sexta-feira, novembro 06, 2015

Arquivos do Futebol Português (1)

O grupo de 23 aristocratas que em outubro de 1888 deu
o pontapé de saída na história do futebol em Portugal
Oficialmente o pontapé de saída da história do futebol português é dado em outubro de 1888. O palco daquele que é hoje um momento histórico é Cascais, mais concretamente os terrenos da Parada, onde um grupo de 23 aristocratas da sociedade lisboeta da época, sendo que entre estes figuravam os irmãos Pinto Basto, os grandes responsáveis pela introdução do belo jogo em território português. Foram eles que em meados de 1886 trouxeram da pátria do futebol moderno - Inglaterra - a primeira bola de futebol, mágico objeto que seria guardado religiosamente para que anos mais tarde fosse então utilizado no já referido ensaio de Cascais. Faça-se, no entanto, aqui um parêntese para dizer que há quem defenda a teoria de que a primeira vez que a bola rolou em Portugal foi na Madeira. A efeméride é atribuída Harry Hilton, um jovem oriundo de uma família aristocrata inglesa radicada naquela ilha do Atlântico que em 1875 terá reunido um grupo de amigos para na Camacha dar uso ao seu mais recente brinquedo trazido da sua Inglaterra: uma bola de futebol. Pouco mais se sabe sobre a “brincadeira” do jovem Harry… Contudo, historiadores fizeram crer que este momento não passou senão de um instante lúdico de Harry Hilton e seus amigos, onde o esférico foi – sem regras – maltratado na sequência dos milhares de pontapés que recebeu. Efetivamente a primeira vez em que o jogo se desenrolou de forma organizada e “futebolisticamente civilizada”, o mesmo é dizer com as regras do jogo devidamente aplicadas e cumpridas, foi em 1888, pelo tal de grupo de 23 aristocratas veraneantes. Entre eles destacou-se Guilherme Pinto Basto, os mais velho dos irmãos Pinto Basto, que dizem os historiadores ser dele a ideia de realizar o tal ensaio nos terrenos da Parada.

