Adolphe CASSAIGNE (França): As informações sobre as bases dos seus profundos - ao que reza a história - conhecimentos sobre futebol são escassas, quase possível de serem resumidas num parágrafo biográfico, mas nada que impeça o seu nome de figurar no Atlas do Futebol Português. Porquê? Porque estaremos perante aquele que foi o primeiro treinador - na verdadeira ascensão da palavra - a ser contratado por um clube em Portugal. Desconhece-se o dia, o mês, o ano e o local de nascimento deste cidadão francês, sabendo-se apenas que fazia do Porto o seu lar nos inícios do século XX, onde exibia os seus dotes de professor da tática ao serviço dos amadores da equipa de futebol da Escola de Alunos-Marinheiros da Corveta Estefânia. Conhecimentos técnico-táticos que se sabiam apenas terem sido adquiridos no seu país de origem, onde, ao que parece, havia sido treinador de algum renome. Adolphe Cassaigne era o seu nome. A entrada na história do futebol luso deste gaulês dá-se em 1907, ano em que a Cidade Invicta rejubilava com o (re)nascimento do seu Football Club do Porto, pela mão de José Monteiro da Costa. A popularidade do clube ia de vento em popa, e a testemunhar isso o facto do Campo da Rainha - a casa dos portistas - atrair por aqueles dias as atenções dos cidadãos locais sempre que os players entravam em ação para interpretar o famoso football que chegara de Inglaterra nos finais do século anterior. Um desses curiosos foi Adolphe Cassaigne, que, e segundo a lenda, certo dia apresenta-se formalmente a Monteiro da Costa, deixando elogios à organização e disciplina da equipa, ao mesmo tempo em que se propunha treina-la "obsequiosamente". Diz a história que Monteiro da Costa aceitou de pronto a candidatura, até porque a equipa não tinha um treinador específico, uma vez que o grupo era dirigido pelo atleta mais experiente e conhecedor das regras do jogo, jogador esse que em 1901 havia provado o sabor do sucesso ao serviço do Milan, na sequência da conquista do campeonato italiano, e que dava pelo nome de Catullo Gadda. O francês tornava-se assim no primeiro treinador contratado na história do futebol português, não se sabendo, porém, se essa ligação teve de pronto, ou nos anos à posteriori, contrapartidas económicas. O que se sabe sim é que os conhecimentos futebolísticos de Cassaigne provocaram efeitos imediatos, com os progressos no futebol praticado a serem visíveis. A primeira prova de fogo do renascido Porto dá-se, porventura, em janeiro de 1908, altura em que o clube recebe - pela segunda vez no espaço de dois meses, a primeira havia ocorrido em dezembro de 1907 - os galegos do Real Fortuna de Vigo, que saíram da Invicta vergados a uma goleada de 4-1, resultado que assinalou a primeira vitória de um clube português sobre um eleven internacional. A ligação de Cassaigne ao FC Porto estende-se até à década de 20, mais precisamente até 1924. Ao longo deste percurso o francês torna-se no arquiteto dos primeiros títulos alcançados pelos dragões, e foram muitos há que sublinha-lo. O primeiro deles vislumbra-se em 1911, ano em que os portistas vencem a primeira edição da Taça Monteiro da Costa, por muitos considerado o primeiro grande campeonato regional disputado no norte do país. Até 1916 leva a equipa à conquista de mais quatro edições da citada prova, saindo derrotado somente na edição de 1913 (ganha pela Académica de Coimbra). Em 1914 a Associação de Futebol do Porto lança a sua primeira competição oficial, o Campeonato Regional, o qual Adolphe Cassaigne vence por sete ocasiões no comando dos portistas, perdendo apenas as edições de 1913/14 e de 1917/18, respetivamente para o Boavista e para o Salgueiros. Em 1922 ele comandou a armada azul e branca na conquista do país, isto é, da primeira edição do Campeonato de Portugal.
