quinta-feira, junho 12, 2014

Estrelas cintilantes (38)... Pahiño - O príncipe das Rias Baixas que ofereceu o trono merengue a Di Stéfano

Pahiño, com a camisola
do emblema da sua terra natal,
o Celta de Vigo
Vigo... a beleza dos seus traços naturais aliada ao seu posicionamento geográfico, conferem-lhe um imponente destaque no idílico cenário das Rias Baixas galegas. Berço do principal porto pesqueiro da Europa, a cidade mais populosa da Galiza - com cerca de 300 milhões de habitantes - é além de tudo o mais importante centro comercial e económico da região. Vigo assume contornos de maior encanto quando enquadrada no cenário futebolístico. Ali, o Celta arrebata os corações viguenses e... não só. O emblema fundado em 1923 - resultante da fusão entre o Real Vigo Sporting e o Fortuna de Vigo - desperta paixões em toda a Galiza, lutando - no patamar da eternidade, assim estamos em crer - pelo título de clube mais popular da região com o eterno rival do norte, o Deportivo da Corunha. Apesar de a ascensão do Celta aos grandes palcos do futebol europeu - vulgo, as eurotaças - se ter dado num passado muito recente, estando ainda bem fresca na memória de muitos as épicas noites de Balaídos - a mítica casa dos celtistas - onde Golias como o Liverpool, a Juventus, o Milan, ou o Benfica - lembram-se dos 7-0??? - cairam aos pés do pequeno David das Rias Baixas, as primeiras páginas douradas do nobre representante de Vigo foram escritas ainda na primeira metade do século passado, pela pena da estrela mais cintilante do futebol galego, Manuel Fernández Fernández, ou simplesmente Pahiño, a alcunha - desconhece-se a sua origem! - que o tornou célebre no Olimpo do Belo Jogo. A sua louca obsessão pelo golo fez com que Pahiño seja ainda hoje recordado como um dos mais prolíferos avançados da história do futebol espanhol. Dos seus (bons) pés - sobretudo - foram disparadas autênticas balas de canhão que destruiram as balizas contrárias vezes sem conta. Ah, noutras ocasiões a meta adversária era igualmente fuzilada com letais cabeceamentos, já que além de dois bons pés Pahiño era também senhor de um bom jogo de cabeça. Talento(s) descobertos nas areias das praias viguenses, onde Manuel Fernández Fernández esquecia - por certo - a vida dura do campo (agricultura), lides às quais desde muito novo se habituara com o objetivo de ajudar no sustento da sua família.

Pahiño conforta um jogador do Espanyol
depois de ajudar a eliminar os catalães
na meia-final da Copa Generalíssimo de 47/48
Nas praias de Vigo estão pois guardadas as primeiras histórias de intimidade entre Pahiño e a bola, uma relação que se assumiu - de forma mais séria - em Arenas de Alcabre, o primeiro emblema a ser oficialmente representado pelo niño nascido a 21 de janeiro de 1923, em San Playo de Navia, nos arredores de Vigo. Estavámos ainda um pouco longe do casamento entre Pahiño e o Celta, mas não deixa de ser curioso que o jogador e o clube tivessem vindo ao Mundo no mesmo ano! Obra do acaso? Se calhar não...
De Arenas de Alcabre para o Juventudes de Vigo - o seu segundo clube - o caminho foi curto, já que o poder de fogo de Pahiño começava a ter eco por toda a Galiza. Apercebendo-se que mesmo por debaixo do seu nariz deambulava um talento na arte de bombardear o esférico para as balizas contrárias, eis que em 1943 o Celta de Vigo não mede esforços para contratar aquela que viria a ser a jóia da (sua) coroa nos cinco anos que se seguiram. O fichaje do poderoso avançado não foi contudo um parto fácil, longe disso. Na corrida pelo concurso do nativo de San Playo de Navias estava também o Salamanca, emblema que na altura tentava entrar na elite do futebol espanhol, o mesmo será dizer, ascender à Primeira Divisão. No entanto, os helmánticos foram vencidos pelo coração! Pelo coração celtista que pulsava dentro do jovem Pahiño, que ainda criança, pela mão do seu pai, travou-se de amores pelas camisolas azul celeste que aos domingos à tarde reluziam no relvado de Balaídos. Nessa época estaria ainda distante de imaginar que também ele um dia iria brilhar com a indumentária celtista nos retângulos mágicos do futebol espanhol, ajudando a edificar - em seu redor - uma das equipas mais lendárias da história do clube de Vigo, que durante uma mão cheia - pelo menos - de temporadas assombrou os gigantes do belo jogo castelhano.

