sábado, outubro 30, 2010
Don Diego chega ao meio século de vida
Há quem lhe chame Deus... outros mágico... outros ainda um fenómeno da Natureza... eu simplesmente classifico-o como um misto das três, e é a ele que hoje tiro especialmente o meu "chapéu" para lhe endereçar os mais sinceros parabéns pelos seus ímpares 50 anos de vida.
quarta-feira, outubro 27, 2010
Grandes lendas do futebol mundial (9)... Matateu - O terror dos guarda-redes
É com enorme prazer que hoje regressamos à vitrina dedicada às grandes lendas do futebol mundial para falarmos sobre um dos maiores jogadores portugueses de todos os tempos, de seu nome Sebastião Lucas da Fonseca, ou simplesmente Matateu. Diz quem o viu jogador que foi um verdadeiro fenómeno, um jogador de uma classe ímpar mas que viveu um tudo ou nada adiantado no tempo, ou seja, viveu fora das épocas das grandes conquistas do futebol português. Faltou-lhe jogar a fase final de um Mundial, de um Europeu, discutir uma final da Taça dos Campeões Europeus, e quem sabe ter jogado num grande do futebol lusitano, coisa que nunca fez, pois se assim não fosse talvez estaríamos hoje aqui a discutir quem tinha sido o melhor jogador lusitano de todos os tempos, se Eusébio, se Figo, se Cristiano Ronaldo, ou se Matateu. Por aqui já dá para ver que este homem foi um gigante do mundo da bola. Vamos também falar de um ser humano cujo nome se confunde com o de um clube, o Belenenses, o emblema do seu coração, o emblema que o tornou célebre e... que ele também ajudou a tornar célebre. Devo confessar aos ilustres visitantes que escrever sobre Matateu me deu enorme prazer, pois sempre ouvi maravilhas deste homem, e sinto uma profunda tristeza em não o ter visto actuar pelo menos uma única vez na vida. Este mito do futebol luso nasceu a 26 de Julho de 1927, em Lourenço Marques, Moçambique, a mesma terra que anos mais tarde via nascer outros génios da bola como Eusébio ou Coluna. Filho de Lucas Matambo e de Margarida Heliodoro o menino Sebastião nasceu no bairro de Alto Mahé, onde como tantos outros ficou enfeitiçado pela bola desde cedo, começando a jogar de pé descalço na terra batida e de tronco nu ao frio ou calor do clima tropical do país de onde veio ao Mundo. Sebastião foi o terceiro filho do casal Lucas e Margarida, tendo depois de si nascido mais cinco irmãos, entre os quais Vicente, um rapazinho que um dia haveria de ser considerado como o único homem que conseguiu travar Pelé. Menino Sebastião viveu uma infância pobre, como a maior parte das crianças daquele tempo. A tristeza da pobreza era porém eclipsada pela paixão pelo futebol. No Alto de Mahé não havia uma só alma que não conhecesse o menino hábil e gingão com a bola nos pés. Por aquela altura Matateu era já o seu nome de guerra. Uma alcunha que segundo o próprio Sebastião Lucas dizia derivar da sua infância, ou seja, que "tateu" em landim significava pele a cair, ou crosta, e que a verdadeira origem desta alcunha residia no facto de «em criança quando me magoava, não tinha paciência para aguardar que a ferida secasse, arrancava a crosta antes de tempo». Menino Sebastião que desde cedo torceu o nariz aos estudos para grande desgosto – e arrelia, por vezes – de sua mãe, a qual não teve outro remédio senão conformar-se com o caminho traçado por este diamante que despontava nas ruas de Moçambique.
O início da aventura
Aos 16 anos Matateu deu o pontapé de saída de uma carreira fabulosa quando ingressou no João Albasini, clube este onde despontava o seu irmão mais velho. O seu talento fez com que estivesse por pouco tempo por estas paragens, já que tempos mais tarde foi contratado pelo 1º de Maio, o clube filial do Belenenses naquele país africano. Dali transitou para o Manjacaze, emblema este que lhe ofereceu um emprego como contrapartida para defender a sua camisola. E a estreia ao serviço daquele colectivo moçambicano foi de tal forma coroada de êxito que no final desse primeiro encontro o lendário Matateu seria abordado pelo árbitro do jogo, João Pedro Belo, um homem que enquanto jogador defendeu com brilho as cores do Belenenses e da própria Selecção Nacional, que lhe perguntaria se estaria disposto a ir para Lisboa. Embora Matateu ficasse surpreso perante tal convite o que é certo é que muito poucos naquela metrópole portuguesa acreditavam que seria possível segurar por muito mais tempo o astro da bola, não sendo de estranhar que à cidade de Lourenço Marques (actual Maputo) tivessem chegado propostas de clubes como o Benfica, o FC Porto, e o União de Coimbra. As notícias dos feitos extraordinários do diamante negro em terras africanas continuavam a chegar em catadupa a Portugal, e tomando conhecimento das mesmas o Belenenses não perdeu tempo em enviar um telegrama para Lourenço Marques pedindo à pérola africana que esquecesse a proposta de João Pedro Belo e ao invés disso apanhasse o primeiro avião para Lisboa onde à sua espera estariam responsáveis pelo emblema da Cruz de Crsito. «Tratar tudo urgentemente stop Matateu embarque Lisboa primeiro avião stop», assim ditava o famoso telegrama.
Chegada a Lisboa... e estreia de sonho
E assim foi, Matateu fez as malas e partiria rumo ao estrelato. Aterrou na capital portuguesa a 4 de Setembro de 1951 para assinar um contrato de 30 contos de luvas com o Belenenses, clube no qual passaria a usufruir de um ordenado mensal de 1600 escudos. A estreia com a camisola azul deu-se ante o FC Porto, no Estádio Nacional, num desafio a contar para a Taça Maia Loureiro. Nesse dia as ímpares qualidades do artista moçambicano ficariam desde logo vincadas, mas a consagração ocorreria uma semana mais tarde num jogo alusivo ao Campeonato Nacional da 1ª Divisão diante do Sporting. Nesse dia Matateu foi o diabo à solta, no bom sentido, colocando os “leões” em absoluto pânico perante a sua genialidade. O país pasmou ao ver aquele rapaz negro espalhar magia com a bola nos pés. Senhor de um drible curto “diabólico” e desconcertante, possuidor de um arranque notável e de um poderoso remate esta força da Natureza foi sem sombra para dúvida o destaque daquele célebre jogo que terminaria com a vitória dos azuis de Belém por 4-3. O génio marcaria dois golos, sendo que no final da partida os entusiastas adeptos belenenses invadiram o campo para carregar Matateu em ombros numa imagem que ficaria célebre. Naquele dia nascia o novo rei do futebol português. Dali em diante escusado será dizer que Matateu seria a estrela maior do Belenenses e do próprio futebol português, pelo menos até à chegada de outro génio oriundo de Moçambique, Eusébio.
Bolas de Prata e Selecção Nacional
Na sua segunda época em Portugal, 52/53, venceria a Bola de Prata, prestigiado troféu atribuido ao melhor marcador do principal campeonato nacional fruto dos seus 29 golos. Nessa mesma época os responsáveis da selecção portuguesa não hesitaram em chamar o novo mago da bola lusitana para defender as cores da equipa nacional. Um facto ocorrido a 23 de Novembro de 1952 diante da Áustria, no Estádio das Antas (Porto). O primeiro golo com as quinas ao peito deu-se um ano mais tarde num jogo amigável diante da África do Sul realizado no Estádio Nacional. Ao todo foram 13 os tentos que Matateu apontou nas 27 ocasiões que representou Portugal, tendo a última delas ocorrido a 22 de Maio de 1960 perante a Jugoslávia numa partida de apuramento para a Taça das Nações Europeias (prova que anos mais tarde seria rebaptizada de Campeonato da Europa). O instinto matador do astro voltaria a ser premiado na temporada de 54/55, altura em que arrecadou a sua segunda Bola de Prata como consequência dos seus 32 remates certeiros no Nacional da 1ª Divisão. Curiosamente, nesta mesma temporada, o Belenenses escrevia aquela que muitos consideram como a página mais triste da sua glorisosa história, a época em que perderia o título nacional no derradeiro jogo do campeonato. Um facto ocorrido a 24 de Abril de 1955, com o desaparecido Campo das Salésias como palco do famigerado episódio. Os intervenientes do duelo davam pelo nome de Belenenses e Sporting e caso os primeiros vencessem sagravam-se pela segunda vez na sua vida campeões de Portugal. A quatro minutos do final os azuis de Belém venciam por 2-1 o seu rival de Lisboa e os foguetes da festa começavam a ser preparados. No entanto, o sportinguista Martins tratou de estragar os festejos ao apontar o golo da igualdade que desta forma retirava o título ao Belenenses e oferecia-o ao Benfica. Matateu chorou nesse dia. Um dos seus maiores sonhos – que anos mais tarde confessaria – havia sido eclipsado a quatro minutos do final de um jogo de futebol. Nunca conseguiria ser campeão nacional ao serviço do seu Belenenses. Assim como nunca conseguiu bater o recorde de golos na Selecção Nacional – outro sonho particular – nem abrir a tão desejada cervejaria na zona de Belém.
