A entrada das equipas no relvado do Bessa |
E
neste último aspeto o Boavistão
começa a chamar à atenção da Europa do futebol no início da década de 80, pese
embora a estreia internacional se tenha dado nos anos 70, mas sem grandes
feitos dignos de registo, a não ser uma vitória caseira diante da Lázio de Roma
em 1977. E se hoje em dia muitos boavisteiros recordam como pontos altos do seu
clube em termos de eurotaças a
chegada às meias-finais da Taça UEFA de 2002/03, ou a eliminação do poderoso
Inter de Milão na mesma prova mas na temporada de 1991/92, outros talvez
destaquem a expressiva vitória por 4-1 sobre o Atlético de Madrid na época de
1981/82 como o início da saga do Boavistão
europeu, o princípio da afirmação europeia dos axadrezados. E é sobre esse
célebre encontro alusivo à edição de 81/82 da Taça UEFA que vamos aqui recordar
hoje na vitrina dedicada aos Jogos Memoráveis.
A equipa do Boavista na temporada de 1981/82 |
O Boavista surgiu nesta competição fruto do 4.º lugar alcançado na temporada anterior no principal escalão do futebol português. O histórico capitão Manuel Barbosa comandava em campo um plantel onde não faltavam craques que davam uma alma guerreira aquele Boavistão, como Matos, Queiró, Vital, Aílton, Palhares, Eliseu, Jorge Silva, Almeidinha, ou Diamantino Miranda. Mário Lino era o homem que desde o banco comandava este grupo de homens que fazia do Boavista uma belíssima equipa. Porém, e na teoria, a sorte nada quis com os portugueses no sorteio da 1.ª eliminatória da Taça UEFA de 81/82, já que pela frente se depararam com o Atlético de Madrid, uma das grandes e mais experientes equipas não só de Espanha como também do Velho Continente.
Colchoneros que tinham
nomes sonantes do futebol planetário nas suas fileiras, desde logo Dirceu, um
médio internacional brasileiro que havia estado nos Mundiais de 1974 e de 1978,
e haveria ainda de marcar presença no Espanha 82, e que ao longo da sua
carreira fez mais de 40 jogos com a camisola do escrete. Mas havia ainda outro jovem promissor jogador neste
conjunto de Madrid, um verdadeiro matador
no que toca a fuzilar guarda-redes, e
que esta época fazia a sua estreia no futebol europeu. O seu nome era (e é) Hugo
Sanchez, esse mesmo, o lendário avançado mexicano que brilharia, sobretudo, com
a camisola do grande rival do Atléti,
o Real Madrid, anos mais tarde.
O plantel poderoso Atlético de Madrid em 81/82 |
Boavista que não era propriamente um novato nestas andanças das competições europeias, pois esta era já a sua sétima presença na Europa do futebol, pese embora sem grande sucesso nas presenças anteriores, a não ser a tal vitória sobre a Lázio no Bessa, por 1-0, mas que na capital romana rapidamente perdeu pujança após a goleada dos laziale no encontro da segunda mão, por 5-0. Mas desta vez tudo seria diferente.
"O
Boavista eclipsou das estrelas", era este o título do jornal A Bola no rescaldo do duelo de 16 de
setembro de 1981, a contar para a 1.ª mão da eliminatória.
Pela
pena de Fernando Vaz, a Bíblia do Desporto
escrevia que esta havia sido «uma
indiscutível vitória por 4-1 sobre o Atlético de Madrid ficará nos anais do
Bessa». E ficou!
Ficou
na retina dos mais de 20.000 que nessa tarde lotaram por completo o Estádio do
Bessa como um dos mais memoráveis espetáculos futebolísticos que aquele recinto
viveu ao longo da sua existência. Um espetáculo ao qual nem a claque do vizinho
e rival FC Porto faltou, já que os Dragões
Azuis fizeram questão de marcar presença nas bancadas para apoiar os axadrezados!
Outros tempos.
E
não foi só o resultado e a exibição que foram épicos, pois o Boavista obteve
nesta partida a sua maior receita monetária até então num jogo de futebol
realizado no seu reduto. Os portuenses arrecadaram uma verba de cerca de 4000
contos, na moeda antiga, o equivalente, nos dias de hoje, a 20.000 euros, tendo
em conta que o bilhete mais caro custava 500 escudos (2,5 euros).
