quarta-feira, novembro 03, 2010

Grandes Mestres do Jornalismo Desportivo (8)... Cruz dos Santos

A poucos dias do Natal de 1960 chega a Lisboa um rapazinho africano de semblante tímido e olhar um pouco perdido. Prontamente de si abeirou-se um jovem e talentoso artesão das letras que lhe arrancaria – um pouco a ferros – as primeiras palavras em terras alfacinhas.
Mais tarde estes dois homens ascenderiam ao Olimpo dos Deuses... o primeiro no futebol, e o segundo no jornalismo desportivo. Por palavras mais exactas... Eusébio da Silva Ferreira, e Fernando Cruz dos Santos. É precisamente sobre este último o motivo pelo qual o Museu Virtual do Futebol abre hoje as suas portas, para recordar um dos maiores vultos da comunicação social (desportiva) lusitana. Nascido a 10 de dezembro de 1931, em Lisboa, Fernando Cruz dos Santos calcarreou um caminho ímpar com a pena na mão. Um trajeto que começou a ser trilhado bem cedo, quando ainda jovem num belo dia de 1954, na companhia de seu pai, se deslocou ao Estádio Nacional a fim de usufruir de uma empolgante e deslumbrante hora e meia de futebol protagonizada pelo Benfica do seu coração. Um Benfica cujo futebol começava a ganhar contornos de obra de arte graças às pinceladas de génios como José Águas ou Mário Coluna. 11-0, pesado score que o azarado Boavista sofreria às mãos do mágico Benfica naquela tarde no sagrado relvado da grande sala de visitas do futebol português. Maravilhado com a exibição da armada encarnada Cruz do Santos não perderia tempo a escrevinhar uma crónica alusiva ao festival de bola que o seu Benfica havia dado no Vale do Jamor horas antes. Com um misto de audacidade e atrevimento – no bom sentido, claro está – envia a crónica para as grandes publicações desportivas da época, vulgo, A Bola, Record, e o Mundo Desportivo. Dias mais tarde o chefe de redação do primeiro órgão de comunicação responde-lhe com um lugar de colaborador! E assim estava dado o empurrão para aquilo o que seria uma carreira brilhante ao serviço do mítico jornal da Travessa da Queimada (Lisboa). E sempre, sempre, defendendo as cores d' A Bola, a única camisola que veste desde o início da aventura. Em 1962 Cruz dos Santos passa a redator do jornal, tornando-se desde logo num dos grandes valores da célebre instituição de comunicação... e do próprio jornalismo desportivo português.
Hoje em dia Cruz dos Santos continua a ser uma lenda d' A Bola, digamos que um embaixador do jornal à semelhança do que representa Eusébio para o Benfica. Prestes a cumprir 80 primaveras Cruz dos Santos continua a deliciar leitores através das suas incomparáveis crónicas na coluna “Vivó Árbitro”.

Em seguida transcrevemos na integra a entrevista (acompanhada da foto que a ilustrou, onde se pode ver o jovem jornalista Cruz dos Santos a entrevistar o recém chegado Eusébio) da que mudou a vida de Fernando Cruz de Santos, as linhas que o tornaram célebre, a imortal entrevista ao então (quase) desconhecido Eusébio da Silva Ferreira, publicada no dia 17 de dezembro de 1960...
«De Lourenço Marques (Portugal de África) e com destino ao Benfica, chegou a Lisboa por via aérea. Eusébio da Silva Ferreira, de seu nome completo, tem uma aparência bastante robusta, com costas largas, boa altura e, pelo que o seu andar deixou perceber, flagrante ligeireza de movimentos. O que, em gíria, se pode chamar "boa pinta". É de cor, se bem que não negro retinto. Tipo Hilário, do Sporting, ou França, agora na Académica. 
Ao constar que o esperavam, mostrou-se naturalmente acanhado e pouco conversador. Ainda que os dois zelosos funcionários do seu novo clube se mostrassem um tanto preocupados com o cumprimento da ordem de silêncio que, desde logo, Eusébio deveria respeitar, sempre pudemos colher algumas informações do jovem futebolista:
-Qual o seu lugar habitual?
-Costumo jogar a interior-esquerdo, mas faço qualquer dos postos de ataque, menos o de avançado-centro.
-Porquê?
-Não sei porquê, mas é esse o de que menos gosto. Prefiro as zonas em que é mais fácil a desmarcação. Já tenho jogado a avançado-centro, mas prefiro jogar no interior ou extremo de qualquer dos lados...
-Remata com os dois pés?
-Sim, mais ao menos...
-Costuma marcar muitos golos?
-No último campeonato, que acabou há duas semanas e nós ganhámos com três pontos de avanço sobre o Desportivo e cinco sobre o Ferroviário, marquei 29 dos 54 golos da nossa equipa.
-Então, é bom rematador...
-Queria fazer mais golos sozinho do que todo o ataque do Desportivo, que foi segundo e só marcou 30, mas não consegui...
-Conhece alguns dos jogadores africanos que estão na Metrópole?
-Sim, conheço o Hilário e o Coluna, o Jambane, o Vicente, o Costa Pereira.
-Espera adaptar-se bem ao futebol da Metrópole?
-Venho com essas esperanças. Pelo menos, tenho a certeza de que vou trabalhar com afinco para isso no clube que, há 10 anos, vi jogar em Lourenço Marques e que, apesar de eu ser um garoto, logo me fez simpatizar com ele...

