terça-feira, maio 28, 2013

Estrelas cintilantes (34)... Magnar Isaksen


Com o avançar dos anos - desde a sua (re)criação - os Jogos Olímpicos tornaram-se num acontecimento mediático à escala mundial. A industrialização – as vias de comunicação, o telégrafo, a imprensa, a rádio, e mais tarde a televisão – ajudou a que as Olimpíadas da Era Moderna adquirissem o estatuto de maior espetáculo desportivo do planeta durante a primeira metade do século XX. De quatro em quatro anos olhares provenientes dos mais diversos pontos do Mundo centravam-se nas demonstrações da mestria atlética de homens das mais variadas raças, credos e religiões. Na qualidade de grande evento global os Jogos Olímpicos tornaram-se alvo de interesses políticos, adquirindo o papel de importante veículo de promoção de ideologias políticas. Olhando para as Olimpíadas como um instrumento para conquistar o poder, regimes políticos serviram-se do mediatismo do evento para vangloriar o seu nacionalismo e mostrar a superioridade da raça em relação às demais. O significado de uma medalha de ouro foi alterado, o que dantes premiava a excecionalidade de um atleta era visto pelos regimes políticos como um meio para mostrar ao Mundo a superioridade da sua nação em relação às suas congéneres. O atleta tornava-se assim num objeto do seu Estado de origem com a finalidade de evidenciar a supremacia de uma raça, enquanto que o mediatismo global do evento olímpico era visto como uma vitrine para que regimes políticos e/ou sociedades pudessem vincar no plano externo as suas ideologias políticas e/ou sociais. 


O ano de 1936 é um bom exemplo de como os meios políticos procuraram usar a popularidade dos Jogos Olímpicos para evidenciar ao Mundo as suas ideologias. Berlim acolheu nesse referido ano aquela que era já inequivocamente a maior manifestação desportiva do planeta. A Alemanha de então vivia sob o regime nazista comandado por Adolf Hitler. Vendo nos Jogos a ferramenta ideal para mostrar ao Mundo a superioridade da raça ariana o líder nazi não se pouparia a esforços para fazer destas as Olimpíadas mais espetaculares da história. 

Hitler montou uma autêntica máquina de propaganda política através dos Jogos. Com um orçamento ilimitado não deixou ao acaso o mínimo detalhe que pudesse colocar em perigo a sua estratégia de assalto ao poder através do mega evento desportivo. Um estádio olímpico foi construído propositadamente, e aos atletas alemães tudo era dado e permitido para que se pudessem preparar conveniente para o evento e desta forma conquistar o máximo número de medalhas de ouro que traduzissem a superioridade da raça ariana. 


O mediatismo dos Jogos atingia o ponto mais alto da sua história até então. 49 países marcavam presença em Berlim representados por cerca de 4000 atletas. Um recorde para a altura. Pela primeira vez a televisão associava-se ao evento, difundindo imagens do populismo nazi que tomou conta de Berlim para todo o Mundo. O maior evento desportivo do planeta estava transformado numa gigantesca manifestação de índole nazi perante o olhar do Mundo. Tudo parecia correr de feição a Hitler até ao momento em que surge um descendente de escravos que com a mestria da sua performance atlética desmoronou a máquina de propaganda nazi edificada por Hitler. Jesse Owens, era o nome deste norte americano que logo nas primeiras provas (de atletismo) dos Jogos de 1936 arrecadou quatro medalhas de ouro para espanto do planeta que seguia com atenção os desenlaces de Berlim.

A proeza do negro Owens desde logo se tornou numa epopeia que deitou por terra as aspirações de Hitler em transformar um evento desportivo de cariz global numa manifestação do regime nazista por si liderado. A saga de Owens fez com saísse de Berlim endeusado por todos, inclusive pelo próprio público alemão, com exceção de Adolf Hitler, por motivos óbvios, claro está.
Bom, esta pequena sinopse retrata não só um pouco a essência dos Jogos (re)criados pelo Barão Pierre de Coubertin nos finais do século XIX como também uma das edições mais mediáticas da história deste mega evento desportivo global. Mas o que ainda hoje muita gente desconhece é que não foi apenas Owens o causador dos planos de Hitler terem ido por água abaixo em 1936. E é aqui que se inicia esta nossa viagem ao passado... 

Jesse Owens pode até ter sido o elemento mais medático a desencadear a revolta - diria mesmo o ódio - de Adolf Hitler pelo facto de os seus discípulos terem sido humilhados, mas um outro homem, cujo foco da carreira desportiva praticamente se resumiu à efeméride que hoje vamos recordar, o facto que o tornou imortal na história do futebol, teve igualmente uma grande parte da responsabilidade por deixar furioso o... fuhrer. O seu nome é Magnar Isaksen, futebolista norueguês que integrou a lendária seleção nórdica que participou no torneio olímpico de futebol em 1936. Futebol que apesar da sua (já) vincada popularidade por aqueles dias até esteve para nem figurar no cartaz olímpico de Berlim! Ao que parece Hitler detestava o belo jogo (!), mas como este era tão só a modalidade rainha do planeta o fuhrer não teve dúvidas em inclui-lo no programa olímpico, e assim tirar partido da popularidade do jogo. Para a sua seleção nada faltou, tratando os seus futebolistas como verdadeiros membros da realeza, com o intuito de agarrar o ouro olímpico e assim atrair até si as luzes da ribalta
E as coisas até nem começaram nada mal para os germânicos, que na primeira ronda do torneio esmagaram o Luxemburgo por 9-0, para contentamento dos pares de Hitler, os quais após a pomposa vitória correram de imediato a avisar o fuhrer do massacre que haviam infringido aos frágeis luxemburgueses. Talvez devido a esse entusiasmo, o líder nazi fez questão de aparecer no encontro seguinte, a contar para os quartos-de-final, cujo adversário era a Noruega, que na eliminatória inicial se havia desenvencilhado da Turquia por 4-0. 

