terça-feira, dezembro 07, 2010

Grandes lendas do futebol mundial (10)... Matthias Sindelar - O Mozart do futebol

Evocar o futebol dos anos 30 do século passado significa recordar um enorme leque de mitos da arte do pontapé na bola como Leónidas da Silva, Zamora, Combi (de quem já aqui falámos), Meazza, José Leandro Andrade, entre muitos, muitos outros. Recordá-los é voltar a um mundo romântico hoje inexistente. Não nos resta pois senão olhar as velhas fotografias a preto e branco e os relatos escritos nas esbatidas enciclopédias do belo jogo para sentir por alguns minutos a magia de um tempo que não mais irá voltar. O visitante terá já percebido que a viagem no tempo que hoje iremos fazer será até ao corredor das lendas, dos magos, dos imortais deste jogo que tanto nos encanta, imortais como Matthias Sindelar… o Mozart do futebol. Falar da Áustria, e em particular da sua capital Viena, assemelha-se à audição de um concerto de música clássica protagonizado por ilustres filhos desta elegante nação como Mozart, Beethoven, ou Staruss. Mas por alturas das décadas de 20 e 30 do século XX falar da Áustria era muito mais do que presentear o nosso espírito com uma obra de arte musical “esculpida” por um destes três génios, era também regalar a alma com um novo estilo de futebol. Um estilo que revolucionou técnica e tacticamente o jogo, assemelhando-se a uma arrepiante e deslumbrante valsa. Tudo isto nascia graças à mente brilhante de um jovem judeu oriundo de uma abastada família de Viena que com esta “revolução” conferiu à Áustria o “título” de melhor equipa do Mundo dos finais dos anos 20 e princípios de 30. O seu nome? Hugo Meisl, um mestre da táctica que pelo que fez no futebol merece mais do que umas breves linhas aqui no MVF, e como tal merecerá “honras de Estado” noutras visitas a este espaço virtual. A Áustria de Meisl ficou mundialmente conhecida como a “Wunderteam”… a Equipa Maravilha. Bateram durante esse período áureo gigantes do Mundo do futebol da época… Alemanha (6-0), Escócia (5-0), Suíça (8-1), ou Hungria (8-2). Meisl comandava a equipa desde o banco mas dentro do campo a orquestra era dirigida por um jovem loiro, de aspecto muito frágil, nascido a 10 de Fevereiro de 1903 no seio de uma humilde família de Viena, de seu nome Matthias Sindelar. Avançado-centro ele era a estrela do “Wunderteam” de Meisl, tornando-se célebre pela sua sublime técnica de conduzir a bola, parecendo por vezes tocá-la ao som de uma valsa, com movimentos suaves e mágicos. E tudo debaixo de uma figura frágil, pálida, que lhe valeria a alcunha de “homem de papel”. A paixão pelo jogo correu-lhe pela primeira vez nas veias quando ainda adolescente, num tempo em que era apanha-bolas dos treinos do Hertha de Viena. Certo dia e face à ausência de um jogador desta equipa é convidado a calçar as chuteiras e integrar o treino conjunto. Foi então que o campo de treinos do modesto Hertha assistiu a um espectáculo de pura magia nunca dantes vivido. Com a bola nos pés o jovem Matthias maravilhou os presentes. Ali ficou até 1924, altura em que se transferiu para um dos poderosos do futebol austríaco, o Wiener Amateur, clube que posteriormente daria origem ao Áustria de Viena. Por este clube jogaria até ao final da sua carreira (1939), conquistando um campeonato da Áustria e duas Taças Mitropa (uma das antecessoras da actual Taça/Liga dos Campeões Europeus) em 1933 e 1936. As marcas do seu perfume ficaram espalhadas em vários episódios da saga do “Wunderteam”. Um deles acontece no tempo da guerra, quando a certa altura as autoridades nazis decidem organizar um jogo entre a Alemanha e uma selecção de jogadores austríacos. Uma clara acção de propaganda para demonstrar a superioridade ariana. A vitória desde início está conferida por todos aos alemães… menos para Sindelar que espalha magia pelo relvado do Prater de Viena graças ao seu rendilhado e suave futebol. Resultado final: 2-0 para o “Wunderteam”, e no final o “homem de papel” que durante 90 minutos humilhou os alemães cerra o punho em direcção à tribuna onde se encontram as autoridades germânicas ao invés de lhes prestar vassalagem com a habitual saudação nazi. Um acto de coragem e revolta que haveria de lhe sair caro para o resto da vida… já que até final seria perseguido pelas forças nazis. Dizia-se que era judeu, e que terá sido essa uma das razões para cerrada perseguição. Sindelar foi de facto uma vítima da ditadura, não só da alemã como também da italiana, já que em 1934 a “Wunderteam” seria impedida de se tornar naturalmente na melhor do Mundo. Nada mais justo seria para o futebol que apresentava então. Acontece que Benito Mussolini, por interferência indirecta, roubou aquela que seria uma mais do que justa coroação à melhor selecção do Campeonato do Mundo de 34, ocorrido, como se sabe, em solo italiano. Áustria que partia para este Mundial como a principal favorita ao título, começando por afastar a França, posteriormente a Hungria, até cair aos pés da Itália nas meias-finais. Num jogo épico em realizado em Milão o fascismo derrotava o “Wunderteam”, tendo o mago Sindelar sido muito maltratado ao longo de todo o encontro por Luigi Monti. Resultado final, 1-0 para a equipa da casa, que mais uma vez de forma ridícula (ante a Espanha na eliminatória anterior havia sido igualmente abençoada pelo árbitro) era levada ao colo até à final. Já com a Áustria anexada a Alemanha foi para o Mundial de 1938 (em França) com uma equipa onde pontificavam algumas estrelas do “Wunderteam” de Meisl. Contudo, Sindelar, recusou vestir a camisola germância, mais um acto provocador que lançaria mais uma acha para a fogueira da ira nazi. A sua morte é ainda hoje um enorme mistério que paira sobre a sublime Viena. Conta-se que na madrugada de 23 de Janeiro de 1939 recebeu um telefonema da sua companheira Camila Castagnola, uma prostituta italiana radicada em Viena. Sindelar encontrava-se reunido com alguns colegas de profissão num café da capital. O “homem de papel” dirige-se então para a Rua Anna, morada de Camila, e de lá não volta a sair. Os amigos estranham a sua ausência no café pela manhã desse dia 23, e um deles que havia visto Matthias entrar na casa da sua amante resolve fazer uma visita ao local, e eis que quando ai chegado encontra os dois amantes estendidos no chão com uma garrafa de conhaque e dois copos. Sindelar estava morto e Camila muito perto de o estar também. A autópsia revelou intoxicação por óxido de carbono, porém outras teorias se levantaram na altura, como a de suicídio (dizem que abriu as torneiras do gás) quando pressentiu que as tropas de Hitler avançavam fulgurantemente a caminho de Viena. Tinha 36 anos, e Viena chorou a morte de um homem que anos mais tarde se viria a saber que nem judeu era! Uma multidão incorporou o funeral do maior jogador austríaco de todos os tempos, o qual por 43 vezes deslumbrou o Mundo com a camisola da sua Áustria colada à pele.

Legenda das fotografias:

1- Matthias Sindelar
2- A famosa "Wunderteam" de Hugo Meisl
3- O estilo inconfundível do "homem de papel"

DOCUMENTÁRIO DO CANAL HISTÓRIA: MATTHIAS SINDELAR (PARTES 1 E 2)



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