Paixão pela cervejinha
Este último sonho é como que um derivado de outra das grandes paixões do astro: a cerveja. Diz quem com ele de perto conviveu que bebia 30 cervejas por dia! Fosse que dia fosse, dia de jogo incluido. Aliás, há uma história contraditória sobre este facto, já que uns dizem que sabendo deste particular vício de Matateu os responsáveis do Belenenses autorizavam-no a beber a cervejinha da prache no intervalo dos jogos, sendo que apenas ele o podia fazer, ao passo que a restante equipa bebia o habital cházinho. Outros porém, dizem que ele desafiava as ordens dos treinadores e dirigentes azuis e ingeria mais do que uma cerveja por jogo, já que alguém lhas escondia atrás das sanitas dos balneários! Voltando aos títulos, o único que conquistou ao serviço do Belenenses foi a Taça de Portugal de 1960 diante do... Sporting. É verdade, os “leões” sempre no caminho de Matateu, no melhor e no pior. Neste caso no melhor, já que uma vitória por 2-1, com o tento da vitória a ser apontado por menino Sebastião, daria a segunda taça da história ao emblema azul. Outra história curiosa retrata o nascimento da única filha de Matateu, fruto do seu primeiro casamento. Jogava-se um Portugal – Argentina no Estádio Nacional e no desenrolar do encontro a instalação sonora do recinto dá conta do nascimento do primeiro rebento do craque nacional que na hora de escolher um nome para a sua menina optou por... Argentina. Original, no mínimo. Por falar em partidas internacionais não é demais sublinhar que o reconhecimento além-fronteiras pelo génio tivesse começado bem cedo. Na edição de 1955 da Taça Latina (a antecessora da Taça dos Campeões Europeus) a imprensa internacional rendeu-se a Matateu em consequência das suas sublimes exibições nos relvados parisienses (Paris acolheu a fase final dessa Taça Latina) que ofuscaram génios como Di Stéfano e Kopa.
O declínio? Não para Matateu
Os anos foram-se passando e pessoas existiram no universo futebolístico que começaram a duvidar das capacidades do génio. Caso de Fernando Vaz, célebre treinador que na altura de assumir os destinos do Belenenses colocou de imediato em causa a utilidade do jogador ao clube. Em Novembro de 1964 os responsáveis do Belenenses prometem-lhe uma grande festa de homenagem... quase em jeito de despedida, para no mês seguinte o terem dispensado! Um dos poucos a opor-se a esta precipitada decisão foi o histórico dirigente azul Acácio Rosa, para o qual Matateu ainda poderia ser muito útil ao Belenenses. Clube pelo qual contabilizou números impressionantes: 217 golos em 291 jogos realizados na 1ª Divisão! Só na 1ª Divisão, pois se juntarmos os apontados na Taça de Portugal, nas competições europeias (Taça Latina e Taça das Cidades com Feira), e noutras provas secundárias a marca assume proporções assombrosas. Mas o que é certo é que o génio oriundo de Lourenço Marques abandonou o clube do seu coração, mas não o fez em relação ao futebol. A sua carreira estava ainda muito longe de terminar, tal como se viria a verificar. Em 1965/66 ajudou o Atlético a subir à 1ª Divisão Nacional, e aos 41 anos assinou pelo Amora, que na altura se encontrava nos campeonatos distritais, e também aí fez história já que ajudou o pequeno clube a subir e a cimentar-se nos campeonatos nacionais. Antes do Amora uma fugaz passagem pelo Gouveia veio provar que Matateu ainda estava bem vivo. Foi então que decidiu emigrar, mais concretamente para o Canadá, onde encantaria um povo carente de grandes momentos de futebol. Foi estrela num país onde o futebol assume um papel secundário. Ali jogaria no First Portuguese para pouco depois regressar a Portugal para uma nova aventura em Chaves no Desportivo local. No entanto, em 1969 regressa ao Canadá para vestir a camisola do Sagres de Vitória onde jogaria até aos 55 anos! E naquele país da América do Norte viveria até ao final da sua vida, ali casaria uma segunda vez, ali viria a falecer a 27 de Janeiro de 2000 com 72 anos com o seu Belenenses sempre no coração. Viajando pelo mundo virtual em busca de testemunhos capazes de abrilhantar as modestas linhas por mim acabadas de elaborar em torno deste génio encontrei duas pérolas jornalísticas de grande interesse que descrevem um pouco da vida desta lenda do futebol mundial. Uma é da autoria de um homem que muito admiro enquanto jornalista, Rui Miguel Tovar, que por alturas do 10º aniversário da morte de Matateu entrevistou para o jornal “I” um homem que teve o privilégio de treinar o astro africano. Outra é senão mais do que uma compliação de relatos feitos na primeira pessoa – pelo próprio Matateu – ao jornal “A Bola” aquando da sua passagem pelo Amora. Aqui ficam:
Por: Rui Miguel Tovar
«Maputo, capital de Moçambique e antigamente conhecida como Lourenço Marques, é a terceira cidade com mais internacionais na selecção portuguesa, depois de Lisboa e Porto. Ao todo, são 16 e há de quase tudo, menos guarda-redes (Costa Pereira nasceu lá perto, em Nacala). Nomes clássicos como Eusébio, Coluna, Hilário, Juca, Vicente, Matine, os gémeos Pedro e Carlos Xavier saltam à vista mas só um foi apelidado pelos ingleses de oitava maravilha do mundo: Sebastião Lucas da Fonseca, ou Matateu. O i faz-lhe aqui a homenagem, precisamente no dia em que se celebra o 10.o aniversário da sua morte. Artur Quaresma, tio-avô de Ricardo (o do Inter), hoje com 93 anos, que treinou o avançado no Belenenses confirma-nos: "Matateu era uma maravilha." Para já, a pergunta sacramental: quem foi Matateu? "Isso agora, pfff. Bem, vou tentar ser prático. Era um fenómeno que, infelizmente, nunca foi campeão, embora andasse lá perto [em 1954-55, o Sporting empatou 2-2 nas Salésias, na última jornada, com um golo aos 86', e roubou o título ao Belenenses, a favor do Benfica]. Era grande, musculoso e encorpado. Impunha-se facilmente pelo físico e destacava-se pelo arranque, pelas passadas com a bola controlada, pelo remate forte ou em jeito, pelo drible. Era uma força da natureza." E que fez Matateu? "Além de marcar golos a torto e a direito [218 em 289 jogos na 1.a divisão], muitos deles impossíveis, outros banais, que lhe garantiram o título de melhor marcador da 1.ª divisão [29 golos em 26 jogos na época 1952-53 e 32 em 26 na de 1954-55], era um autêntico quebra-cabeças. Equipas como Sporting, FC Porto e Benfica marcavam-no homem a homem, num tempo em que nem se pensava nessas modernices. Ele chegou a Portugal [4 de Setembro de 1951] com um contrato de fazer rir e ao mesmo tempo de fazer corar de vergonha os actuais jogadores [30 contos de luvas e 1600 escudos de salário por mês], três meses depois de eu abandonar o futebol. Não nos cruzámos por pouco, mas fiquei feliz por ver a estreia ao vivo, num Belenenses-Sporting numa 1.ª jornada. Ganhámos 4-3, com dois golos dele, o último dos quais aos 88 minutos, e ele foi carregado em ombros pelos adeptos até aos balneários. Logo aí ficou conhecido como astro pela imprensa portuguesa." A alcunha da oitava maravilha do mundo veio mais tarde. Em Maio de 1955, a Inglaterra perdeu pela primeira vez com Portugal (3-1 no Jamor) e os jornalistas britânicos, sobretudo o enviado do "Daily Sketch", um tablóide nascido em Manchester nos anos 20 e que foi sugado na década de 70 pelo "Daily Mail", descreveu Matateu da seguinte forma: "Um negro sempre sorridente, de Moçambique, é, esta noite, o rei do futebol português. Lá foi-lhe dado o nome de Lucas, mas há muito tempo que já ninguém se preocupa com isso. Passaram-lhe a chamar Matateu - um cognome que significa oitava maravilha do mundo - desde que começou a driblar como um mago e a chutar como um canhão. Fomos derrotados por essa oitava maravilha que rebaixou e humilhou uma Inglaterra destroçada e inebriada. E não há justificação porque, com excepção do maravilhoso Matateu, o grupo português é uma equipa de passeantes, com apenas uma vitória nos últimos 19 jogos." A coisa não se fica por aqui. Nesse mesmo ano, Matateu foi eleito pela imprensa como o melhor jogador da Taça Latina-55, precursora da Taça dos Campeões, à frente de Di Stéfano e Puskas, ambos do Real Madrid. Como titulava a revista "Miroir Sprint", "Di Stéfano perdeu o sorriso frente a Matateu". Em 1957, o Belenenses fez uma digressão pelo Brasil e jogou no Maracanã, onde Matateu atirou três à barra antes de Pelé marcar os primeiros golos internacionais no misto Vasco/Santos. Só para acabar, em 1959, num RDA-Portugal de qualificação para o Europeu, em Berlim, o nome de Matateu é entoado por militares alemães que o rodeiam no final do jogo, ao ponto de ele perguntar ao jornalista Aurélio Márcio: "Vistes os russos a chamar pelo meu nome?" Tudo em nome do futebol. E sempre com uma cervejinha ao intervalo, a sua imagem de marca. E lá voltamos ao Artur Quaresma. "Comigo a treiná-lo, nunca bebeu. Pedi-lhe com bons modos e ele acatou. Ficava no balneário a ouvir-me e a motivar os mais novos. Naquela altura a gente entendia-se mais facilmente que agora, em que um futebolista ganha mais que um treinador, o manda passear, faz o que lhe apetece." Depois do Belenenses, onde ganha a Taça de Portugal-60 ao Sporting, Matateu ainda joga no Atlético, que ajuda a subir à 1ª divisão em 1966. No posterior pingue-pongue entre Américas (First Portugueses e Sagres da Vitória) e Portugal (Gouveia, Amora e Chaves), só acaba a carreira aos 55 anos.