(Nota: Cruz dos Santos faleceu no dia 16 de maio de 2013)

Há dias descobri (desde já o meu muito obrigado aos "amigos" do http://uniaotomar.wordpress.com) neste "mar virtual" que é a internet alguns "tesouros literários" do mestre Cruz dos Santos eternizados nas páginas da "Bíblia Sagrada do Desporto", vulgo A Bola. Aqui ficam pois em honra ao grande mestre:

“EMPATE QUE PREMEIA A SUPERAÇÃO DOS LOCAIS”

Jogo sem golos sugere espectáculo de relativo interesse, mas não foi esse o caso verificado, ontem, no atraente Estádio Municipal de Tomar (onde nos disseram que não tarda a bem necessária cobertura dos camarotes – pelo menos), pois o encontro além da emoção que o seu desfecho reflecte, conheceu períodos de futebol de apreciável craveira técnica e foi caracterizado, sobretudo, por uma correcção que muito nos apraz assinalar – contribuindo tudo isso para que não possa ter ficado desapontada uma das maiores assistências ali registadas, nesta primeira e bem curiosa presença dos tomarenses entre os «maiores».

Boa parte do muito público presente foi constituída por setubalenses, que a bela carreira do Vitória e o bonito começo do dia levaram à formosa cidade do Nabão em muitos automóveis e em perto de setenta autocarros (porque não havia mais disponíveis – segundo nos informaram) e, se toda essa gente sadina regressou a Setúbal entristecida pelo resultado, ao invés dos tomarenses, que chegaram ao fim do jogo dando mostras de evidente satisfação, há que dizer que tal disparidade de sentimentos só pode atribuir-se à capacidade normal, ao prestígio e aos anseios das duas equipas em cotejo, já que nem os sadinos podem lamentar-se de não terem alcançado o triunfo, nem os tomarenses tiveram na igualdade um prémio que não mereciam.

Com efeito, se é certo que nunca esteve em dúvida – como não poderia estar – a superioridade individual da turma vitoriana, não é menos exacto que muito bem souberam os tomarenses compensar e, por vezes, até, superar essa sua mais do que legítima desvantagem, mercê de uma determinação e de um sentido de colectivismo que, superando a normal capacidade própria, frequentemente perturbou os categorizados adversários ou, pelo menos, os impediu de evidenciarem uma supremacia que, em jogo e em resultado, talvez, fosse de esperar.

Portanto, não se pense que, no empate de Tomar, houve menor inspiração do fortíssimo conjunto setubalense e nada mais. Ideia certa e justa será, sim, a de que o Vitória só não jogou mais e só não venceu porque a tanto se opôs, cremos que sensacionalmente, um União que realizou, apenas, a melhor de quantas exibições já lhe vimos fazer na temporada, e que foram, anteriormente, contra o mesmo Vitória, no Bonfim; contra a Cuf, em Tomar; contra o Atlético, na Tapadinha, e contra o Belenenses, em Tomar.

E mais: – não obstante o domínio territorial exercido pelos sadinos em quase todo o segundo tempo do encontro de ontem, os tomarenses estiveram longe de jogar «à defesa», antes formaram uma equipa que actuou de acordo com as circunstâncias de cada momento, isto é, defendendo e atacando conforme as possibilidades que o antagonista e o próprio jogo lhe ofereceram.

Sem dúvida de espécie alguma.

Menos credenciado, jogando em «casa» (e, para mais, em terreno pelado, que não pode deixar de oferecer maiores problemas para todos os actuais visitantes, por menos habituados) e sabendo que é no futebol raso e «trabalhado» que o Vitória tem o tipo de jogo com que se tem imposto e que melhor serve as características da quase totalidade dos seus magníficos jogadores, esperar-se-ia que os tomarenses se lançassem num futebol de pontapés largos e fortes, fazendo subir a bola e provocando, assim, um despique marcado por choques e cargas, com hipóteses de emperrarem o funcionamento normal da «máquina» setubalense.