segunda-feira, março 14, 2016
quinta-feira, março 10, 2016
Grandes Mestres da Táctica (11)... Manuel Oliveira
Manuel Oliveira, uma eterna lenda viva da tática |
Manuel Oliveira Santos, nasceu a 29 de maio de 1932, na margem sul, Distrito de Setúbal, mais precisamente em Pinhal Novo. Oriundo de uma família pobre - o pai era ferroviário - foi de pé descalço, como tantos outros meninos da época, que se deixou enamorar, ali, ao lado do lar, pelos encantos do belo jogo. Travou-se de amores com o futebol enquanto arte, espetáculo, simplicidade, e não com o futebol negócio, jogo de interesses, povoado por vilões com que muitas vezes foi confrontado ao longo da sua ímpar carreira e contra quem sempre lutou. A sua entrada oficial no desporto rei dá-se em 1949 pela mão de outro lendário treinador que teve grande influência no percurso que Manuel Oliveira iria trilhar enquanto treinador, Fernando Vaz. Este ícone do futebol luso dirigia na altura os juniores B do Sporting, que defrontariam o Estrela, um combinado formado por jogadores da margem sul - um verdadeiro alfobre de grandes futebolistas ao longo da história -, onde pontificava o jovem Manuel - que até então havia tido uma curta passagem pelos escalões de formação do Barreirense - que nesse dia, na posição de interior/extremo direito, fez uma exibição de gala, culminada com dois golos que derrotaram os poderosos leões, facto que levaria Vaz a aproximar-se do jovem, lançando-lhe além dos merecidos elogios um convite: treinar no Sporting. Manuel Oliveira estava desta forma prestes a transpor a fronteira entre o sonho e a realidade, ele, que tinha como ídolo um vulto que atuava na principal equipa leonina, Carlos Canário. O jovem de Pinhal Novo convence Fernando Vaz, passa no teste, e efetua duas temporadas de grande nível na equipa júnior do gigante de Lisboa. Como o próprio Manuel Oliveira fez questão de confessar décadas mais tarde nas suas memórias, aqueles dois anos foram de extrema importância para a sua formação enquanto homem do futebol. Aprendeu imenso, não só com treinadores como também com os jogadores que formavam aquele poderoso Sporting Clube de Portugal, onde pontificavam os 5 Violinos (Peyroteo, Albano, Vasques, Travassos, e Jesus Correia).
Conduzindo a bola, nos tempos de jogador na CUF |
Ainda como jogador representou o Atlético, durante uma temporada. Pelo meio passou pela seleção nacional militar, a qual representou em oito ocasiões. Posteriormente veio a CUF, onde jogaria seis épocas, tendo neste emblema pendurado as chuteiras em 62/63 para substituir no banco o então treinador Anselmo Pisa. Manuel Oliveira tinha então 30 anos de idade. E é aqui que se dá início à verdadeira história desta lenda.
O início do percurso lendário
O mestre Manuel Oliveira na atualidade |
A sua faceta de homem honesto e frontal iria, contudo, e a partir daqui, chocar de frente com o tal lado negro do futebol, o lado dos interesses, da intriga, do conflito e do oportunismo. Numa entrevista concedida ao jornal A Bola no regresso da partida de Milão, onde a CUF perdeu por igual resultado ao conseguido na primeira mão e obrigando assim os milanistas a uma partida de desempate, o treinador, em jeito de desabafo, enumerou as várias dificuldades que afetavam a sua equipa, desde logo a ausência de apoio - sobretudo vindo dos diretores da empresa. Esta entrevista acabaria por custar o lugar ao treinador, que a partir dali levaria o seu talento para outras paragens. E foram muitas ao longo das mais de três décadas que se seguiram. Tantas que seria de certa forma exaustivo para o leitor ter conhecimento dos contornos de cada uma delas (mas caso o leitor pretenda fazer esse exercício, aconselhamos vivamente a leitura das fascinantes Memórias de Manuel Oliveira, editadas em livro. De certo que não se irá arrepender). Leixões, Barreirense, Sanjoanense, Farense, Olhanense, Benfica de Nova Lisboa (Angola), Lusitano de Évora, Espinho, Beira-Mar (onde foi treinador de Eusébio da Silva Ferreira), Vila Real, Portimonense, União de Leiria, Marítimo, Vitória de Setúbal, Louletano, Seleção da Guiné Bissau, Fafe, Varzim, Nacional da Madeira, Sintrense, Desportivo de Beja, Gondomar, Imortal e Lusitanos de Saint-Maur (França) foram emblemas que beberam da sabedoria do mestre. Em quase todas elas fez história. Umas vezes evitava a temida descida de divisão, outras conduzia a nau desde os caminhos tortuosos das divisões secundárias até bom porto, isto é, à 1ª Divisão, noutras ainda criou grupos que combinavam arte, garra e inovação, batendo o pé a quem quer que fosse, grande ou pequeno, tombou vezes sem conta às mãos do mestre Oliveira. A sua já referida personalidade frontal - embora ainda hoje muitos preferem continuar a recorda-lo como polémico e controverso - valeu-lhe inúmeros dissabores, que, por várias ocasiões, barraram a sua continuidade ao leme dos notáveis projetos futebolísticos que foi construindo.
