quarta-feira, setembro 29, 2010

Estrelas cintilantes (22)... Soares dos Reis

Substituir um ídolo é sempre uma tarefa deveras complicada para qualquer jogador que surge pela primeira vez debaixo das luzes da ribalta no seio de um clube. E ainda mais espinhosa se torna a missão se esse clube for um gigante dos rectângulos de jogo. Foi um pouco este o cenário vivido por Soares dos Reis, lendário guarda-redes do Futebol Clube do Porto da primeira metade do século XX. Nascido em Paredes a 11 de Março de 1911 Soares dos Reis teve a missão – para muitos impossível, naquela altura – de substituir na baliza dos “dragões” um mito chamado Mihaly Siska (de quem já aqui falámos há uns meses atrás), um húngaro considerado por muitos como o primeiro grande “keeper” do futebol lusitano. A missão não só seria superada como a nossa “estrela cintilante” de hoje haveria de se tornar igualmente numa lenda do clube da “Cidade Invicta”.
E assim o é graças às suas célebres e seguras exibições na baliza azul-e-branca durante os princípios da década de 30, altura em que foi um dos actores principais dos portistas nos triunfos dos primeiros capítulos do escalão maior do futebol português. Neste particular episódio destaca-se o título nacional referente à época de 1934/35, altura em que o Campeonato Nacional da 1ª Divisão teve a sua estreia. Soares dos Reis seria novamente campeão nacional em 38/39, sendo aqui de sublinhar que este título seria ganho sob o comando técnico de Mihaly Siska, o antecessor de Soares dos Reis, como já foi dito. Dono da baliza do FC Porto durante cinco temporadas Soares dos Reis figura ainda na história do clube por ter sido o seu primeiro guarda-redes internacional. Com as quinas ao peito actuou por quatro ocasiões, tendo a estreia não corrido lá muito bem, já que em Madrid, a 11 de Março de 1934 (dia em que completou 23 anos de idade), sofreria nove golos (!) de uma poderosa Espanha que a guardar a sua baliza tinha um mito – este de âmbito mundial – que dava pelo nome de Ricardo Zamora. A excentricidade era uma característica muito particular de Soares dos Reis, um homem que treinava a sua agilidade a... apanhar coelhos (!) e que tinha por mania – diziam alguns – bordar as suas iniciais nas camisolas como forma de dar – ainda mais – nas vistas dentro de campo.
Após abandonar o futebol continuou ligado ao clube do coração na qualidade de dirigente, e foi graças a si que dois nomes que mais tarde haveriam de se tornar mitos deste clube chegaram às Antas, nomeadamente Vírgilio e Hernâni.

