sexta-feira, maio 02, 2014

ENTREVISTA: O endiabrado Marlon Brandão retira do seu baú de memórias alguns momentos de uma brilhante carreira


O fascínio pelas redes adversárias sempre
acompanhou Marlon Brandão ao longo
da sua caminhada no planeta do futebol
Ele foi um dos maiores pesadelos dos defesas do futebol português nas décadas de 80 e 90. Dono de um drible desconcertante aliado a uma velocidade vertiginosa ele perpetuou a sua figura na mente dos adeptos do belo jogo, na mente de todos aqueles que exultavam com o futebol espetáculo, há que sublinhá-lo. Ele é Marlon Brandão, o endiabrado Marlon que nos relvados por si pisados desenhou verdadeiras obras de arte que hoje o Museu Virtual do Futebol tem o prazer de recordar ao receber - com honra - a visita deste artista nascido a 1 de setembro de 1963 na cidade paulista de Marília. Por nós acompanhado numa cativante viagem ao passado o antigo craque da bola com nome de estrela de cinema - Marlon Brando - reviveu alguns dos principais capítulos da sua inesquecível história no planeta do futebol, com destaque para o período vivido em Portugal, onde foi o terror de uma série de zagueiros cujos nomes prefere nem se lembrar em virtude das duras placagens de que foi alvo. A glória alcançada ao serviço do Boavista, a curta mas feliz passagem pelo Estrela da Amadora, e o período de seca (de títulos) vivenciado em Alvalade foram alguns dos temas retirados do baú das memórias de uma lenda que hoje - na casa dos 50 anos - continua ligada ao mundo da modalidade que tanto ama, agora na qualidade de empresário. A bola é tua Marlon.

Museu Virtual do Futebol (MVF): Como todas as histórias também a do Marlon Brandão teve um início...
Marlon Brandão (MB): ...É. A minha história começou na minha cidade natal, Marília, no Estado de São Paulo, onde com 17 anos fui chamado ao time principal do Marília Atlético Clube, que naquela época (princípio da década de 80) disputava um dos melhores campeonatos do Brasil, o famoso Paulistão (nota: a alcunha pelo qual é popularmente conhecido o Campeonato Estadual de São Paulo). Depois disso segui para o Guarani de Campinas, onde estive durante três anos, a jogar na 1ª Divisão brasileira, tendo tido como companheiros grandes jogadores brasileiros, como por exemplo, o Careca, que foi internacional e jogou no Napoli juntamente com o Maradona


Careca e Marlon,
nos tempos do Guarani
MVF: Se não me engano, foi durante a sua estadia em Campinas que o Marlon passou a atuar nas alas, pois em Marília, onde permaneceu até 1982, era um matador de área, ou seja, jogava como avançado-centro...
MB: Sim, é verdade. No Marília, onde fiz a minha formação como futebolista, eu comecei a jogar como centro avante, pois apesar da minha (baixa) estatura eu cabeceava bem, além de que também rematava bem e tinha muita garra, o que incomodava muito os defesas contrários. Era igualmente um jogador com muita velocidade, com um bom drible, e foi efetivamente no Guarani que comecei a treinar na linha. 

MVF: E assim começou a saga do endiabrado Marlon, o homem dos dribles desconcertantes construídos a uma velocidade vertiginosa para os defesas contrários. Contudo, e olhando para a história, em Campinas o Marlon apenas aprimorou, digamos assim, um talento que viria a ser aproveitado mais tarde por outros emblemas.
MB: Depois do Guarani eu fui emprestado ao Esportivo de Bento Gonçalves, do Rio Grande do Sul, em 1984, e lá fiz um belíssimo campeonato, em que se não me engano apontei 10 golos. Foi nessa altura que fui contactado pelo treinador Ernesto Guedes, que me viu jogar e me indicou ao Santa Cruz do Recife, onde posteriormente fui então emprestado por um ano. Nesse ano de 1985 eu fiz um grande campeonato brasileiro com a camisa do Santa Cruz, marquei 8 golos no Brasileirão (nota: a alcunha pelo qual é conhecida a Série A do Campeonato do Brasil) e 12 no campeonato de Pernambuco. Foi então que o Santa Cruz comprou em definitivo o meu passe ao Guarani, e posso dizer que passei grandes momentos em Pernambuco, onde fui ídolo com a camisa do Santa Cruz, e até hoje os torcedores têm o maior carinho e respeito por mim. 

Marlon, festeja um golo
com a camisola do Santa Cruz
MVF: Em Pernambuco o endiabrado Marlon mostrou-se ao mundo do futebol...
MB: Como já disse passei grandes momentos nos dois anos que joguei pelo Santa Cruz. Fui campeão estadual em 1986, fiz grandes jogos no Campeonato Brasileiro, e isso valeu-me a chamada à seleção de novos (nota: também conhecida por seleção de base) do Brasil para disputar o Campeonato Sul-Americano, que nesse ano decorreu no Chile...