Inovador no plano tático
O 4-4-2 que o Brasil de 70 apresentou ao Mundo e que foi criado por Manuel Oliveira em 1965? Eis a questão |
O 3-5-2, outra inovação tática do mestre |
Assim como o 3-4-3, nunca dantes visto em Portugal |
terça-feira, março 08, 2016
Flashes Biográficos (7)... Nettie Honeyball
Nattie HONEYBALL (Inglaterra): 8 de março, data em que em todo o planeta - ou pelo menos quase todo - assinala o Dia Internacional da Mulher. Também nós, Museu Virtual do Futebol, nos associamos a esta efeméride, recordando aquela que foi a pioneira da mulher no papel de... futebolista. Para isso será preciso recuar até ao século XIX, mais precisamente até aos anos 90 do referido século, tendo a pátria do futebol (Inglaterra) como cenário. Altura em que uma acérrima defensora dos direitos da Mulher decide atravessar a fronteira do preconceito e do machismo e assenta arraiais num terreno que até então era pisado unicamente por homens: o football. Falamos de Nettie Honeyball, uma cidadã londrina nascida em 1874 que entrou para a história como a pioneira do futebol... feminino. Corria o ano de 1894 quando a então desconhecida cidadã Nattie - cuja vida profissional e pessoal é ainda hoje para os historiadores desportivos um enigma - coloca um anúncio num jornal de Londres a solicitar cerca de 30 jovens do sexo feminino para formar um clube de futebol. Reunidas as tropas nasce o British Ladies Football Club, o primeiro emblema direcionado, única e exclusivamente, para o então inexistente futebol feminino. Os treinos decorrem nas zonas verdes do Alexandra Park e são ministrados por J.W. Julian, naqueles dias futebolista do Tottenham. Numa entrevista concedida em fevereiro do ano seguinte ao Daily Sketch, Honeyball explicou o porquê de ter dado tão arrojado passo: «Fundei o clube com o objetivo de provar ao Mundo que as mulheres não são essas criaturas ornamentais e inúteis que os homens "pintam". Devo confessar que é minha convicção de que em todos os assuntos os sexos estão profundamente divididos (...) e desejo a chegada de um tempo em que as mulheres se possam sentar no Parlamento e que tenham voz na gestão de todos os assuntos...».