Excerto da entrevista ao Jornal "A BOLA" 18/01/69 . E foi então que na época 1968/69, que Lucas Sebastião da Fonseca, mais conhecido por Matateu, ingressou no AMORA FUTEBOL CLUBE . Talvez numa das épocas mais lindas do clube, e ele contava com 41 anos de idade, mas parecia que tinha 19. Foi no dia 20/10/68 pelas 15 horas, e a contar para a 1ª. Jornada do Campeonato Distrital da 1ªDivisão da Associação de Futebol de Setúbal, que Matateu reapareceu para o futebol. O Amora F.C. recebeu o Monte - Caparica, e venceu por 3-1, marcando Matateu o segundo golo.
Na primeira página do Jornal "A BOLA" lia-se. AMORA CEMITÉRIO ADIADO. MATATEU A TRÊS CONTOS POR MÊS. «O Angenja, que era o treinador do Amora, perguntou-me se eu estava interessado, e eu perguntei quais eram as condições e depois aceitei. Muita gente me tem dito, então Lucas, tu foste internacional tantas vezes, aceitas ir jogar para um clube assim que nem é da 3ª. Divisão? «Mas eu respondi sempre que isso não me interessava, futebol é futebol e é igual em toda a parte, isso de divisões tanto me faz, a primeira como a segunda ou a terceira, são só números e nada mais. O futebol é só um e é sempre o mesmo, o que importa é que eu me dê bem com os colegas e com toda a gente e que o dinheiro não falte no fim do mês...»
Excerto da entrevista ao Jornal "A BOLA" 18/01/69 O Campo da Medideira registava na altura enchentes e muitos dos adeptos eram do Belenenses, que preferiam ir ver o Matateu a jogar pelo Amora. As receitas na altura aumentaram, mas isso não chegava. O Amora F.C. teve na altura grandes despesas. Foi a electrificação do campo, foi a construção de novos balneários, o treinador Angenja ganhava 3.500 escudos por mês e Matateu 3.000 escudos. Era muito dinheiro para um clube como o Amora F.C. Para ultrapassar isso, alguns amigos do Amora, conseguiram arranjar um grupo de sócios especiais, cujas quotas se destinavam especialmente a custear o ordenado de Matateu. A resposta de Matateu, para além de meter o clube nos nacionais de futebol, do qual ainda permanece, pois o Amora F.C. subiu à 3ª Divisão Nacional e nunca mais, até hoje voltou aos distritais, foi: «Em Amora, o ambiente é maravilhoso. É um clube pequeno que têm grandes despesas, mas em pagamentos, nunca falha, no fim do mês, recebemos o ordenado, depois de quinze em quinze dias, pagam-nos os prémios. Assim, nunca é preciso meter vales, a gente já sabe, é só esperar por esses dias»
Excerto da entrevista ao Jornal "A BOLA" 18/01/69 Na Amora, Matateu foi tratado carinhosamente por toda a gente, conseguindo ser pela primeira vez na sua longa e gloriosa carreira, CAMPEÃO. Não foi nacional, mas sim distrital, obtendo 21 golos, através da sua magnifica experiência garantindo o título de Rei dos Marcadores da Ass. Fut. Setúbal. Para além desses títulos, Matateu e o Amora F.C. conseguiram ganhar a TAÇA SOCER. Na final derrotaram o Seixal F.C. por 1-0, numa dessas jogadas geniais, Matateu após várias fintas correu à linha de fundo, centrou primorosamente para Toni Brito, que à vontade marcou o único golo da partida. Iam decorridos 35 minutos. A cerveja sempre foi a bebida preferida de Matateu. Em entrevista ao Jornal "A BOLA" no dia 18/01/69 disse: «Tenho 41 anos, mas parece que tenho 19, porque estou conservado em cerveja». «Acredite, quando não bebo cerveja, não sou o mesmo, sinto-me mal e o meu rendimento é sempre inferior» . « É verdade, se eu não bebesse cerveja, já teria arrumado as botas há muito tempo». Assim, enquanto o resto da equipa se contentava com o cházinho do costume, Matateu bebia a sua cervejinha.
Legenda das fotografias:
1- Sebastião Lucas da Fonseca... o popular Matateu
2- O pequeno Sebastião ladeado pelas mulheres da sua família
3- O estilo inconfundível do astro moçambicano
4- Levado em ombros pelos adeptos do Belenenses após a uma estreia de sonho diante do Sporting no Nacional da 1ª Divisão
5- Com Travassos na Selecção Nacional
6- O director do jornal "A Bola", Ribeiro dos Reis, entrega a Matateu uma das duas Bolas de Prata conquistadas pelo craque
7- Num desafio diante do Sporting
8- O cantinho de Matateu no Museu do Belenenses
9- É goooolooooo!!!!!!!!!... de Matateu
10-Matateu envergando as cores do Atlético, em 1966
sábado, outubro 23, 2010
Os 70 anos de um rei...
quinta-feira, outubro 21, 2010
Grandes Mestres da Táctica (5)... Anselmo Fernandez
Nunca uma passagem tão fugaz pelo comando técnico de uma equipa gerou tanto sucesso como aquele angariado pelo nosso “mestre da táctica” de hoje. Pelo seu punho ajudou o Sporting Clube de Portugal – o seu clube do coração – a escrever uma das páginas mais reluzentes da sua gloriosa história. O seu amor ao futebol era puro e desinteressado, tão desinteressado que nunca quis viver às custas desta nobre modalidade. Assim não o tivesse feito - por outras palavras, se tivesse abraçado a bola como profissão a tempo inteiro - e hoje estariamos aqui a recordar os feitos de uma lenda mundial das tácticas como foram Herbert Chapman, Hugo Meisl, Vittorio Pozzo, Sepp Herberger, Bobby Robson, Alf Ramsey, Rinus Michels, entre outros, muitos outros homens que mais do que terem conquistado títulos de grande prestígio internacional ao longo das suas carreiras ajudaram o desporto rei a evoluir. Foram os cientistas da bola, imaginando e aplicando novos conceitos tácticos que revolucionaram o jogo ao longo de décadas. A ilustre personalidade de hoje andou muito perto do caminho da imortalidade no que concerne aos “mestres da táctica” já que também ele era um visionista, um homem que vivia adiantado no tempo.
Sem mais demoras apresentamos Anselmo Fernandez, o arquitecto, o homem que conduziu o Sporting à conquista da Taça dos Vencedores das Taças em 1964. Mas já lá vamos.
Anselmo Fernandez nasceu em Lisboa a 21 de Agosto de 1918 e desde cedo – como tantos outros – se deixou enfeitiçar pelo bichinho da bola. Aos 16 anos iniciou a sua curta carreira de futebolista no emblema da sua paixão, o Sporting. E curta porque uma apendicite o afastaria de uma possível carreira promissora. Desistiu do futebol mas não do desporto, enquanto praticante, sendo que tempos mais tarde iniciaria uma aventura no râguebi. Numa altura em que o profissionalismo no desporto estava ainda a léguas de ver a luz do dia Anselmo Fernandez nunca perdeu os estudos de vista, pelo que na hora de eleger uma profissão optou pela arquitectura.
Uma área onde foi mestre, não só nos edifícios que criou – entre outros foi responsável pela construção do Hotel Tivoli, e da Reitoria da Universidade, ambos em Lisboa, e com Sá da Costa foi também um dos mentores do projecto do antigo Estádio José de Alvalade – mas também nos projectos tácticos que haveria de desenhar de leão ao peito na década de 60.