Quem assim pensava (e nós confessamos, honestamente, que nos encontrávamos nesse número, com base no que havíamos visto aos nabantinos nos referidos jogos com a Cuf e com o Belenenses) cedo se certificou de que se enganara redondamente, pois o que se viu, logo desde o começo do encontro, foi os tomarenses enveredarem por processo de jogo semelhante ao dos sadinos, ou seja, fazerem baixar a bola e tentarem a progressão no terreno em passes tanto quanto possível curtos e frequentes.

Com isso, ganhou o espectáculo, evidentemente, e se bem que, aqui e acolá, fosse manifesta e natural a vantagem sadina, devido à reconhecida maior valia técnica das suas unidades, a verdade é que houve ataques alternados, com o perigo a registar-se numa e noutra balizas.

Ao longo de todo o primeiro tempo, pode o Vitória recordar e lamentar dois ou três lances em que faltou uma aragem de felicidade a remates de cabeça desferidos, de muito perto, pelos seus dianteiros – especialmente, aquele em que Arcanjo, após bom trabalho de Figueiredo, executou um centro alto e largo e, sem ninguém a estorvar-lhe os movimentos, Guerreiro cabeceou ao lado do poste esquerdo.

Mas, em contrapartida, pertenceu a Vital a mais difícil das intervenções dos guarda-redes, em todo o desafio, quando teve de se lançar aos pés de Alberto, logo aos 3 minutos, e uma outra grande oportunidade de golo esteve ao alcance do mesmo Alberto, aos 25 minutos, quando se isolou, a passe de cabeça de Leitão, e visou o canto raso mais distante (o esquerdo), ficando Vital batido, mas saindo a bola a rasar a base de poste.

O Vitória, nos períodos de tempo em que dominou, fê-lo com mais insistência e maior autoridade, realmente, mas não conseguiu, ao contrário do que lhe é habitual, firmar vincada supremacia a meio do terreno, porque se Wagner esteve «em grande» e Vítor Baptista o acompanhou bem, já Jacinto João se mostrou infeliz (e, por isso, demasiado insistente) nos lances individuais em que costuma ser «mestre» e, do lado tomarense, o saber e a experiência de Ferreira Pinto e a actividade de Totoi puderam ir compensando e disfarçando o menor rendimento de Cláudio, a acusar certa debilitação resultante da gripe que o reteve no leito até sexta-feira e, a partir de determinada altura, também afectado pelo que nos pareceu ser uma rotura muscular, na coxa esquerda.

Por tudo isso e, ainda, porque toda a sua defensiva se revelou muito decidida e coesa, os tomarenses não só nunca se inferiorizaram, verdadeiramente, como até conseguiram ser algo superiores ao rondar da meia hora, chegando, pois, ao intervalo com muito mérito e justiça na igualdade e deixando a pairar a dúvida, apenas, sobre o ponto a que chegaria a sua resistência física, no segundo tempo.

…Segundo tempo que – já se disse – foi caracterizado por um muito maior domínio territorial dos sadinos, que apenas permitiram espaçados movimentos atacantes dos tomarenses e tiveram o seu ascendente reflectido num elevado número de «cantos» – por vezes, cedidos em momentos de grande apuro, pela defensiva de Tomar.

Mas, com Santos no lugar de Cláudio e, mais tarde, Vicente no de Lecas, puderam os nabantinos ir «segurando» o ascendente do Vitória, continuando a neutralizar, em boa dose, a sua acção a meio do campo e, sobretudo, «espartilhando-lhe» o ataque, onde Tomé (que rendera Figueiredo) e Guerreiro se mantiveram, até por isso, em dia de menor inspiração – do que se foi ressentindo, naturalmente, aos poucos Arcanjo (que tivera uma excelente primeira parte) e onde o perigo só se viu, de vez em quando, nos lances criados por Jacinto João, a entrar bem mais pela esquerda do que na metade inicial do jogo.

Mas, mesmo nesses lances, faltou sempre «qualquer coisa» ao «J J» dos grandes dias e o União de Tomar, mantendo-se muito firme na defesa, nunca enjeitou os ensejos que se lhe depararam para contra-atacar – não conseguindo, é certo, mais do que uma ocasião de «golo à vista»», em bola cruzada da esquerda e aliviada já perto da linha fatal, com Vital ultrapassado, mas também não permitindo que os dianteiros sadinos criassem uma única oportunidade flagrantemente desperdiçada.

No último quarto de hora, choveu com bastante intensidade, o que tornou o piso do terreno um tanto difícil. Ficou por se saber, no entanto, qual das equipas foi mais prejudicada pelo facto – ainda que a lógica leve a pensar que foi a dos setubalenses, porque era aquela que, então, mais buscava a vitória que, na verdade, correspondia a imerecida derrota do União.

Há que repetir a afirmação já feita: – foi esta a melhor das exibições que vimos fazer aos tomarenses.