Manchete do jornal A Bola a dar nota do feito histórico |
Palhares |
Fernando
Vaz acrescentava a esta sua leitura daquilo o que foi o encontro que era de
toda a justiça sublinhar o contributo de 99,9% de Mário Lino «neste memorável triunfo do Boavista sobre o
poderoso Atlético de Madrid. Psicológica e tacticamente teve duas jogadas de
mestre: na primeira, Mário Lino fez a sua equipa acreditar numa verdade comezinha do futebol, que se prende
com a forma dos jogadores; na segunda as alterações que introduziu na equipa:
foram substituições que revelam competência e a máxima capacidade. O técnico
axadrezado apostou forte e ganhou (...)».
Um lance do jogo |
No
que concerne ao filme dos golos, o
primeiro da épica tarde surgiu por intermédio de Vital, aos seis minutos, a concluir de cabeça um
passe primoroso de Palhares. Aos 17 minutos a avalanche boavisteira voltou a
fazer estragos na defesa colchonera,
com Jorge Silva a fazer com um remate fulgurante de cabeça o 2-0 a passe do
médio Aílton.
Após
o descanso, aos 62 minutos, os espanhóis marcaram por intermédio de Pedro
Parlo, a aproveitar um passe pouco preciso de Artur a Paulo César. Diamantino,
aos 75 minutos, apontou, com um remate em arco, o terceiro tento do Boavista, e
aos 79 minutos Palhares encerrou o marcador com um belo golo de cabeça, na
sequência de um passe de Aílton.
Com
esta vitória as panteras que
evoluíram no relvado estavam mais próximas de agarrar os 15 contos de prémio
que a direção axadrezada havia estipulado no início da temporada, caso o clube
passasse a 1.ª eliminatória desta Taça UEFA 81/82, facto que se viria a
confirmar 15 dias depois, quando em Madrid o Boavista perdeu por 1-3 e avançou
para a ronda seguinte.
Mário Lino |
Também o capitão boavisteiro Artur prestou declarações à reportagem de A Bola, mostrava-se um pouco mordaz para com o técnico e alguns dirigentes do Atlético de Madrid pela forma como tinham abordado este encontro. «Penso que o Boavista se encontrou (o que não vinha a acontecer nestes últimos jogos), talvez devido às afirmações do treinador e de alguns dirigentes do Atlético de Madrid, que procuraram menosprezar o nosso valor. Não digo que com 4-1 a eliminatória esteja ganha, mas parece-me ser já uma vantagem confortável».
Dirceu |
Carriega não foi o único a dar algumas bicadas ao árbitro inglês, já que também o avançado argentino Ruben Cano afirmaria no final que «o árbitro teve multa influência no jogo, já que o seu trabalho foi francamente desastroso e prejudicial para a minha equipa». Mas nem tudo foram desculpas de mau perdedor, digamos assim, já que para o craque brasileiro Dirceu, a estrela maior daquele Atlético, «esta não é a verdadeira equipa do Atlético de Madrid. E o Boavista foi excepcional. Devo, porém, acrescentar que não se pode admitir no futebol de hoje, na Europa e na América, que dos quatro golos sofridos três tenham sido mascados de cabeça».
A
ficha técnica deste épico encontro foi a seguinte:
Estádio
do Bessa, no Porto.
Árbitro: John Hunting, auxiliado por John Deaki e por Ray
Dallister.
Boavista:
Matos; Queiró, Paulo César, Artur e Cacheira; Manuel Barbosa, Eliseu e Aílton; Jorge Silva, Vital e Palhares. Suplentes:
Nunes, Adão, António Barbosa, Coelho e Diamantino. Treinador: Mário Lino.
Substituições:
Aos 68 minutos Diamantino rendeu Vital; aos 72 minutos Manuel Barbosa sai
substituído por António Barbosa.
Ação
disciplinar: Aos 43 minutos Paulo César foi punido com cartão amarelo por jogo
perigoso.