terça-feira, setembro 28, 2010

Catedrais Históricas (9)... Stade des Colombes

Na sua relva foram escritos alguns dos factos mais relevantes da história do futebol global. As suas bancadas guardam saudosas memórias de épicos momentos que marcaram a primeira metade do século passado deste desporto. Por isto e por muito mais, certamente, este é um dos maiores museus ainda "vivos" – embora sem o fulgor de outros tempos – do futebol a nível planetário.
A nossa viagem de hoje remete-nos para Paris, a bela capital francesa, mais concretamente para o mítico Stade des Colombes. Erguido em 1907 transformou-se desde logo na sala de visitas do desporto francês. Importantes jogos de futebol e rugby, célebres provas de atletismo e ciclismo aqui ocorridas preencheram dezenas de páginas de ouro inseridas no Atlas do Desporto gaulês. A sua multiculturalidade desportiva, por assim dizer, seria levada ao extremo em 1924, ano em que Paris acolheu os Jogos Olímpicos, tendo os Colombes acolhido a maior parte das modalidades desse importante evento. Os seus 45.000 lugares (a sua capacidade na época) testemunharam nesse longínquo ano de 1924 um dos primeiros momentos de ouro do futebol: a estreia em solo europeu daquela que é considerada a primeira grande selecção nacional do Mundo, o Uruguai. Apresentando um futebol mágico, nunca visto até àquela data pelos europeus, os uruguaios aniquilaram todos os seus oponentes até à conquista do ouro olímpico (vitória na final ante a Suíça por 3-0) tornando-se desta forma... campeões do Mundo. Sim, campeões mundiais, isto porque numa altura em que o Campeonato do Mundo ainda não vira a luz do dia (algo que só iria acontecer em 1930) os campeões olímpicos do futebol eram reconhecidos como donos do Mundo.
E se os Colombes presenciaram o primeiro capítulo da história dourada da primeira grande potência futebolística do Mundo seriam ainda testemunhas do nascimento do primeiro grande jogador negro do belo jogo: José Leandro Andrade (de quem aqui já falámos na “vitrina” dedicada às lendas), o mago uruguaio que depois destes Jogos Olímpicos de 24 teve o Mundo a seus pés, tendo regressado ao seu país com a alcunha de Maravilha Negra.
Posteriormente as estas célebres Olímpiadas o estádio passaou a chamar-se Stade Olympique des Colombes. E seria já com este nome que outro momento de ouro do futebol foi aqui vivenciado: o Mundial de 1938. O na altura líder da FIFA e grande mentor do Campeonato do Mundo, Jules Rimet, cumpria assim o sonho pessoal de trazer o maior evento futebolístico do Mundo ao seu país, tendo os Colombes tido o privilégio de acolher três encontros desse certame, inclusive o da grande final disputada entre a Itália e a Hungria (ambos os conjuntos posam para a fotografia antes do início do grande e decisivo jogo, conforme pode ser visionado na imagem de baixo), o qual terminaria com o triunfo dos primeiros por 4-2.
Com o aparecimento do Parque dos Príncipes (em 1972) o Colombes foi perdendo fulgor com o passar dos anos. Os grandes jogos da selecção francesa e as finais da taça deste país foram transferidas para o novo e portador de maior capacidade estádio que anos mais tarde seria a casa do Paris Saint-Germain. Em termos futebolísticos o Colombes começaria a ser apenas usado para os jogos domésticos do Racing Club de Paris, clube este que com a construção do seu novo estádio irá em breve abondonar este sagrado espaço.
Com a perda de protagonismo internacional – e mesmo a nível interno – o Colombes sofreria novas mudanças num passado recente, a começar desde logo pelo próprio nome, uma vez que foi re-baptizado para Stade Olympique Yves-du-Manoir, sendo no entanto a maior mudança a redução da sua capacidade para uns modestos 7.000 lugares. Uma nota final para dizer que o filme “Fuga para a Vitória”, protagonizado por Sylvester Stallone e que contou com a participação de Pelé, Osvaldo Ardiles, ou Bobby Moore, teve o Colombes como cenário principal.