O primeiro teste das futebolistas dá-se em março de 1895, tendo sido presenciado por cerca de 10.000 pessoas, as quais se deslocaram ao Crouch End londrino para assistir a uma partida entre equipas representativas do norte e do sul da capital britânica. Abra-se aqui um parênteses para dizer que a História diz-nos que este não foi o primeiro match 100 por cento feminino, uma vez que cerca de três anos antes, em Glasgow, há notícias de um desafio entre senhoras, desconhecendo-se, no entanto, os contornos do mesmo. Mas voltando a Crouch End para recordar que as nortenhas - que no seu eleven integravam Nattie Honeyball - venceram por 7-1, um match que motivou uma chuva de crónicas machistas por parte dos jornais da época, os quais não disfarçaram os tiques desse mesmo machismo que estava enraizado na sociedade da época. O Daily Sketch, que um mês antes havia entrevista Nattie, escreveu que «os primeiros minutos foram suficientes para demonstrar que o futebol feminino (...) está totalmente fora de questão. Um futebolista requer velocidade, disciplina, habilidade e coragem. Nenhuma destas quatro qualidades se viram no sábado. Na maior parte do tempo as senhoras vaguearam sem rumo pelo terreno de jogo num trote sem graça». Houve no entanto quem tivesse proferido palavras mais amáveis para as distintas senhoras que atuaram no recinto de Crouch End, como foi o caso do correspondente do diário The Sportsman, que sublinharia que: «É certo que os homens correm mais e rematam com mais força, (...) mas para além disso não acreditamos que a mulher futebolista desapareça na sequência de uns quantos artigos escritos por senhores sem qualquer simpatia pelo jogo nem pelas aspirações das jovens mulheres. Se a mulher futebolista morrer, morrerá a dar luta». Este último artigo estava certo. As British Ladies não se deixaram afetar pelas críticas e continuaram a percorrer caminhos até então exclusivos a homens, tendo realizado mais alguns jogos nos meses seguintes (um deles com cariz de beneficência, realizado em Brighton), antes de darem por terminada uma aventura que ficou na história, e que depois de ultrapassar dezenas de obstáculos no âmbito do preconceito e do machismo ao longo das décadas seguintes acabou por abrir - à semelhança do que aconteceu noutras áreas - o Mundo do futebol ao sexo feminino. Nada mais justo.
O primeiro teste das futebolistas dá-se em março de 1895, tendo sido presenciado por cerca de 10.000 pessoas, as quais se deslocaram ao Crouch End londrino para assistir a uma partida entre equipas representativas do norte e do sul da capital britânica. Abra-se aqui um parênteses para dizer que a História diz-nos que este não foi o primeiro match 100 por cento feminino, uma vez que cerca de três anos antes, em Glasgow, há notícias de um desafio entre senhoras, desconhecendo-se, no entanto, os contornos do mesmo. Mas voltando a Crouch End para recordar que as nortenhas - que no seu eleven integravam Nattie Honeyball - venceram por 7-1, um match que motivou uma chuva de crónicas machistas por parte dos jornais da época, os quais não disfarçaram os tiques desse mesmo machismo que estava enraizado na sociedade da época. O Daily Sketch, que um mês antes havia entrevista Nattie, escreveu que «os primeiros minutos foram suficientes para demonstrar que o futebol feminino (...) está totalmente fora de questão. Um futebolista requer velocidade, disciplina, habilidade e coragem. Nenhuma destas quatro qualidades se viram no sábado. Na maior parte do tempo as senhoras vaguearam sem rumo pelo terreno de jogo num trote sem graça». Houve no entanto quem tivesse proferido palavras mais amáveis para as distintas senhoras que atuaram no recinto de Crouch End, como foi o caso do correspondente do diário The Sportsman, que sublinharia que: «É certo que os homens correm mais e rematam com mais força, (...) mas para além disso não acreditamos que a mulher futebolista desapareça na sequência de uns quantos artigos escritos por senhores sem qualquer simpatia pelo jogo nem pelas aspirações das jovens mulheres. Se a mulher futebolista morrer, morrerá a dar luta». Este último artigo estava certo. As British Ladies não se deixaram afetar pelas críticas e continuaram a percorrer caminhos até então exclusivos a homens, tendo realizado mais alguns jogos nos meses seguintes (um deles com cariz de beneficência, realizado em Brighton), antes de darem por terminada uma aventura que ficou na história, e que depois de ultrapassar dezenas de obstáculos no âmbito do preconceito e do machismo ao longo das décadas seguintes acabou por abrir - à semelhança do que aconteceu noutras áreas - o Mundo do futebol ao sexo feminino. Nada mais justo.