Possuidor de um estilo de treino muito particular – entre outros aspectos foi o primeiro treinador português a recorrer ao vídeo para analisar os adversários – Anselmo Fernandez é chamado em 1962 a substituir o mítico treinador húngaro Joseph Szabo no comando do seu Sporting. Faria cinco jogos, e nos cinco obteve outras tantas vitórias. Desta primeira passagem pelo banco leonino encontrei recentemete um relato que o próprio Anselmo Fernandez fez ao jornal “A Bola”, o qual passo a reproduzir na integra:
Em 1962, dirigentes do Sporting pediram-lhe que se tornasse supervisor técnico do futebol do clube, para apoiar Szabo, que era já treinador com a estrela empalidecida. «As coisas
estavam a correr mal, chamaram-me a dar um jeito, em cinco jogos cinco vitórias, uma delas, sensacional, sobre o F. C. Porto, no Porto. Os portistas, depois de terem empatado na Luz, ficaram com o título quase garantido, mas nós acabámos por tramá-los...»
Foi nesse jogo do Porto que Anselmo Fernandez trouxe à colação os primeiros indícios da sua argúcia. E da sua personalidade. «Para esse jogo, não viajara com a equipa. Quando chegaram ao Porto, já eu estava no Hotel Batalha. Disseram-me que o Carvalho se portara
mal e que o Lúcio decidira, por si, comer três pregos e beber três cervejas em Aveiro, onde parámos para comer uma sande de fiambre e beber um sumo. Disse logo ao Juca, que era o treinador de campo, que não jogariam. Ficou em pânico! Quem poderia substituí-los? Disse-lhe que o Libânio e o Morato. Houve logo quem pensasse que eu
endoidecera. Mais convencidos disso ficaram quando me recusei a ir para o banco e quando vibrei com o golo do empate do... F. C. Porto! Manuel Nazaré, que me acompanhara para um recanto do relvado, perguntou-me, então, o que se passara. Disselhe
que aquele golo do F. C. Porto, pouco antes do intervalo era uma... leitaria, que, assim, ganharíamos pela certa. Assim foi, vencemos por 3-1. O Campeonato acabou, ofereceram-me uma fortuna, não quis, não era parvo e como era arquitecto...»
Posto isto um interregno de dois anos surgiu no caminho do arquitecto no que concerne ao trabalho directo com o futebol. Regressaria na temporada de 1963/64 e de novo ao comando do clube que tanto amava, o Sporting. Desta feita para substituir o brasileiro Gentil Cardoso, uma troca que não poderia ter um final mais feliz. Gentil Cardoso saira do clube pela porta pequena após ter sido goleado em Manchester por 4-1 pelo United local num encontro a contar para a 1ª mão dos quartos-de-final da Taça dos Vencedores da Taças (TVT), na altura já a segunda prova europeia mais importante ao nível de clubes da UEFA. Recorrendo uma vez mais aos arquivos históricos do jornal “A Bola” recordemos então o que se passou a seguir à terrível noite de Old Trafford.
Ao jantar, depois do jogo maldito, os directores estavam desolados. Aparentemente resignados. «Manuel Nazaré afirmou-me que nada haveria a fazer, que estávamos lixados. Gracejando, disse-lhe que comigo como treinador talvez não... O desabafo passou como ironia. Nem eu queria que fosse outra coisa. No domingo seguinte, contra o Olhanense, estava o Sporting empatado,
1-1, deixei o camarote, 15 minutos antes de o jogo terminar, cheguei a casa, disse à minha mulher que não tardaria a tocar o telefone. Assim foi. Era o Nazaré a convidar-me para treinador. Aceitei e chamei o Francisco Reboredo, que estava nos juniores do F. C. Porto, para treinador de campo. Na estreia, contra o Benfica, na Luz, empate a 2-2. E quarta-feira, aquele jogo mágico dos 5-0 ao Manchetser, a caminhada fulgurante para a conquista da Taça das Taças...»
Pois é, a epopeia começa aqui a escrever-se no célebre jogo da 2ª mão em Alvalade ante o Manchester United treinado por outra lenda da táctica, Matt Busby. Missão impossível para muitos, incluindo grande parte da família sportinguitsa, o que é certo é que naquela noite o futebol português viveu um dos momentos mais felizes e épicos da sua longa e gloriosa história, muito à custa do Sporting e em particular do homem que comandava os seus destinos desde então: o “arquitecto”. 5-0 e a eliminatória estava virada e o Sporting alcançado as meias-finais da prova europeia. O poderoso Manchester tinha sido vergado face a uma exibição do... outro mundo de 11 leões indomáveis. Mas a viagem de sonho não iria ficar-se por ali, muito longe disso. Antuérpia, bela cidade belga, seria o porto de destino – final – da nau leonina. Localidade onde foi realizada a finalissíma da TVT dessa temporada na sequência de um empate a três golos na final de Bruxelas. Em Antuérpia Morais deu aso ao sonho de trazer para Portugal a primeira e única TVT. E tudo aconteceu graças a um golo de canto directo... o cantinho do Morais como ficou eternizado. O Sporting vencia assim o seu único – até à data – troféu internacional. Um vitória arquitectada por Anselmo Fernandez, um homem que durante essa gloriosa campanha europeia não quis receber um único tostão que fosse do clube. Fez tudo por amor... amor ao futebol e ao Sporting.
“A Bola” recordou então que...
No entanto, quando Brás Medeiros tomou a presidência do Sporting, Jaime Duarte decidiu propor-lhe um verdadeiro contrato de treinador, oficializando uma situação que não era
justo continuar assim. «Ofereceram-me 15 contos por mês, valor que, naquela altura, era baixo para um treinador, sobretudo depois da vitória na Taça das Taças. Aceitei. Só recebi um mês, porque, já na época seguinte, depois de ganharmos 4-0 ao Bordéus, demiti-me simplesmente porque, antes do jogo, o vice-presidente Pereira da Silva decidiu enviar aos emigrantes em França uma carta de captação de simpatias, com as assinaturas de 11
jogadores. Leu a carta, ao almoço, embevecido, perguntou-me a opinião, disse-lhe que a ideia era gira, mas que achava que, por enquanto, ainda era eu o treinador, não percebendo, por isso, porque estavam lá aqueles 11 nomes e não outros. Ganhámos e...
em Lisboa, demiti-me. Nunca mais voltei ao Sporting...»
Anos mais tarde quando treinava a CUF – conjunto que levou à Taça UEFA – um terrível acidente de viação na ponte sobre o Tejo (Lisboa) colocou-o às portas da morte. Foi submetido a uma delicada operação ao cérebro, passando vários meses em coma. Driblou a morte e remeteu desde então o futebol para o baú das recordações. À “A Bola” recordaria anos mais tarde que «as luzes e a glória pertubaram-me. Por isso não me magoa que 99% dos sportinguistas possam não saber que o treinador do Sporting que ganhou a TVT foi um arquitecto de profissão, filho de espanhóis de Zamora, mas que nasceu em Lisboa e fez do Sporting a sua mais apaixonante ligação a Portugal».
Morreria a 19 de Janeiro de 2000, em Madrid.
Legenda das fotografias:
1- Anselmo Fernandez
2- A célebre equipa do Sporting que conquistou a TVT
Sem mais demoras apresentamos Anselmo Fernandez, o arquitecto, o homem que conduziu o Sporting à conquista da Taça dos Vencedores das Taças em 1964. Mas já lá vamos.
Anselmo Fernandez nasceu em Lisboa a 21 de Agosto de 1918 e desde cedo – como tantos outros – se deixou enfeitiçar pelo bichinho da bola. Aos 16 anos iniciou a sua curta carreira de futebolista no emblema da sua paixão, o Sporting. E curta porque uma apendicite o afastaria de uma possível carreira promissora. Desistiu do futebol mas não do desporto, enquanto praticante, sendo que tempos mais tarde iniciaria uma aventura no râguebi. Numa altura em que o profissionalismo no desporto estava ainda a léguas de ver a luz do dia Anselmo Fernandez nunca perdeu os estudos de vista, pelo que na hora de eleger uma profissão optou pela arquitectura.
Uma área onde foi mestre, não só nos edifícios que criou – entre outros foi responsável pela construção do Hotel Tivoli, e da Reitoria da Universidade, ambos em Lisboa, e com Sá da Costa foi também um dos mentores do projecto do antigo Estádio José de Alvalade – mas também nos projectos tácticos que haveria de desenhar de leão ao peito na década de 60.
Possuidor de um estilo de treino muito particular – entre outros aspectos foi o primeiro treinador português a recorrer ao vídeo para analisar os adversários – Anselmo Fernandez é chamado em 1962 a substituir o mítico treinador húngaro Joseph Szabo no comando do seu Sporting. Faria cinco jogos, e nos cinco obteve outras tantas vitórias. Desta primeira passagem pelo banco leonino encontrei recentemete um relato que o próprio Anselmo Fernandez fez ao jornal “A Bola”, o qual passo a reproduzir na integra:
Em 1962, dirigentes do Sporting pediram-lhe que se tornasse supervisor técnico do futebol do clube, para apoiar Szabo, que era já treinador com a estrela empalidecida. «As coisas
estavam a correr mal, chamaram-me a dar um jeito, em cinco jogos cinco vitórias, uma delas, sensacional, sobre o F. C. Porto, no Porto. Os portistas, depois de terem empatado na Luz, ficaram com o título quase garantido, mas nós acabámos por tramá-los...»
