no século XXI o Birmingham City aproveitou
a popularidade da série da Netflix para 
associar a si a imagem dos Peaky Blinders
A este propósito, e aproveitando a popularidade planetária da série da Netflix baseada num gangue real, nunca será por demais recordar o facto de o Birmingham City ter respondido afirmativamente, já neste ano de 2022, a um desafio da BBC, após o lançamento da sexta e última temporada da série Peaky Blinders. Ou seja, nas redes sociais da série, surgiu um comunicado endereçado ao Birmingham City que dizia o seguinte: «Temos orgulho do lugar de onde vocês vieram, orgulho de terem crescido nas ruas de paralelepípedos de Small Heath, assim como os Peaky Blinders. Então, é hora de vestir esse orgulho como uma medalha de honra. Neste sábado, vocês devem voltar às suas raízes e tornar-se o Small Heath Alliance uma vez mais. Por ordem dos Peaky Blinders», "Ordem" essa que foi aceite pelos Blues, que no encontro do Championship ante o Huddersfield Town se apresentaram em campo como Small Heath Alliance, sendo que a equipa entrou no relvado ao som da música "Red Right Hand", de Nick Cave, e que é a banda sonora da série Peaky Blinders, além de que os funcionários do clube e alguns adeptos usaram as boinas celebrizadas pelos membros do célebre gangue. Muitos fãs do clube ainda hoje se referem aos Peaky Blinders reais como adeptos do Birmingham City e nunca do Aston Villa, desde logo pelas origens dos Blues, contribuindo assim ainda mais para a acesa rivalidade entre ambos os clubes.

Rivalidade que no campo de batalha, isto é, no retângulo de jogo, aconteceu pela primeira vez em 1879, no reduto do então denominado Small Heath Alliance, em Muntz Street, e que terminou com o resultado de 1-0 para os da casa, sendo que no rescaldo desse primeiro duelo os jogadores do Villa se queixaram dos muitos buracos do terreno de jogo. Só oito mais tarde os dois vizinhos e rivais se voltariam a encontrar, mas desta vez numa partida de caráter oficial, contrariamente à anterior, numa meia-final da FA Cup (Taça de Inglaterra), tendo o Aston Villa vencido por 4-0.

O Villa cresceu mais forte e vitorioso que o seu vizinho

George Ramsey, o responsável pelo
período dourado do Aston Villa
Por esta altura, já fazia parte da equipa do Villa aquele que foi considerado uma das primeiras lendas do clube, George Ramsey. Este escocês, nascido em Glasgow, em 1855, chegou a Birmingham pouco depois da fundação do clube, mais concretamente no inverno de 1876. Ingressou no clube quase por acaso, já que ao assistir a um treino pediu para participar no mesmo, ao que os jogadores do Villa um tanto ao quanto desconfiados lá acederam. Desconfianças que prontamente ficaram dissipadas, já que Ramsey, que no seu país havia tido uma passagem enquanto juvenil pelo Glasgow Rovers, de pronto colocou no campo toda a sua qualidade. Fintas diabólicas, técnica de passe soberba, uma robustez física impressionante, e um conhecimento aprofundado do jogo deixaram os jogadores do Aston Villa de boca aberta perante aquele jovem escocês. Tanto assim foi, que não só o convidaram de pronto a juntar-se ao clube, como lhe deram a honra de se tornar capitão da equipa! Ramsey tornou-se desde logo na estrela principal do emblema, na atração principal dos adeptos que enchiam o Perry Barr - um dos primeiros estádios do Villa - sendo um dos principais responsáveis pela conquista do primeiro título deste clube, a Birmingham Senior Cup, em 1880. Ele implementou um estilo de jogo na equipa, o qual ajudou à conquista de muitos outros títulos, de âmbito nacional, e que fizeram do Villa uma das maiores potências do futebol inglês durante o século XIX. Além de jogador ele foi também dirigente do clube, sendo um dos intermediários que esteve nas negociações para a aquisição dos terrenos, na zona de Aston, onde está hoje em dia implementado o Villa Park, atual estádio dos Villians. Foi de igual modo responsável pela contratação de jogadores para o clube, salientando-se aqui a vinda de Archie Hunter, outro atleta escocês e que cujo o percurso no Villa faz dele ainda hoje uma lenda. Hunter era o capitão de equipa quando o Aston Villa ergueu a sua primeira FA Cup, em 1894. Voltando a Geroge Ramsey, assim que pendurou as chuteiras ele passou para o comando da equipa, na condição de treinador, tendo o clube alcançado sob a sua batuta a maior parte dos seus títulos. Isto é, o campeonato nacional das épocas de 1893/94, 1895/96, 1896/97, 1898/99, 1999/00, e de 1909/10; bem como as FA Cup's das temporadas de 1886/87, 1894/95, 1896/97, 1904/05, 1912/13, e de 1919/20. Em termos números, dos 30 títulos (27 nacionais e 3 internacionais) que o Aston Villa conquistou ao longo dos seus quase 150 anos de história, 18 tiveram a mão de George Ramsey. A sua ligação ao clube durou 59 anos, e ainda hoje o seu legado é visto como a Era Dourada do Aston Villa, já que conquistou 6 dos 7 campeonatos nacionais que o clube ostenta no seu palmarés, e 6 das 7 FA Cup's que tem nas suas vitrinas. É obra. Ramsey faleceu no País de Gales a 7 de outubro de 1935.