segunda-feira, março 07, 2016
Histórias do Planeta da Bola (16)... "Il Grande Bologna" solta o primeiro grito de vitória do futebol italiano além fronteiras
Il Grande Bologna entra em campo para fazer história |
O poderio do futebol italiano na Europa durante as décadas de 80 e 90 é evidente nesta imagem |
Il Grande Bologna coloca a Itália no mapa da Europa do futebol (ao nível de clubes)
Esta longa introdução remete-nos para a nossa história de hoje: o ponto de partida da gloriosa caminhada europeia das equipas italianas. Início esse que nos leva até um clube lendário, que hoje deambula entre a Serie A e a Serie B, mas que durante mais de uma década encantou os tiffosi de todo o... Mundo. Bologna Football Club, ou Il Grande Bologna dos anos 30, a primeira equipa transalpina a conhecer a glória internacional. Para muitos dos historiadores do belo jogo o legado desse mítico e longínquo Bologna rivaliza com o do Grande Torino da década de 40, da mágica equipa que se eclipsou tragicamente no desastre aéreo de Superga em 1949. Qual destas duas equipas foi a melhor é uma pergunta difícil de responder, sendo apenas certo que ambas tiveram um papel preponderante na dinamização e popularização do calcio a nível internacional.
No vale do Rio Pó ergue-se Bologna (ou Bolonha no idioma de Camões), cidade que no outono de 1909 vê nascer um dos principais baluartes da sua história, o Bologna Football Club.
A equipa do Bologna que em 1924/25 conquistou, sob a alçada do treinador austríaco Felsner, o primeiro scudetto da história do clube |
Emilio Arnstein, um cidadão oriundo da Boêmia (atual República Checa) é a principal figura que esteve na génese da criação do emblema rossoblú (azul e vermelho, as cores que os bolonheses adotaram desde a sua fundação), contando para isso com a cumplicidade dos italianos Arrigo Gradi e Leone Vicenzi, e do suíço Louis Rauch, sendo que este último seria o primeiro presidente da história do clube. Após uma primeira década de vida a competir ao nível regional, o Bologna entra nos anos 20 com a ambição de galgar os muros da sua região e conquistar a Itália. Os seus dirigentes sonham alto, aspiram ombrear com as melhores equipas do país, onde então se destacavam o Genoa e o Pro Vercelli, nomes que haviam dominado as duas primeiras décadas do calcio no plano nacional. Nesse sentido urge que o clube transponha a fronteira do amadorismo para o profissionalismo que começava a imperar no futebol transalpino, e o primeiro passo é dado na contratação de um homem oriundo da escola do Danúbio, para muitos a região do Velho Continente onde o futebol atingia a sua perfeição no plano técnico e tático. Do triângulo composto por Áustria, Hungria e Boêmia (mais tarde batizada de Checoslováquia) foram extraídos durante grande parte da primeira metade do século XX alguns diamantes raros no que ao desporto rei diz respeito. Jogadores, treinadores, ou simplesmente pensadores do jogo que o levaram para patamares da excelência e da beleza nunca dantes vistos no Velho Continente.
Hermann Felsner, o criador d' Il Grande Bologna |
Angelo Schiavio, a estrela maior d' Il Grande Bologna |
Rossoblú fazem tremer a Europa do futebol
Bologna em ação contra o velho rival Juventus, na luta pelo trono do futebol transalpino |
O principal campeonato italiano havia somente terminado somente há uma semana quando a squadra orientada por Gyula Lelovics entrou em campo para defrontar os campeões da Checoslováquia, o Sparta de Praga, em partida dos quartos-de-final. Checos que na primeira mão viajaram até Itália sem o patrão da sua defesa, Kada Pesek, para enfrentar Il Grande Bologna. Na baliza surgia Mario Gianni, a quem chamavam de gato mágico, assim apelidado pelas espetaculares e acrobáticas estiradas que marcavam a sua imagem de futebolista, enquanto no setor recuado brilhavam o futuro bi-campeão do Mundo Eraldo Monzeglio, Felice Gasperi, e o uruguaio Francisco Fedullo. No meio campo, dois jogadores comandavam majestosamente as operações: Gastoni Baldi, e Gastone Martelli. Estes dois jogadores serviam de forma sublime a linha avançada daquele memorável conjunto, linha essa formada por nomes como Bruno Maini, o uruguaio Raffaele Sansone, Carlo Reguzzoni e Angelo Schiavio, a estrela mais brilhante daquela lendária equipa. Este último jogador foi um dos destaques no embate ante o Sparta, que o Bologna venceu por claros e expressivos 5-0. Reguzzoni abriu o marcador nos minutos iniciais, seguido de dois golos de Maini e um de Schiavio, tendo a nota artística final sido assinada por Baldi na etapa complementar.