Foi nesse jogo do Porto que Anselmo Fernandez trouxe à colação os primeiros indícios da sua argúcia. E da sua personalidade. «Para esse jogo, não viajara com a equipa. Quando chegaram ao Porto, já eu estava no Hotel Batalha. Disseram-me que o Carvalho se portara
mal e que o Lúcio decidira, por si, comer três pregos e beber três cervejas em Aveiro, onde parámos para comer uma sande de fiambre e beber um sumo. Disse logo ao Juca, que era o treinador de campo, que não jogariam. Ficou em pânico! Quem poderia substituí-los? Disse-lhe que o Libânio e o Morato. Houve logo quem pensasse que eu
endoidecera. Mais convencidos disso ficaram quando me recusei a ir para o banco e quando vibrei com o golo do empate do... F. C. Porto! Manuel Nazaré, que me acompanhara para um recanto do relvado, perguntou-me, então, o que se passara. Disselhe
que aquele golo do F. C. Porto, pouco antes do intervalo era uma... leitaria, que, assim, ganharíamos pela certa. Assim foi, vencemos por 3-1. O Campeonato acabou, ofereceram-me uma fortuna, não quis, não era parvo e como era arquitecto...»
Posto isto um interregno de dois anos surgiu no caminho do arquitecto no que concerne ao trabalho directo com o futebol. Regressaria na temporada de 1963/64 e de novo ao comando do clube que tanto amava, o Sporting. Desta feita para substituir o brasileiro Gentil Cardoso, uma troca que não poderia ter um final mais feliz. Gentil Cardoso saira do clube pela porta pequena após ter sido goleado em Manchester por 4-1 pelo United local num encontro a contar para a 1ª mão dos quartos-de-final da Taça dos Vencedores da Taças (TVT), na altura já a segunda prova europeia mais importante ao nível de clubes da UEFA. Recorrendo uma vez mais aos arquivos históricos do jornal “A Bola” recordemos então o que se passou a seguir à terrível noite de Old Trafford.
Ao jantar, depois do jogo maldito, os directores estavam desolados. Aparentemente resignados. «Manuel Nazaré afirmou-me que nada haveria a fazer, que estávamos lixados. Gracejando, disse-lhe que comigo como treinador talvez não... O desabafo passou como ironia. Nem eu queria que fosse outra coisa. No domingo seguinte, contra o Olhanense, estava o Sporting empatado,
1-1, deixei o camarote, 15 minutos antes de o jogo terminar, cheguei a casa, disse à minha mulher que não tardaria a tocar o telefone. Assim foi. Era o Nazaré a convidar-me para treinador. Aceitei e chamei o Francisco Reboredo, que estava nos juniores do F. C. Porto, para treinador de campo. Na estreia, contra o Benfica, na Luz, empate a 2-2. E quarta-feira, aquele jogo mágico dos 5-0 ao Manchetser, a caminhada fulgurante para a conquista da Taça das Taças...»
Pois é, a epopeia começa aqui a escrever-se no célebre jogo da 2ª mão em Alvalade ante o Manchester United treinado por outra lenda da táctica, Matt Busby. Missão impossível para muitos, incluindo grande parte da família sportinguitsa, o que é certo é que naquela noite o futebol português viveu um dos momentos mais felizes e épicos da sua longa e gloriosa história, muito à custa do Sporting e em particular do homem que comandava os seus destinos desde então: o “arquitecto”. 5-0 e a eliminatória estava virada e o Sporting alcançado as meias-finais da prova europeia. O poderoso Manchester tinha sido vergado face a uma exibição do... outro mundo de 11 leões indomáveis. Mas a viagem de sonho não iria ficar-se por ali, muito longe disso. Antuérpia, bela cidade belga, seria o porto de destino – final – da nau leonina. Localidade onde foi realizada a finalissíma da TVT dessa temporada na sequência de um empate a três golos na final de Bruxelas. Em Antuérpia Morais deu aso ao sonho de trazer para Portugal a primeira e única TVT. E tudo aconteceu graças a um golo de canto directo... o cantinho do Morais como ficou eternizado. O Sporting vencia assim o seu único – até à data – troféu internacional. Um vitória arquitectada por Anselmo Fernandez, um homem que durante essa gloriosa campanha europeia não quis receber um único tostão que fosse do clube. Fez tudo por amor... amor ao futebol e ao Sporting.
“A Bola” recordou então que...
No entanto, quando Brás Medeiros tomou a presidência do Sporting, Jaime Duarte decidiu propor-lhe um verdadeiro contrato de treinador, oficializando uma situação que não era
justo continuar assim. «Ofereceram-me 15 contos por mês, valor que, naquela altura, era baixo para um treinador, sobretudo depois da vitória na Taça das Taças. Aceitei. Só recebi um mês, porque, já na época seguinte, depois de ganharmos 4-0 ao Bordéus, demiti-me simplesmente porque, antes do jogo, o vice-presidente Pereira da Silva decidiu enviar aos emigrantes em França uma carta de captação de simpatias, com as assinaturas de 11
jogadores. Leu a carta, ao almoço, embevecido, perguntou-me a opinião, disse-lhe que a ideia era gira, mas que achava que, por enquanto, ainda era eu o treinador, não percebendo, por isso, porque estavam lá aqueles 11 nomes e não outros. Ganhámos e...
em Lisboa, demiti-me. Nunca mais voltei ao Sporting...»
Anos mais tarde quando treinava a CUF – conjunto que levou à Taça UEFA – um terrível acidente de viação na ponte sobre o Tejo (Lisboa) colocou-o às portas da morte. Foi submetido a uma delicada operação ao cérebro, passando vários meses em coma. Driblou a morte e remeteu desde então o futebol para o baú das recordações. À “A Bola” recordaria anos mais tarde que «as luzes e a glória pertubaram-me. Por isso não me magoa que 99% dos sportinguistas possam não saber que o treinador do Sporting que ganhou a TVT foi um arquitecto de profissão, filho de espanhóis de Zamora, mas que nasceu em Lisboa e fez do Sporting a sua mais apaixonante ligação a Portugal».
Morreria a 19 de Janeiro de 2000, em Madrid.
Legenda das fotografias:
1- Anselmo Fernandez
2- A célebre equipa do Sporting que conquistou a TVT
quarta-feira, outubro 13, 2010
Grandes Clássicos da Bola (7)... Espanha - Itália
Os célebres duelos travados ao longo de décadas fazem com que hoje sejam encarados como verdadeiros clássicos. Daqueles jogos emblemáticos que enfeitam qualquer Campeonato do Mundo ou da Europa. A partir de hoje vamos então desfiar um pouco do novelo dos grandes clássicos que tiveram lugar nas duas maiores competições de futebol do planeta, começando esta nossa viagem no tempo pela sempre escaldante batalha entre Espanha e Itália.
Dois países que já se defrontaram nos relvados por mais em mais de uma vintena de ocasiões, contudo em jogos a doer, isto é, em palcos de fases finais de Mundiais e Europeus somente por cinco vezes o fizeram.
1934
A primeira delas foi talvez a mais épica, traduzida numa dura batalha lavrada em dois actos levados à cena em Florença, em 1934. Foi o ano em que a Itália organizou a segunda edição do Mundial da FIFA, um campeonato manchado pelo fascismo de Benito Mussolini. Para muitos este foi o Mundial da vergonha, da falta de verdade desportiva em grande parte dos jogos, em especial os da equipa da casa, a qual seria à vista de todos levada ao colo até ao título. Em 1934 o fascismo venceu... e não o futebol como teria razão de ser. Exemplos puros da falta de ética desportiva foram os confrontos entre espanhóis e italianos nos quartos-de-final da prova.