Fase do jogo decisivo entre o Celta e o Granada,
realizado no Metropolitano de Madrid
Estávamos em 1943 quando Pahiño - com 19 anos - chegou a Balaídos. No entanto, e apesar da monstruosidade do seu poder de fogo, o Celta não foi feliz na temporada de 1943/44, foi último de uma Liga vencida por um Valência onde se destacava o goleador Mundo, e acabou por descer aos infernos da Segunda Divisão. Passagem pelo inferno que seria fugaz, já que na época seguinte a garra de Pahiño aliada ao seu instinto de predador catapultou o Celta de novo para o convívio entre os grandes do futebol espanhol. Episódio lendário que ressalva do trajeto glorioso do Celta em 44/45 prende-se com o jogo final que dava acesso à promoção. Frente a frente mediram forças no (Estádio) Metropolitano de Madrid o Celta e o Granada, e quem vencesse ganhava o bilhete para a Primeira. Pahiño, titular indiscutível dos celtistas desde que havia chegado a Balaídos, foi a estrela da tarde. No relvado do mítico recinto da capital fez jus ao seu estatuto de temível homem de área, fazendo dois golos durante a primeira parte. Performance que faria com que os defensores contrários lhe dedicassem atenções... suplementares. Alvo de uma entrada violenta de Milán González o goleador celtista fraturou o perónio, facto insuficiente para que deixasse de... continuar em campo na etapa complementar e ajudasse o Celta a vencer por 4-1.

