sexta-feira, abril 13, 2012

Emblemas históricos (10)... Racing Club de Paris


De distinto membro da nobreza no passado a (quase) ignorado mendigo no presente, uma frase que poderia muito bem caracterizar a linha da vida do histórico emblema que hoje visitamos: o Racing Club de France. Recorda-lo faz-nos viajar até umas das cidades mais deslumbrantes do Mundo, Paris, a bela e sedutora Paris, eterna “mademoiselle” repleta de “glamour” que fez despoletar paixões arrebatadoras a grande parte dos comuns mortais que um dia (nem que fosse por um simples minuto) tiveram a fortuna de contempelar de perto da sua beleza, de sentir o seu inigualável perfume, e de se deixar cair nos seus sensuais braços.
Paris guarda um tesouro de histórias várias, da arte à literatura, passando pela pintura, pela ciência, pela política ou pela História, Paris é uma enciclopédia deliciosa. Foram muitos os artistas que por ela se enamoraram, assim à primeira vista lembramo-nos da Geração Perdida, composta por um leque de (hoje) celebridades literárias que nos anos 20 e 30 do século passado teve em Paris a sua principal fonte de inspiração para criar algumas das mais emblemáticas obras de arte literária do planeta. Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Ezra Pound, T. S. Eliot, ou James Joyce, todos eles se tornaram filhos adotivos desta cidade naquele período dourado. Mas também o futebol viveu tempos inolvidáveis naqueles “loucos” anos 20 e 30.
Foi em Paris que o Mundo ficou a conhecer a “Maravilha Negra” José Leandro Andrade, futebolista uruguaio que em 1924 deslumbrou os parisienses com a magia do seu futebol no Torneio Olímpico que coroou o Uruguai como... campeão do Mundo. Por esta altura Paris era habitada por um nobre do futebol francês, uma figura aristocrata que honraria nestes anos o já de si pomposo nome do seu berço, nobre esse batizado de Racing Club de France.
Nascera em 1882, em berço de ouro, concebido por membros da alta sociedade parisiense que dentro de si traziam a ambição de dar a Paris um clube condizente com a sua grandeza. Mas queriam fazê-lo... no atletismo. É verdade, o atletismo foi a razão do nascimento do Racing, que só em 1886 decidiu abraçar o futebol. E em boa hora o fez pois desde cedo fez parte do pelotão da frente do futebol francês, tendo sido um dos membros fundadores da 1ª Divisão gaulesa. Tal e qual um camaleão o Racing teve várias “peles” ao longo da sua existência, o mesmo será dizer várias designações, mas sempre a mesma ambição de vencer... nem sempre conseguida, como mais à frente veremos.
Precisamente no ano que o “desporto rei” passou a fazer parte do ADN do clube, este fundiu-se com o Stade Français, tendo sido um dos criadores da União de Sociedades Francesas Desportivas e Atléticas (USFDA). Entidade esta da qual saiu a já citada 1ª Divisão francesa, o primeiro campeonato (ainda que não oficial) daquele país. O Racing participou pela primeira vez nesta competição em 1889 e em 1907 obteve a sua primeira coroa de glória, o título de campeão do certame organizado pela USFDA.
Uma curiosidade na história do clube reside no facto de que este sempre viveu em “mansões” de luxo e carregadas de misticismo para o desporto mundial. O primeiro lar do Racing, o estádio Croix-Catelan, recebeu vários eventos desportivos alusivos aos Jogos Olímpicos de 1900, ao passo que a sua segunda casa, esta bem mais ilustre, guarda inúmeras páginas de ouro do futebol mundial, falamos do Stade des Colombes.
Nos anos que se seguiram ao campeonato da USFDA títulos oriundos de torneios de menor dimesão enfeitaram as vitrinas do Racing. Até que eclodia a I Grande Guerra Mundial e o futebol ficava paralizado.
Em 1917 o Racing é um dos integrantes da 1ª edição da Taça de França numa altura em que o profissionalismo começava a ditar leis. Sonhado e criado sob os ideais do amadorismo o clube começava a sentir dificuldades para fazer frente aos ventos do profissionalismo.

A gloriosa década de 30

Em 1932 a Federação Francesa de Futebol leva a cabo o primeiro campeonato profissional, e os amadores do Racing tiveram de repensar a sua existência. Foi então que surgiram com uma nova identidade, quase como um novo clube, distinto do amador Racing Club de France, com o nome de Racing Club de Paris. E seria precisamente com esta identidade que o clube iria viver os melhores anos da sua vida. Construindo um “exército” capaz de lutar de igual para igual contra os melhores o clube parisiense destacou-se nos patamares mais altos do futebol gaulês. Com jogadores lendários como o temível avançado Roger Couard ou o guarda redes da “equipa maravilha” da Áustria treinada por Hugo Meisl, Rudolf Hiden, o Racing atingiu a sua maior glória na época de 1935/36 com a conquista de uma histórica “dobradinha”, isto é, o campeonato e a taça. O único título de campeão nacional foi conquistado com um total de 44 pontos, apenas mais 3 que o vice campeão Lille, enquanto que na final da “Coupe de France” os parisienses batiam o Charleville por uma bola a zero, com um tento do inevitável Couard, num duelo ocorrido na então catedral do futebol francês, o Stade des Colombes, que então era já a casa do próprio Racing.
Até ao final da década mais duas taças francesas seriam guardadas nas vitrinas do clube, a de 1939 na sequência de uma vitória deslumbrante sobre o Lille por 3-1, com golos do argentino José Perez, de Emile Veinante, e do lendário franco-húngaro Jules Mathé, ao passo que na época seguinte a vítima foi o Marselha que na catedral des Colombes foi vergado por um super Racing por 2-1.
Na década seguinte o clube continuou a passear classe pelos campos de futebol da França, sendo que em termos desportivos mais duas taças gaulesas viajariam para Paris pelas mãos do Racing. A primeira delas em 1945, mais uma vez nos Colombes, perante o olhar de 50 000 pessoas, o Lille voltaria a sair da capital humilhado, desta feita por 3-0. Em 1949 foi arrecadada a quinta Taça de França, a última coroa de glória para o emblema parisiense. Depois disto o Racing entrou numa autêntica montanha russa, com mais “baixos” do que “altos”.