Dirigente do Aston Villa idealiza os alicerces da Premier League...

Estátua de William McGregor
no exterior do Villa Park
Nas últimas décadas do século XIX estava também ligado ao clube outro nome histórico, não só deste, como do próprio futebol inglês: William McGregor. Este lendário dirigente do Villa, idealizou o projeto de criar uma liga nacional, isto é, um campeonato nacional, já que até então a única competição existente era a FA Cup. McGregor idealizou a Football League, a atual Premier League, tendo o Aston Villa sido um dos 12 clubes que na temporada de 1888/89 deu o pontapé de saída no campeonato mais antigo do Mundo em termos de clubes.  A rivalidade entre os Villians e os Blues de Birmingham também ao nível de projetos desportivos se fez sentir. Se o Villa, ou neste caso o seu histórico dirigente William McGregor, o Birmingham City - na altura ainda denominado de Small Heath Alliance - procurou criar uma liga concorrente, a Football Alliance. Mas sem sucesso, já que a Football League foi aquela que vingou.

Aqui se percebe também o poderio que o Aston Villa tem na cidade, tornando-se com o passar das décadas no clube mais popular de Birmingham, diríamos a anos luz do rival City. Muito também por causa do pomposo palmarés que o Villa ostenta, em contraponto com o seu vizinho, que em 147 anos de vida só ganhou uma Taça da Liga, conquistada em 1963, à custa do... Aston Villa. Pois é, a final, na altura jogada a duas mãos, foi conquistada ante os eternos rivais, um título que pelo facto de ter sido conquistado contra quem foi valerá, para os adeptos Blues, por todos os 30 que foram arrecadados pelo Villa.

 ... Mas foi o City o primeiro clube de Inglaterra a chegar a uma final europeia

A equipa do Birmingham City que atingiu a final da TCcF de 1960 
perfilada em Camp Nou

Foi precisamente a década de 60 do século passado que pode ser considerado a Era mais importante do City, não só pelo único troféu oficial - e de pompa - vencido, mas porque foi igualmente nestes anos que atingiu duas finais de competições europeias, nesta caso a extinta Taça das Cidades com Feira (TCcF). Na verdade, o City foi o primeiro clube inglês a jogar um competição europeia, em 1955, e o primeiro a jogar uma final continental, em 1960, isto se não considerarmos a seleção de Londres, que atingiu a final da mesma competição europeia dois anos antes, um clube. Em 60 e 61 o Birmingham City jogou duas finais consecutivas da TCcF, na primeira foi derrotado pelo Barcelona, e na segunda pela Roma. O período dourado do City pode ser atribuído a Gil Merrick, que como futebolista representou sempre os Blues, entre 1938 e 1960, tendo a partir daqui até 1964 assumido a pasta de treinador, levando o emblema do seu coração a duas finais europeias e a uma da Taça da Liga, que venceu, como já vimos.

A FA Cup foi roubada! Terão sido os Peaky Blinders?