Em 31 de Maio desse longínquo ano subiram ao relvado do Estádio de Florença alguns homens que mais tarde haveriam de se tornar mitos do belo jogo, casos de Meazza, Schiavio, Combi, ou Zamora. Debaixo de um calor tórrido 38.000 almas assistiram a uma luta diabólica de 120 minutos entre duas das maiores potências futebolísticas da altura. Duas horas de futebol de um tremendo desgaste físico que em diversas ocasiões atingiu o limite das forças humanas. E assim o foi não só pela entrega apaixonada com que os atletas de ambas as selecções tiveram ao longo do jogo mas sobretudo pela violência extrema que nele vigorou. Em particular por parte dos italianos para quem tudo valia para travar os seus rivais, desde entradas violentíssimas, pontapés, ou socos. Tudo nas barbas do complacente árbitro belga Baert que fazia vista grossa aos bárbaros ataques dos italianos aos espanhóis. Apesar do massacre de que estava a ser alvo a Espanha inaugurou o marcador, por intermédio de Regueiro, aos 31 minutos. Ferrari igualaria aos 45 minutos, num lance irregular, já que o mítico guardião Zamora foi agarrado por um jogador da casa e desta forma impedido de disputar o lance. Roubo, gritaram os espanhóis, um grito de revolta que de nada valeria, pois Baert mais uma vez faria vista grossa e permitia à Itália ter uma nova oportunidade no dia seguinte de passar às meias-finais. Sim, porque no final dos 120 minutos o resultado teimosamente permanecia numa injusta – para “nuestros hermanos, não só pela superioridade patenteada como também pela actuação tendenciosa do juíz da partida – igualdade a um golo.
Como na época as grandes penalidades ainda não vigoravam como sistema de desempate marcou-se novo duelo para o dia seguinte. A violência da véspera tinha deixado profundas marcas nos dois combinados, em especial para o lado da Espanha que viu sete (!) dos seus craques impedidos – por lesão – de dar novo contributo à equipa, entre outros o “divino” Zamora. Mesmo assim as suas reservas voltaram a resistir heroicamente não só a mais uma sessão de pugilato por parte dos italianos como igualmente a uma actuação tendenciosa do árbitro. Neste último ponto há a sublinhar que se Baert prejudicou seriamente a Espanha o suíço Rene Mercet fê-lo a triplicar na partida de desempate. Mercet deu à Itália o passaporte para a fase seguinte, ignorando a violência de italianos, em especial de Monti que enviou o extremo da “roja” Bosh mais cedo para os balneários na sequência de uma monumental agressão a pontapé, e na anulação de dois golos limpos da selecção espanhola. Giuseppe Meazza como não quer a coisa apontou o único golo desta partida (aos 12 minutos) e a Itália seguia de forma rídicula para a meia-final. Aquando do seu regresso à Suíça Mercet foi irradeado pela federação de futebol deste país. Outra coisa não seria de esperar de um país que sempre se definiu em tudo como... neutral.
1980
Seria preciso esperar 46 anos para ver novamente Espanha e Itália esgrimirem argumentos em campo numa partida de uma fase final de uma grande competição. Tal facto ocorreu em 1980, e mais uma vez em solo transalpino, desta feita em Milão, num encontro da 1ª fase do Campeonato da Europa. Bem mais calmas do que em 34 as duas equipas empataram a zero no jogo de estreia do grupo B da fase final do Euro. Competição onde seriam os italianos a cavalgar mais além, já que chegariam às meias-finais, ao passo que a Espanha ficaria pela 1ª fase. Um Europeu onde a República Federal da Alemanha faria a festa final com a conquista do seu segundo ceptro continental.
1988
E foi de novo numa fase final de um Europeu que os dois velhos inimigos se voltariam a cruzar, desta feita na Alemanha, mais concretamente em Frankfurt no dia 14 de Junho de 1988. Ambos lutavam por um lugar nas meias-finais do Euro 88, vindo os dois combinados de bons resultados na 1ª jornada do grupo A da citada competição. A Espanha havia saído de uma vitória sobre a Dinamarca (3-2) ao passo que a “squadra azzurra” havia empatado com a poderosa equipa da casa a uma bola. Poderosa era também a Itália daquela altura, que se apresentava no Euro com um misto de experiência (Bergomi, Baresi, e Altobelli) e juventude (Maldini, Vialli, e Mancini). Uma senhora selecção. Na Espanha começava a despontar a “Quinta del Buitre” formada por notáveis jogadores como Butragueño, Michel, Zubizarreta, Bakero ou Julio Salinas. Num encontro equilibrado Gianluca Vialli... desequilibrou. Estavam decorridos 73 minutos quando o então avançado da Sampdória fez o único golo do jogo e deu os dois pontos à sua selecção. Esta derrota seria fatal para a Espanha, equipa que no derradeiro jogo do grupo perdeu com a Alemanha e ficou arredada da fase seguinte. A Itália essa ficaria-se pelas meias-finais caindo aos pés de uma forte União Soviética. A Holanda de Van Basten e Gullit venceria a competição.
1994
Após dois confrontos pacíficos, de certa forma, o sangue voltou a ser derramado num Espanha – Itália. Cenário traçado em Boston, nos Estados Unidos da América, durante o Mundial de 1994. Curiosamente, e tal como em 1934, este seria um duelo alusivo aos quartos-de-final do certame, e à semelhança do ocorrido nos anos 30 este seria igualmente um jogo marcado pelos nervos à flor da pele. Os agressores? Uma vez mais os transalpinos, ou melhor, o transalpino Mauro Tassotti. A cena fatal acontece já muito perto do fim do clássico, e numa altura em que a Espanha procurava com intensidade o empate a dois. A “fúria” (espanhola) beneficia de um pontapé de canto, e quando a bola pingava na área Tassotti dá uma cotovelda no rosto de Luis Enrique. Grande penalidade e consequente expulsão que o húngaro Sandor Puhl deixou passar em branco para espanto de todos os presentes no Estádio Foxboro naquela tarde de 9 de Julho. O agressor parece não entender – ou fingir não saber – o que se passa aquando da paragem do encontro, enquanto a vítima chora de raiva enquanto o sangue jorra pelo seu nariz. A Itália mais uma vez leva a melhor no que concerne a resultado final: 2-1, com golos dos Baggio (sem qualquer grau de parentesco entre si)... o Dino (aos 25 minutos) e o Roberto (aos 87), este último a grande estrela da “Azzurra” da época. Caminero marcara pelo caminho para a Espanha, quando o relógio registava 58 minutos.
O gozo – de mais uma vitória obtida – dos italianos sobre os velhos rivais terminaria dias mais tarde, altura em que sairam derrotados pelo Brasil na grande final do “USA 94”. Tassotti também não teve razões para voltar a sorrir, já que a agressão a Luis Enrique valeu-lhe a posterior suspensão de seis jogos.
2008
Já diz o ditado que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, e à quinta foi de vez. A Espanha vencia a Itália pela primeira numa fase final de uma grande competição. Feito ocorrido há pouco mais de dois anos durante o Europeu organizado em conjunto pela Suíça e pela Áustria. E mais uma vez... nos quartos-de-final. Este jogo é encarado como a transição de poderes de um país para o outro. Por outras palavras, a Itália, campeã do Mundo em título (alcançado dois anos antes na Alemanha) apresenta-se neste Euro cansada e com um combinado muito perto da sua reforma, em contraste com uma jovem e excitante Espanha que dali para a frente iria dominar o planeta. O local da passagem de testemunho? O mítico Ernst Happel (também mundialmente conhecido como Estádio do Prater), em Viena. 22 de Junho foi a data da célebre cimeira latina.
Desde o apito inicial que os transalpinos esperavam um erro espanhol para chegar ao golo, enquanto a “armada espanhola” comandada pelo experiente técnico Luis Aragonés desenhava o seu jogo com passes curtos no seu meio-campo para ir ganhando metros até à baliza defendida pelo mago Buffon. Muito a custo a defesa “azzurra” foi sempre aguentando as investidas espanholas e só na segunda parte se assistiu a um verdadeiro lance de perigo da Itália junto da baliza contrária, o qual seria prontamente anulado pelo (já) lendário Casillas. A genial dupla de avançados da Espanha (Torres e Villa) estava presa à teia defensiva armada pelo treinador Donadoni pelo que o prolongamento chegou sem surpresa. Ai, ambos os conjuntos quiseram marcar, contudo a ansiedade aliada ao desgaste físico acabariam por aniquiliar os objectivos comuns. Seguiram-se as terríveis grandes penalidades para desempatar tudo. A lotaria saiu então à Espanha, que muito ficou a dever à inspiração do seu guardião Iker Casillas, o qual parou dois remates transalpinos. 4-2 no final, um resultado que ainda bafejado pela sorte dos penaltis consolidou de vez a “armada espanhola” de Fernando “El niño” Torres, David Villa, Casillas, David Silva, Puyol, Xavi, e Fabregas como a nova potência do futebol. A prova dos nove seria tirada alguns dias depois, também no Ernst Happel, onde um tento solitário de Torres (ante a Alemanha) deu o segundo título europeu a “nuestros hermanos”.
