sexta-feira, março 23, 2007

Grandes Mestres do Jornalismo Desportivo (1)... Cândido de Oliveira

Dou hoje início a uma viagem pela galeria dos Gandes Mestres do Jornalismo Desportivo português. Uma área que muito me diz, embora me sinta ainda muito, mas mesmo muito, longe do patamar atingido por alguns dos ilustres nomes que daqui em diante vou passar a recordar no Museu Virtual do Futebol.
Muitos deles são autênticas referências para mim, que me considero um modesto jornalista desportivo - apaixonado sobretudo pelo "jogo maravilhoso" (futebol) - que gostaria um dia de ser um bocadinho, apenas um simples bocadinho, daquilo o que foram estes mestres da escrita desportiva nacional.
Muitos deles foram igualmente grandes jogadores, treinadores, ou dirigentes de futebol, onde tal como na escrita deixaram bem vincado o seu cunho pessoal. Para minha infelicidade não tive a oportunidade de ler - tantas vezes quanto as que gostaria - as prosas futebolísticas escritas por muitos destes vultos do jornalismo desportivo, pois os seus "reinados" ocorreram em alturas em que eu estava ainda no "cu de judas", como popularmente se diz.
No entanto, e felizmente, alguns deles deixaram pedaços dos seus escritos, que ficaram gravados quer em livros quer em diversos capítulos de enciclopédias que vão sendo publicadas "aqui e ali" de vez em quando. Documentos históricos que eu guardo religiosamente na minha cada vez mais extensa "Biblioteca Futebolística", e com os quais procuro sempre aprender um pouco mais, aprender com os Grandes Mestres do Jornalismo Desportivo.
E a primeira ilustre figura que visitamos é alguém que eu chamo de... "O Homem dos 7 Ofícios no Futebol". E o porquê de tal apelido é muito simples, ou seja, ele foi um dos primeiros grandes jogadores de futebol em Portugal, foi um magnífico treinador, um permanente estudioso do belo jogo, e, como já disse, um verdadeiro mestre da escrita desportiva nacional.
Senhoras e senhores visitantes, é com um enorme orgulho que abro esta vitrina dedicada aos Grandes Mestres do Jornalismo Desportivo com... Cândido de Oliveira.
Depois desta breve resanha introduzo aqui um dos muitos textos extraídos das diversas obras alusivas ao Mundo do Futebol que possuo, o qual retrata de uma forma resumida, mas ao mesmo tempo perfeita, a grande figura que foi o Mestre Cândido:

O grande «mestre» do futebol em Portugal


Cândido Fernandes Plácido de Oliveira (nasceu a 24 de Setembro de 1896), é uma das figuras mais marcantes da história do futebol em Portugal. Mestre Cândido foi o primeiro grande estudioso do futebol em Portugal, responsável maior pelo aparecimento da selecção nacional, trabalhador incansável no sentido de que o futebol português se colocasse ao nível do que acontecia nos outros países da Europa, sobretudo nas suas vertentes organizativas.
Mas Cândido de Oliveira foi mais ainda: grande figura humana, democrata convicto que tomou desassombradas posições públicas contra os regimes de Hitler, de Mussolini, de Franco e Salazar. A sua coragem intelectual só teve paralelo na sua coragem física. Foi sujeito a um sem-número de prisões levadas a cabo pela então PIDE; brutalmente torturado e espancado
a ponto de lhe terem partido todos os dentes; em 1942 é enviado para o campo de concentração do Tarrafal. Sobre ele escreveu um livro chamado «Tarrafal – o pântano da morte», publicado a título póstumo, após o 25 de abril de 1974. Depois de ter sido demitido dos correios telégrafos e telefones (CTT), onde trabalhara longos anos e atingira a elevada função de inspector de exploração, funda com Ribeiro dos Reis e Vicente de Melo o jornal «A Bola».
Nascido em Fronteira, distrito de Portalegre, Cândido Fernandes Plácido de Oliveira entrou para a Casa Pia em 1905 e cedo mostrou capacidades inatas para a prática do futebol, capacidades essas que o levaram ao Benfica a partir da época de 1914/15. Aí se manteve até
1920, tendo saído para fundar o Casa Pia Atlético Clube. Apesar de se ter destacado também como avançado, Cândido de Oliveira foi um excelente médio centro, com uma capacidade de comando e de passe que fez dele um dos grandes jogadores portugueses das primeiras duas décadas do século XX. Seria ele o primeiro «capitão» da selecção nacional, no célebre jogo de Madrid, em 1921.
Por várias vezes ocupou o cargo de seleccionador nacional – foi ele o responsável pelo cargo no primeiro grande êxito da selecção nacional, os Jogos Olímpicos de Amesterdão, em 1928 -, tendo-se tornado num técnico sempre disponível para as necessidades da «equipa de todos nós».
Foi jornalista na «Stadium», director de «Os Sports», «Diário de Notícias», «Diário de Lisboa» e «O Século» antes de fundar o jornal «A Bola».
Treinador do Sporting dos «cinco violinos», da Académica, do Belenenses, do FC Porto e do Atlético, chegou também a orientar o Flamengo, do Brasil, em 1950-51. Foi autor de vários livros sobre desporto e táctica no futebol, sofreu uma pneumonia enquanto cobria, como enviado-especial de «A Bola», o Campeonato do Mundo de 1958, realizado na Suécia. Como consequência, viria a falecer no dia 23 de Junho desse ano.


