quinta-feira, fevereiro 28, 2019

Histórias do Futebol em Portugal (25)... A geração de ouro do futebol português nasceu há 30 anos (2.ª parte)


O primeiro onze nacional em Riade
O avião da KLM que transportava oito das 16 seleções participantes – entre as quais Portugal – no Campeonato do Mundo de Sub-20 de 1989 chega a Dahran no dia 13 de fevereiro. As várias delegações foram recebidas em ambiente de festa e debaixo de uma temperatura incómoda de 17 graus. Porém, os flashes e as objetivas das máquinas fotográficas estavam centradas em duas ou três seleções: Nigéria, União Soviética e Brasil, os principais favoritos na bolsa de apostas a vencer prova.
Os próprios jogadores portugueses não eram unânimes na crença de ver Portugal chegar ao título! Só o guarda-redes Fernando Brassard arriscava em colocar a seleção lusa no lugar mais alto do pódio. Premunição? Viria a acertar em cheio!
Dez dos restantes jogadores portugueses colocava Portugal na final com... o Brasil! Era, de facto a final sonhada pela quase totalidade dos atletas, enquanto que cinco deles previam um duelo final entre portugueses e soviéticos, quiçá espreitando uma possível vingança da final do Euro de sub-19 perdida um ano antes. Nesta sondagem aos 18 selecionados portugueses apenas Hélio, Tozé e Xavier se inclinavam para uma final entre Brasil e União Soviética.  
Após a calorosa receção em Dahran a seleção portuguesa seguiu de autocarro até Riade, onde iria integrar juntamente com a seleção da casa, a Nigéria e a Checoslováquia o Grupo A da competição.

Dupla suspeita no arranque da competição

Os "elefantes" nigerianos em Riade
Ainda antes do arranque da competição, no dia 17, a polémica instalou-se em torno dos nigerianos, grandes favoritos à vitória no campeonato. E tudo por causa das idades dos seus atletas.
Suspeitas levantaram-se quanto à verdadeira idade dos africanos, na casa entre os 16 e os 19 anos, mas que na verdade... pareciam ter bem mais do que isso! Inclusive os nigerianos haviam inscrito um atleta, Peter Ogaba, que no Bilhete de Identidade dizia ter 14 anos (!), mas cuja aparência robusta indicava ter no mínimo o dobro!
Na tentativa de retirar os holofotes da suspeita da sua seleção, o treinador nigeriano, Olatunde Disu, questionou os jornalistas da seguinte forma: «Vocês já os viram (aos jogadores nigerianos) comer? São uns elefantes, comem comem, comem e estão sempre cheios de fome!».

Estádio King Fahd
Com a “pulga atrás da orelha” estavam também os portugueses relativamente ao árbitro brasileiro José Wright. Com fama de durão este professor do Rio de Janeiro havia sido nomeado pela FIFA para dirigir dois encontros (!) de Portugal nesta fase de grupos. Estaria o organismo máximo a preparar um cozinhado para afastar os portugueses da fase seguinte? A suspeita pairou no ar... mas não se veio a confirmar, como veremos mais à frente.
Mas nem tudo eram espinhos neste pontapé de saída do Mundial. As delegações que marcaram presença na Arábia ficaram desde logo deslumbradas com a imponência e beleza do Estádio King Fahd, em Riade, um recinto de fascinante arquitetura, inaugurado um ano antes e que se assemelhava... a um oásis no meio do deserto!
E eis que chega a hora de a seleção nacional pisar oficialmente o relvado desta maravilha arquitetónica perante a Checoslováquia.

Serviços mínimos chegaram para vencer na estreia

Talvez afetados pelo peso da responsabilidade da estreia na competição, Portugal e Checoslováquia não ofereceram um bom espetáculo ao público saudita. A juntar a esse nervosismo típico dos jogos de estreia em fases finais, os portugueses viram-se a braços com o azar, que lhes bateu à porta logo ao sexto minuto da partida, quando Jorge Couto é obrigado a sair do campo por lesão.
Depois deste infortúnio a seleção nacional levou tempo a soltar-se e a mostrar o seu real valor e a vitória só seria conquistada a dois minutos do fim graças a um soberbo golo de Paulo Alves. A Bola escrevia que «com alguns portugueses na bancada que juntamente com os sauditas apoiaram a seleção, esta foi em suma uma partida tática e conservadora que só conheceu fases de interesse na segunda parte».