Muita serenidade, muito discernimento, nada da fogosidade e do «descontrole» de outros dias. Calma semelhante, só a que lhe registámos e elogiámos, com inteira justificação, no jogo que lhe deu vitória na Tapadinha.

Desta vez, colectivismo foi a nota mais saliente da equipa, onde apenas Lecas e Cláudio (pelas razões expostas) estiveram um tanto abaixo dos companheiros.

Sem um único deslize, Arsénio igualou Caló, Faustino e Barnabé, numa defensiva que teve o mérito, nada acessível, de «segurar» um ataque da categoria do de Setúbal e onde Kiki só baixou um pouco, no segundo tempo, quando Jacinto João se adiantou mais.

Ferreira Pinto foi outro esteio da equipa, com especial relevo no primeiro tempo, mas o esforço de Totoi e de Alberto e a boa execução de Leitão (se bem que um pouco distante da «zona da verdade») também merecem referência – tal como foi vantajosa a entrada de Vicente e Santos.

Desilusão, talvez, para boa parte do público de Tomar, o Vitória não foi, para nós, mais do que vítima da inspiração do antagonista – um «pequeno pormenor» que muita gente nem sempre considera.

Foi um daqueles jogos em que tudo pode depender, apenas, de um golo que se marca. E, se os sadinos o conseguem, é bem possível que até acabassem em vencedores folgados.

Mas… e se o golo aparece ao contrário, como muito bem podia ter acontecido na primeira parte?…

De uma coisa há que não acusar a turma sadina: falta de combatividade. De modo algum. Lutou muito e sempre bem. Pode ter acontecido apenas, que essa necessidade de lutar, aliada às nada favoráveis características do terreno a impediram de jogar tanto quanto sabe.

Embora com pouco trabalho, Vital esteve firme e arrojado naquele lance aos pés de Alberto, assim assim como Conceição e Carriço foram «laterais» mais seguros do que os «centrais». Cardoso e Herculano – este, com a enorme atenuante de ter sido fustigado, recentemente, por rude golpe familiar, pelo qual jogou de braçadeira preta.

A meio do campo, tornou-se clara a ausência de José Maria, sendo Wagner o «maior», em nova manifestação de muita classe, enquanto Vítor Baptista apenas teve lampejos do seu grande valor, tal como «J J.».

Na frente, Arcanjo realizou uma bola primeira parte mas acabou por ser «arrastado» pela menor inspiração dos seus companheiros de sector, Guerreiro, Figueiredo e, depois, Tomé.

Mesmo as grandes equipas, como é o caso do Vitória, estão sujeitas a estes percalços – se é que pode chamar-se percalço a um empate num campo em que já perderam o Sporting, o Vitória de Guimarães e a Académica.

Em jogo sem problemas de maior, duas só palavras para a arbitragem do «trio» chefiado por Ilídio Cacho: – muito bem.»

(“A Bola”, 17.02.1969 – Crónica de Cruz dos Santos)



“GUARDA-REDES «AMÁVEIS» E EXPULSÃO INCRÍVEL”

O Farense foi o primeiro a marcar, por Farias, aos 14 minutos. Numa das suas frequentes descidas pela direita, Pena centrou por alto e, perante a pouca decisão dos defesas-centrais contrários, Farias elevou-se bem e cabeceou melhor – para a esquerda de Nascimento, que se lançou mal, (na direcção das próprias balizas) e, por isso mesmo, a bola seguiu-lhe das mãos para as malhas.

1-1 por Raul Águas, aos 35 minutos. De posse da bola, o guarda-redes Rui Paulino exagerou em batê-la no terreno, quer porque este tinha o piso irregular, quer porque Raul Águas o ameaçava de perto. Numa das vezes que o esférico foi ao solo, aconteceu o insólito: a bola a saltar para um lado e Rui Paulino a desequilibrar-se e a cair para o outro sem dificuldade. Raul Águas tomou conta do esférico, afastou-se mais do guarda-redes contrário e atirou para as balizas desertas.

No segundo tempo: 2-0.

2-1 por Raul Águas, aos 17 minutos. Tal como sucedeu várias vezes, Pavão fugiu bem pela direita e centrou. No meio da grande área do Farense, Almeida cortou, mas – talvez devido a irregular ressalto do esférico no terreno – bateu mal a bola, que foi ao corpo de Raul Águas (que lhe dificultava a acção) e ficou mesmo ali, mesmo à mercê do pé direito do «n.º 9» de Tomar – rápido e poderoso no disparo, rasteiro e cruzado.

Aos 20 minutos, Adilson (que acabara de substituir Jorge Félix) foi expulso – nas circunstâncias de que falaremos adiante.