Atlético
de Madrid: Navarro; Sierra, Arteche, Balbino e Júlio Alberto; Ruiz, Marcos e
Quique; Ruben Cano, Dirceu e Pedro Pablo. Suplentes: Aquinava, Juanito, Mingues,
Hugo Sanchez e Rubio. Treinador: Luis Carriega.
Substituições:
Aos 76 minutos Hugo Sanchez rendeu Ruben Cano.
Ação
disciplinar: Aos 55 minutos Balbino foi punido com o amarelo por jogo perigoso,
a aos 77 minutos Júlio Alberto sofreu idêntico castigo.
ENTREVISTA COM COELHO
«Depois desse jogo já começaram a ter mais respeito pelo Boavista e... pelas camisolas esquisitas»
Coelho |
Museu Virtual do Futebol (MVF): O Atlético era um dos grandes gigantes do futebol espanhol de então e nesse sentido como é que o grupo/plantel reagiu quando soube que ia defrontar o colosso madrileno aquando do sorteio das provas europeias?
Coelho (C): Aquando do
sorteio claro que ficámos um pouco apreensivos, já que o Atlético de Madrid era,
e é, um colosso do futebol Mundial. Mas reagimos com muita naturalidade e com
muita calma.
MVF: Nos dias que antecederam o encontro do Bessa, como é que o Mário Lino trabalhou a vossa mente no sentido de contrariar o teórico favoritismo dos espanhóis?
C: Claro que na
semana que antecedeu o jogo a vontade de jogar era muita, mas nesses jogos a
motivação já é muito grande por natureza, o treinador só teve que treinar o aspeto tático.
Hugo Sanchez |
C: O Atlético já
nessa altura era dos melhores de Espanha e da Europa e valia pelo seu todo, mas
eu admirava muito o Hugo Sanchez.
MVF: Não participou do jogo mas viu do banco a uma exibição épica dos seus colegas. Conte-nos como viveu o encontro e como o viu?
C: Sabe que nestes
jogos todos queremos dar nosso contributo, nesta eliminatória eu em casa não
joguei, mas no banco sofre-se mais. Mas foi espetacular ganhar esse jogo, que
foi uma excelente exibição de toda a equipa do Boavistão.
MVF: Como é que se sentiu em não poder dar o contributo à equipa numa jogo tão importante e mediático como aquele?
C: Normal. A equipa
esteve excelente e todos deram o seu melhor e não foi por não querer jogar, mas
por opção do mister que eu sempre respeitei.
MVF: O ambiente no Bessa nessa tarde também foi fantástico...
C: Recordo que o velhinho
Estádio do Bessa estava a arrebentar pelas costuras e era excelente jogar ali, já
que os sócios ficavam quase em cima do retângulo de jogo e sempre a puxar pela
equipa.
MVF: Como é que o grupo viveu esta vitória não só no pós jogo como nos dias seguintes?
C: Celebrámos como
é normal nas vitórias, e esta então foi diferente porque ganhámos a quem nos
apelidou como a equipa das "camisolas esquisitas", mas sabíamos que
ainda tínhamos a segunda mão e que não seria fácil, e que no sábado seguinte já
tínhamos outro jogo e que depois da euforia tínhamos que colocar os pés no chão
e continuar a nossa caminhada.
MVF: Depois desta retumbante vitória por 4-1 sentiram que a eliminatória estava resolvida ou ainda haviam de sofrer no jogo da segunda mão?
C: Como já referi
atrás sabíamos e nada estava definido , e passámos um mau bocado em Madrid.
MVF: Na 2.ª mão já deu o contributo à equipa (nota: entrou na segunda parte), do que se lembra do jogo de Madrid?
C: Lembro que foi
muito difícil, num minuto estávamos dentro da eliminatória, como no momento
seguinte estávamos fora. Foi muito complicado e o Atlético fez um grande jogo
ao nível da 1.ª mão do Boavistão.
MVF: Na sua opinião, acha que foi com a eliminação do Atlético de Madrid que nasceu o célebre Boavistão europeu?
C: Acredito que depois desse jogo o Boavista foi visto com outros olhos sim, já começaram a ter mais respeito pelo Boavista e... pelas camisolas esquisitas.
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