Entrada com o pé direito festejada efusivamente
Na crónica de um jogo que teve muitas paragens, o enviado especial do jornal da Travessa da Queimada escrevia que «aos dois minutos Filipe teve a oportunidade de abrir o marcador, mas usou o pé frouxo, o direito. Estava dado o mote para o que seria a exibição portuguesa, marcada pelo fatalismo. Aos seis minutos lesão de Jorge Couto, facto que destabilizou um pouco a equipa (…) sobretudo em termos ofensivos. Numa primeira parte frouxa, Portugal viveu muito encolhido no seu meio campo (…) faltava quem explodisse e desse mais profundidade ao meio campo (…) Também a Checoslováquia arriscou muito pouco (…) tiveram muito respeito pelos portugueses, que tinham visto no ano transato no seu país (no âmbito do Campeonato da Europa de sub-19).
O facto de os checoslovacos terem jogado com cautelas serviu os interesses de Portugal. Queiroz percebe que não pode continuar no impasse. Portugal era uma equipa compacta mas pouco explosiva. Faz entrar João Pinto e o jogo mudou. Entrou para a posição intermédia, entre o meio campo e o ataque, e a equipa portuguesa ganhou maior mobilidade. Portugal passava a atacar com mais unidades: João Pinto, Sousa, Resende e Paulo Alves.
A seleção passou a jogar com mais uma unidade na frente o que fez aumentar consideravelmente a sua sedução pelo ataque. Os portugueses começavam a soltar-se e a dar uma ideia mais aproximada do seu valor. (Por sua vez) Os checoslovacos contra-atacavam com algum perigo mas sempre com pouca audácia. Os últimos 20 minutos dos portugueses foram muito aceitáveis (…) e veio o golão de Paulo Alves e a certeza de que Portugal mesmo sem ter feito uma exibição bonita acabou por cumprir a sua função.
O árbitro brasileiro Wright também a cumpriu: foi imparcial».

Quanto ao árbitro estavam, aparentemente dissipadas as suspeitas iniciais dos portugueses, que neste primeiro jogo se puderam dar por mais felizes com o resultado do que com a exibição.
Para recordar (eternamente) também o golaço milagroso de Paulo Alves: numa jogada desenvolvida no lado direito e protagonizada por Abel Silva em que este conseguiu, já numa zona já adiantada do terreno, vencer a oposição de um adversário, cruzando depois para o interior da área contrária, onde apareceu Paulo Alves que saltando muito bem arrancou um “tiro” de cabeça para o fundo da baliza de Juraka.
Para Carlos Queiroz, «as duas equipas devem sentir-se orgulhosas porque lutaram muito, com imensa coragem. Devo reconhecer que Portugal não jogou bem na 1.ª parte, não jogou um futebol bonito, mais de acordo com aquilo que lhe é habitual. No segundo tempo a equipa pôde jogar muito melhor», disse o técnico que não escondeu a felicidade de ver a sua equipa entrar com o pé direito no Mundial.
No plano individual, Bizarro fez esquecer Vítor Baía e Paulo Madeira esteve imperial na defesa. Notas soltas de uma exibição... assim assim.
Neste primeiro jogo a equipa lusa alinhou com: (12) Bizarro; (2) Abel Silva, (10) Paulo Madeira, (15) Valido e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio e (11) Filipe ( (14) João Pinto, ao intervalo); (6) Jorge Couto ( (4) Paulo Sousa, aos 7m), (3) Paulo Alves e (13) Resende.

