segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Futebol nos Jogos Olímpicos (1)... Londres 1908

Inauguramos hoje uma nova vitrina no Museu Virtual do Futebol, um novo recanto que se ergue com a intenção de recordar os factos e histórias de uma competição vista hoje em dia – ou desde sempre na verdade – como menor no reino do futebol internacional. Popular ou não ela foi no entanto a primeira grande prova planetária disputada por seleções, tendo sido olhada por muitos como o embrião daquilo o que viria a ser o Campeonato do Mundo. Sem mais demoras vamos dar início a uma – por certo – encantadora viagem pelo planeta do futebol no seio dos Jogos Olímpicos, onde a bordo da “máquina do tempo” viajaremos até 1908 para vivenciar um pouco daquilo o que foi a primeira edição oficial de um torneio olímpico de futebol.
Londres acolheu a 4ª edição do sonho de Pierre de Coubertin, um idealista francês nascido em Paris a 1 de janeiro de 1863 que em adolescente fazia das escarpas de Étretat (Normandia) o seu esconderijo predileto e de onde a sua mente viajava pelo longo mar azul que dali se deparava ante o seu olhar que o levava até aos feitos ocorridos em Olimpia descobertos por si, enquanto menino, nos livros que guardavam as epopeias dos heróis – ou mitos – da Grécia antiga. Fascinado por essas míticas olímpiadas o jovem Pierre sonhava em ressuscitar os jogos para a Idade Moderna, fazendo renascer um espírito olímpico que unisse o mundo e ao mesmo tempo endeusasse o homem...
1896 é um ano histórico para a humanidade, o ano em que o sonho de Pierre se torna em realidade, cabendo à Grécia – só podia ser – a honra de albergar os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna.
Por esta altura o futebol ganhava contornos crescentes de popularidade um pouco por todo o mundo, sendo que em Inglaterra era já profissional desde 1885! Profissionalismo que era encarado por Coubertin como o inimigo da verdadeira essência dos Jogos Olímpicos, os quais, para o barão francês, deveriam assentar, tal como na Grécia antiga, na pureza do amadorismo.
Talvez por isto, ou não (há quem diga que a falta de participantes foi o facto responsável pela ausência daquele que é hoje denominado de “desporto rei” dos primeiros Jogos Olímpicos modernos), o futebol não tenha tido lugar cativo na 1ª edição das Olímpiadas modernas, sendo que a bola apenas começou a saltar pela primeira vez num evento deste género em 1900, nos Jogos realizados em Paris, mas apenas como modalidade de... exibição. Isto é, não oficial... segundo os desígnios da FIFA, pese embora o Comité Olímpico Internacional (COI) tenha reconhecido posteriormente como oficiais as primeiras aparições da modalidade nas Olímpiadas.
Procedimento semelhante foi repetido quatro anos mais tarde, durante as Olimpíadas de Saint Louis, onde tal como em Paris o torneio de futebol foi disputado por clubes amadores ou equipas oriundas de universidades, ao invés de seleções nacionais como mais tarde viria a acontecer. Quer em Paris quer em Saint Louis os torneios de futebol não tiveram mais do que três equipas a participar (!), sendo que na bela capital francesa o certame foi vencido pelo conjunto do Upton Park, que representava a Grã-Bretanha, ao passo que na cidade norte amereicana o título – se é que assim pode ser chamado – ficou na posse do Galt City, combinado oriundo do Canáda.
Coincidência ou não com a criação da FIFA em 1904 o futebol passou a ser um dos atores oficiais das Olíimpadas, cabendo à entidade máxima do futebol global apenas a tarefa de supervisionar o primeiro torneio olímpico de futebol oficial. Tudo sobre o olhar desconfiado do COI, que continuava a repovar a profissionalismo do futebol, afastando-o do nobre e puro amadorismo que deveria cercar – em seu entender – a essência do desporto. Porém, convencidos pela Football Association (Federação Inglesa de Futebol) e pelo presidente de então da FIFA, o inglês Daniel Burley Woolfall, o COI deu permissão para que o futebol entrasse para a família olímpica.