Declínio... ascenção... declínio

Quatro anos depois de vencer a sua última Taça de França o Racing batia no fundo com a despromoção à 2ª Divisão. A garra e o orgulho do seu recente passado foram no entanto atributos suficientes para que rapidamente o emblema voltasse ao convívio entre os grandes, e as luzes da ribalta se acendessem novamente perante a sua passagem na década de 60. Em 61/62 estão perto de somar o seu segundo título de campeão nacional, aliás, muito perto, já que este foi perdido para o Stade Reims apenas pela diferença... de golos marcados e sofridos!
Nesta altura a estrela da equipa era o polaco Thadée Cisowski, uma autêntica máquina de fazer golos que nas 8 temporadas em que vestiu a mítica camisola do clube fez 167 golos! Duas épocas mais tarde o Racing de Paris estreia-se oficialmente na Europa, o mesmo é dizer, nas provas da UEFA, uma presença há muito merecida para um emblema que havia já atraído até si... fama internacional pelas suas exibições dentro de portas num passado não muito longínquo. Seria no entanto uma aventura curta, já que na 1ª eliminatória da antiga Taça das Cidades com Feira (antecessora da Taça UEFA) o Racing seria eliminado pelo Rapid de Viena. Seguiu-se mais uma vez o declínio, e a consequente queda à 2ª Divisão. Problemas financeiros estiveram na origem desta nova descida ao inferno. No final da década de 60 o Racing Club de Paris morria, e no seu lugar surgia o Racing France que se viu obrigado a recomeçar do zero, isto é, nos escalões amadores (!), onde permaneceu durante 15 anos consecutivos.

Um desejo milionário pouco durador

Na década de 80 os clubes de futebol começavam cada vez mais a ser alvo apetecível para grandes magnatas ou megas empresas multinacionais. A Matra era por aqueles dias uma milionária empresa ligada à indústria automóvel, liderada pelo magnata Jean-Luc Lagardère, que em 1982 compra o clube com o objetivo de o fazer regressar aos velhos tempos de glória, sonhando fazer dele aquilo o que os seus fundadores haviam idealizado nos finais do século XIX: um clube de renome internacional. Para isso não se poupou a esforços, ou melhor a trocos, contratando uma série de notáveis jogadores que haveriam de recolocar o Racing entre os maiores do futebol francês. Entretanto, mais uma vez o clube era rebatizado, passando a partir daqui a chamar-se de Matra Racing. Nada mais natural. O argelino Rabah Madjer, que havia brilhado com intensidade no Mundial de 82, é a estrela da companhia de Lagardère, que num curto espaço de tempo quer recolocar Paris no mapa do futebol internacional pela mão do seu Matra.
Convém dizer que por esta altura dava os primeiros passos um promissor projeto futebolístico que tinha uma meta muito semelhante à de Lagardère, projeto esse que dava pelo nome de Paris Saint-Germain.
Os esforços do rico empresário francês deram frutos em 1984, altura em que o Matra Racing voltou à 1ª Divisão. A euforia foi grande e Lagardère voltou a abrir os cordões à bolsa nos anos seguintes, contratando estrelas de topo mundial como o alemão Littbarski, os internacionais franceses Pascal Olmeta e Maxime Bossis, o holandês Sonny Siloy, ou o “príncipe” uruguaio Enzo Francescoli. E para comandar uma constelação de estrelas ninguém melhor que o treinador que em 1987 chocou a Europa após ajudar o FC Porto a conquistar diante do poderoso Bayern de Munique a Taça dos Clubes Campeões Europeus, Artur Jorge. Os resultados obtidos foram... medianos, um pouco longe da meta sonhada por Lagardère, já que o meio da tabela era o habitat natural do milionário Matra. Isto levou a que a pouco e pouco o entusiasmo do milionário empresário em volta do clube começasse a arrefecer, e a última grande aparição do emblema foi na final da Taça de França de 1990, perdida para o Montepellier.
Depois disto nova queda à 2ª Divisão e Lagardère desapareceu de vez, deixando o Racing – que com a “fuga” do seu rico proprietário deixará de ser Matra – orfão e de volta aos tempos de penúria. Falido o clube começou a cair a pique pelos escalões secundários do futebol francês nos anos seguintes. Fizeram-se várias tentativas para o recolocar em patamares mais altos, mas em vão. Os campeonatos amadores seriam o cruel destino do emblema parisiense.
Em 2009 é feito um novo acordo, desta feita com a cidade de Levallois, cuja câmara municipal aceita ajudar o clube a combater as inúmeras dificuldades financeiras que vão surgindo pelo caminho. Dá-se então nova mudança de nome no “bilhete de identidade”: Racing Club de France - Levallois 92. E é desta forma que este nobre emblema continua a (sobre)viver... na 2ª Divisão do futebol amador de França. 

Legenda das fotografias:
1-Emblema do RCP
2-A histórica equipa que em 36 conquistou a Taça e o Campeonato de França
3-O lendário guarda redes austriaco Rudolf Hiden
4-Um dos primeiros grupos do milionário Matra Racing onde pontificava a estrela Rabah Madjer
5-O príncipe uruguaio Enzo Francescoli
6-O Matra liderado pelo português Artur Jorge em 1987/88

Nenhum comentário:

Postar um comentário