Magia de João Pinto eclipsou arrogância nigeriana

O onze inicial que venceu categoricamente a Nigéria
Três dias depois Portugal volta a entrar em ação neste Mundial de 89, desta feita ante a super favorita ao trono do futebol de formação, a Nigéria.
Vindos igualmente de uma vitória mínima (2-1) no jogo de estreia ante os anfitriões da Arábia Saudita, os nigerianos continuavam a espalhar excesso de... confiança de que o título mundial dificilmente lhes iria escapar.
Esta atitude, de certa maneira arrogante, acabou por beneficiar Portugal, que neste jogo realizou a melhor exibição na 1.ª fase. Enquanto os nigerianos desfilavam nas areias do deserto como se fossem as maiores estrelas deste Mundial, Carlos Queiroz preparava uma revolução tática na seleção nacional que... trocou às voltas aos africanos.
Desde logo alterou o esquema tático, passado do habitual 4-3-3 para um 4-4-2. Para fazer companhia a Paulo Alves na frente de ataque luso, Queiroz lançou João Pinto, uma aposta que se viria a revelar mais do que acertada! Mas as mexidas no tabuleiro nacional não se ficaram por aqui. Paulo Madeira foi colocado a lateral direito, Fernando Couto entrou para o eixo da defesa, Abel Silva passou para médio direito e Xavier entrou para a meia esquerda.
«Com isto, Portugal reforçou a sua capacidade defensiva e o seu poder de resistência ao choque», disse o jornalista Rui Santos na análise ao que seria a segunda vitória lusa no torneio.  

João Pinto prisioneiro de dois árabes
Mais do que o triunfo e o consequente apuramento para os quartos-de-final este jogo deu a Portugal uma estrela! João Pinto – ou João Viera Pinto, como viria a ser diferenciado anos mais tarde para não ser confundido com outros “joões pintos” desta vida.
Para A Bola, o jovem astro do Boavista «abria uma nova era no futebol português, através do seu futebol de grande qualidade que se plasma dentro e fora das grandes áreas». Estava encontrado o sucessor de Paulo Futre no trono de rei do futebol lusitano.
Na crónica do jogo, A Bola escrevia que «ao atirar para o campo uma formação robusta para poder suportar o primeiro impacto ditado pelos nigerianos, Queiroz e Vingada acertaram no 20,como se costuma dizer.
Bela lição de estratégia que deram. E não se ficou por aqui. Quando Paulo Alves se lesionou nos lances iniciais da partida, pensou-se que Portugal pudesse perder sedução pela finalização. Os professores tornearam a questão de forma inteligente, fazendo adiantar Xavier, jogador de grande porte, para a zona dos centrais contrários. Cumprida a missão de suster o impacto inicial dos africanos a missão de Portugal mudou no segundo tempo. Xavier recuou para o meio campo e Folha entrou para o ataque. A ideia era esta: já levaram com uma dose de músculo, agora levem com uma dose de imaginação. Folha foi a inteligência dinâmica dos portugueses. Ficou percetível que o futebol força dos africanos foi insuficiente perante a sólida estrutura de Portugal e do seu futebol imaginativo. E com as expulsões de dois nigerianos tudo ficou mais fácil (…) O caminho da vitória foi desbravado com muita inteligência».

Mas a nota artística foi mesmo para João Pinto, cuja mágica criatividade derrubou os nigerianos à passagem do minuto 80. Na sequência de um centro de Morgado, no lado esquerdo, Hélio cabeceou na direção do novo menino de ouro do futebol português, que por sua vez dominou o esférico com o peito e na sua trajetória descendente aplicou-lhe um pontapé forte e certeiro para o fundo da rede de Ikeji.
Portugal jogou com: (12) Bizarro; (15) Valido), (10) Paulo Madeira), (16) Fernando Couto e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio, (2) Abel Silva ( (17) Folha, ao intervalo) e (9) Xavier; (14) João Pinto e (3) Paulo Alves ( (11) Filipe, aos 25m).    