O pontapé de saída...

E foi sob o signo do amadorismo que em 1908 se deu o pontapé de saída do primeiro torneio olímpico de futebol, com a gigante Londres a testemunhar um acontecimento histórico que muitos classificam como o... primeiro Campeonato do Mundo. De facto ainda estávamos a 22 anos de distância do “verdadeiro” Campeonato do Mundo, da primeira edição daquele que com o passar dos anos se tornou no maior evento desportivo do planeta, maior que os próprios Jogos Olímpicos (!), podendo este ser considerado como o embrião do grande certame sonhado anos mais tarde pela FIFA através da mente do seu imortal presidente Jules Rimet.
A Londres chegaram quatro seleções nacionais, ou melhor cinco, pois a França fez-se representar por duas equipas, as quais se juntavam à formação da casa, a Grã-Bretanha (combinado que integrava Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda) e ainda Suécia, Dinamarca, e Holanda. Estes foram os convidados do torneio. Sim, convidados, pois convém sublinhar que não existiu propriamente uma fase de qualificação para o torneio olímpico, mas sim uma série de convites enviados pelo COI às diversas federações europeias (só!) com o intuito de as trazer até Londres. Contudo apenas seis (!) dessas federações responderam afirmativamente ao convite, tendo sido elas a França, Suécia, Dinamarca, Holanda, Hungria e Boêmia (antiga denominação da atual República Checa). Com tão poucas equipas o COI deu permissão então para que a França trouxesse às Olimpíadas de 1908 duas equipas de futebol.
Porém, a poucos dias do início do torneio o rei do império austro-hungaro proibiu – devido a razões de ordem política – as seleções da Hungria e da Boêmia de se deslocarem a Londres, reduzindo ainda mais o lote de participantes do torneio olímpico.
Conclusão, se já havia nascido pobre – face à ausência dos melhores jogadores e seleções da época, profissionais, claro está – mais pobre ficou com a desistência daqueles dois países.
O “circo” estava já montado e como tal havia que dar início ao espetáculo com mais ou menos equipas do que o previsto. Assim a data de 19 de outubro de 1908 entra para a história como o dia em que pela primeira vez duas seleções nacionais disputaram uma partida a contar para uma competição oficial. Os ilustres intervenientes? Dinamarca e a França, ou melhor, a segunda equipa da França. Desde logo ficaria evidente que este torneio olímpico de futebol dificilmente iria arrastar até si os holofotes da fama, ou da atenção dos populares, isto a julgar pelo baixo número de espetadores que marcaram presença nos seis jogos da competição. Estranho, se julgarmos que este torneio olímpico decorreia na pátria do futebol moderno onde cada vez mais pessoas se deixavam enfeitiçar pelo belo jogo. Contudo parace que os ingleses estavam mais interessados nos desenlaces da sua FA Cup (Taça de Inglaterra), a competição mais antiga do Mundo, a qual de ano para ano se tornava mais competitiva e popular entre os súbitos de Sua Majestade.
Não admira pois que no jogo inaugural do torneio olímpico o White City – o estádio onde decorreram os Jogos Olímpicos de 1908 – apresentasse um desolador cenário composto por duas mil pessoas!
Lá em baixo, na relva, os dinamarqueses esmagaram os “b” franceses por concludentes 9-0, sendo quatro desses golos da autoria do avançado Vilhelm Wolfhagen. No outro encontro da 1ª fase a Grã-Bretanha atropelou, como seria de esperar, os suecos por 12-1 com destque para o poker (quatro golos obtidos) de Claude Purnell.

22 golos nas meias finais!!!