3-1 por Caetano, aos 37 minutos. Novo excelente lance de Pavão, pela direita, de onde centrou, a meia-altura. A bola passou por dois ou três jogadores do Farense, Rui Paulino ficou à espera do corte de Almeida e, atrás de ambos, quem não vacilou foi Caetano, que desviou o esférico para as balizas, com o corpo.

Resultado: 3-1.

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Nada a obstar à vitória do União de Tomar, pois conseguiu-a com três golos «limpos» e justificou-a com o domínio territorial que exerceu quase sempre e, até, com as outras oportunidades que criou e não converteu (por isto ou aquilo e de que pode destacar-se um «tiro» de Pedro à barra, no último minuto) e que, a serem concretizadas, teriam dado ao encontro um desfecho bem mais desnivelado.

Isto é o que importa dizer, antes de tudo o mais, para que não se criem dúvidas ou ideias erradas, para que não se confunda aquela indicutível verdade com o que vamos afirmar àcerca de outros aspectos que o jogo conheceu.

Um golo que tudo transforma

Pouca gente, piso mau (escorregadio, pegajoso, lama sob a relva), uma tarde magnífica e uma meia-hora inicial interessante, já com o União a descer mais vezes ao meio-campo do Farense (em regra, por Pavão, a jogar muito bem), mas os algarvios mais serenos e mais objectivos – com o seu «líbero» (Atraca) a garantir uma certa tranquilidade na defensiva e os lances de contra-ataque a perturbarem com frequência, a defesa de Tomar.

Razão fulcral da superioridade (em calma, em ligação e em intencionalidade) dos algarvios: – desequilíbrio no meio do terreno, onde Jorge Félix, Sério e, em especial, Sobral se impunham, claramente, a Manuel José (sem «chama»), Pedro (lento e pouco codicioso) e Fernando (o melhor do «trio», pelo seu irrequietismo e espírito de luta).

Não houve, assim, surpresa no facto de ser do Farense o primeiro golo do desafio. Já aos 10 minutos, o golo só não aparecera nas redes de Nascimento (que saíu mal dos postes) porque a «cabeça» de Pena (a adiantar-se sempre muito bem, pelo lado direito) levou a bola a sair ao lado.
O União dominava, mas não «engrenava» em nenhum dos seus sectores – levando o público a excitar-se e a protestar, menos contra a sua equipa favorita, mais contra o árbitro (chegando a ouvir-se, na bancada, algumas alusões às tristes ocorrências acabadas de registar em Alvalade e que a Rádio levara até Tomar).

O escape de sempre, quando as coisas não correm bem. Mas se é verdade que Ismael Baltasar já naquela altura vinha tendo as suas «fífias» (por culpa própria ou do seu auxiliar António Rodrigues), não é menos certo que nem sempre os lapsos da arbitragem estavam a prejudicar a equipa tomarense – como fora, por exemplo, o caso de um lance em que Camolas puxou Caneira pela camisola (que até ficou rasgada) e aquele «bandeirinha» assinalou prontamente a falta, mas logo concordou (também sem vacilar) com a decisão do árbitro, que mandou marcar falta ao contrário.

Não se perturbou, no entanto, o Farense. De tal modo, que aos 28 minutos, até esteve à beira de fazer 2-0, quando Farias de adiantou a João Carlos e a Fernandes e atirou à rede lateral, talvez por ter rematado em desequilíbrio. E só já depois da meia-hora o União criou a sua primeira ocasião de «golo à vista», em belo remate (de cabeça) de Camolas, que saiu rasando o poste esquerdo das balizas de Rui Paulino.

…Rui Paulino que não teria hipóteses de deter aquele remate e que, pouco depois, pagou bem a «amabilidade» de Nascimento (e dos seus defesas centrais!) no golo de Farias, ao permitir a igualdade do modo (quase incrível) que deixámos descrito na abertura desta crónica.

Grandes responsabilidades do estado do terreno? Cremos que sim – tal como pensamos que só o Sol (de frente) terá levado Nascimento a mergulhar mal e a ser batido. De qualquer modo, é incontroverso que o 1-1 modificou tudo – dali em diante, não mais houve Farense, como equipa tranquila, organizada e esclarecida.

Até ao intervalo, ainda o União não foi capaz de tirar partido da manifesta quebra (psicológica e, reflexamente, de rendimento) da equipa de Faro – pelo que, dentro dos 45 minutos de abertura, apenas houve a assinalar um «cartão amarelo» para Pedro, por chutar a bola para longe, depois do jogo interrompido, em manifestação (deselegante) de discordância com uma decisão do árbitro.

Mas, depois do descanso, foi tudo quase só dos tomarenses, que quase não mais sairam do meio-campo antagonista e que podiam ter passado a vencedores muito mais cedo –tal como podiam ter ficado totalmente tranquilos antes do minuto 37 e vencedores mais folgados depois do 3-1.

