Cartoon do jornal francês L'Équipe, com a caracterização das principais estrelas dos candidatos à conquista da Taça Latina de 1955 |
Após
um ano de interregno (1954) a Taça Latina voltou em 1955 a integrar
o calendário futebolístico dos emblemas do sul do Velho
Continente.
Paris foi pela segunda vez o palco escolhido para que
as estrelas dos campeões
de Espanha, Itália, e França, respetivamente, o Real Madrid, o
Milan, e o Stade Reims, medissem
forças.
A estes juntou-se aquela
que haveria de ser a equipa sensação desta sexta edição da
competição, o Belenenses, conjunto que chegava à capital gaulesa
como vice-campeão de Portugal. O campeão nacional luso da temporada
1954/55, o Benfica, ao invés de lutar pela Taça Latina preferiu
viajar até ao Brasil para disputar o Torneio Charles Miller, dai o
nome dos azuis do Restelo ter figurado num cartaz de autêntico luxo,
desde logo marcado
pela
presença na Cidade
de Luz
de um conjunto de estrelas do planeta
da bola,
de verdadeiros magos do futebol, entre outros o italiano Cesare
Maldini, os suecos Nils Liedholm, e Gunnar Nordhal, o uruguaio Juan
Schiaffino, o francês Raymond Kopa, os espanhóis Gento, Rial e
Miguel Muñoz, e o argentino Alfredo Di Stéfano, este último para
muitos era já o melhor futebolista do Mundo de então, e é nessa
qualidade que chega a Paris debaixo dos holofotes da fama. Porém,
nenhuma dessas
estrelas
brilhou de uma forma tão cintilante quanto a do belenense Matateu, o
homem que encantou os parisienses com as suas arrancadas felinas
e serpenteantes
adornadas com a beleza do seu fortíssimo pontapé
canhão.
A imagem de Matateu a sair em do terreno como sobrolho aberto em consequência da violência madrilena |
Matateu saiu do anonimato para se tornar no jogador sensação do
torneio, no mais aplaudido e também no... mais castigado pela dureza
dos adversários. Matateu e Belenenses assumiram o papel mais
relevante desta edição, pese embora o clube português não tenha
ido além do último lugar da classificação final. Ficaram no
entanto duas excelentes exibições, tendo a primeira delas ocorrida
a 22 de junho diante do poderoso Real Madrid, conjunto que encontrava
o Belenenses pela sexta vez na história, sendo que as cinco
anteriores haviam sido em caráter amistoso, com o saldo de duas
vitórias para cada lado e um empate. E contra todas as previsões
iniciais no Parque dos Princípes o Belenenses soltou-se, partiu para
cima do poderoso conjunto merengue, atacando sempre com muito perigo
a baliza de Alonso. Di Pace e Dimas dispararam mesmo uma bomba
cada um deles ao poste da baliza dos campeões de Espanha, e a
avalanche azul era de tal maneira intensa que em múltiplos períodos
do jogo os belenenses chegaram a ter 10 homens plantados no meio
campo madrileno! E o sufoco era maior sempre que Matateu pegava na
bola. Um autêntico quebra-cabeças para a defesa dos madrilenos ao
longo dos 90 minutos. Perante a impotência em parar as investidas do
génio nascido em Moçambique os defensores do Real Madrid só
encontaram uma maneira de travar o endiabrado Matateu: recorrendo à
falta. Ou melhor, recorrendo a violentas entradas, sendo
que numa delas Marquitos colocou o astro
moçambicano fora de combate durante sete minutos no sentido deste
receber assistência – abriu o sobrolho e teve de ser suturado
naquele
instante
com quatro pontos – fora do retângulo de jogo. O Belenenses jogava
e o Real Madrid sofria, mas tal tendência não se viria a verificar
no marcador, já que aos 14 minutos Zarragá bateu o guardião José
Pereira e fez o primeiro tento da noite. Já no segundo tempo, aos 60
minutos, Payá ampliou a vantagem para os campeões de Espanha,
garantindo
assim a passagem ao encontro decisivo. Um triunfo falso, injusto, o
qual não traduziu o que se passou em campo, conforme traduziu no dia
seguinte a imprensa gaulesa. Quanto a Matateu, foi elevado à
categoria de herói, de grande estrela do jogo, de tal maneira que o
jornal Le
Figaro
escrevia no dia seguinte que: “Os portugueses tiveram um grande
jogador: Matateu, sólido de pernas e senhor de assombrosa
agilidade”. Já a
revista Miroir
Sprint
dizia que “Di Stéfano perdeu o sorriso devido ao negro Matateu”.