A esta nota biografica juntamos um outro texto biográfico daquele que foi o grande mestre do futebol lusitano.

Um Homem do Futebol é a frase mais correcta que encontramos para, em três palavras, definir Cândido de Oliveira - com a mesma simplicidade que ele adoptou como seu estatuto de vida, iniciada nos bancos da Casa Pia de Lisboa, com a bola a brincar nos seus pés a todas as horas do recreio, até ao trágico desenlace final, a morte, quando, já bem identificado com o desporto que sempre amou, fazia a cobertura para o seu jornal "A Bola" do Mundial 58, na Suécia.
Nesse longo espaço de 72 anos de vida, abruptamente interrompida, Cândido de Oliveira, a par de outras actividades profissionais, esteve sempre ligado ao futebol, primeiro como jogador, sendo internacional e capitão da primeira selecção de Portugal, em 1921, depois como jornalista, dirigente, seleccionador e treinador, em todas essas missões com muita competência e enorme prestígio, assentando-lhe, como uma luva, ser tratado por "Mestre Cândido", pois era assim que todos viam e justamente o reconheciam sempre que com ele contactavam.
Um exemplo notável dos muitos homens que partiram para a vida dos bancos escolares da Casa Pia de Lisboa, figurando o seu nome na primeira linha dos que juntaram aos ensinamentos colhidos a componente futebol. Assim se lhe abriram as portas, de par em par, para o trabalho, atingindo a categoria de funcionário superior da Administração dos Correios e, na outra apaixonante área da sua vida, o jornalismo - aqui com as naturais ramificações ligadas ao futebol.
Mais por paixão do que por necessidade, alem de seleccionador nacional foi, também, treinador de vários clubes- E treinador campeão - daí a justiça do breve registo que aqui deixamos sobre a sua actividade nesse sector.
Nada mais verdadeiras são as palavras gravadas no mausoléu em que são guardados os restos mortais de "Cândido de Oliveira - Homem Bom - Mestre de Futebol". Bem reveladoras da sua personalidade quando, em 1936, foi chamado a substituir o treinador do Belenenses e seu amigo Artur José Pereira. Aderiu de imediato com uma condição - «treino a equipa sem nada receber, mas o ordenado do Artur é intocável... continua a ser dele».
Depois do Belenenses, Cândido treinou o Sporting, durante três épocas, sendo campeão em duas delas, e ganhando duas Taças de Portugal, depois, sempre muito solicitado, foi treinar o FC Porto, duas épocas, tendo numa delas sido finalista vencido pelo Benfica na Taça de Portugal, e na outra vice-campeão da prova rainha da 1ª Divisão.
Noutra ocasião, visitou o Brasil e não resistiu a um convite para treinar o Flamengo. 
Logo que pôde... libertou-se dessa missão e regressou a Portugal, deixando a equipa carioca bem orientada e preparada para continuar o campeonato do Brasil. Insistiram para que continuasse, mas... bem vistas as coisas ser treinador nunca foi um modo de vida para Cândido de Oliveira. Outras responsabilidades o chamavam a Lisboa - deixando, porém, no Brasil, especialmente no Flamengo, as melhores impressões como mestre de futebol que sempre foi. 
Em Portugal, fazia-se sempre acompanhar por um adjunto - sendo Fernando Vaz, também casapiano, o escolhido para essa função no Sporting. Depois, resolveu "soltar" Fernando Vaz, dando-lhe o melhor apoio, sobretudo nos primeiros anos em que Vaz, com a sua recomendação se assumiu como treinador principal de vários clubes. 
A última paixão de Cândido como treinador foi a Académica de Coimbra. Nela, teve como adjunto Mário Wilson. Encontrando em Coimbra jogadores de nível intelectual fora do comum... gostava imenso de conversar com os jovens estudantes e transmitir-lhes os seus ensinamentos no futebol.
Quando a morte o surpreendeu na Suécia, a Académica era a equipa que Cândido estava a treinar - sendo recebida em Coimbra a notícia do infausto acontecimento com profundo pesar.
Em Coimbra... e em todo o país foi muito chorado o inesperado desaparecimento do Mestre Cândido de Oliveira, um Homem do Futebol, treinador-campeão e jornalista que encontrou a morte no seu último momento de trabalho... na mais importante prova do mundo do futebol.*

*Texto extraído da revista Record - Treinadores Campeões  
Cronologia:

24/9/1896: Nasce em Fronteira (Distrito de Portalegre) o cidadão Cândido Fernandes Plácido de Oliveira

15/6/1905: Orfão de pai é admitido na Casa Pia de Lisboa com o número 3466. Na Casa Pia, tirou os cursos Comercial e de Telegrafia, que lhe facilitaram o ingresso nos Correios e Telégrafos, onde atingiu posição de relevo.