quinta-feira, setembro 23, 2010

Grandes Mestres da Táctica (4)... Guy Roux

Poucos são os artesões da bola que com o seu invulgar talento fizeram com que pequenos – e por vezes quase desconhecidos – clubes se transformassem em gigantes emblemas do panorama futebolístico plantetário. Num rápido exercício de memória nomes como o de Diego Maradona ou de Pelé fazem parte dessa minoritária lista de magos. O astro argentino fez do Nápoles um dos clubes mais temidos da Europa nos finais da década de 80 e princípios dos anos 90 do século passado quando até então os napolitanos não passavam apenas de um grupo de bons rapazes habituados a frequentar os patamares secundários do “calcio”. O génio brasileiro tirou o Santos do anonimato, catapultando-o de uma simples cidade situada na periferia de São Paulo para o topo do Mundo na década de 60.
O génio da lâmpada que hoje iremos visitar fez algo de muito semelhante a estes dois nomes que acabámos de frisar, pese embora o tenha feito na qualidade de mestre da táctica, o mesmo é dizer, enquanto treinador. Esse nome é Guy Roux, lendário treinador francês que fez do Auxerre um pequeno grande clube europeu.
Nascido em Colmar a 18 de Outubro de 1938 Roux foi enquanto futebolista um vulgar intérprete do belo jogo, tendo a sua carreira ao serviço do Auxerre, entre 1952 e 1961, passado quase despercebida aos olhos dos amantes mais atentos da modalidade.
E seria precisamente no ano em que pendurou as chuteiras que a sua boa estrela começou a fazer-se notar na constelação do futebol. 1961 é de facto um ano mágico para o modesto A.J. Auxerre, um clube de província habituado a percorrer os escalões secundários do futebol gaulês que ganhou vida com a entrada de Guy Roux para seu treinador principal. Mais do que levar este pequeno clube até à alta roda do futebol europeu através de uma série de títulos e consecutivas participações em provas europeias Roux fez do Auxerre uma das maiores escolas de formação de todo o Mundo. Uma escola que começou a ser edificada assim que este cidadão assumiu os comandos do clube enquanto responsável técnico. Sem dinheiro para grandes investimentos logo tratou de montar uma escola para captar e formar jogadores capazes de honrar e glorificar a até então modesta camisola do Auxerre. Com Roux ao leme o clube foi a pouco e pouco galgando divisões no futebol francês e paralelamente formando nomes que viriam a dar cartas tanto a nível interno como externo.
Em termos concretos, e começando pelo primeiro ponto, a primeira grande coroa de glória de Guy Roux deu-se na temporada de 1979/80, altura em que o Auxerre subiu pela primeira vez na sua história à 1ª Divisão Nacional. Um feito enorme atendendo ao facto de que quando este homem pegou no clube este estava nos escalões regionais! E maior relevância ganha quando esta foi uma promoção conseguida com a “prata da casa”, isto é com os jogadores saídos da escola de formação do clube que Roux criara aquando da sua entrada para o departamento técnico. No ano anterior a este notável feito o Auxerre este muito perto da glória depois de ter perdido a final da Taça de França para o então poderoso Nantes.
Chegado ao escalão maior do futebol francês o clube de Roux jamais deixou de fazer parte desta ilustre elite, o mesmo é dizer que não mais voltou para as divisões secundárias. Homem duro e disciplinador por natureza pode dizer-se que Roux foi o construtor do Auxerre.
O primeiro grande título surgiu em 1994 com a vitória na Taça de França. No entanto, o seu maior feito, em termos de conquistas, como é óbvio, foi conseguido dois anos mais tarde quando o Auxerre conquistou a dobradinha, isto é o campeonato e a taça de 1996. Parecia um conto de fadas, o outrora desconhecido Auxerre era agora um dos mais poderosos emblemas de França. A vitrina de troféus seria ainda enriquecida com mais duas taças de França (2003 e 2005) e uma Taça Intertoto (1993).
Para chegar ao êxito Guy Roux usou sempre a “prata da casa”, como já foi aqui dito, gabando-se sempre de nunca investir grandes somas monetárias na aquisição de jogadores ao longo das épocas. Nas suas mãos foram moldados nomes – mais tarde – consagrados como os de Eric Cantona, Laurent Blanc, Basile Boli, Alain Goma, Corentin Martins, Djibril Cissé, ou Philippe Méxes.
Guy Roux foi o patrão, o símbolo se preferirem, do Auxerre durante 44 anos (1961- 2005) consecutivos! Um recorde de permanência de um homem à frente dos destinos de uma equipa. Posto isto teve uma curta experiência como treinador do Lens em 2007 antes de se reformar de vez das lides futebolísitcas. Hoje é um consagrado crítico de futebol em diversos meios de comunicação social francesa. Ao contrário de outros mestres da táctica Roux pode não ter contribuido para a evolução técnico-táctica do jogo mas foi um dos maiores mestres no que concerne à formação de novos atletas.

terça-feira, setembro 14, 2010

Grandes Mestres do Jornalismo Desportivo (7)... Tavares da Silva

O seu nome figura com distinção entre a elite dos jornalistas desportivos de Portugal. Nome que deu uma forte contribuição para o nascimento da época dourada do jornalismo desportivo luso na qual se encontram milhares das mais belas prosas futebolísticas guardadas a letras de ouro nos arquivos de inúmeras publicações do nosso país. Foi além de tudo um multifacetado do “Desporto Rei”, sendo de sublinhar o seu contributo a este como treinador, dirigente, e até mesmo árbitro. Não parecem existir dúvidas que o futebol deve muito a Tavares da Silva, a lenda das letras que hoje visitamos.
Nasceu em Estarreja bem no início do século passado, mais precisamente em 1903, tendo na hora de escolher um futuro profissional optado pelo Direito. Advogado de créditos firmados seria então, mas... dentro de si algo mais forte se pronunciava em detrimento do Direito: o futebol. Uma paixão avassaladora a quem deu sempre o que tinha e o que não tinha de si, foi jogador, treinador, árbitro, dirigente, mas seria como “artista das letras” que enalteceria o desporto que tanto amava. Nos idos anos 40 foi um dos fundadores do primeiro jornal “A Bola”, desaparecido posteriormente e “re-fundado” - entre outros – pelo mestre Cândido de Oliveira. Ligação ao jornalismo que havia iniciado na década de 30, altura em que as suas deliciosas metáforas para “pintar os mais belos cenários futebolísticos” começaram a ser impressos em diversos jornais nacionais. Os seus inigualáveis escritos estão guardados em publicações como a (revista) “Stadium”, o “Diário de Lisboa” (ambos já desaparecidos), ou o “Norte Desportivo”, para além da mítica “A Bola”, claro está.