A estrela argentina havia sido eclipsada
pelo grande Matateu.
Milan e Stade Reims lutam pela presença na final |
No
outro duelo da meia-final houve a necessidade de se realizarem dois
prolongamentos para apurar o outro finalista, sendo que ao minuto 148
o Stade Reims de Raymond Kopa e do mestre
da tática
Albert Batteux fez o 3-2 final com que afastou o Milan do jogo
decisivo.
E
na partida de apuramentos dos terceiros e quarto lugares o futebol
harmonioso do Belenenses voltou a pairar sobre o relvado do Parque
dos Princípes diante
dos milanistas. Os portugueses jogaram melhor, dominaram, mas... era
o Milan que marcava. Aos 16 minutos os
italianos
abrem o marcador, mas pouco depois o árbitro anula mal um golo aos
belenenses, de nada valendo os protestos destes. Aliás, queixas em
relação à arbitragem o Belenenses teve de sobra, sobretudo no jogo
diante do Real Madrid, onde o juiz
fez vista
grossa à
violência dos madrilenos sobre os lusos. Mas voltando à partida
ante os italianos, aos 75 minutos estes aumentam a vantagem, mas
volvidos apenas dois minutos aparece o génio de Matateu, que um
pouco combalido devido às violentas entradas que havia sofrido na
véspera realizou uma exibição um pouco mais contida em relação
ao jogo com os espanhóis. Mesmo assim foi aplaudido
entusiasticamente pelo público parisiense, sobretudo após o
magistral passe que fez a Dimas para este reduzir a desvantagem.
Porém, aos 83 minutos o Milan sentenciou o jogo com o 3-1 final,
mais um resultado injusto para aquilo o que se verificou no relvado,
onde os
portugueses foram nitidamente melhores. O último lugar da
classificação esteve longe de refletir o que os azuis do Restelo
fizeram em campo, muito longe.
Capitães do Stade Reims e do Real Madrid cumprimentam-se antes da final |
No
dia 26 de junho Real Madrid e Stade Reims subiram ao relvado da
catedral
do futebol francês para discutir o título. Héctor Rial seria a
grande estrela da noite ao apontar os dois únicos golos do encontro
– um em cada metade – a favor dos merengues
que assim venciam a sua primeira Taça Latina. Este seria o primeiro
encontro entre Real Madrid e Stade Reims no espaço de um ano, já
que em 1956, naquele mesmo local, ambos os conjuntos voltariam a
encontra-se numa final, desta feita na primeira edição da recém
criada Taça dos Clubes Campeões Europeus (TCCE). Este seria na
verdade o início de um reinado
de
sete anos consecutivos dos madrilenos na Europa do futebol, já que à
Taça Latina de 1955 o clube presidido então por Don
Santiago Bernabéu somou seis TCCE consecutivas até 1960! Foi obra!
Nomes
e números:
Meias-finais
Recortes da imprensa a dar eco da epopeia do Belenenses e de Mateteu em Paris |
Real
Madrid (Espanha) – Belenenses (Portugal): 2-0
Stade
Reims (França) – Milan (Itália): 3-2
Jogo
de apuramentos dos 3º e 4º lugares
Milan
(Itália) – Belenenses (Portugal): 3-1
Final
Real
Madrid (Espanha) – Stade Reims (França): 2-0
Data:
26 de junho de 1955
Estádio:
Parque dos Princípes, em Paris (França)
Árbitro:
Joaquim Campos (Portugal)
Real
Madrid: Juan Alonso, Joaquín Navarro, Joaquín Oliva, Ragel Lesmes,
Miguel Muñóz, José María Zárraga, Luis Molowny, José Luis Pérez
Payá, Alfredo Di Stéfano, Héctor Rial, e Francisco Gento.