2012
Tal como em 1934 o duelo entre italianos e espanhóis teve "dose dupla", ou seja, as duas equipas encontraram-se por duas ocasiões na mesma competição. Facto ocorrido no Euro 2012, disputado pela primeira vez no leste europeu, mais precisamente na Ucrânia e na Polónia. Espanha que partia para este Campeonato da Europa como a principal candidata à (re)conquista do título, não apenas porque era a detentora dos ceptros Europeu e Mundial, mas essencialmente porque continuava a ser a mais poderosa seleção do planeta. No entanto, a "máquina espanhola" seria travada no dia 10 de junho, em Gdansk (Polónia), quando no jogo inaugural do Grupo C do Euro 2012 a Itália ao realizar uma magnífica exibição
arrancou um empate a um golo, deixando no ar a ideia de que afinal o futebol da "roja" não era invencível. Di Natale, veterano goleador da Udinese, saltou do banco no início da 2ª parte para aos 60m colocar a armada espanhola em sentido, apontando o primeiro golo do encontro. A alegria transalpina durou apenas 4 minutos, já que o genial Cesc Fàbregas restabeleceria o empate na sequência de um passe magistral do não menos genial David Silva. As duas equipas voltariam a encontrar-se quase 3 semanas depois... na final desse Europeu. Kiev e o seu estádio olímpico acolheriam a grande final da competição, um duelo que pelo o que as duas equipas vinham fazendo se antevia equilibrado, mas tal previsão não viria a ser traduzida para a realidade. Exibindo o seu magistral futebol, o célebre "Tiki-taka", a Espanha arrasou por completo a Itália, ao construir uma pesada goleada de 4-0 (!) - a maior goleada numa final de um Campeonato da Europa - e renovar desta forma o título de "rainha da Europa". David Silva, Jordi Alba, Fernando Torres, e Juan Mata foram os autores dos golos da "roja" orientada por Vicente del Bosque. Ao revalidar o ceptro europeu os espanhóis faziam desde logo história no planeta da bola, pois tornavam-se na primeira seleção a ganhar 3 grandes competições planetárias consecutivas: Euro 2008, Mundial 2010, e Euro 2012. Para muitos a Espanha era de longe a melhor equipa da história do belo jogo (!), e jogadores como Casillas, Xavi, Xavi Alonzo, Iniesta, Sergio Ramos, Fàbregas, ou Torres, ascendiam definitivamente ao Olimpo dos Deuses do Futebol. (*)
(*) Texto escrito em julho de 2012
Legenda das fotografias:
1- Duas lendas das balizas: Combi e Zamora. Os capitães de Itália e Espanha, respectivamente, apertam as mãos de forma amistosa antes do primeiro duelo da história entre ambas as selecções. O pior estava para acontecer nas horas que se seguiram no relvado de Florença.
2- O golo irregular da Itália no primeiro jogo com a Espanha em 1934. Ferrari marca mas Zamora é agarrado e impedido de disputar o lance.
3- A Itália sempre produziu grandes guarda-redes ao longo da sua história, nesta foto aparece Dino Zoff, o capitão e comandante da Azzurra no Euro 80
4- Novo duelo entre os velhos rivais, desta feita em Frankfurt, durante o Euro 88
5- Polémico seria também o jogo de 1994, a contar para o Mundial. Aqui o italiano Maldini luta pela posse do esférico com o espanhol Goikotxea.
6- A começo do reinado da Espanha no trono do futebol mundial é bem capaz de ter começado neste jogo do Euro 2008 contra a Itália.
7-Imagem da final do Euro 2012, onde a Espanha esmagou por completo a Itália
Dois países que já se defrontaram nos relvados por mais em mais de uma vintena de ocasiões, contudo em jogos a doer, isto é, em palcos de fases finais de Mundiais e Europeus somente por cinco vezes o fizeram.
1934
A primeira delas foi talvez a mais épica, traduzida numa dura batalha lavrada em dois actos levados à cena em Florença, em 1934. Foi o ano em que a Itália organizou a segunda edição do Mundial da FIFA, um campeonato manchado pelo fascismo de Benito Mussolini. Para muitos este foi o Mundial da vergonha, da falta de verdade desportiva em grande parte dos jogos, em especial os da equipa da casa, a qual seria à vista de todos levada ao colo até ao título. Em 1934 o fascismo venceu... e não o futebol como teria razão de ser. Exemplos puros da falta de ética desportiva foram os confrontos entre espanhóis e italianos nos quartos-de-final da prova.
Em 31 de Maio desse longínquo ano subiram ao relvado do Estádio de Florença alguns homens que mais tarde haveriam de se tornar mitos do belo jogo, casos de Meazza, Schiavio, Combi, ou Zamora. Debaixo de um calor tórrido 38.000 almas assistiram a uma luta diabólica de 120 minutos entre duas das maiores potências futebolísticas da altura. Duas horas de futebol de um tremendo desgaste físico que em diversas ocasiões atingiu o limite das forças humanas. E assim o foi não só pela entrega apaixonada com que os atletas de ambas as selecções tiveram ao longo do jogo mas sobretudo pela violência extrema que nele vigorou. Em particular por parte dos italianos para quem tudo valia para travar os seus rivais, desde entradas violentíssimas, pontapés, ou socos. Tudo nas barbas do complacente árbitro belga Baert que fazia vista grossa aos bárbaros ataques dos italianos aos espanhóis. Apesar do massacre de que estava a ser alvo a Espanha inaugurou o marcador, por intermédio de Regueiro, aos 31 minutos. Ferrari igualaria aos 45 minutos, num lance irregular, já que o mítico guardião Zamora foi agarrado por um jogador da casa e desta forma impedido de disputar o lance. Roubo, gritaram os espanhóis, um grito de revolta que de nada valeria, pois Baert mais uma vez faria vista grossa e permitia à Itália ter uma nova oportunidade no dia seguinte de passar às meias-finais. Sim, porque no final dos 120 minutos o resultado teimosamente permanecia numa injusta – para “nuestros hermanos, não só pela superioridade patenteada como também pela actuação tendenciosa do juíz da partida – igualdade a um golo.
Como na época as grandes penalidades ainda não vigoravam como sistema de desempate marcou-se novo duelo para o dia seguinte. A violência da véspera tinha deixado profundas marcas nos dois combinados, em especial para o lado da Espanha que viu sete (!) dos seus craques impedidos – por lesão – de dar novo contributo à equipa, entre outros o “divino” Zamora. Mesmo assim as suas reservas voltaram a resistir heroicamente não só a mais uma sessão de pugilato por parte dos italianos como igualmente a uma actuação tendenciosa do árbitro. Neste último ponto há a sublinhar que se Baert prejudicou seriamente a Espanha o suíço Rene Mercet fê-lo a triplicar na partida de desempate. Mercet deu à Itália o passaporte para a fase seguinte, ignorando a violência de italianos, em especial de Monti que enviou o extremo da “roja” Bosh mais cedo para os balneários na sequência de uma monumental agressão a pontapé, e na anulação de dois golos limpos da selecção espanhola. Giuseppe Meazza como não quer a coisa apontou o único golo desta partida (aos 12 minutos) e a Itália seguia de forma rídicula para a meia-final. Aquando do seu regresso à Suíça Mercet foi irradeado pela federação de futebol deste país. Outra coisa não seria de esperar de um país que sempre se definiu em tudo como... neutral.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (1934)
1980
Seria preciso esperar 46 anos para ver novamente Espanha e Itália esgrimirem argumentos em campo numa partida de uma fase final de uma grande competição. Tal facto ocorreu em 1980, e mais uma vez em solo transalpino, desta feita em Milão, num encontro da 1ª fase do Campeonato da Europa. Bem mais calmas do que em 34 as duas equipas empataram a zero no jogo de estreia do grupo B da fase final do Euro. Competição onde seriam os italianos a cavalgar mais além, já que chegariam às meias-finais, ao passo que a Espanha ficaria pela 1ª fase. Um Europeu onde a República Federal da Alemanha faria a festa final com a conquista do seu segundo ceptro continental.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (1980)
E foi de novo numa fase final de um Europeu que os dois velhos inimigos se voltariam a cruzar, desta feita na Alemanha, mais concretamente em Frankfurt no dia 14 de Junho de 1988. Ambos lutavam por um lugar nas meias-finais do Euro 88, vindo os dois combinados de bons resultados na 1ª jornada do grupo A da citada competição. A Espanha havia saído de uma vitória sobre a Dinamarca (3-2) ao passo que a “squadra azzurra” havia empatado com a poderosa equipa da casa a uma bola. Poderosa era também a Itália daquela altura, que se apresentava no Euro com um misto de experiência (Bergomi, Baresi, e Altobelli) e juventude (Maldini, Vialli, e Mancini). Uma senhora selecção. Na Espanha começava a despontar a “Quinta del Buitre” formada por notáveis jogadores como Butragueño, Michel, Zubizarreta, Bakero ou Julio Salinas. Num encontro equilibrado Gianluca Vialli... desequilibrou. Estavam decorridos 73 minutos quando o então avançado da Sampdória fez o único golo do jogo e deu os dois pontos à sua selecção. Esta derrota seria fatal para a Espanha, equipa que no derradeiro jogo do grupo perdeu com a Alemanha e ficou arredada da fase seguinte. A Itália essa ficaria-se pelas meias-finais caindo aos pés de uma forte União Soviética. A Holanda de Van Basten e Gullit venceria a competição.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (1988)
1994
Após dois confrontos pacíficos, de certa forma, o sangue voltou a ser derramado num Espanha – Itália. Cenário traçado em Boston, nos Estados Unidos da América, durante o Mundial de 1994. Curiosamente, e tal como em 1934, este seria um duelo alusivo aos quartos-de-final do certame, e à semelhança do ocorrido nos anos 30 este seria igualmente um jogo marcado pelos nervos à flor da pele. Os agressores? Uma vez mais os transalpinos, ou melhor, o transalpino Mauro Tassotti. A cena fatal acontece já muito perto do fim do clássico, e numa altura em que a Espanha procurava com intensidade o empate a dois. A “fúria” (espanhola) beneficia de um pontapé de canto, e quando a bola pingava na área Tassotti dá uma cotovelda no rosto de Luis Enrique. Grande penalidade e consequente expulsão que o húngaro Sandor Puhl deixou passar em branco para espanto de todos os presentes no Estádio Foxboro naquela tarde de 9 de Julho. O agressor parece não entender – ou fingir não saber – o que se passa aquando da paragem do encontro, enquanto a vítima chora de raiva enquanto o sangue jorra pelo seu nariz. A Itália mais uma vez leva a melhor no que concerne a resultado final: 2-1, com golos dos Baggio (sem qualquer grau de parentesco entre si)... o Dino (aos 25 minutos) e o Roberto (aos 87), este último a grande estrela da “Azzurra” da época. Caminero marcara pelo caminho para a Espanha, quando o relógio registava 58 minutos.
