sexta-feira, janeiro 07, 2022

Arquivos do Futebol Português (20)...


Com a criação da Associação de Futebol do Porto (AFP), em 1912, ficou desde logo ciente a necessidade da criação de uma prova chancelada por este organismo que conferisse um carater mais oficial, digamos assim, ao futebol que era jogado na Cidade Invicta. Claro que na altura era já disputada a Taça José Monteiro da Costa, que foi o primeiro campeonato, por assim dizer, realizado a norte do Rio Mondego, mas era um certame organizado por um clube, no caso o Football Club do Porto, e com a fundação da AFP urgia criar-se um campeonato regional à semelhança do que já acontecia na capital. 

É então que na temporada de 1913/14 acontece a primeira edição do Campeonato Regional do Porto, cujo pontapé de saída que seria dado a 4 de janeiro de 1914, no Campo do Bessa, a casa do Boavista, um dos emblemas que participou nessa edição inaugural a par dos vizinhos do FC Porto e do Leixões. Portistas que ao que parece estavam mais interessados em reconquistar o título de campeões na sua Taça José Monteiro da Costa do que no recém criado campeonato portuense, sendo que nesse jogo, realizado no Campo do Bessa, atuaram desfalcadíssimos de alguns dos seus melhores jogadores. FC Porto que, e abra-se aqui um parêntese, venceu a Monteiro da Costa desta temporada, numa final disputada em Coimbra, com a Académica, desforrando-se assim da surpreendente derrota com os estudantes na época anterior. Mas voltando ao primeiro encontro do Campeonato Regional do Porto, para referir que no Campo do Bessa os portistas evoluíram com um misto composto por habituais titulares e reservistas. Rezam no entanto as crónicas de então que apesar de «atuar desfalcadíssimo (o FC Porto) dominou a contenda, mas a falta de remate não lhe permitiu obter resultado favorável». A falta de remate e a tarde de verdadeira inspiração de... Cecil Wright, o inglês que os portistas cederam gentilmente aos boavisteiros, que ao que dizem fez intervenções... impossíveis, quiçá tentando mostrar - com algum sentimento de revolta à mistura - à casa mãe o erro que esta tinha cometido em autorizar a sua dispensa. Com a sua baliza bem segura e com um meio campo muito bem organizado sob a batuta de outro inglês, nesta caso Pye, o Boavista venceu o eterno rival por 2-1, dando assim o primeiro passo de uma caminhada que haveria de ser de glória.


Ainda longe de envergaram o tradicional - equipamento - xadrez  que os iria tornar populares não só em território nacional como em diversas paragens além fronteiras, os boavisteiros - que na época usavam camisola preta, calção branco, e meia preta (como mostra a primeira fotografia deste texto) - voltariam a entrar em campo no Regional da AFP a 25 de janeiro, dia em que receberam o frágil Leixões, a julgar pelo resultado de 9-0 com que os matosinhenses saíram do Bessa. Leixões que a 9 de fevereiro vendeu cara a derrota - caseira - diante do FC Porto por 2-3, fazendo desta forma com que o desafio alusivo à 4ª jornada, a realizar no Campo da Constituição entre portistas e boavisteiros, tivesse contornos de final, já que uma vitória - ou empate - dos visitantes dava-lhes praticamente o título de campeões, ao passo que um triunfo azul e branco relançava o interesse em redor da prova. O reduto do FC Porto encheu para presenciar o duelo do título, realizado a 1 de março, e ao que dizem as crónicas «renhido do princípio ao fim por duas equipas muito iguais». Os golos surgiram apenas na segunda parte, sendo o primeiro da autoria do boavisteiro Fernandes, na sequência de um pontapé de canto. Os portistas restabeleceram a igualdade por intermédio de Charles Allwood, não conseguindo traduzir em mais golos as suas restantes incursões à baliza de Cecil Wright, que mais uma vez foi a figura do jogo (!) ao defender quase tudo o que havia para defender. O guarda-redes do FC Porto emprestado ao Boavista segurou a preciosa igualdade a uma bola com que o jogo findou, e praticamente selou as contas do campeonato, que a 5 de abril encerraria com a definitiva consagração boavisteira no terreno do Leixões, traduzida em mais uma vitória - por números no entanto desconhecidos.


Com 7 pontos somados - contra apenas 5 do FC Porto - e um impressionante registo de 22 golos apontados e apenas dois sofridos o Boavista escrevia assim a sua primeira página de glória pela mão de imortais como Cecil Wright, A.Valente, Camposo, H. Valente, Nunes, Pye, Alvedos, Vasconcelos, Bastos, Reid, e Fernandes, os 11 heróis do título.

Contudo, a hegemonia dos campeonatos regionais do Porto pertenceria ao FC Porto, que, ao longo das 37 edições da prova, conquistou 33 títulos.

Primeira vitória de uma equipa portuguesa sobre um conjunto oriundo de Inglaterra

A sul pouco ou nada de novo a assinalar, a não ser a revalidação do título de campeão regional por parte do Benfica, pela terceira vez consecutiva, levando a melhor sobre CIF, Sporting, Cruz Quebrada, Lisboa FC e Império.

Contudo, há um facto a salientar nesta temporada no futebol lisboeta, ou seja, a vitória do Benfica sobre a forte equipa londrina do Ealing Football Club. Episódio acontecido em abril de 1914, altura em que a turma inglesa efetuou uma digressão por Portugal. Os britânicos haviam vencido os primeiros quatro jogos realizados em solo luso, nomeadamente ante o CIF (2-1), Benfica (3-0), de novo o CIF (também por 2-1) e os Inglesinhos de Lisboa (por 2-1). Ao quinto jogo caíram ante o Benfica por 1-0, naquela que foi a primeira vitória de um conjunto português sobre uma equipa oriunda de Inglaterra. Até então o saldo entre equipas lusas e inglesas era de nove jogos realizados... outras tantas derrotas averbadas.

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