Chegados às meias finais algo de invulgar – pelo menos nos dias de hoje – ocorreu em White City. Em dois jogos foram marcados nada mais nada menos do que 22 golos! É verdade, mais de duas dezenas de festejos que levariam a Grã-Bretanha e a Dinamarca para a grande decisão do torneio olímpico de futebol de 1908.
Os dinamarqueses voltaram a medir forças com a armada francesa, desta feita a França “a”, que a julgar pelo resultado era bem inferior aos seus conterrâneos “b”. 17-1 para os escandinavos (!), resultado histórico para o qual muito contribuiu o até então desconhecido – mundialmente – Sophus Nielsen, autor de 10 golos! Um feito presenciado por... 1000 espetadores! Desolador, sem dúvida.
No outro jogo das meias finais o resultado obtido pelo conjunto da casa seria hoje em dia rotulado de goleada, porém pelo que até então se via no relvado do White City a Grã-Bretanha passou à final com uma magra vitória diante da Holanda por... 4-0.

Franceses desistem do bronze antes do esperado ouro britânico

Na corrida para a medalha de bronze a França retirou a sua equipa principal da “linha de partida”, aparentemente pela vergonha da humilhação sofrida na meia final ante a Dinamarca, pelo que em sua substituição avançaram os suecos, repescados da 1ª fase. E na disputa pela medalha de bronze os holandeses levariam a melhor sobre os nórdicos por duas bolas a zero.
A grande final – marcada para 24 de outubro – foi presenciada por oito mil espetadores, a assistência mais numerosa do torneio olímpico até então, na sua grande maioria adeptos da seleção britânica, a grande favorita para a conquista do primeiro ouro olímpico na história do futebol. Da teoria à prática o caminho não foi longo. Porém, foi suado. Pela frente os britânicos encontraram uma equipa forte liderada pela temível dupla goleadora composta por Sophus Nielsen e Vilhelm Wolfhagen, autores de 18 dos 26 golos apontados pelos dinamarqueses nos dois encontros anteriores, e que prometiam fazer frente à turma capitaneada por Vivian Woodward.
No final, e após muito trabalho, a Grâ-Bretanha vencia a Dinamarca por 2-0 graças ao instinto matador de Frederick Chapman e do capitão Woodward, sagrando-se assim a primeira campeã olímpica da história... ou para muitos o primeiro campeão do Mundo de futebol.
O seu a seu dono teriam pensado os inventores do futebol moderno naquele momento, o ouro olímpico ficava em casa, no domicílio dos mestres dos futebol, e para a eternidade ficavam gravados a letras de ouro – doutra forma não podia ser – no Olimpo dos Deuses do desporto os nomes de Horace Bailey, Arthur Berry, Frederick Chapman, Walter Corbett, Harold Hardman, Robert Hawkes, Kenneth Hunt, Clyde Purnell, Herbert Smith, Henry Stapley, e Vivian Woodward, os primeiros campeões olímpicos de futebol. Na sua grande maioria eram estudantes universitários, que viviam o futebol de uma forma amadora, claro está, esperando pelo convite de alguma equipa profissional do futebol inglês. E alguns destes nomes vieram-no a conseguir.