O gozo – de mais uma vitória obtida – dos italianos sobre os velhos rivais terminaria dias mais tarde, altura em que sairam derrotados pelo Brasil na grande final do “USA 94”. Tassotti também não teve razões para voltar a sorrir, já que a agressão a Luis Enrique valeu-lhe a posterior suspensão de seis jogos.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (1994)
2008
Já diz o ditado que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, e à quinta foi de vez. A Espanha vencia a Itália pela primeira numa fase final de uma grande competição. Feito ocorrido há pouco mais de dois anos durante o Europeu organizado em conjunto pela Suíça e pela Áustria. E mais uma vez... nos quartos-de-final. Este jogo é encarado como a transição de poderes de um país para o outro. Por outras palavras, a Itália, campeã do Mundo em título (alcançado dois anos antes na Alemanha) apresenta-se neste Euro cansada e com um combinado muito perto da sua reforma, em contraste com uma jovem e excitante Espanha que dali para a frente iria dominar o planeta. O local da passagem de testemunho? O mítico Ernst Happel (também mundialmente conhecido como Estádio do Prater), em Viena. 22 de Junho foi a data da célebre cimeira latina.
Desde o apito inicial que os transalpinos esperavam um erro espanhol para chegar ao golo, enquanto a “armada espanhola” comandada pelo experiente técnico Luis Aragonés desenhava o seu jogo com passes curtos no seu meio-campo para ir ganhando metros até à baliza defendida pelo mago Buffon. Muito a custo a defesa “azzurra” foi sempre aguentando as investidas espanholas e só na segunda parte se assistiu a um verdadeiro lance de perigo da Itália junto da baliza contrária, o qual seria prontamente anulado pelo (já) lendário Casillas. A genial dupla de avançados da Espanha (Torres e Villa) estava presa à teia defensiva armada pelo treinador Donadoni pelo que o prolongamento chegou sem surpresa. Ai, ambos os conjuntos quiseram marcar, contudo a ansiedade aliada ao desgaste físico acabariam por aniquiliar os objectivos comuns. Seguiram-se as terríveis grandes penalidades para desempatar tudo. A lotaria saiu então à Espanha, que muito ficou a dever à inspiração do seu guardião Iker Casillas, o qual parou dois remates transalpinos. 4-2 no final, um resultado que ainda bafejado pela sorte dos penaltis consolidou de vez a “armada espanhola” de Fernando “El niño” Torres, David Villa, Casillas, David Silva, Puyol, Xavi, e Fabregas como a nova potência do futebol. A prova dos nove seria tirada alguns dias depois, também no Ernst Happel, onde um tento solitário de Torres (ante a Alemanha) deu o segundo título europeu a “nuestros hermanos”.
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (2008)
2012
Tal como em 1934 o duelo entre italianos e espanhóis teve "dose dupla", ou seja, as duas equipas encontraram-se por duas ocasiões na mesma competição. Facto ocorrido no Euro 2012, disputado pela primeira vez no leste europeu, mais precisamente na Ucrânia e na Polónia. Espanha que partia para este Campeonato da Europa como a principal candidata à (re)conquista do título, não apenas porque era a detentora dos ceptros Europeu e Mundial, mas essencialmente porque continuava a ser a mais poderosa seleção do planeta. No entanto, a "máquina espanhola" seria travada no dia 10 de junho, em Gdansk (Polónia), quando no jogo inaugural do Grupo C do Euro 2012 a Itália ao realizar uma magnífica exibição
arrancou um empate a um golo, deixando no ar a ideia de que afinal o futebol da "roja" não era invencível. Di Natale, veterano goleador da Udinese, saltou do banco no início da 2ª parte para aos 60m colocar a armada espanhola em sentido, apontando o primeiro golo do encontro. A alegria transalpina durou apenas 4 minutos, já que o genial Cesc Fàbregas restabeleceria o empate na sequência de um passe magistral do não menos genial David Silva. As duas equipas voltariam a encontrar-se quase 3 semanas depois... na final desse Europeu. Kiev e o seu estádio olímpico acolheriam a grande final da competição, um duelo que pelo o que as duas equipas vinham fazendo se antevia equilibrado, mas tal previsão não viria a ser traduzida para a realidade. Exibindo o seu magistral futebol, o célebre "Tiki-taka", a Espanha arrasou por completo a Itália, ao construir uma pesada goleada de 4-0 (!) - a maior goleada numa final de um Campeonato da Europa - e renovar desta forma o título de "rainha da Europa". David Silva, Jordi Alba, Fernando Torres, e Juan Mata foram os autores dos golos da "roja" orientada por Vicente del Bosque. Ao revalidar o ceptro europeu os espanhóis faziam desde logo história no planeta da bola, pois tornavam-se na primeira seleção a ganhar 3 grandes competições planetárias consecutivas: Euro 2008, Mundial 2010, e Euro 2012. Para muitos a Espanha era de longe a melhor equipa da história do belo jogo (!), e jogadores como Casillas, Xavi, Xavi Alonzo, Iniesta, Sergio Ramos, Fàbregas, ou Torres, ascendiam definitivamente ao Olimpo dos Deuses do Futebol. (*)
(*) Texto escrito em julho de 2012
Vídeo: ITÁLIA - ESPANHA (2012)
Legenda das fotografias:
1- Duas lendas das balizas: Combi e Zamora. Os capitães de Itália e Espanha, respectivamente, apertam as mãos de forma amistosa antes do primeiro duelo da história entre ambas as selecções. O pior estava para acontecer nas horas que se seguiram no relvado de Florença.
2- O golo irregular da Itália no primeiro jogo com a Espanha em 1934. Ferrari marca mas Zamora é agarrado e impedido de disputar o lance.
3- A Itália sempre produziu grandes guarda-redes ao longo da sua história, nesta foto aparece Dino Zoff, o capitão e comandante da Azzurra no Euro 80
4- Novo duelo entre os velhos rivais, desta feita em Frankfurt, durante o Euro 88
5- Polémico seria também o jogo de 1994, a contar para o Mundial. Aqui o italiano Maldini luta pela posse do esférico com o espanhol Goikotxea.
6- A começo do reinado da Espanha no trono do futebol mundial é bem capaz de ter começado neste jogo do Euro 2008 contra a Itália.
7-Imagem da final do Euro 2012, onde a Espanha esmagou por completo a Itália
terça-feira, outubro 12, 2010
Efemérides do Futebol (7)...
Um golo por espectador
Durante o início da segunda volta do campeonato belga alusivo à temporada de 1898/99 o Racing Club enfrentou o Athletic and Running Club em inferiodade numérica (10 jogadores) desde... o apito inicial do árbitro. Resultado final: 3-0 a favor desta última equipa. Mas o facto mais caricato desse encontro disputado debaixo de condições meteorológicas péssimas assentou em que ao recinto apenas se deslocaram... três espectadores! É verdade. Ora, sendo assim as estatísticas apontam que a partida teve um golo por espectador! Outros tempos...
Durante o início da segunda volta do campeonato belga alusivo à temporada de 1898/99 o Racing Club enfrentou o Athletic and Running Club em inferiodade numérica (10 jogadores) desde... o apito inicial do árbitro. Resultado final: 3-0 a favor desta última equipa. Mas o facto mais caricato desse encontro disputado debaixo de condições meteorológicas péssimas assentou em que ao recinto apenas se deslocaram... três espectadores! É verdade. Ora, sendo assim as estatísticas apontam que a partida teve um golo por espectador! Outros tempos...