quinta-feira, maio 27, 2021

Emblemas históricos (15)... Luso Atlético Club

Emblema do Luso Atlético Club

Existem surpresas que nos deixam boquiabertos e ao mesmo tempo deliciados. Esta foi sem dúvida uma delas. No âmbito de uma visita à sala de troféus do Académico Futebol Clube fomos presenteados com um trabalho de investigação que nos levou à descoberta de uma verdadeira relíquia já desaparecida do nosso presente.
Na verdade, trata-se de um emblema que assumiu uma importância de relevo no futebol popular/amador portuense dos anos 20 e 30 do século passado e que hoje não passa de uma quase desconhecida recordação. É nesse sentido que abrimos hoje as nossas portas para lembrar o Luso Atlético Club.
E para contar a história deste hoje extinto clube vamos apoiar-nos na tal prenda que nos foi oferecida, mais concretamente o trabalho académico desenvolvido por Lívio Correia no âmbito do III Congresso de História da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que decorreu  nos dias 13, 14 e 15 de novembro de 2014 na Casa da Prelada (Porto), obra essa intitulada de “António da Silva Moreira – Mecenas do Luso Atlético Club”.

A obra foca precisamente o mentor deste clube constituído a 14 de abril de 1924 num terreno inserido na Quinta do Lima. Foi nesta extensa área agrícola que, recorde-se, o Académico Futebol Clube viria a construir o primeiro grande e amplo estádio do país, o Estádio do Lima.
António da Silva Moreira
Apraz-nos a este propósito recordar um pouco da história deste complexo desportivo, que tem início nos anos 20, uma década em que o fenómeno desportivo fervilhava em todo o país. A este propósito Lívio Correia recorda no trabalho académico que nos veio parar às mãos que «em Portugal uma elite empresarial patrocinava a prática do desporto amador, como terapia de ocupação dos tempos livres, de uma juventude ociosa».
E a nossa história começa um pouco antes, em 1917, quando após a morte de Luzia Joaquina Bruce o testamento desta benfeitora da Cidade do Porto foi aberto e decretado que o seu património – herdado do seu companheiro de vida, o empresário João António Lima – seria doado à Santa Casa da Misericórdia do Porto. Lívio Correia recorda que esta doação foi um processo rocambolesco, que fez correr muita tinta então, mas que em 1923 após a Santa Casa tomar posse deste vasto património, que era constituído pela já referida Quinta do Lima, e ainda por um senhorial palacete situado na Rua de Costa Cabral, denominado de palacete do Lima, arrenda ao Académico FC não só o palacete – onde hoje funciona a sede e se encontra instalada a vistosa sala de troféus deste emblema portuense – mas também o terreno anexo para que ali o clube desenvolvesse a sua prática desportiva. 

É nos terrenos agrícolas da Quinta do Lima que os academistas iriam erguer o majestoso Estádio do Lima, como já vimos, que cedo se manifestou insuficiente para a oferta desportiva na cidade, dada a elevada procura de praticantes interessados nas várias modalidades que ali se podiam desenvolver. É então que em 1924 nasce naquele meio um novo clube, o Luso Atlético Club. Esta associação irá instalar nos terrenos acidentados situados no extremo nascente da Quinta do Lima um eclético terreno de jogos, segundo nos dá conta Lívio Correia, e cuja principal modalidade praticada seria o futebol. Esse campo foi batizado de Campo do Luso. Localizado paralelamente ao Estádio do Lima este recinto nasceu muito pela vontade férrea do grande mentor do Luso Atlético Club, o abastado comerciante portuense António da Silva Moreira.
Nascido a 28 de janeiro de 1876, este filho de abastados lavradores da freguesia de Silva Escura, na Maia, explorou várias empresas ligadas a diversos ramos de atividades comerciais, mas a sua empresa mais importante terá sido um armazém têxtil situado no edifício do Convento da Trindade, no Porto.
Cartão de associado do Luso Atlético Club

Ficou conhecido nos meandros dos negócios como uma pessoa cortês e prestativa, sendo que do ponto de vista pessoal era tido como alguém sempre pronto a ajudar, uma espécie de mecenas. Era uma figura com interesses culturais, sendo um habitual frequentador do cinema Júlio Dinis. Era igualmente um apaixonado pela atividade desportiva, e foi um dos principais incentivadores da prática do desporto amador na cidade em várias modalidades, sendo o futebol uma delas.