Nem a «colaboração» dos homens de Faro (guarda-redes e defesas) nos lances do segundo e terceiro golos, é bastante para macular, portanto, o mérito do triunfo do União – que não precisava disso, realmente, para o conseguir, desde o momento em que a igualdade se registou. Isto, note-se, apesar de a turma de Faro continuar animosa até ao fim e, mesmo quase sobre a hora, ter podido fazer 2-3, quando Farias se atrasou no remate, a poucos metros das balizas.

Mas, sem embargo de nada do que fica escrito, outra verdade é que a definitiva machadada foi vibrada nos algarvios por quem menos se esperaria, por se tratar de um internacional: – o árbitro.

Dia para esquecer

Deixámos dito que já na primeira meia-hora Ismael Baltasar tivera alguns deslizes. E acrescentaremos (só nós sabemos com que mágoa) que, para além disso, o árbitro já impressionara e surpreendera, fundamentalmente, pela sua brandura, pela sua como que disposição de não criar problemas complicados – apesar de os jogadores nunca lhe terem criado (nem nunca virem a criar) dificuldades de maior, tal a inexcedível e louvável correcção com que sempre se bateram.

Mas foi no segundo tempo que Ismael Baltasar ainda mais se tornou na figura central do desafio. A mesma sensação de «distante» (sobranceria incompreensível e injustificada?), a mesma relutância em mostrar a sempre necessária «presença do árbitro» e uma série de lapsos (uns, indiscutíveis; outros, talvez só aparentes) que passamos a enunciar:

1. Exageradas demoras na marcação dos «livres», por «macieza» para com os jogadores que formavam a «barreira» e que não se colocavam (e acabaram por não se colocar, na maioria das vezes) à distância regulamentar);

2. Aos 8 minutos, empurrão de Almeida (pelas costas) a Raul Águas, junto às balizas do Farense («penalty» incontroverso) – para, logo a seguir, assinalar um muito discutível (quanto a ilegalidade) derrube do mesmo Almeida a Camolas, já fora da área de rigor dos algarvios;

3. Dúvidas (nossas) na forma como Farias foi derrubado, em desarme, perto da linha de cabeceira e dentro da grande área do União, aos 13 minutos («penalty» aparente – pelo menos);

4. Fernando foi derrubado (pelas costas e por três adversários) dentro da grande área do Farense («penalty» indiscutível);

5. A dois minutos do fim, «cartão amarelo» para Almeida, por ter feito, apenas, obstrução a Fernando – depois de, ao rondar do primeiro quarto de hora, o árbitro se ter limitado a conversar (duas vezes) com o «capitão» João Carlos, que discordou (por palavras e gestos) com uma decisão sua e lhe voltou, por fim, as costas deliberadamente;

6. A expulsão de Adilson, que foi uma autêntica «barbaridade», porque o jogador nada fez que justificasse, sequer, «cartão amarelo» – podemos garanti-lo, porque o lance desenrolou-se mesmo na nossa frente e a curta distância da linha lateral.

…Foi assim: Fernando entrou em falta (não maldosa) sobre Adilson, o árbitro apitou (e bem) e Fernando, talvez por admitir que o adversário reagisse (embora nós não lhe percebessemos tal intenção), pôs-lhe as mãos nos ombros, como que para evitar que ele se aproximasse, como que para o acalmar; a reacção de Adilson foi, única e exclusivamente, a de afastar as mãos de Fernando – e nem o fez com modos bruscos. Mas foi expulso, para surpresa geral.

Uma expulsão de bradar aos céus. E, para mais, imposta por um árbitro que, até ali, tão «macio» se mostrara. Que terá visto, no lance, Ismael Baltasar, que mais ninguém conseguiu ver?

Se acrescentarmos a tudo isto o facto de o jogo ter começado com três minutos de atraso, porque a equipa de arbitragem só quando ia a entrar em campo se apercebeu de que as camisolas dos jogadores do União eram iguais às suas (pretas), pelo que houve que voltar à cabina e envergar camisolas cinzentas – (só o árbitro e o «bandeirinha» António Rodrigues, porque José António vestiu uma camisola amarela, cremos de guarda-redes, porque tinha a gola e punhos encarnados, tal como se de um desafio de «solteiros e casados» se tratasse) – se acrescentarmos este facto, dizíamos nós, teremos de concluir que, realmente, «no melhor pano cai a nódoa» ou que «há dias em que não se deve sair de casa».

…Só que foi demais para a I Divisão e, sobretudo, para um árbitro internacional.

Poucas evidências

Voltando ao jogo, propriamente dito, temos que o União não jogou bem (embora ganhando bem) e só se «encontrou» (um bocadinho) consigo próprio quando fez o empate e o Farense perdeu a serenidade e o equilíbrio iniciais.