Cândido... o futebolista

1912  a 1914: Iniciou a carreira de futebolista amador na Associação Escolar da Casa Pia.
Foi selecionado pela Associação de Futebol de Lisboa (para a equipa escolar, na qual exerceu o posto de capitão)

1914 a 1920: Representou o Sport Lisboa e Benfica (foi campeão de Lisboa)

1920 a 1924: Jogou pelo Casa Pia Atlético Clube, que ajudou a fundar (tendo sido campeão de Lisboa)

18/1/1921: Integrou, e foi capitão, a primeira seleção nacional, num jogo efetuado em Madrid com a Espanha, que terminou com uma derrota por 1-3

Cândido... o treinador

1936/1937: Treinou o Belenenses

1946 a 1949: Treinou o Sporting dos "Cinco Violinos", tendo sido campeão nacional em 47/48 e 48/49. Venceu ainda duas Taças de Portugal, em 45/46 e 47/48

1950: Treinou o Clube de Regatas Flamengo (do Rio de Janeiro)

1952 a 1954: Treinou o FC Porto

1955 a 1958: Treinou a Académica de Coimbra

Nota: Fez 199 jogos no Campeonato Nacional da 1ª Divisão (121 vitórias, 20 empates, e 58 derrotas). Na Taça de Portugal fez 27 jogos (16 vitórias, 3 empates, 8 derrotas)

Cândido... o selecionador

26/12/1926: Estreou-se como selecionador nacional, no Porto, ante a Hungria, tendo empatado a três golos

1926 a 1929: Primeiro período da sua atividade como selecionador nacional (13 jogos, 4 vitórias, 4 empates e 5 derrotas). Neste grupo de encontros merece destaque a participação de Portugal nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, em 1928.

1935 a 1945: Segundo período de atividade como selecionador de Portugal (15 jogos, 4 vitórias, 4 empates, e 7 derrotas).

1952: Terceiro período ao serviço da seleção nacional (3 jogos, 1 empate e 2 derrotas)

Cândido... o jornalista

14/1/1920: Principia a carreira de jornalista na revista O Football

1921: Ingressa nos quadros do Diário de Notícias

1924: Ingressa em Os Sports

1926: Passa a ser jornalista de O Século

1942: Assume a direção da revista Stadium

1945: Funda juntamente com Ribeiro dos Reis e Vicente de Melo o jornal A BOLA

Cândido... o escritor

1925: Escreve A Primeira Greve Telégrafo-Postal

1929: Escreve Amadorismo e profissionalismo

1934: Escreve Alguns aspectos psicológicos dos casapianos

1935: Escreve Relatório do Seleccionador

1935: Escreve Football, técnica e táctica

1936: Escreve Ao serviço do futebol nacional

1936: Escreve Os jogos internacionais da época de 1935/36

1938: Escreve A formação dos jogadores de futebol (tese que apresenta no I Congresso Nacional de Futebol)

1945: Escreve Futebol, desporto e juventude

1947: Escreve Os segredos do futebol

1949: Escreve A evolução táctica do futebol - WM

1974: Escreve Tarrafal - Pântano da Morte (edição póstuma)

Cândido... o político

1/3/1942: Preso pela Polícia de Vigilância e da Defesa do Estado para averiguaçõesmo depósito de presos de Caxias

20/6/1942: Deportado para o campo de concentração do Tarrafal

1/1/1944: Regressa do Tarrafal, e é transportado ao Hospital Júlio de Matos

7/1/1944: Transferido para a Prisão de Caxias

13/1/1944: Transferido para o Aljube

2/2/1944: Transferido para Caxias

23/3/1944: Transferido para o Aljube

27/5/1944: Restítuido à liberdade condicional

25 de junho de 1958: Morre em Estocolmo.

Uma nota para dizer que o futebol lusitano lhe deve tanto do seu ser que na temporada de 1978/79 a Federação Portuguesa de Futebol decidiu criar uma competição com o seu nome: a Supertaça Cândido de Oliveira. Prova esta que é disputada todos os anos entre o vencedor do Campeonato Nacional e o vencedor da Taça de Portugal.

Vídeo: DOCUMENTÁRIO: CÂNDIDO DE OLIVEIRA, O MESTRE DO FUTEBOL

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