MVF: ... Recorde-nos esse momento histórico da sua carreira, o momento em que envergou a mítica camisa do escrete.
MB: Recordo-me que o selecionador era o Jair Pereira, que trabalhou em clubes como o Fluminense, Bofafogo, Corinthians, entre outros. O nosso capitão de equipa era o Dunga, que toda a gente conhece. Quanto a mim, posso dizer que tive uma boa participação nesse campeonato, joguei bem nos três jogos que disputei. Infelizmente perdemos nas meias-finais com a Colômbia, no desempate através de grandes penalidades, tendo acabado por nos classificar em terceiro lugar. Guardo pois boas memórias dessa minha experiência com a seleção.



Em representação da seleção de base
do Brasil, aqui a defrontar a Colômbia
MVF: Foram essas boas exibições pela seleção de base aliadas às excelentes épocas patenteadas pelo Santa Cruz que o ajudaram a conquistar o passaporte para o futebol europeu? Isto, porque, e olhando para as datas, foi precisamente em 86 que as portas do futebol europeu se abriram para o Marlon.
MB: Bom, antes de ir para Portugal apareceram várias propostas de clubes brasileiros, já que eu tinha realizado dois bons campeonatos brasileiros. Entre outras recordo-me que recebi propostas do Internacional e do Palmeiras, último clube este do qual eu era, e sou ainda, adepto. Mas foram propostas que não me interessaram muito, e foi em seguida que apareceu o Sporting que me fez uma proposta sobre a qual nem pensei duas vezes. Aceitei de imediato. 

MVF: O nome do Sporting era-lhe familiar?
MB: Sim, o nome do Sporting era muito conhecido aqui no Brasil. Recordo que na época (1986/87) jogavam lá alguns brasileiros, como por exemplo o Duílio, o Silvinho, ou o Mário. E o que posso dizer é que fui bem recebido assim que cheguei. Recordo, no entanto, que a adaptação no início foi difícil, sobretudo ao nível do clima, pois não é fácil sair de Recife com temperaturas a rondar os 40 graus e chegar a Lisboa com os termómetros a marcarem 5 graus. Mas depois tudo foi tranquilo. 


No período em
que vestiu a camisola
do Sporting


MVF: Esteve três temporadas em Alvalade, sendo que pelo meio ainda foi emprestado ao Estrela da Amadora, em 88/89. Porém, no Sporting viveu o período da chamada "seca de títulos", sendo a exceção a Supertaça Cândido de Oliveira de 86/87, conquistada diante do Benfica, dois jogos em que o Marlon foi suplente utilizado. Uma supertaça que no entanto soube a pouco para um clube que estava sedento de títulos nacionais desde 1982...
MB: Eu fiz um bom trabalho no Sporting, e de facto apenas faltou conquistar um título de campeão nacional. Não foi por falta de qualidade do grupo, que sempre teve grandes jogadores. Lembro, por exemplo, do Vítor Damas, Manuel Fernandes, Oceano, Venâncio, o bi-bota (de ouro) Fernando Gomes, Luisinho, Douglas, Duílio, Mário, Silvinho, lembro ainda do Figo, que na época era um garoto que treinava muitas vezes com o plantel principal, o Carlos Manuel, o meu amigo Fernando Mendes, puxa, tanta gente com quem tive o prazer de trabalhar, todos eles grandes jogadores, e como tal não foi por falta de qualidade que o Sporting não foi campeão nesse período em que estive lá. Como você falou estive uma época no Estrela da Amadora, clube para o qual fui emprestado na sequência de alguns problemas que tive com o então treinador do Sporting (nota: António Morais) e recordo que fiz uma boa época na Reboleira, além de que guardo excelentes recordações do clube, no qual fui muito bem acolhido por todos, desde o presidente, passando pelo treinador João Alves, pelos meus companheiros, e pela torcida.


MVF: Facto curioso que sobressai na estadia de oito temporadas do Marlon em Portugal é a sua veia goleadora em finais de Taça de Portugal!
MB: Pois é, disputei três finais de taça, uma pelo Sporting (em 1987 contra o Benfica) e duas pelo Boavista (uma ante o FC Porto em 1992, e outra diante do Benfica no ano seguinte), e fiz golos em todas elas. 
A equipa do Boavista que no relvado do Jamor venceu a Taça de Portugal de 1992
MVF: Por falar em Boavista, a sua carreira no Bessa, onde chegou em 90/91, é ainda hoje por muitos considerado o melhor período do Marlon Brandão ao serviço do futebol português. Foram de facto quatro épocas douradas de xadrez vestido...
MB: Na verdade no Boavista tudo foi ótimo! Vencemos uma Taça de Portugal (em 1992) com uma vitória sobre o FC Porto, em que fiz um golo de cabeça, e em cima do mesmo Porto vencemos a Supertaça Cândido de Oliveira com dois golos meus. Fui muito feliz no Bessa, onde convivi com grandes nomes do futebol, gente muito boa, como o Alfredo, o Paulo Sousa, o Caetano, o Casaca, o João Vieira Pinto, o Ricky, o Artur, o Lemajic, o Nélson Bertollazi, o Pedro Barny, entre outros. Ah, não me posso esquecer da eliminatória da Taça UEFA de 1991/92 contra o poderoso Inter de Milão, que era o detentor do troféu, e que tinha grandes nomes internacionais, como o Klinsmann, o Matthaus, o Brehme, ou o Zenga, e que no Bessa perdeu 2-1, tendo eu feito um dos golos, golo esse que até hoje recordo, já que foi um dos mais bonitos e importantes da minha carreira. Nesse jogo demos uma lição de humildade aos jogadores do Inter, que antes do encontro haviam dito que nós (Boavista) éramos o clube das camisolas esquisitas e depois... deu no que deu. No futebol, como na vida, tem de haver humildade, certo? Pois bem, volto a dizer que fui muito feliz no Boavista, assim como o fui no Estrela, e no Sporting, onde apenas faltou um título de campeão nacional. 