Reza a lenda que até então Adolf Hitler nunca havia presenciado uma partida de futebol (!), mas convencido pelos seus pares decide marcar presença no pomposo Estádio Olímpico de Berlim para ver a sua Alemanha ganhar e desta forma subir mais um degrau rumo ao ouro olímpico. Sim, ganhar, pois não lhe passava pela cabeça que depois dos nove golos aplicados aos luxemburgueses a sua equipa pudesse cair aos pés daqueles desconhecidos noruegueses. Aliás, os seus pares haviam-lhe garantido que a Alemanha não iria perder!!! Como estavas enganados. 

Não só cairam, como cairam com estrondo, graças a uma tarde inspirada do até então desconhecido avançado Magnar Isaksen. Atleta este nascido a 13 de outubro de 1910, na cidade costeira de Kristiansund, iniciando a sua - praticamente enigmática - carreira no clube da sua terra. Seria no entanto ao serviço do gigante norueguês Lyn (da capital Oslo) que Isaksen percorreu a maior parte do seu trajeto futebolístico. 1936 é na realidade um ano inesquecível na vida da nossa estrela cintilante de hoje, já que a 26 de julho faz o seu debute com a seleção nacional norueguesa, num encontro particular ante os vizinhos da Suécia. Uma estreia que não poderia ter corrido melhor, já que além da vitória (4-3) Magnar, que então contava com 26 anos, fez um dos golos da sua equipa. Se dúvidas existissem esta performance do avançado do Lyn convenceu o selecionador nacional Asbjorn Halvorsen a dar-lhe o cartão de embarque para Berlim, onde a Noruega iria escrever a página mais bela da sua história futebolística. Depois da já referida robusta vitória sobre a Turquia os noruegueses enfrentavam a turma da casa. 

Sem se intimidar com a presença de Adolf Hitler na tribuna de honra Magnar Isaksen silenciou por completo o estádio olímpico logo aos 7 minutos, quando pela primeira vez na tarde bateu o guardião Hans Jakob. Hitler terá gelado por esta altura, mas será que este não era mais do que um mero golpe de sorte de um duelo que ainda nem sequer tinha aquecido? Não, já que a Noruega controlou a contenda a seu bel prazer, e confirmaria essa superioridade já muito perto do fim - 83 minutos - e de novo pela estrela da tarde, Magnar Isaksen. 2-0, resultado final. Hitler, de cara fechada, de pronto abandonou o estádio olímpico, furioso, ao passo que Isaksen passava a ser inimigo eterno do fuhrer, tal como Jesse Owens, enquanto que para o seu povo ascendia à categoria de herói nacional.
A Noruega avançada para as meias-finais contra todas previsões, fase esta onde iria cair aos pés da futura campeã olímpica, a Itália. O prémio para a inolvidável façanha norueguesa viria com a conquista da medalha de bronze, após um trunfo sobre a Polónia por 3-2. Para sempre esta seleção nórdica ficaria conhecida como a equipa de bronze

Esta geração de futebolistas de um país que raramente marcou presença em grandes eventos futebolísticos viveu ainda um segundo momento inesquecível, dois anos após a epopeia de Berlim, em França, país que acolheria a fase final do Campeonato do Mundo. Noruega que era um dos 15 participantes, sendo que os caprichos do sorteio ditaram que a Itália - campeã do Mundo e olímpica em título - seria o adversário na primeira eliminatória. Na tórrida tarde de 5 de junho de 1938 Magnar Isaksen fazia parte do onze nórdico que subiu ao relvado do Stade Velodrome para enfrentar Giuseppe Meazza e companhia. E o que se assistiu foi a mais uma magnífica exibição norueguesa, obrigando a squadra azzurra a horas extras - isto é, prolongamento - para passar à eliminatória seguinte. 2-1 a favor dos italianos - que viriam a consagrar-se neste campeonato de novo senhores do Mundo - mas a Noruega saiu de cena debaixo de fortes aplausos. 

Entre 1936 e 1938 Magnar Isaksen vestiu em 14 ocasiões a camisola da sua seleção, ao serviço da qual apontou cinco golos, sendo que dois deles - os de Berlim - fizeram dele uma lenda. Uma figura lendária não por ter sido um atleta extraordinário, nada disso, até porque a Noruega teve futebolistas de maior craveira, mas lendário porque foi graças ao seu instinto matador que Adolf Hitler ficou a detester ainda mais o futebol no único jogo a que assitiu na sua vida! Magnar Isaksen faleceu a 8 de junho de 1979.

Legenda das fotografias:
1-Magnar Isaksen 
2-Imagem do histórico jogo que colocou frente a frente a Alemanha e a Noruega nos Jogos de Berlim, em 1936
3-O imortal onze norueguês que enfrentou os germânicos, com Isaksen na fila de cima (identificado com um círculo)
4-Noruega enfrenta a Itália no Mundial de 1938.

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