terça-feira, junho 08, 2021

Histórias do Futebol em Portugal (31)... Ainda antes dos Cinco Violinos brilharem já os Cinco Torpedos encantavam vestindo a pele do leão

Os Cinco Torpedos
Os Cinco Violinos foram com toda a certeza não só o quinteto ofensivo mais virtuoso da história do futebol português como também uma das linhas avançadas mais célebres e poderosas do futebol internacional da década de 40 do século passado.

Defendendo as cores do Sporting Clube de Portugal, Fernando Peyroteo, Vasques, Albano, Jesus Correia e José Travassos são os cinco famosos violinistas dessa memorável orquestra que entre 1946 e 1949 tornou o leão num animal impossível de domar. Porém, muitos antes deste quinteto dar nas vistas um outro núcleo de cinco jogadores brilhou com o manto sagrado do Sporting vestido. Um quinteto de despoletou nos primórdios do clube fundado por José Holtreman Roquette (Alvalade), em 1906, e que pelo seu talento escreveu uma página digna de registo na extensa e gloriosa história do emblema leonino. Ainda que pouco conhecido por parte do grande público afeto ao Belo Jogo se comparado com os Cinco Violinos, este quinteto marcou os primeiro anos de vida do Sporting numa época em que as competições futebolísticas a nível nacional eram ainda muito escassas. Sem mais demoras vamos embarcar na Máquina do Tempo para conhecer os Cinco Torpedos.

E para isso viajemos até à década de 10 dos século XX, altura em que o epicentro do futebol em Portugal estava na capital, que vivia então o fervor dos primeiros campeonatos de Lisboa, que faziam desenvolver a modalidade não só na região mas também no resto do país. O Sporting era então um jovem clube, rico, é certo, já que detinha as melhores condições do futebol lisboeta, fazendo assim jus ao objetivo do seu criador, José de Alvalade, aquando da fundação: fazer do Sporting Clube de Portugal "um grande clube tão grande como os maiores…”.

O país de então vivia a febre do futebol, cujo aumento da popularidade era um facto indesmentível, sendo que os matches atraíam a si assistências bastante consideráveis. O panorama futebolístico da capital era dominado então pelos ingleses do Carcavelos, que haviam vencido as três primeiras edições do Campeonato de Lisboa. Apesar de não lograr alcançar qualquer título até então, o Sporting era uma das equipas mais fortes e virtuosas do futebol daqueles anos, um team muito  respeitado pelos adversários, graças a um conjunto de grandes jogadores. Muitos destes atletas deram início a uma rivalidade que ainda hoje se mantém com os vizinhos do Sport Lisboa (hoje Benfica), e que teve início em 1907 quando oito jogadores dos encarnados resolvem mudar-se para o clube de José de Alvalade, o qual oferecia banhos quentes e demais privilégios aos atletas, então coisa rara no futebol. Entre esses desertores estavam os irmãos Catatau, mais precisamente Cândido Rosa Rodrigues e António Rosa Rodrigues. A estes, já no final da primeira década do século XX, junta-se no Sporting outra dupla de irmãos, os Stromp, nomeadamente Francisco Stromp e António Stromp.

As condições de excelência do Sporting atraíam como já dissemos os melhores jogadores do futebol lisboeta daquele tempo, sendo que outro dos craques de então era o virtuoso avançado João Bentes, que rapidamente se tornou num dos atletas mais importantes do clube, sendo que na passagem para a década de 10 seria eleito o capitão de equipa. Ora, estes cinco nomes que acabamos de mencionar formaram aquela que foi rotulada na altura como a linha avançada mais poderosa e virtuosa do futebol lisboeta daqueles anos, e que ficaria conhecida como os Cinco Torpedos.

Juntos, é certo, que não arrecadaram nenhum título para o Sporting, embora naquele tempo a única competição que existia fosse o Campeonato de Lisboa, mas lograram alcançar exibições fantásticas que ficaram eternizadas nos jornais da época. Atuaram juntos durante quatro temporadas, mais concretamente em 1909/19, 1910/11, 1911/12 e 1912/13. A melhor classificação obtida pelos Cinco Torpedos foi precisamente na última época em que jogaram juntos, tendo o Sporting ficado em 2.º lugar no Campeonato de Lisboa, a quatro pontos do campeão Benfica.  