Criador dos “Cinco Violinos”

Um dos maiores legados de Tavares da Silva ao futebol terá sido possivelmente a designação que “rotulou” uma das linhas avançadas mais famosas de todos os tempos do futebol planetário. Uma linha que actuava no Sporting Clube de Portugal e que era composta pelos magos Peyroteo, Travassos, Jesus Correia, Albano, e Vasques, e que ficou mundialmente conhecida como os “Cinco Violinos”. O autor desta designação? Tavares da Silva.
Mas não seria só desta forma que este homem do futebol ficaria ligado eternamente ao clube lisboeta, pois na temporada de 1953/54 ele seria o treinador que conduziria os “leões” à célebre conquista do “treta-campeonato” (quatro campeonatos nacionais consecutivos). Ainda como técnico passou pelos bancos do Belenenses, Sporting da Covilhã, Lusitano de Évora, Académica, e da própria Selecção Nacional, na qual o seu nome ficou igualmente gravado a letras de ouro já que seria sob a sua batuta que Portugal venceria pela primeira vez na história (corria o ano de 1947) a vizinha e rival Espanha. Seria ainda o obreiro do triunfo inaugural da nossa selecção no estrangeiro, mais concretamente na Irlanda.
Com a máquina de escrever à sua frente foi ainda autor, juntamente com outros dois vultos do jornalismo desportivo, nomeadamente Ricardo Ornelas e Ribeiro dos Reis, da História dos Desportos em Portugal, uma obra importante sobre esta temática. Morreu em 1958 numa altura em que era redactor principal do “Norte Desportivo” e chefe da secção de desporto do “Diário de Notícias”.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Estrelas cintilantes (21)... Varallo