Marlon segura a Supertaça
Cândido de Oliveira que ajudou
a conquistar com dois golos seus
MVF:  No Bessa conviveu com uma figura marcante na história do clube, o major Valentim Loureiro.
MB: Tudo o que posso dizer sobre ele é que sempre foi correto comigo.

MVF: E treinadores, quais os nomes que o marcaram durante a sua passagem por Portugal?
MB: Sem dúvida alguma o mister Manuel José, que aliás me trouxe para Portugal, para o Sporting, e o João Alves, com quem trabalhei no Estrela e me levou para o Boavista. 


MVF: Recordando o seu estilo diabólico, com sprints serpenteantes que punham a cabeça dos defesas contrários à roda, também deve reter na memória alguns nomes das vítimas do seu futebol rendilhado.
MB: Puxa, zagueiros duros encontrei muitos ao longo da minha carreira, tanto no Brasil como em Portugal. Sempre fui vítima de entradas violentas por parte de alguns deles em consequência da minha forma de jogar. Batiam-me tanto que nem gosto de me lembrar dos nomes deles (risos). Eram muito maldosos, sim, mas já faz tanto tempo que nem vale a pena falar em nomes.


Infernizando a vida aos adversários
com as cores do Valladolid
MVF: Terminou a carreira no futebol europeu na temporada de 93/94, altura em que deixou Portugal para rumar a Espanha, onde trabalhou no Valladolid, embora sem o sucesso granjeado em solo lusitano...
MB: Sim, confesso que em Espanha as coisas podiam ter corrido melhor, mas mesmo assim recordo essa passagem pelo Valladolid, da 1ª Divisão espanhola, como uma boa experiência. À semelhança de Portugal encontrei lá boas pessoas, que foram sempre muito corretas comigo. 

MVF: Olhando para o presente, onde o Marlon continua ligado ao futebol, agora na qualidade de empresário. Hoje em dia são muitas ou poucas as semelhanças com o futebol do seu tempo?
MB: Olha, na minha época era tudo muito diferente. Jogávamos com amor à modalidade, e hoje tem cada jogador que vou-te contar... Jogadores muito fracos, mas que são muito bem pagos. Imagina se hoje o Futre, um jogador que eu adorava ver atuar, ou o Maradona jogassem, pensa só quanto eles iriam ganhar por ano!


Marlon, com as cores da canarinha
MVF: Não posso encerrar esta visita ao Museu sem antes pedir a sua opinião sobre um evento que daqui a poucos dias vai decorrer ai no Brasil, o Campeonato do Mundo. Quais as suas previsões para essa Copa.
MB: No aspeto desportivo as minhas espectativas são as melhores, ou seja, acho que o Brasil pode ganhar a copa, vai ser difícil mas pode alcançar o hexa campeonato. Agora, quando se fala em estruturas acho que a copa vai ser um fracasso, pois o país não está preparado para receber um evento como esse. Infelizmente, vocês vão ver que eu tenho razão quando o campeonato começar. Gastaram muito dinheiro na construção de estádios, mas em muitos Estados falta ainda muita coisa no que diz respeito a estruturas. Essa Copa vai ser um caos!

MVF: É esperar para ver. Bem Marlon, só podemos agradecer-lhe o facto de ter aceite o nosso convite para visitar o Museu Virtual do Futebol e recordar, ainda que ao de leve, alguns episódios da sua brilhante carreira...
MB: ... Eu confesso que não gosto muito de dar entrevistas, mas aceitei esse convite em consideração a um país (Portugal) onde sempre fui tratado com carinho e respeito. Envio daqui um grande abraço para todo o povo português, esperando que o país saia rapidamente dessa crise financeira pela qual está passando de momento.

MVF: É, a crise, palavra maldita para um povo admirador do talento bruto de um dos melhores jogadores do campeonato português dos finais dos anos 80 e principios de 90, um dos atletas responsáveis pela minha eterna paixão pelo belo jogo, um dos meus ídolos de menino. Foi pois com enorme satisfação que troquei estas palavras com uma lenda eterna do futebol, com um grande senhor, que além de craque - ou ter sido um craque - prima por uma simplicidade e simpatia extrema, característica pouco comum no futebol de hoje. Infelizmente. Obrigado Marlon. 

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