O 11 da seleção de Lisboa vestindo à Sporting que foi a Huelva bater o Recreativo

Quatro dos Cinco Torpedos entraram em 1910 para a história não só do Sporting como do próprio futebol luso pelo facto de terem participado no primeiro jogo internacional daquela que pode ser considerada a primeira seleção portuguesa a atuar no estrangeiro. Foi a 27 de agosto de 1910, data que um misto de jogadores de três equipas de Lisboa, nomeadamente o Sporting, o Benfica e o Sport União Belenese, se deslocou a Espanha para jogar com o Recreativo de Huelva. Atuando com o equipamento do Sporting a seleção lisboeta, ou o Sporting reforçado com três jogadores do Benfica - entre os quais pontificava Cosme Damião - e um do Sport União Belenese - segundo muitos historiadores, venceu por 4-0 os espanhóis. Como já vimos, este misto foi integrado por quatro dos Cinco Torpedos, nomeadamente António Stromp, António Rosa Rodrigues, Francisco Stromp e João Bentes, sendo que este último foi o capitão desta equipa que fez a longa viagem desde Lisboa até Huelva de comboio, isto é, os jogadores apanharam o comboio no Barreiro, no dia 25 às 18H30 e chegaram à cidade espanhola no dia seguinte quando já passava das 20H00. Os golos foram marcados pelo benfiquista Luís Vieira e pelos torpedos António Rosa Rodrigues e Francisco Stromp, sendo que este último fez o gosto ao pé em duas ocasiões. De acordo com os jornais da época terão assistido ao encontro cerca de oito mil espectadores e a Banda Municipal de Huelva tocou os hinos português e espanhol, sendo que à noite houve um banquete de confraternização.

Quem eram os Cinco Torpedos?

João Bentes
Como já vimos os Cinco Torpedos eram constituídos por uma mão cheia de virtuosos avançados, comandados pelo capitão de equipa João Bentes. Nascido em Lisboa, Bentes integrou ainda muito jovem as equipas do Sporting, clube do qual se fez associado apenas um ano após a fundação do clube. Subiu à primeira categoria em 1910. Alinhava como extremo-esquerdo, assumindo a titularidade precisamente na temporada de 1909/10. Destacava-se por ser um atleta polivalente, diz-se que jogava em qualquer posição do terreno, exceto na de guarda-redes. Diz-se que foi ele o encarregado por Eduardo Pinto Basto, capitão do CIF, de escolher a equipa que no tal ano de 1910 foi a Huelva disputar com o Recreativo local o tal jogo internacional que acima recordarmos, isto porque o CIF, já tinha disputado um desafio em Madrid em 1907, tendo sido três anos mais tarde convidado para jogar em Huelva. No entanto, Eduardo Pinto Basto achou que o seu clube não tinha condições para isso e propôs o Sporting para ir em seu lugar. João Bentes, o capitão leonino, encarregou-se a pedido de Pinto Basto de organizar uma equipa para viajar até Espanha, tendo então convidado Cosme Damião, Luís Vieira e António Costa, todos do Benfica, e Francisco Bellas, do Sport União Belenense, para se juntarem aos jogadores do Sporting. No total, Bentes atuou durante 9 temporadas na equipa principal do Sporting, tendo sido uma das figuras destacadas nos primeiros anos de vida do clube, sendo-lhe reconhecida a mentalidade de um líder e de alguém que estava sempre disposto a tudo para triunfar. O seu momento de glória de verde-e-branco equipado terá sido na temporada de 1914/15, altura em que os leões venceram o seu primeiro Campeonato de Lisboa.

Os irmãos Catatau,
Cândido e António Rosa Rodrigues
Cândido Rosa Rodrigues, um dos irmãos Catatau que na boca dos benfiquistas foi um dos traidores que em 1907 trocou o Sport Lisboa pelo Sporting em busca de melhores condições de treino. Nasceu em Lisboa, pela uma da manhã, no primeiro andar do número 144 da rua direita de Belém, e os amigos chamava-lhe Candinho, e juntamente com os seus irmãos António, José e Jorge ficou conhecido por fazer parte dos irmãos Catatau. Em 1904 ele foi um dos 24 fundadores do Grupo Sport Lisboa onde esteve durante três temporadas. Vivendo em Belém ele era um dos principais dinamizadores no início do clube, sendo dos mais assíduos nos treinos. No verão de 1907 ele e mais sete jogadores do Sport Lisboa decidiram então rumar ao recém fundado Sporting Clube de Portugal, atraído pelas melhores condições proporcionadas pelo clube leonino. Cândido rapidamente deu nas vistas no Sporting, jogando a interior-direito. Ele entrou na história do clube leonino por ter sido o autor do primeiro golo da história dos dérbis da capital, isto é, entre sportinguistas e benfiquistas, facto ocorrido a 1 de dezembro de 1907, data em que se disputou o primeiro Derbi Eterno. Jogou no Sporting durante sete temporadas, e dos Cinco Torpedos foi o único que não conquistou qualquer título ao serviço dos leões, retirando-se do clube precisamente na época anterior à conquista do primeiro Campeonato de Lisboa. Foi ainda dirigente do Sporting quando fez parte da segunda Direcção de Caetano Pereira durante a Gerência 1912/13.