A sua morte eclipsou a última estrela que restava no céu que paira sobre os encantadores e saudosos caminhos do primeiro Campeonato do Mundo de futebol. A sua existência estava para o “Desporto Rei” como a Mona Lisa guardada a “sete chaves” no Louvre parisiense para a humanidade. O seu adeus ao mundo dos vivos significou o desaparecimento da única recordação viva do mágico Mundial de 1930. Francisco Varallo, “El Cañoncito” do futebol argentino deixou-nos no passado dia 30 de Agosto com a mágica idade de 100 anos e é sobre ele que o MVF abre hoje prepositadamente as suas portas.
Nascido em La Plata (província de Buenos Aires) a 5 de Fevereiro de 1910 “Pancho” Varallo cedo começou a evidenciar os seus dotes futebolísticos nas “canchas” imaginárias das artérias do país da pampas. Aos 14 anos era já uma das estrelas do clube da sua terra, o 12 de Octubre, onde seria rotulado de “El Cañoncito” (o pequeno canhão) devido ao seu forte e habilidoso poder de remate. Com 18 anos foi chamado pelo “gigante” Estudiantes para um treino experimental, um treino que acabaria por prolongar-se por três jogos particulares efectuados com a camisola do clube de La Plata nos quais “Pancho” apontaria 11 golos! Posicionando-se no rectângulo mágico como avançado seria no entanto no rival do Estudiantes, o Gimnasia y Esgrima, que Varallo faria em 1929 a sua estreia oficial numa principal equipa sénior. E a estreia de “El Cañoncito” no futebol sénior não poderia ter corrido melhor, pois nesse mesmo ano o Gimnasia sagrava-se campeão argentino depois de derrotar o Boca Juniors na final. E seria curiosamente no mítico clube de “La Bombonera” que “Pancho” Varallo actuaria nas seguintes nove temporadas, o mesmo será dizer também até ao final da sua carreira. Com a camisola do Boca venceria mais três campeonatos argentinos (1931, 1934, e 1935), tendo-se tornado até há muito pouco tempo no maior goleador de sempre do clube de Buenos Aires com 180 golos em 210 encontros realizados, um célebre recorde só batido por Martín Palermo em 2008.
A transferência do Gimnasia para o Boca ficou a dever-se em grande parte às magníficas exibições de Varallo com as cores da selecção da Argentina durante o Mundial de 30, o primeiro da FIFA, e realizado como se sabe no Uruguai. “Pancho” era o elemento mais novo de uma equipa que viria a sagrar-se vice-campeã do Mundo depois de cair aos pés da fabulosa selecção do Uruguai (por 4-2) numa épica final ocorrido no “sagrado” Estádio Centenário, em Montevideu.
Um desfecho que poderia muito bem ter sido outro não fosse uma bola enviada à baliza uruguaia ter embatido na trave da mesma quando o resultado era de 2-1 a favor dos argentinos. O autor desse azarado remate? Francisco Varallo, o elemento mais novo em campo da primeira final de um Campeonato do Mundo da FIFA. Neste primeiro grande certame futebolístico de âmbito Mundial Varallo apontou um golo (ante o México na 1ª fase).
“Pancho” retirou-se dos campos com apenas 29 anos, na sequência de uma grave lesão no joelho. Estavámos no ano de 1939, dois anos depois de “Pancho” ter vencido a sua única competição com a camisola da Argentina (a qual representou em 16 ocasiões) vestida: a Copa América.
Seguidamente o MVF apresenta um precioso texto encontrado – e esquecido – nas “profundezas do báu das histórias de encantar da bola”, da autoria do jornalista Jorg Wolfrum, publicado há pouco mais de quatro anos na revista Kicker, texto esse traduzido posteriormente para a revista Trivela (Brasil) e que retrata uma entrevista feita ao único homem – na altura – vivo que jogou o primeiro Campeonato do Mundo. Aqui fica transcrita na integra esta “pérola literária da bola”...

Este senhor jogou a final de 30

Aos 95 anos, o ex-atacante argentino Francisco Varallo é o último sobrevivente da final do primeiro Mundial. O “Pequeno Canhão” recorda à revista Copa’06 (nota: posteriormente viria a chamar-se Trivela) como foi aquela partida em Montevidéu vencida por 4 a 2 pelos uruguaios

por Jorg Wolfrum

“Palo borracho” floresce com beleza na praça Brandsen, em La Plata. Tudo é muito bonito, em branco e rosa, mas a memória da bola salva por (José Leandro) Andrade em cima da linha, na final da Copa de 30, permanece viva.

Já dá para enxergar, em uma das esquinas onde cruzam as ruas 60 e 25, a Lotérica Francisco “Pancho” Varallo, localizada ali há mais de 30 anos. Em Outubro, um apostador ganhou ali um milhão de pesos (pouco menos do que o mesmo valor em reais). A casa dos fundos foi construída por Don Pancho em 1932 com os 8 mil pesos de seu primeiro salário recebido como jogador do Boca Juniors. “Uma quantia astronômica”, recorda-se o último sobrevivente da final da primeira Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai. Antes disso, ele recebia 20 pesos por semana, para jogar pelo Gimnasia y Esgrima de La Plata.

Os tempos eram outros. No “superclássico” de 1933, contra o River Plate, por exemplo, um policial queria prender Varallo porque um adversário segurou seu braço numa disputa de bola. E ele o quebrou. “Imagine só a situação”: um baixinho de 1,65 m de altura, com chuteiras tamanho 37, no meio dos grandalhões raivosos do River. Enquanto se lembra, suas rugas profundas formam um sorriso de orelha a orelha e fazem parecer menor seu grande nariz e quebram a rigidez de seu rosto.

Os tempos eram outros. Mas se aquela maldita bola tivesse entrado quando ele defendia a seleção Argentina... Num instante desaparece seu sorriso. Nesse momento, as rugas ficam ainda mais profundas em sua testa e Francisco Varallo parece irritado consigo mesmo. Mesmo com os 181 gols que marcou em 210 jogos como atacante do Boca. Uma média de 0,86 gol por partida, até hoje um recorde -e um pouco melhor até que a média de Gerd Müller na Bundesliga (365 gols em 427 partidas). Mas aquela maldita bola não queria entrar. “Nós teríamos sido campeões do mundo”.