Treinador: José Villalonga.
Stade
Reims: Paul Sinibaldi, Simon Zimny, Robert Jonquet, Raoul Giraudo,
Armand Penverne, Robert Siatka, Michel Hidalgo, Léon Glovacki,
Raymond Kopa, René Bliard, e Jean Templin. Treinador: AlbertBatteux.
Golos:
1-0 (Rial, aos 7m), 2-0 (Rial, aos 69m).
A equipa do Real Madrid que em 55 venceu a sua primeira Taça Latina |
1956
e 1957: O eclipse da Taça Latina perante o
brilho da recém-criada Taça dos Clubes Campeões Europeus
Na primeira meia-final o Milan bateu o Benfica... |
A
criação da Taça dos Campeões Europeus (TCE) por intermédio da
UEFA na temporada de 1955/56 apressou a queda da Taça Latina. Os
campeões nacionais do sul do Velho Continente depressa
perceberam que a competição uefeira era bem mais atrativa e
competitiva que a Taça Latina, uma prova restrita a quatro
participantes, pouco competitiva, em contraposto com a TCE, um
certame sonhado para todos os campeões nacionais da Europa, bem mais
competitiva, como tal. O desinteresse pela Taça Latina verificou-se
desde logo na edição de 1956, quando apenas dois dos quatro
campeões nacionais dos países que integravam a competição criada
em 1949 mostraram vontade em participar. Nice (França) e Athletic de
Bilbao (Espanha) foram os dois campeões nacionais que aceitaram
deslocar-se a Milão, a sede da sétima edição do certame. Quanto
aos restantes envolvidos, o Benfica representou Portugal em
substituição do campeão FC Porto que preferiu concentrar-se na
competição da UEFA, ao passo que o Milan representou Itália, já
que o campeão transalpino de 55/56, a Fiorentina, decidiu poupar
forças para a TCE da época seguinte.
... enquanto que na segunda os bascos do Athletic despacharam os gauleses do Nice |
No
dia 29 de junho subiram ao relvado da Arena Civica as equipas do
Benfica e do Milan, tendo o conjunto italiano sido muito superior ao
português ao longo dos 90 minutos. Sob o olhar de 5000 espetadores o
primeiro golo surgiu aos 18 minutos, por intermédio de Mariani, após
cruzamento de Frignani. A cinco minutos do intervalo o uruguaio Pepe
Schiaffino – campeão do Mundo em 1950 – ampliou a vantagem
perante a apatia dos lisboetas. Mário Coluna ainda reduziu a
desvantagem pouco depois do início do segundo tempo, mas aquela era
uma tarde em que futebol ofensivo do Milan haveria de dar mais
frutos. Schiaffino voltou a fazer o gosto ao pé aos 12 minutos, para
cinco minutos volvidos Caiado dar uma nova esperança ao Benfica após
bater pela segunda vez o guardião Buffon. À passagem da meia hora
da etapa complementar Bagnoli fez o 4-2 final que apurou os
transaplinos para o encontro decisivo. Na outra meia final o Athletic
despachou o Nice por duas bolas a zero.
A
franceses e portugueses não restou outra alternativa senão lutar
pelo último lugar do pódio, tendo havido a necessidade de se jogar
um prolongamento de 30 minutos, já que no final do tempo
regulamentar o marcador indicava um teimoso empate a zero bolas. No
tempo extra a sorte sorrido aos lisboetas que na sequência de golos
de Cavém e José Águas levaram para casa o terceiro lugar.