Ainda que a consideremos indiscutível, não percebemos a entrada de Bolota para o lugar de Raul Águas, que acabara de fazer o seu segundo golo consecutivo e vinha sendo (sobretudo por isso) um dos elementos mais em destaque na sua equipa – cuja defesa teve Kiki e Fernandes melhor do que João Carlos e Cardoso (pouco firmes, em posições tão importantes), enquanto que, no meio-campo, a «genica» de Fernando superou a «frieza» de Pedro e a falta de inspiração de Manuel José.

O melhor jogador dos tomarenses, porém foi Pavão, um extremo que [deu] seguimento adequado a quase todo o jogo que lhe chegou – ao contrário de Nascimento, que foi muito mal batido no golo e, no resto, ou não teve ensejos para se redimir ou evidenciou certa intranquilidade, pelo que o «1» que lhe atribuímos só se deve ao facto de a sua equipa ter ganho.

No que [se] refere ao Farense, gostámos francamente da sua actuação até ao tal grande primeiro lapso de Rui Paulino (também com largas culpas no terceiro golo) e só um estado psicológico menos forte pode justificar a acentuada quebra que veio depois.

Para o «capitão» Atraca, as honras da tarde (na função de «libero», desfeita após o 1-2, em que passou para defesa esquerdo, adiantando-se Pena para o meio terreno) – Pena que foi, depois de Atraca e a par de Caneira (este, baixando, a partir de certa altura) o melhor defesa (até pelas suas firmes incursões à frente), já que Assis (com aquele Pavão por adversário directo…) e, sobretudo, Almeida oscilaram bastante.

A meio do terreno, Sobral (grande intuição) foi o único que manteve quase sempre o ritmo da meia hora inicial (ao contrário de Jorge Félix e de Sério, que só continuaram a bater-se bem) e, no ataque, Farias fez um golo vistoso e evidenciou noutros lances o seu valor e o seu espírito de luta – extensivo a António Luís.

E – já analisada, de sobejo, a actuação do árbitro – é tudo.»

(“A Bola”, 30.10.1972 – Crónica de Cruz dos Santos)



“UM «SENHOR CAMOLAS» É MEIA-EXPLICAÇÃO”

Está na hora! – gritou alguém, nas bancadas, quando ainda só estavam jogados 22 minutos da segunda parte. O União vencia, então, por 2-1 e aquele brado (que provocou risos naturais) espelhou bem o que a vitória representava para os tomarenses.

Está na hora! – foi o grito que saiu das gargantas de muitos unionistas, ao longo dos três últimos minutos do desafio. O árbitro procedia, então, àquilo a que (incorrectamente) se chama «descontos» e aqueles brados já não tinham só o significado do tal mesmo grito de um só tomarense quando ainda faltavam 23 minutos para jogar, pois também já correspondiam a um estado de angústia compreensível, dada a forma como o Belenenses «pressionava» as balizas contrárias e punha no ar a perspectiva de um empate – pelo menos.

Nesses minutos finais, ninguém podia prever, realmente, o que viria a acontecer. Ninguém podia lembrar-se, nessa altura, daquilo que, afinal, faz o encanto do futebol – a sua permanente e maravilhosa incerteza: – num ápice, de novo a bola no fundo das balizas do Belenenses.

Um triunfo avolumado, os dois pontos assegurados, nos derradeiros instantes, quando a igualdade e a fuga de um ponto eram ameaças flagrantes.

Juntou-se a isso a beleza do golo da confirmação. E, daí, toda a festa que se lhe seguiu com responsáveis, jogadores (efectivos e suplentes) e público abraçados, dentro do campo.

Ganhou bem o União de Tomar? Pensamos, abertamente, que sim. Porque, embora podendo considerar-se feliz no momento em que passou de 1-1 para 2-1, teve duas «armas» que faltaram aos «azuis»: – uma defesa que não cometeu erros de vulto e um ataque que soube ser objectivo.

Emoção e bastante mais

Talvez, até, porque foi disputado sob chuva miúda, o jogo teve uma assistência apenas razoável, mas foi um espectáculo com interesse do primeiro ao último minuto. Interesse pela qualidade que o futebol chegou a atingir (pese ao estado do terreno, mui escorregadio), interesse pela forma como todos os jogadores se bateram (generosa e correctamente, apesar da inevitável frequência dos choques), interesse pela incerteza do resultado (como o ilustra, por si só, o que ficou descrito da sua parte final) e interesse, ainda, pelas várias mutações por que se passou, quanto à previsão do resultado.