Foi em 30 de julho de 1930, no Estádio Centenário de Montevidéu, então o maior da América Latina. Contra o Uruguai, então o melhor time do mundo. Varallo bate a mão na mesa. Não que essa lembrança o deixe irritado o tempo todo. Para isso, o homem chamado de “Pequeno Canhão” já havia vivido o bastante.

Em 1929, tornou-se campeão com o Gimnasia y Esgrima, ainda na era do amadorismo. Como profissional, conquistou três títulos com o Boca. E, com a seleção argentina, o Campeonato Sul-Americano de 1937. Ele construiu a casa onde vive até hoje e também uma para seus pais. Mas a lembrança desse momento contra o Uruguai insiste em não desaparecer de sua memória.

Depois do 1 a 0 de Dorados, Peucelle e Stabile, os artilheiros do primeiro Mundial, colocaram os visitantes na frente antes do intervalo. “Éramos claramente superiores no primeiro tempo e tínhamos de marcar pelo menos uns quatro ou cinco gols antes do intervalo”, recorda-se Varallo, que com dez minutos do segundo tempo chutou uma bola na trave. “Você tem de acreditar em mim”, ele insiste. E ele é o último dos jogadores que esteve em campo naquela partida. Nem mesmo ele consegue acreditar.

Para fugir dessa lembrança, ele muda o assunto para a comemoração do centenário de seu Boca Juniors, quando foi ovacionado. Mais aplausos do que Varallo só Diego Maradona recebeu. “De repente vieram crianças pedir para tirar uma foto comigo e que eu lhes desse autógrafos. Sabe o que eu respondi a eles?”

O que, Don Pancho?
Que eles haviam me dado o melhor presente da minha vida. “Mas vocês nunca me viram jogar”. E eles me responderam: “Por causa do senhor, Don Pancho, meu avô virou torcedor do Boca Juniors. E por isso, eu também sou”. Então contei um pouco aos garotos a respeito dessa final.

Também da sua chance desperdiçada?
Claro, mas ainda pior. Pois o Fernandez baixou o sarrafo em mim e voltei a sentir uma contusão no joelho que já me havia tirado da semifinal. Mas, naquela altura, o jogo já era uma guerra.

E havia mesmo ameaças de morte?
Levamos isso muito a sério. Cinco, seis de nós estavam se borrando de medo e nem queriam entrar em campo. Mas fui ao treinador e falei que já estava recuperado e pronto para jogar.

E não era verdade?
Era uma mentirinha, mas eu precisava fazê-lo. Mesmo eu sendo castigado no segundo tempo. Mas eu estava lá! Um moleque de 20 anos, que conseguiu realizar sua vontade.

Qual era o clima no estádio?
Inacreditável. Na época, todos os estádios eram menores. Só construíram aquele monstro (o Centenário) para a Copa do Mundo no Uruguai. Nunca havíamos visto nada igual. Era uma loucura aquele ambiente.

Você pode se explicar melhor?
Era bárbaro, uma insanidade. Meu pai mesmo precisou comprar uma bandeira uruguaia, senão teria sido morto. Na época, em Buenos Aires, existiam rumores de que o vencedor já estava certo antes do jogo. Tudo bobagem. No final das contas, ganharam da gente só porque tiveram mais culhões. Com força, brutalidade e também com astúcia. Com isso, eles conseguiram nos intimidar. E isso me deixa até hoje com raiva. Foi uma vergonha.

Por que isso aconteceu?
Eles eram mais experientes e nós, apenas uns moleques. E mesmo assim não poderíamos ter deixado isso acontecer. Quando Monti e Suarez se machucaram, aí já era. A bola pesava uma tonelada e não podíamos substituí-los. Com oito jogadores, não tínhamos chance e por isso eles marcaram três vezes e fizeram 4 a 2.

Mas a vitória foi merecida?
Claro, eles não eram bandidos, vilões. Poderiam ter ganho por até 8 a 2. Mas tínhamos prometido a vitória para Gardel.