A medalha que simboliza a conquista da Mitropa Cup em 32 |
Uma semana mais tarde, no Hohe Warte Stadium, em Viena, os austríacos fizeram uma exibição de gala, um jogo perfeito, que mesmo assim não chegou para ir além de uma magra e insuficiente vitória por 1-0.
A edição de 1932 da Taça Mitropa ficou marcada pela polémica meia-final entre a Juventus e o Slavia de Praga, uma autêntica batalha campal que levou a organização da prova a afastar estes dois clubes e a entregar o título de campeão ao Bologna que assim soltava o primeiro grito de vitória além do futebol italiano no plano internacional. O Bologna tornava-se assim na primeira squadra transalpina a vencer uma competição europeia sob o signo da magia e criatividade técnico-tática que caracterizava o seu estilo de jogo.
Fotografia histórica: A equipa do Bologna que em 1932 conquistou o primeiro título europeu de clubes para Itália |
Dois anos mais tarde, e sob a orientação do húngaro Lajos Kovács, Il Grande Bologna volta a mostrar a sua... grandeza no plano internacional. A equipa volta a conquistar a Europa na sequência de um novo triunfo na Mitropa Cup. Contudo, a campanha não começou de maneira fácil, já que na primeira ronda os húngaros do Bocskai foram um osso duro de roer. No jogo da primeira mão, no Stadio del Litorialle, o combinado magiar surgiu no relvado com uma defesa de ferro, só derrubada pela arte e força de Carlo Reguzzoni e da grande estrela da equipa, Angelo Schiavio. Na segunda mão foi a vez do setor defensivo dos italianos brilhar, segurando a avalanche ofensiva dos húngaros que tiveram em Jeno Vincze a sua maior figura, sendo dele um dos golos com que o Bocskai derrotou o Bologna, por 2-1. Resultado, contudo, insuficiente para passar aos quartos-de-final, já que o tento de Reguzzoni fez estalar a festa entre a comitiva transaplina.
Tranquila foi a passagem do Bologna às meias-finais, já que na primeira mão dos quartos-de-final, diante do seu público, o clube transalpino humilhou por completo o Rapid de Viena. 6-1 foi o resultado de uma partida onde os atacantes Reguzzoni e Schiavio estiveram em claro destaque ao apontarem os golos da sua equipa. Em Viena, o Rapid adiantou-se cedo no marcador, por intermédio de Binder, logo aos dois minutos, dando ideia de que o milagre poderia acontecer, mas Reguzzoni logo tratou de arrefecer o ímpeto dos locais com o golo do empate, de nada valendo os três golos de Binder no segundo tempo.
Final da Taça Mitropa de 1934 |
1934 foi de facto um ano inolvidável para o futebol italiano, pois à conquista do Campeonato do Mundo pela seleção nacional seguiu-se mais um capítulo da história triunfal d' Il Grande Bologna. Curioso é que nestes dois factos um homem esteve em destaque, Angelo Schiavio. Foi dele o golo da vitória da Squadra Azzurra na final de Roma ante a Checoslováquia e por sua influência o Bologna subia de novo ao trono do futebol continental.
O grupo que em 1934 voltou a subir ao trono do futebol europeu |
A supremacia dos bolonheses continuou a fazer-se sentir no restantes anos da década de 30, sobretudo no plano interno onde sob a orientação de outro nome que ficou na história do clube, o húngaro Árpád Weisz, interromperam uma série de cinco títulos nacionais consecutivos da Juventus vencendo os scudettos de 1936 e 1937. A era dourada deste emblema estava longe de terminar, pois até 1941 Il Grande Bologna voltou a rugir bem alto no panorama nacional. Conduzido pelo homem que construi a lenda, Hermann Felsner, a equipa venceu os campeonatos de 39 e 41, antes de passar o testemunho artístico no que à interpretação do jogo alude a outro grande squadrone: Il Grande Torino.