António Rosa Rodrigues, também conhecido por Neco, era outro dos irmãos Catatau que em 1907 trocou o Sport Lisboa pelo Sporting. Considerado um dos melhores avançados da sua época esteve 10 temporadas no Sporting, tendo feito parte da equipa que ganhou o primeiro Campeonato de Lisboa da história do clube. Foi um dos sete jogadores do Sporting que integraram a seleção de Lisboa que em 1910 se deslocou a Huelva para defrontar e vencer o Recreativo. Atuando como extremo-direito, na maior parte da sua carreira, viveu outros momentos de grande glamour com a camisola verde-e-branca, sendo de recordar entre muitos exemplos o facto de em 1914 ter vencido o primeiro título de âmbito mais nacional pelo Sporting, os Jogos Olímpicos Nacionais, após ter vencido na final o Império por 5-1. Atuou durante 9 temporadas no Sporting, tendo realizado mais de 60 jogos de leão ao peito.

Francisco Stromp
Verdadeiros ícones da história do Sporting foram os irmãos Stromp. Francisco nasceu no dia 21 de maio de 1892, em Lisboa, e foi um dos primeiros grandes símbolos do clube. Com apenas 16 anos estreou-se na equipa principal do Sporting, emblema cujo manto sagrado defendeu entre 1908 e 1924. Disputou mais de 100 jogos com a camisola verde-e-branca tendo sido por quatro ocasiões campeão de Lisboa (14/15, 18/19, 21/22 e 22/23). Seria aliás na temporada de 22/23 que conquistaria o seu título mais importante durante a passagem pelo clube, o Campeonato de Portugal. Capitaneou a equipa vários anos, sendo que em 1922/23, depois de Augusto Sabbo se ter demitido de treinador, coube-lhe assumir a função de timoneiro, isto é, de treinador, sendo desta forma a sua importância ainda maior na conquista da 2.ª edição do Campeonato de Portugal. Dentro de campo ocupou as posições de médio-direito e avançado-centro, destacando-se pela sua entrega. Para além do futebol, Francisco foi ainda campeão no lançamento de Disco e na estafeta dos 3x100m, tendo também praticado ténis, cricket e rugby. Desempenhou várias funções na qualidade de dirigente leonino, desde funções na Mesa da Assembleia Geral presidida pelo Visconde de Alvalade, até à passagem pelas Gerências de Queirós dos Santos e da Direção de Soares Júnior na Gerência de 1918, chegando a ocupar a vice-presidência da Direção, entre 19 de fevereiro de 1925 e 23 de fevereiro de 1926. Francisco Stromp amava o Sporting, viveu toda a vida para o clube, e a prova disso é que escolheu a data da sua morte no dia em que os leões festejavam o seu 24.º aniversário. A sífilis, doença de que padecia, seria a causa da sua morte, isto porque no dia 1 de julho de 1930 decidiu pôr termo à vida, atirando-se para a frente de um comboio na Estação de Sete-Rios. O seu nome é hoje em dia associado ao mais alto galardão atribuído pelo Sporting, os prémios Stromp, que distinguem entre outros o melhor atleta, treinador, dirigente e futebolista.

António Stromp
Francisco não era tão eclético quando o seu irmão António, um autêntico atleta multifacetado. Nascido em Lisboa em dia de Santo António (13 de junho de 1894), António contava apenas 15 anos quando em 1909 alinhou na 1.ª equipa de futebol do Sporting, ocupando a posição de extremo, preferencialmente à direita. Era dotado de estupendas qualidades físicas que aliadas à técnica fizeram dele não só um grande futebolista como também um virtuoso praticante de ténis, esgrima e cricket. Em 1913, numa viagem ao Brasil ao serviço da seleção de Lisboa, destacou-se de tal maneira que foi alvo de várias condecorações, as quais foram por ele recusadas, prova da sua humildade. Foi uma das peças preponderantes na conquista do primeiro título de campeão de Lisboa por parte do Sporting, tendo marcado um golo na vitória que conferiu o título aos leões no encontro ante o eterno rival Benfica. 

Mas seria no atletismo que a estrela de António iria brilhar mais alto. Em 1910 participou nos Jogos Olímpicos Nacionais, tendo sido um dos grandes destaques da competição ao vencer a prova de salto à vara. Um ano mais tarde venceu a prova dos 100m com um impressionante registo de 12 segundos, registando desta forma um novo recorde nacional naquela categoria. Mas 1912 seria um ano memorável para António no âmbito do atletismo. Para além de ter vencido os 100m e os 200m metros a nível nacional, foi um dos seis atletas que integrou a primeira comitiva portuguesa a marcar presença nos Jogos Olímpicos. Em Estocolmo, porém, António não fez jus às suas qualidades de velocista, não passando das eliminatórias da  prova dos 100m. No ano seguinte voltaria a triunfar nas pistas, sagrando-se campeão nacional dos 100m. Tal como seu irmão Francisco teve o infortúnio de lhe ser diagnosticada sífilis, terrível doença que o fez deixar o desporto e o levaria à morte a 6 de julho de 1921.

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