A turma do Aston Villa que venceu 
a FA Cup de 1895
Mas voltemos à ligação dos Peaky Blinders com o futebol. E nesse sentido viajemos até 1895, ano dourado para as cores do Aston Villa, que vencia a segunda FA Cup da sua história. Birmingham rejubilou com esta conquista do seu (então já) filho mais pródigo. Como forma de mostrar o troféu à sua cidade, o clube acedeu expô-lo numa loja de sapatos no centro a cidade, a pedido do proprietário da mesma. Porém, na noite de 11 de setembro de 1895 a taça foi roubada! O troféu mais cobiçado do país em termos desportivos desapareceu sem deixar qualquer vestígio. A Fooball Association (federação inglesa de futebol), a quem o troféu pertencia, multou o Villa em 25 libras, responsabilizando assim o clube pelo sucedido. O caso permanece até hoje como um mistério, um roubo cujos autores nunca foram descobertos, pese embora muitos apontem o dedo a um certo grupo de crime organizado como os autores do mesmo. Quem são eles? Esses mesmos, os Peaky Blinders. Este roubo aconteceu numa época em que este gangue era bastante ativo no que concerne a grandes roubos na cidade, e daí muita gente ainda hoje acreditar que foram eles os autores deste célebre furto. Como grandes dominadores do crime organizado na cidade não lhes teria sido nada difícil roubar o troféu exposto na vitrina de uma loja que aparentemente não oferecia grandes condições de segurança, pois não podemos esquecer que estávamos em pleno século XIX. A FA Cup conquistada pelo Aston Villa estava nessa loja após um pedido do proprietário, William Shillcock, como já referimos, ele que era visto em Birmingham como um dos mais acérrimos adeptos do Villa. Era esta figura que fornecia as botas (ou chuteiras) com que os jogadores do clube entravam em campo. Mas voltando ao roubo, a polícia da época não conseguiu descortinar o caso, nunca conseguindo intercetar nem o troféu, nem os autores do furto. Este caso constitui-se como um mistério ainda hoje, um mistério que já ganhou contornos de lenda, na verdade.
Thomas Gilbert, o líder dos verdadeiros
Peaky Blinders
Um caso tão lendário que nas décadas seguintes foram muitos os que tentaram assumir as culpas do roubo em busca de notoriedade. Um desses pseudo-autores do crime foi Harry Burge, que 60 anos depois do furto contou a um jornal que ele e mais dois amigos haviam sido os autores do sequestro da taça, dizendo que posteriormente haviam derretido a prata do troféu com a finalidade de fabricar moedas falsas. Esta confissão. contudo, nunca foi levada muito em conta, já que Burge era na altura um velho e miserável presidiário, doente, e que desta forma procurava alguma clemência para sair da prisão onde se encontrava. Mas além disso, o seu depoimento não bateu certo com a realidade, ou seja, Burge contou uma história diferente da que aconteceu. Por exemplo, a sua história não coincidiu com o facto verídico de que os ladrões fizeram um buraco no telhado para entrar na loja. Nesse sentido a sua história é descartada, até que sensivelmente um século após este roubo, uma mulher, de nome Violet Stait, revelou que o seu sogro participou no famoso roubo, pois havia confessado isto ao filho, marido de Violet, pouco antes de morrer. O nome deste individuo era John "Stosher" Stait, famoso criminoso de Birmingham e membro dos... Peaky Blinders. A história terá passado entre gerações da família Stait, sendo que uma das bisnetas de "Stosher" manteve a mesma versão aquando da antecâmara da estreia da série alusiva ao famoso gangue. Estaremos perante a realidade ou a ficção tal como os Peaky Blinders da Netflix? O mistério prevalece até hoje.

Taça dos Campeões Europeus chega a Birmingham pela mão do Villa

Contra todas as previsões, o Villa 
conquistou a Europa em 1982
Foi já referido que o auge do Aston Villa aconteceu no século XIX, período em que o clube conquistou alguns dos títulos mais importantes da sua história, nomeadamente 5 dos seus 7 campeonatos nacionais, e três das suas sete FA Cup's. Dizemos alguns porque no século XX o Villa trouxe para Birmingham o troféu mais pomposo da história do futebol da cidade, a Taça dos Campeões Europeus (TCE). É verdade, o Aston Villa é um dos cinco clubes ingleses que até aos dias de hoje venceu a mais importante competição de clubes a nível planetário, a par do Manchester United, do Liverpool, do Nottingham Forest e do Chelsea. Este facto aconteceu na temporada de 1981/82, um ano após o Villa ter surpreendido a Velha Albion ao vencer a liga inglesa 71 anos depois do último título de campeão nacional. À frente dessa equipa estava o técnico Ron Saunders. Apesar de serem os campeões de Inglaterra, e deste país dominar a seu bel prazer a prova maior da UEFA (entre 1978 e 1981 a Taça dos Campeões morou sempre em Inglaterra), eram poucos aqueles que na Europa acreditavam que o emblema de Birmingham pudesse seguir o exemplo do Liverpool e do Nottingham Forest, os dois clubes que haviam conquistado o troféu nos anos anteriores. Até porque em termos de experiência europeia o Villa só tinha marcado presença em duas edições da Taça UEFA e sem grande sucesso, além de que não tinha jogadores famosos, era uma equipa mediana, e a prova disso é que andou nessa histórica temporada a lutar pela manutenção até bem perto do final. A juntar ao pouco favoritismo a vencer a orelhuda o facto ainda de Ron Saunders se ter demitido em fevereiro por divergências com a administração do clube devido a causas contratuais. No seu lugar ficou o adjunto Tony Barton. O que é certo é que passo a passo o Aston Villa chegou à final da TCE, nesse ano disputada em Roterdão, tendo pela frente o colosso Bayern de Munique. Até chegar à grande final, Barton mantendo-se fiel ao estilo de jogo implementado pelo seu antecessor e mestre, superou com classe a primeira barreira europeia: o poderoso campeão da então União Soviética, o Dínamo de Kiev. Equipa esta que caiu nos quartos-de-final, depois de um nulo na atual capital da Ucrânia e de um triunfo por 2-0 em Villa Park. O derradeiro obstáculo antes da final dava pelo nome de Anderlecht, tão só um dos melhores e mais temidos conjuntos do futebol europeu de então. Um simples golo de Morley, no encontro da primeira mão em solo britânico, garantiu o histórico passaporte para a final de Roterdão, já que um nulo em Bruxelas, na segunda mão (jogo marcado por violentos confrontos entre adeptos das duas equipas), assim o ditou. 