Descontração geral acabou em goleada

João Pinto, Abel e Bizarro
Com o apuramento no bolso a seleção nacional entrou no relvado do King Fahd Stadium sem a pressão de ter de pontuar no derradeiro jogo do grupo, diante da frágil Arábia Saudita, que somava duas derrotas e já estava matematicamente eliminada.
Frágil nas aparências, porque na realidade a equipa orientada pelo brasileiro José Roberto Ávila foi um osso duro de roer para os pupilos de Queiroz. E assim o foi muito por culpa da postura demasiado desinibida dos tugas... e das areias do deserto que pairavam sobre o relvado. Uma forte rajada de vento que se fez sentir na hora do encontro, levou uma nuvem de areia do deserto para o interior do estádio, facto de que se queixaram os portugueses. Mas, na verdade, o que lhes atirou o maior volume de areia para os olhos foi mesmo a seleção local, conforme explicou o jornalista Rui Santos. «A equipa portuguesa convenceu-se de que após bater a Checoslováquia e a Nigéria tinha direito a um dia de folga (…) Os jogadores portugueses nem sequer tentaram resolvera a partida nos minutos iniciais para depois gerirem a vantagem (…) muita lentidão caraterizou toda a primeira parte, mas a equipa portuguesa podia ser lenta e ao mesmo tempo rigorosa, mas não foi. Durante muito tempo Portugal lá foi empastelando o jogo até ao meio campo, mas a partir daí parece que a equipa estava condenada a perder a bola.

A falta de rigor no passe foi quase escandalosa. Passes errados atrás de passes errados numa desafinação completa. Sousa esteve infeliz, quando tentava transportar a bola perdia-a sistematicamente para os adversários. Lenta e sem rigor no passe a equipa nacional foi perdendo o controlo do jogo. As areias do deserto parecem ter cegado a equipa que nunca fez uma jogada com cabeça, tronco e membros. Houve uma desertificação do conjunto nacional. Poucas bolas divididas foram ganhas, não houve um pique nem uma bola colocada nas costas da defesa saudita (…) Surgiu o primeiro golo, o jogador recebeu a bola na direita, disparou forte e também para o lado direito de bizarro que se encontrava mal posicionado entre os potes.
Portugal não tinha razões nenhumas para se queixar. Consentiu o agigantamento da Arábia. Queiroz decide colocar Folha na direita e o portista através do seu atrevimento transmitiu uma centelha de atrevimento ao futebol da equipa portuguesa. Até João Pinto não atinava. (…) Acontece então o segundo golo e Portugal revela-se impotente para reagir. (...) Em resumo, Portugal disse ontem um redondo não ao bom futebol depois de uma exibição inteligente e eloquente ante a Nigéria».

Nem João Pinto valeu a Portugal
diante dos árabes
No final da partida, em que a Arábia Saudita venceu por 3-0, Carlos Queiroz reconheceu que «entrámos a pensar que éramos os reis disto. A minha equipa não produziu um bom jogo, perdeu o controlo da partida na primeira parte, pareceu sempre cansada e perdeu mobilidade no ataque. Foi um dia negro para a nossa equipa mas experimentem respirar durante10 minutos aquela areia e verão (…) os meus jogadores não conseguiam respirar (…). Que esta derrota seja uma lição para os nossos jogadores».
Para o guarda-redes Bizarro, a seleção concedeu muitos espaços aos sauditas, ao passo que para Valido a culpa da derrota «foi de todos». Por seu turno, Folha queixou-se do vento forte que se fez sentir.
Como consequência da derrota, Portugal continuou instalado em Riade, já que no outro jogo do grupo o empate dos nigerianos a 18 minutos do fim ditou que os africanos iriam fazer as malas para Damman, onde iriam defrontar a União Soviética. Do mal o menos para o conjunto português, até porque Riade seria cidade talismã.
Ante a Arábia Saudita, os portugueses jogaram com: (12) Bizarro; (15) Valido), (10) Paulo Madeira), (16) Fernando Couto e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio, (9) Xavier, (4) Paulo Sousa ( (17) Folha, aos 54m) e (13) Resende ( (3) Paulo Alves, ao intervalo); (14) João Pinto.

(continua)

Vídeos:


PORTUGAL - CHECOSLOVÁQUIA: 1-0


PORTUGAL - NIGÉRIA: 1-0


PORTUGAL - ARÁBIA SAUDITA: 0-3

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