Neste último aspecto, a hora e meia pode, na verdade, dividir-se em quatro períodos distintos e bem díspares: – o primeiro, englobando toda a primeira parte, com um manifesto equilíbrio no desenrolar das operações e com os tomarenses a chegarem ao intervalo numa posição de vencedores que tanto podia ter outros números como verificar-se ao contrário; no reatamento, o Belenenses no seu melhor período, a firmar grande supremacia, a atingir o empate com inteira justiça e a dar a sensação de que iria chamar a si a vitória; depois, o União a alcançar o 2-1, que «acalmou» o adversário e restituiu aos tomarenses as energias que haviam parecido faltarem-lhe; nos últimos dez minutos, o Belenenses a «carregar» com uma insistência igual (se bem que já menos lúcida, logicamente) à que se vira logo após o intervalo e a ver o seu «forcing» contrariado por uma defensiva «heróica» – até o ver desfeito pelo tal golo da tranquilidade nabantina.

Ainda que não tivesse havido tudo o mais que ficou apontado, apenas isto bastaria para dar ao espectáculo expressão e força futebolísticas.

Quatro golos foram poucos

Marcaram-se quatro golos e não houve golos a mais. Logo no primeiro minuto, só por acaso não apareceram dois, um para cada lado (desperdiçados por Ramalho e por Pavão) e, pelo tempo adiante, algumas outras ocasiões foram sendo «enjeitadas»: – Gonzalez, pouco antes do golo inicial dos tomarenses (cremos que por «falta» de pé direito); Caetano a rematar rente a um poste, de cabeça, mesmo em «cima» do intervalo (e junto a Quaresma e a Freitas, «colados» ao terreno); lances quase «de lotaria» junto das balizas dos tomarenses, nos dois períodos de «massacre» imposto pelos «azuis» – já que não há que incluir no «grupo» a espectacular forma como Silva Morais desviou por cima da barra um remate (em «voley») de Freitas, porque os guarda-redes estão no seu posto para isso, precisamente.

Não se esquece, tão claro está, que o desfecho de lances do tal tipo «de lotaria» depende, apenas do pé que aparece para chutar a bola. E o Belenenses talvez tenha razões para se lamentar de em nenhum daqueles momentos ter sido de um dos seus jogadores o pé que chutou o esférico. Há, porém, outros dois factos bem mais concretos do que esse: – mesmo incluída a «aflição» própria daquele instante, a defensiva de Tomar nunca transmitiu a sensação de tão perturbada e oscilante quanto a dos lisboetas; até por lógica influência desse factor e sem embargo de meia-dúzia de excelentes intervenções de Silva Morais, o perigo esteve quase sempre mais desenhado nas ofensivas dos tomarenses do que na dos lisboetas.

A defesa de Tomar jogou, em regra, na verdade, bastante bem. Com um guarda-redes arrojado e seguríssimo de mãos e com Kiki, Florival, Faustino e Zeca a formarem um «quarteto» decidido e coeso. Ao invés, há já muito tempo que não víamos tão mal a defesa belenense. Melo à parte (porque não teve culpas nos golos e esteve bem em tudo o resto), apenas Esmoriz se «salvou» de um «desastre» cujos «salpicos» atingiram Cardoso (em dificuldades diante de Pavão) e que teve o seu ponto máximo nos dois «centrais», Quaresma e Freitas, um e outro muito ligados aos golos [e] a algo mais do que eles – o que acontece a qualquer, mas foi para nós surpresa, sobretudo, no caso de Freitas, pela soberba «forma» que vem evidenciando.

Dali para a frente, houve as consequências até certo ponto naturais e com o maior contraste a registar-se entre os elementos mais fixos como «pontas-de-lança», porque Ramalho nada de positivo conseguiu (bem pelo contrário), Ernesto em pouco o superou e Camolas esteve, apenas, sensacional e não somente pelo magnífico golo que obteve e pelo outro que, com tanta visão, proporcionou a Caetano – que bem mereceu esse belo tento, ao situar-se a par de Pavão e dos quatro defesas.

A classe de Gonzalez, a progressiva melhoria de Leitão e o valor que Isidro e Vasques possuem não bastaram para evitar, mais do que a derrota, a desluzida imagem de um Belenenses que só no tal período inicial da segunda parte «explicou» a boa época que está fazendo.

Muito bem

Apesar das dificuldades oferecidas pelo terreno, o árbitro, Américo Borges (com bons auxiliares), teve uma actuação de muito mérito, mostrando serenidade, discernimento, segurança e (quando foi necessário) autoridade – caso do «cartão amarelo» bem exibido a Florival.

Assinalável a forma como «resistiu» aos pedidos do público e dos jogadores locais, quando entrou em linha de conta o tempo perdido, para só dar o jogo por findo quando estavam expirados, exactamente, os segundos 45 minutos de jogo autêntico. Aqui, um exemplo.»

(“A Bola”, 02.02.1976 – Crónica de Cruz dos Santos)

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