Carlos Gardel, o rei do tango?
Ele foi à nossa concentração. Ficamos tão emocionados que até choramos. Mas depois de cantarmos um tango juntos. Então Gardel falou: “Muchachos, deixem a canção comigo. Vocês, tratem de se concentrar na final”.

A medalha do vice-campeonato lhe foi roubada anos atrás. O que resta é o tango em sua homenagem: “Varallo, Varallito, querido Varallo”. Mas o homenageado ainda espera por um bisneto. “Alguém na família tem de jogar futebol”, diz. “Mas só tivemos meninas”.

Em Fevereiro, ele foi homenageado mais uma vez, agora pela Conmebol, no Paraguai. Mas ele preferia ter ficado em La Plata e tomar uma taça de vinho, como fazia 65 anos atrás, na Copa do Mundo. “Não que a gente estivesse lá apenas para se divertir”, explica. Afinal, o melhor futebol foi jogado nas margens do rio da Prata. “Não podíamos nos acabar na farra”. E o boato de que Lucien Laurent, autor do primeiro gol da história das Copas do Mundo, teria comemorado seu feito num bordel? “Pura lenda”.

O presidente da AFA, Julio Grondona, convidou Varallo para ir à Alemanha acompanhar a Copa do Mundo. E ele quer muito ir com sua filha Maria Teresa, que toma conta da lotérica –isso quando sua artrose permite. “Não há nada mais lindo do que o futebol”. E chutes no travessão fazem
parte, infelizmente.

Legenda das fotografias:
1- Francisco Varallo com a camisola do seu Boca
2- Exibindo classe com as cores do clube de La Bombonera
3- Jogando pela Argentina diante do México no Mundial de 1930

Vídeo: PANCHO VARALLO RELEMBRA, EM ENTREVISTA, AS MEMÓRIAS DO PRIMEIRO CAMPEONATO DO MUNDO

quinta-feira, setembro 09, 2010

Grandes lendas do futebol mundial (8)... Combi - O muro intransponível da Squadra Azzura