Ricardo Zamora, em Vigo,
na qualidade de treinador
De volta à Primeira Divisão, o Celta viveu nas três temporadas seguintes alguns dos capítulos mais cintilantes da sua história. Sempre... aos ombros daquela que era já a sua maior estrela, Pahiño. Nos palcos da Primeira o goleador galego foi pedra fundamental para que os celestes se firmassem como uma das equipas mais encantadoras da liga, e sobretudo num osso duro de roer para emblemas de maior dimensão. Que o diga o poderoso Real Madrid, que em 45/46 tombou em Balaídos por concludentes 3-0, ou o campeão dessa temporada, o Sevilha, que nas Rias Baixas afundou-se depois de ter levado quatro (a zero)! Foi igualmente durante o regresso do Celta ao convívio entre os grandes que nasceu uma rivalidade protagonizada entre dois mitos da história do futebol espanhol na arte de fuzilar as redes contrárias. Pahiño, claro está, e Telmo Zarra, o herói basco do Athletic de Bilbao que ainda hoje detém o título de melhor marcador de sempre da Primeira Divisão espanhola, com 252 remates certeiros. Zarra, como iremos perceber nas próximas linhas, foi quiçá o grande obstáculo que Pahiño encontrou ao longo da sua carreira para conquistar um lugar de destaque no... Olimpo do futebol global. Em 45/46 o celtista apontou 15 golos, menos nove que Zarra, que desta forma levava para a sua vitrina pessoal o troféu Pichichi, galardão que distingue o melhor marcador do campeonato espanhol. E se Pahiño e Zarra lutavam entre si por um lugar na eternidade do belo jogo, na época seguinte Vigo acolhe de braços abertos um homem que há muito repousava no panteão do desporto rei planetário. O seu nome? Ricardo Zamora. Il Divino, como ficou imortalizado na história do jogo, era agora treinador, e depois de ter passado pelos bancos do Nice (França) e do Atlético Aviación (nome pelo qual na época era conhecido o atual Atlético de Madrid) assentava arraiais nas Rias Baixas, onde iria construir uma equipa lendária.
A lendária equipa do Celta de Vigo que subiu ao relvado do Metropolitano de Madrid
para jogar a final da Copa del Generalíssimo de 1948
E se a primeira temporada (46/47) de Zamora em Vigo não foi por ai além, já que o Celta não conseguiu melhor do que um 9º lugar, a segunda foi a todos os títulos memorável. Para o Celta e para... Pahiño. A nível coletivo os celtistas alcançariam um inédito quarto posto, ficando a somente seis pontos do campeão Barcelona, na sequência de uma coleção de resultados absolutamente brilhantes. Vejamos: De Balaídos saíram humilhados o campeão Barcelona (3-2), o vice- campeão Valência (5-2), o Atlético de Madrid (3-1), e o Real Madrid (4-1). Aliás, os merengues iriam sofrer nessa mítica época uma dupla humilhação aos pés dos pupilos de Zamora, visto que na capital a dose (4-1) repetiu-se a favor dos galegos. Mas a epopeia galega não se ficou por aqui. Na Copa del Generalíssimo - atualmente denominada como Copa del Rey - o Celta alcançou a final, onde seria travado pelo Sevilla (4-1) no Metropolitano de Madrid, o mesmo recinto onde poucos anos antes Pahiño e o Celta haviam sido tão felizes.
Apesar da derrota, o Celta foi rotulada como a equipa sensação dessa temporada, muito graças ao cunho pessoal da sua estrela-mor, Pahiño, que com 23 golos venceu o seu primeiro Troféu Pichichi.
A veia goleadora de Pahiño era por demais saliente, e nesse ano de 1948 atinge a sua primeira internacionalização, ao representar a Espanha num amigável ante a Suíça, ocorrido em Zurique.

Com a camisola do Real Madrid
A brilhante caminhada celtista chamou à atenção dos tubarões do futebol espanhol, que centravam os seus olhares devoradores em nomes como Miguel Muñoz, Alonso, e claro, Pahiño, as estrelas daquele Celta. Sabendo que o seu talento era por demais admirado por clubes de maior envergadura o internacional galego exigiu à direção azul celeste um aumento de salário, argumentando que era não só um dos grandes abonos de família da equipa, como também que outros colegas seus que raramente pisavam o relvado - na condição de titulares - usufruiam de salários muito mais elevados do que o seu. A ação de Pahiño foi desde logo apelidada de anti-celtista, e o jogador é de pronto olhado por dirigentes, (alguns) companheiros, e muitos adeptos, como mercenário, anti-galego, ou conflituoso, alguns do mimos que recolheu naquele verão de 48. Cansado deste braço de ferro, equacionou a hipótese de abandonar o futebol (!), pensamento somente travado pelo Real Madrid, que nesse final de temporada de 47/48 viaja até Vigo para pescar Miguel Muñoz, Alonso, e Pahiño. Consumado o divórcio com o Celta o goleador galego celebram casamento de cinco épocas com o laureado emblema da capital, conquistado de pronto a admiração dos exigentes adeptos merengues na sequência da sua infindável garra aliada à vincada veia de concretizador nato. Na primeira temporada equipado de blanco, o galego aponta 21 golos, ficando a somente sete do Pichichi desse ano, César, do Barcelona. Nos anos que se seguiram o seu nome figurou sempre no top 5 da lista dos melhores marcadores da Primeira Divisão, sendo que em 51/52 alcança o título de Pichichi da Liga pela segunda vez na sua carreira, fruto dos 28 golos convertidos. Despediu-se do Real Madrid na temporada seguinte, porque Don Santiago Bernabéu, o lendário presidente do clube, não renovava por mais de um ano contrato com jogadores cujo Bilhete de Identidade apresentasse uma idade superior a 30 anos. Pahiño queria mais tempo - três anos de contrato, ao que consta - e a polémica instalou-se de novo na carreira de um jogador que se viu obrigado a procurar abrigo noutro local. Consta-se - ainda - que o Real Madrid não fez grande esforço em tentar segurar o galego, até porque tinha acabado de contratar um jovem prodígio argentino chamado... Alfredo Di Stéfano. Aquele que muitos afirmam ter sido o melhor jogador da história do clube merengue herdou a camisola número 9 do galego Pahiño, que partia de Madrid com um impressionante registo de 108 golos apontados em 122 jogos disputados, mas com a mágoa de nunca ter ganho um troféu coletivo com o colosso madrileno.