Nessa condição financiou um clube amador então existente na urbe portuense, a União Desportiva Lusitana, com sede na sua residência, a Rua Visconde de Setúbal. Tempos mais tarde este clube extinguiu-se para dar então lugar ao Luso Atlético Club.
Desde a nascença que o Luso foi um clube estritamente de cariz popular, virado para o desporto amador, sendo que António da Silva Moreira foi desde o início o seu principal financiador, o seu principal rosto, tendo naturalmente desempenhado o cargo de presidente.  O símbolo do clube reflete a exaltação nacionalista da época ao apresentar uma águia voante enquanto símbolo da moda na heráldica desportiva.
Planta do Campo do Luso

António da Silva Moreira viria a empenhar-se na construção do Campo do Luso, o palco onde o clube desenvolvia toda a sua atividade desportiva, com o futebol como cabeça de cartaz. No belo jogo o Luso Atlético Club atingiu projeção nos escalões secundários do futebol portuense, embora são poucos os registos que retratam a atividade desportiva do clube nos retângulos do jogo.
Equipa do Luso que se sagrou campeã
de reservas da 2.ª divisão da AFP em 32/33
Regista-se porém a temporada de 32/33 quando a equipa foi campeã de reservas da 2.ª divisão da Associação de Futebol do Porto (AFP), sendo que nesta equipa atuavam três dos seis filhos de António da Silva Moreira, nomeadamente Abílio, Ângelo e José. Nos arquivos da AFP encontram-se alguns dados relativamente à atividade do Luso, sabendo-se que esteve filiado neste órgão nas temporadas de 28/29, 29/30, 30/31, 32/33, 33/34, 34/35 e 35/36. Na época de 33/34 competiu com duas equipas na 2.ª divisão do concelho do Porto. Na temporada de 28/29 sabe-se que o Luso cedeu dois jogadores à seleção portuense que competiu no I Porto-Lisboa Promocionário, nomeadamente os atletas Manuel Gomes e Carlos Lima, que contribuíram para o empate final a duas bolas entre os dois combinados distritais. No Campeonato de Promoção dessa época o Luso participou com quatro categorias, tendo sido 1.º classificado na 3.ª e 4.ª categorias. Nesta mesma temporada participou na prova mais importante do futebol nacional de então, o Campeonato de Portugal, tendo sido eliminado pelo Sporting Clube da Cruz, por 1-2, logo na 1.ª eliminatória. 

A época de glória terá sido então vivida em 32/33 quando o Luso foi campeão de reservas da 2.ª divisão da AFP, ficando à frente do Clube Desportivo de Portugal, do Clube Desportivo do Porto, do Estrela e Vigorosa Sport, do Ramaldense Futebol Clube, do Sporting Clube da Cruz e do Majestic Sport Clube. Esta conquista do Luso foi tida uma proeza notável tendo sido inclusive cantada em verso por um adepto do clube, de seu nome Joaquim Matinha.

O complexo habitacional do Luso onde
outrora estava instalado o campo de jogos
Com mais algumas participações nos campeonatos amadores da AFP o Luso Atlético Clube extinguiu-se a 16 de novembro de 1941. Sabe-se pelos jornais da época que além do futebol o clube praticou durante as suas quase duas décadas de vida o basquetebol, não tendo contudo sido filiado na associação que dirige esta modalidade. 
O Luso morreu no início da década de 40, mas o seu campo de jogos viveu durante mais alguns anos, tendo sido utilizado pelo Sport Clube do Porto para a prática de andebol, bem como de outras associações de bairro e funcionários de empresas que ali apuravam o físico. O Campo do Luso com o passar dos anos foi envelhecendo e perdendo atividade, até que a Santa Casa da Misericórdia do Porto mandou erguer naquele espaço um complexo de prédios que deu o nome de Parque Residencial do Luso. E assim o mítico campo desaparecia. Quanto a António da Silva Moreira faleceu a 15 de outubro de 1964, na sua residência situada na Rua Visconde de Setúbal, ao passo que sobre o Luso Atlético Club a sua memória sobrevive hoje muito devido às referidas torres habitacionais que ainda hoje existem nos terrenos onde outrora se exibiu o Campo do Luso. (Nota: Este texto é baseado em factos retirados do referido trabalho de Lívio Correia, “António da Silva Moreira – Mecenas do Luso Atlético Club”). 

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