Guilherme Pinto Basto
Guilherme nasceu a 1 de fevereiro de 1864, na freguesia de Santa Catarina, em Lisboa, e cedo descobriu o fascínio pelo desporto. Um encanto que teve o seu primeiro capítulo oficial, por assim dizer, aos 14 anos, altura em que vai para Inglaterra com o intuito de completar os seus estudos. Em “terras de Sua Majestade” frequentou o Colégio de Downside, onde já estudavam os seus irmãos Eduardo e Frederico Pinto Basto. Ai trava conhecimento com o belo jogo que desabrochava em terras britânicas. Em 1884 regressa a Portugal para trabalhar na casa comercial Pinto Basto & Companhia, gerida pela sua família. E aqui durante anos residiu uma dúvida: seria Guilherme que nesse seu regresso à pátria trouxe na bagagem a primeira bola de futebol? «Não, foram os meus irmãos, Eduardo e Frederico, quando regressaram do colégio em Inglaterra, em 1886», disse o aristocrata numa entrevista ocorrida anos mais tarde, desvendando desta forma o mistério. Mas terá sido ele que em 1888, com os conhecimentos sobre as leis e técnicas do jogo adquiridos na Velha Albion, rapidamente contagiou os seus amigos mais próximos com o vício pelo jogo do pontapé na bola, e que edificaria então no final do verão de 1888 o primeiro grande momento coletivo do futebol em Portugal, o primeiro ensaio da modalidade que com o passar dos anos se haveria de tornar rainha na quase totalidade do planeta.Sobre este desafio dizem os poucos relatos existentes que os irmãos Pinto Basto e restantes amigos passaram a manhã a retirar pedras do campo dos tais terrenos da Parada com o intuito de colocarem a bola a rolar. Para a história ficam pois o nome dos 23 pioneiros: Guilherme Pinto Basto, Eduardo Pinto Basto, Frederico Pinto Basto, Aires de Ornelas, Hugo O´ Neill, António Avillez, João Bregaro, Augusto Moller, Jorge Figueira, Carlos Pinto Basto, Luís Trigoso, Manuel Salema, Eduardo Romero, Pedro Sabugal, Francisco Alte, Salvador Asseca (visconde), Francisco Avillez, Salvador França, Francisco Figueira, Simão de Souza Coutinho, Vasco Sabugosa (conde de S. Lourenço) e o Visconde de Castello.Novo. O resultado final deste primeiro ensaio é por completo desconhecido. Sabe-se sim que os primórdios do futebol em Portugal foram aristocratas, o jogo começou a ser interpretado pelas classes elitistas, por membros da mais fina flor da sociedade. O futebol em Portugal nascia em berço de ouro!
O grupo português que em 1889 defrontou os ingleses do Cabo Submarino de Carcavelos
O sucesso do ensaio de Cascais fez com que quatro meses depois (22 de janeiro de 1889) se organizasse um desafio mais a sério, digamos assim, num clima diferente do verificado nos terrenos da Parada entre um grupo de ricos e ilustres amigos que procuravam acima de tudo divertir-se. Desta feita Guilherme Pinto Basto escalou uma equipa de Lisboa - composta unicamente por portugueses - para defrontar um grupo de ingleses que por aquela altura se encontravam em serviço no Cabo Submarino, explorado por uma empresa inglesa e situado em Carcavelos. O cenário do match foi Lisboa, no local onde anos mais tarde seria edificado o Campo Pequeno. O resultado foi favorável aos portugueses - não se sabendo por quantos -, ficando no entanto para a história o facto de que o team português, no qual Guilherme Pinto Basto atuou como guarda-redes (embora naquela época não houvessem posições ou táticas fixas, podendo hoje jogar como guarda-redes e amanhã como avançado) ter lutado com bravura, portando-se os seus integrantes como autênticos sportsmens.
A este encontro entre os fidalgos portugueses e os operários ingleses ocorre um vasto número de personagens possuídas por ávida curiosidade em presenciar o ato bárbaro de pontapear uma bola protagonizado por 22 homens. Eternizados ficaram pois os seus nomes, sendo que pelos portugueses se apresentaram em campo: Guilherme Pinto Basto (sabe-se na qualidade de guarda redes), João Saldanha Pinto Basto, João Bregaro, Eduardo Romero, Eduardo Pinto Basto, Afonso Vilar, D. Simão de Sousa Coutinho (Borba), Duarte Pinto Basto, Frederico Pinto Basto, Fernando Pinto Basto, Augusto Moller e Henrique Vilar. 12 nomes do lado lusitano, presumindo-se que um deles tivesse sido suplente. Pela armada britânica entraram em campo: J. Frazer, J. Mason, C. Anderson. Wray. R. W. Watson, Rawstron, Govan, Briggs, F. Palmer, C. Cox e um outro jogador não identificado.
A equipa inglesa composta por operários do Cabo Submarino
que em 1889 jogou nos terrenos do atual Campo Pequeno
Pormenor curioso foram os equipamentos. Caricatos, na verdade! Trajes para todos os gostos e feitios. Houve quem levasse fatos de banhos às riscas (!) outros com indumentária de presidiários calçando sapatos no lugar de botas, e quase todos eles ostentando um peculiar barrete a fazer lembrar um vendedor de gelados deambulando pelas praias! Táticas de jogo não parece que tenham existido, até porque o único objetivo era pontapear a bola para a frente na tentativa de a introduzir no goal adversário. Na plateia senhoras da alta sociedade com vestes de gala olhavam com chocada admiração as correrias bárbaras dos gentelmens lusitanos e dos trabalhadores britânicos. Pormenores mais detalhados da contenda são desconhecidos, apenas se sabe que os corajosos portugueses venceram, embora não se sabe por quantos nem quem foram os autores dos goals.
Desse histórico momento daquela tarde ventosa há no entanto uma relíquia ainda hoje guardada. Uma deliciosa e – muito – peculiar crónica publicada no “Jornal do Comércio” de 23 de janeiro de 1889. De autor desconhecido este é tido como o primeiro texto escrito em Portugal retratando os acontecimentos de um match de football, o qual foi ilustrado por uma não menos peculiar ilustração que também aqui hoje recordamos. Sem mais demoras aqui fica o “retrato escrito” daquele momento cujo título é senão mais do que uma curiosa combinação de palavras das emoções ali vividas:
 «O “Match” no Campo Pequeno – A mulher peluda no Jardim Zoológico

Uma quantidade enorme de pessoas foi hoje ao Campo Pequeno assistir ao desafio, entre ingleses e portugueses, de futebol. Grande número de carruagens com elegantes senhoras, entre as quais se destacavam mademoiselle Ida Blanc, governando galhardamente, ao lado de sua mãe, uma soberba parelha de cavalos pretos. O resultado do jogo foi muito lisongeiro para os nossos compatriotas que conseguiram ganhar. Não faltaram os trambolhões e os rebolões do próprio jogo, mostrando todos os fortes mancebos, que nele tomaram parte, quão exímios são no “manejo” do pontapé, como disse uma elegante que, por casualidade, ficou ao pé de nós. Quase toda a gente, findo o futebol, foi passear ao Jardim Zoológico, onde se exibia a persa Mirra, a mulher peluda».

Uma crónica pituresca de um acontecimento que nas décadas seguintes do novo século que se aproximava haveria de se tornar num ritual comum das tardes domingueiras para as gentes da brava nação lusitana.

Um comentário:

  1. A pesquisa casual por uma foto do bi-bota de ouro Fernando Gomes trouxe-me até aqui. Aproveito a ocasião para registar a minha admiração pelo blog. Parabéns.

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