Pahiño festeja um golo com a camisola do Depor
Algo frustrado, Pahiño procura abrigo na sua região natal, a Galiza, para onde regressa no verão de 1953, com o intuito de representar o... Deportivo da Corunha! Foi como um punhal cravado nas costas da afición celtista, que via uma das suas maiores lendas, um filho da terra, vestir agora a camisola do eterno inimigo do norte, o Depor. Na Corunha esteve três temporadas - sempre na Primeira Divisão - tendo apontado perto de meia centena de golos com a camisola azul e branca. Dois deles tiveram um sabor muito especial. Em 1955/56 o Depor visita Chamartín, a casa do Real Madrid, tendo ai alcançado a sua primeira vitória de sempre na capital, na sequência de um resultado de 2-1... com dois golos de Pahiño. Estava consumada a vingança. Após abandonar a Corunha ainda jogou uma temporada na Segunda Divisão ao serviço do Granada, o tal clube que anos antes lhe havia dado cabo do perónio no Metropolitano de Madrid, mas o tempo acabou por apagar as más memórias desse momento menos feliz da carreira do homem de San Playo de Navia, o qual ajudou os granadenses a subir à divisão maior do futebol espanhol. Posto isto: missão cumprida, e Pahiño pendurava as chuteiras com um impressionante registo de 212 golos apontados em quase 300 encontros - 295 para sermos mais precisos - disputados.

Pahiño, numa das suas curtas
aparições com a camisola da seleção
Face a este cartão de visita uma pergunta impõe-se: E a seleção, porque não aproveitou o faro pelo golo que Pahiño sempre patenteou mais do que cinco ocasões (?) - as vezes que o jogador vestiu a camisola da Roja em partidas de caráter particular. A resposta é simples. Aliás, a dupla resposta. Em primeiro lugar porque o número 9 da seleção era propriedade quase exclusiva do basco Zarra, e em segundo porque o galego era uma figura incómoda para o regime franquista! Passamos a explicar. Pahiño era um devorador de livros de Tolstoi, ou Dostoyevski, autores mal amados na Espanha dominada pelo ditador Franco. As influências destes autores na personalidade do galego eram evidentes, sendo que a sua (diferente?) forma de pensar, de ver o Mundo que o rodeava, ter-lhe-á causado inúmeros dissabores ao longo da carreira, o mais duro deles todos quiçá o facto de poucas vezes ter sido chamado à seleção do seu país, já que os dirigentes da federação não iam muito à bola com o... goleador comunista, como era então conhecido Pahiño nos meandros do futebol espanhol. Não fosse isso - e claro está, Zarra - e talvez o galego tivesse sido uma das grandes figuras do Mundial de 1950, onde a seleção de Espanha tão boa conta deu de si. Mas... «gozei do pior dos amores: o amor próprio», disse um dia Pahiño quando resumiu a sua (curta) carreira internacional. Viria a falecer em Madrid, aos 89 anos, a 12 de junho de 2012.

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