Fase da final de 1956 entre milanistas e bascos |
A
final, disputada a 3 de julho foi resolvida nos últimos 10 minutos
de jogo, isto porque até então o resultado era de 1-1, sendo que
Bagnoli deu vantagem ao Milan aos 21 minutos e Artexte empatou aos
50. Aos 80 Dal Monte desfez o empate, facto que galvanizou ainda mais
os italianos que a dois minutos do fim deram a última machadada nas
aspirações dos bascos na sequência de um golo de Schiaffino que
selou o triunfo milanista. Cinco anos depois a Taça Latina estava de
regresso a Itália.
No
ano seguinte a prova teve a sua derradeira aparição
no calendário internacional. E se Madrid teve a honra de abrir as
cerimónias ao receber a primeira edição da Taça Latina em 1957
teve a missão de dizer adeus à competição. Para
a despedida a capital espanhola recebeu os quatro campeões nacionais
dos países que deram vida à Taça Latina, nomeadamente, o Real
Madrid (Espanha), o Milan (Itália), o Benfica (Portugal), e o
Saint-Étienne (França). A final jogou-se entre as duas equipas
ibéricas, tendo um lance genial do... génio Alfredo Di Stéfano
decidido a contenda a favor dos madrilenos, que juntavam a Taça
Latina à TCE conquistada nesse ano de 1957. E assim caia
o pano
sobre uma competição que apesar de ter tido vida curta conheceu
múltiplos momentos de magia futebolística.
Nomes
e números (edição de 1956):
Meias-finais
Milan
(Itália) – Benfica (Portugal): 4-2
Athletic
Bilbao (Espanha) – Nice (França): 2-0
Jogo
de atribuição dos 3º e 4º lugares
Benfica
(Portugal) – Nice (França): 2-1
Final
Milan
(Itália) – Athletic Bilbao (Espanha): 3-1
Data:
3 de julho de 1956
Estádio:
Arena Civica, em Milão (Itália)
Árbitro:
Maurice Guigue (França)
Milan:
Lorenzo Buffon, Eros Fassetta, Francesco Zagatti, Nils Liedholm,
Cesare Maldini, Luigi Radice, Amos Mariani, Osvaldo Bagnoli, Giorgio
Dal Monte, Juan Alberto Schiaffino, e Amleto Frignani. Treinador:
Héctor Puricelli.
Athletic
Bilbao: Carmelo Cedrún, José Orúe, Trapeo, Mauri Ugartemendia,
Jesús Garay, José María Maguregui, José Artetxe, Felix Markaida,
Eneko Arieta, Ignacio Uribe, e Piru Gaínza. Treinador: Ferdinand
Daucík.
Golos:
1-0 (Bagnoli, ao 21m), 1-1 (Artexte, aos 50m), 2-1 (Dal Monte, aos
80m), 3-1 (Schiaffino, aos 88m).
O onze do Milan que venceu o Athletic de Bilbao na final de 1956 |
Nomes
e números (edição de 1957):
Meias-finais
Benfica
(Portugal) – Saint-Étienne (França): 1-0
Real
Madrid (Espanha) – Milan (Itália): 5-1
Jogo
de atribuição dos 3º e 4º lugares
Milan
(Itália) – Saint-Étienne (França): 4-3
Final
Real
Madrid (Espanha) – Benfica (Portugal): 1-0
Data:
23 de junho de 1957
Estádio:
Santiago Bernabéu, em Madrid (Espanha)
Árbitro:
Marcel Lequesne (França)
Real
Madrid: Juan Alonso, Manuel Torres, Marquitos, Rafael Lesmes, Miguel
Muñóz, Antonio Ruiz Cervilla, Joseito, Raymond Kopa, Alfredo Di
Stéfano, Héctor Rial, e Francisco Gento. Treinador: José
Villalonga.
Benfica:
José Bastos, Francisco Calado, Manuel Francisco Serra, Ângelo,
Zézinho, Alfredo, Francisco Palmeiro, Mário Coluna, José Águas,
Salvador Martins, e Domiciano Cavém. Treinador: Otto Glória.
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