Sophus Nielsen: a figura

O ouro olímpico pode ter ficado em terras britânicas, como muitos anteciparam na entrada para o torneio, mas as luzes da ribalta do modesto torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de 1908 recairam todas sobre o dinamarquês Sophus Nielsen, o desconhecido – até então – que entrou para a história da modalidade por ter apontado 10 golos num só jogo de futebol.
A façanha ocorreu a 22 de outubro, com o White City como cenário daquela meia final entre Dinamarca e França “a”.
Sophus Erhard Nielsen nasceu a 15 de março de 1888 em Copenhaga e começou a sua promissora carreira no Concordia quando ainda adolescente. Poderoso avançado logo deu nas vistas, sendo que ainda com a tenra idade de 14 anos aceitou o convite do Frem, clube onde chegou ao escalão de sénior e onde desenvolveu a maior parte da sua carreira. No tempo em que o profissionalismo era coisa apenas de ingleses Nielsen trabalhava como ferreiro juntamente com o seu irmão Carl Nielsen, também ele futebolista nas horas vagas.
Em 1910 os dois irmãos viram-se a braços com o desemprego pelo que tentaram a sua sorte fora de portas. Viajaram pela Europa e chegados à cidade alemã de Kiel o presidente da equipa local ofereceu-lhes emprego na condição de aceitarem jogar pela sua equipa no escalão máximo do futebol germânico. Aceitaram, mas inexplicavelmente ali ficaram apenas uma temporada. E inexplicavelmente porque Sophus apontou uns impressionantes 72 golos em 18 jogos disputados, números mais do que suficientes para jogar por qualquer equipa amadora... ou profissional. Mas Sophus prefreriu voltar a casa e ao seu Frem, onde jogaria até 1921, ano em que pendurou as botas com um impressionante registo de 125 golos em 137 encontros! Defendeu a seleção do seu país por 20 ocasiões, tendo feito 16 golos, 11 deles nos Jogos Olímpicos de 1908. Voltaria a marcar presença nas Olimpíadas de 1912, em Estocolmo, conquistando uma nova medalha de prata após cair na final diante da armada da... Grã-Bretanha, numa reedição daquilo o que se passou em Londres quatro anos antes. Nos Jogos de Estocolmo não foi tão letal como havia sido em Londres, tendo visto o seu recorde de 10 golos num só jogo ter sido igualado pelo alemão Gottfried Fuchs. O melhor marcador do torneio olímpico de 1908 morreria na sua cidade a 6 de agosto de 1963 aos 75 anos.

Resultados:

1ª Fase


19 de outubro

França “b” - Dinamarca: 0-9
(Golos: Nils Middelboe (2), Vilhelm Wolfhagen (4) Harald Bohr (2), Sophus Nielsen

20 de outubro

Grã-Bretanha – Suécia: 12-1
(Golos: Frederick Chapman , Arthur Berry, Vivian Woodward (2), Harold Stapley (2), Claude Purnell (4), Robert Hawkes (2) / Gustaf BergstromMeias finais

22 de outubro

França “a” - Dinamarca: 1-17
(Golos: Sophus Nielsen (10), Vilhelm Wolfhagen (4), August Lindgren (2), Nils Middelboe / Emile Sartorius

Grã-Bretanha – Holanda: 4-0
(Golos: Harold Stapley (4))

Medalha de Bronze

23 de outubro

Holanda – Suécia: 2-0
(Golos: Gerard Reeman, Edu Snethlage

24 de outubro

Medalha de ouro (Final)

Grã-Bretanha – Dinamarca: 2-0

Estádio: White City, em Londres (8000 espetadores)

Árbitro: John Lewis (Inglaterra)

Grá-Bretanha: Horace Bailey, Walter Corbett, Herbert Smith, Kenneth Hunt, Frederick Chapman, Robert Hawkes, Arthur Berry, Vivian Woordward, Harold Staplay, Claude Purnell, Harold Hardman.

Dinamarca: Ludvig Drescher, Charles Buchwald, Harald Hansen, Harald Bohr, Kristian Middelboe, Nils Middelboe, Oskar Nielsen Norland, August Lindgren, Sophus Nielsen , Vilhelm Wolfhagen, Bjorn Rasmussen.

Golos: 1-0 (Frederick Chapman, aos 20m), 2-0 (Vivian Woorward, aos 46m)

Legenda das fotografias:
1-O barão Pierre de Coubertin
2-"Imagem" oficial dos Jogos Olímpicos de Londres em 1908
3-O estádio White City, a casa das Olimpíadas de 1908
4-Uma imagem esbatida da luta pelo ouro olímpico
5-A estrela do torneio: Sophus Nielsen
6-O talentoso capitão britânico Vivian Woordward
7-Seleção da Suécia
8-Grã-Bretanha: os primeiros campeões olímpicos da história do futebol

Nota: Texto redigido ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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