Peter White celebra o golo da final
de Roterdão. O Villa era campeão da Europa!
Mesmo depois desta epopeia o Aston Villa chegava a Roterdão como mero figurante de uma festa que se antevia destinada ao Bayern de Munique, que tinha uma equipa de luxo, com nomes como Klaus Augenthaler, Paul Breitner, Dieter Hoeness, ou Karl-Heinz Rummenigge. Por sua vez, o Villa tinha no avançado Peter White a sua única e grande estrela, sendo os restantes jogadores pouco conhecidos no plano internacional. E se o Villa não era favorito no papel, pior ficou quando nos minutos iniciais da partida viu o seu guarda-redes, Jimmy Rimmer, abandonar o terreno por lesão, tendo sido substituído pelo inexperiente Nigel Spink, de apenas 17 anos, que se viria a revelar fundamental no êxito da sua equipa graças a uma série de defesas magistrais. Porém, ficaria provado que a inexperiência era tudo menos um obstáculo para que o Villa pudesse alcançar o sucesso. Quanto ao encontro de Roterdão, o Bayern até foi mais ofensivo, massacrou em vários momentos da partida, criou as melhores oportunidades de golo, mas já no segundo tempo (ao minuto 67) o goleador Peter Withe passou à condição de imortal ao apontar o único golo daquela tarde/noite, um remate coroado de êxito que deu origem à página mais brilhante da centenária história do Aston Villa.

As catedrais da bola da cidade

Villa Park

Villa Park é a grande catedral do futebol de Birmingham. Esta é a casa do Aston Villa desde 1897, após passagens pela Wilson Road, Aston Park, Lower Aston Grounds Meadow, Wellington Road, e Perry Barr, os recintos por onde o clube deambulou nos seus primeiros anos de vida. Villa Park é por isso um dos estádios mais antigos de Inglaterra e do Mundo, e está situado no norte da cidade. Ao longo da sua centenária história viveu grandes momentos, como por exemplo, o facto de ter acolhido três jogos do Campeonato do Mundo de 1966 - nomeadamente o Argentina - Espanha, o Argentina - República Federal da Alemanha, e o Espanha - República Federal da Alemanha -, de ser palco de quatro desafios que fizeram parte do Campeonato da Europa de 1996 - o Países Baixos - Escócia, o Suíça - Países Baixos, o Escócia - Suíça, e o República Checa - Portugal, o tal do chapéu de Karel Poborsky a Vítor Baía. Além disso, recebeu a final da última edição da Taça dos Vencedores das Taças, em 1999, vencida pela Lazio ao Maiorca. É ademais o recinto que acolheu mais jogos referentes às meias-finais da FA Cup até hoje, 55 para sermos mais precisos.

Um ângulo de Saint Andrews

Mais modesto, é o Saint Andrews, o estádio do Birmingham City, com capacidade para cerca de 30.000 espectadores - ao passo que o Villa Park tem capacidade para cerca de 42.600 - e que fica localizado no bairro de Bordesley, tendo sido erguido em 1906, com a missão de substituir o estádio de Muntz Street, onde o Small Heath Alliance viveu os seus primeiros 31 anos de vida. Apesar de nunca ter recebido nenhum jogo de uma grande competição internacional, contrariamente ao vizinho Villa Park, o Saint Andrews tem a particularidade de ter sido uma "vítima" da 2.ª Grande Guerra Mundial, já que foi alvo de bombardeamentos e parcialmente destruído, tendo sido alvo de melhoramentos, ou reconstrução, só a partir do início dos anos 90.

Um dérbi de Birmingham nos anos 80

Em suma, estas são as casas de dois filhos de Birmingham, muito próximos em termos de idades, mas muito distantes em termos de palmarés, de massa adepta e de ambição, pois se normalmente o Villa joga pelos lugares cimeiros da Premier League, o City atua no segundo escalão do futebol inglês tentando alcançar o topo, e quando lá chega a sua luta é única e exclusivamente para não sair de lá.

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