Pronunciar o seu nome remete-nos para a magia da era do futebol romântico da primeira metade do século passado. Recorda-lo é também sinónimo de veneração a um dos maiores futebolistas da história centenária do jogo da bola. Senhoras e senhores visitantes a lenda em destaque hoje no MVF é Giampiero Combi, o primeiro grande astro das balizas do futebol italiano.
Nascido em Turim a 20 de Novembro de 1902 Combi desenvolveu toda a sua carreira ao serviça da Juventus, clube por onde percorreu todos os escalões de formação até chegar à formação sénior em 1922. Aí chegado nunca mais largou a baliza da “Velha Senhora” até à data da sua retirada, tendo-se tornado num dos futebolistas de referência do gigante emblema italiano. Durante as 12 temporadas em que defendeu com brilho as cores da Juve venceu 5 “scudettos”, sendo que o primeiro deles surgiu na época de 1925/26. Os restantes quatro títulos nacionais seriam alcançados na sequência de um “poker” efectuado pela Juve entre 1930 e 1934.
Apesar de não ser um guarda-redes muito alto – media 1,71m – Combi primava por uma robustez física impressionante que aliada à sua garra e determinação em jogar futebol, por vezes nas condições mais adversas, fizeram dele um dos atletas mais venerados pelos “tiffosi” daquela altura. Recorde-se neste aspecto uma partida contra o Modena onde actuou com três costelas partidas e um outro encontro ante a Cremonese onde jogou com várias vértebras danificadas.
Possuindo na época um dos conjuntos mais fortes do Calcio não era de estranhar que a Juventus fosse um dos principais fornecedores de jogadores às selecções italianas dos anos 30. Uma década de extrema glória para os “azzurri” que como se sabe arrecadariam dois títulos mundias (1934 e 1938). E no primeiro deles Combi assumiu-se como um dos actores principais da épica conquista italiana. A jogar em casa a “squadra azzurra” do lendário treinador Pozzo foi capitaniada e comanda desde a baliza, o mesmo é dizer por Giampiero Combi que nos céus de Roma teve a honra de erguer a primeira Taça do Mundo arrecadada pela Itália. Nesse Mundial foi titular indiscutível de uma equipa que tinha astros como Meazza, Monti, Orsi, ou Schiavio e que começou a sua cavalgada triunfal por uma goleada sobre os Estados Unidos da América por 7-1. Seguiu-se a épica partida ante outra potência mundial daquela época, a Espanha, selecção que tinha na baliza a sua principal estrela, Ricardo Zamora. Dizer a propósito deste facto que Combi viveu numa era onde abundavam grandes magos da baliza, sendo que para além dele e de Don Zamora há ainda que sublinhar o nome do “monstro” checoslovaco Planicka. Voltando ao Mundial de 34 e ao célebre e polémico Itália – Espanha dos quartos-de final para recordar que Combi foi um dos grandes heróis desse duelo ocorrido em Florença, que seria decidido após um segundo e decisivo jogo. Isto porque no primeiro confronto o resultado cifraria-se num renhido 1-1, renhido e injusto para os espanhóis, pois segundo rezam as crónicas da altura a Espanha foi “assaltada” pelo árbitro do encontro que tudo fez para que a aventura da equipa italiana não terminasse naquela tarde. No segundo encontro a Espanha orfã dos seus principais futebolistas, vítimas das duras entradas italianas no primeiro jogo, vendeu cara a derrota por 0-1, muito valendo novamente a magnífica exibição de Combi.
Nas meias-finais a Itália teve novamente que sofrer a bom sofrer para levar de vencida a “equipa-maravilha” da Áustria liderada pelo astro Sindelar. 1-0 em Milão foi suficiente para os pupilos de Pozzo garantirem o bilhete para Roma onde iriam jogar a grande final desse Mundial tendo Combi mais uma vez dado uma forte contribuição para que esta passagem fosse uma realidade já que efectuou um par de defesas miraculosas já bem perto do final do jogo.
E como não há duas sem três a Itália teve novamente de puxar dos seus galões para vencer a poderosa Checoslováquia por 2-1 na final e desta forma inscrever pela primeira vez o seu nome na restrista galeria dos vencedores do Mundial de futebol e Combi o primeiro transalpino a ter o privilégio de pegar na Taça Jules Rimet.
Pela “squadra azzurra” actuou por 47 ocasiões, tendo-se estreado em 1924 num jogo ante a Hungria, em Budapeste. Para além do título Mundial conquistaria ainda pela equipa nacional a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1928 (Amesterdão).
Abandonou a carreira de futebolista aos 32 anos com um total de 367 jogos no currículo disputados com as cores da sua Juventus. Penduradas as chuteiras Combi continuou ao serviço da Juve por vários anos quer como olheiro quer como colaborador técnico. Morreu em 1956 devido a um enfarte, numa altura em que colaborava com o recém eleito presidente da Juve Umberto Agnelii que procurava recolocar a “Velha Senhora” no caminho do sucesso depois de uma fase menos boa do nobre emblema transalpino.

Legenda das fotografias:
1- Giampiero Combi vestido com as cores da Squadra Azzurra
2- Duas lendas das balizas na final do Mundial de 1934: Combi e Planicka

sexta-feira, setembro 03, 2010

Morreu um mago da bola...

É com profunda tristeza que o MVF abre hoje as suas portas para evocar a morte de um dos maiores jogadores de todos os tempos: José Torres. O “Bom Gigante” como era popularmente conhecido por esse Mundo fora devido à sua elevada estatura física faleceu hoje de madrugada num hospital de Lisboa. Foi o final de uma longa batalha travada contra o Alzheimer, doença que afectava Torres há já longos anos e que o haveria de vitimar agora aos 71 anos de idade. É um dos maiores Deuses do futebol português e internacional, tendo vivido o seu melhor período na década de 60 quer ao serviço do Benfica quer da Selecção Nacional portuguesa. Pelos primeiros conquistou – entre outros títulos mais – 9 campeonatos nacionais e marcou presença em três finais da Taça dos Campeões Europeus, ao passo que com as quinas ao peito tornou-se num dos principais obreiros da página mais bela da equipa nacional, por outras palavras a conquista do 3º lugar no Mundial de Inglaterra. Para além destas duas camisolas Torres vestiu ainda as do Torres Novas (clube da sua terra natal), do Vitória de Setúbal e do Estoril. Penduradas as botas seguiu a carreira de treinador, função na qual também brilharia a grande altura, com o ponto alto a ser atingido com a qualificação da Selecção de Portugal para o Mundial do México de 1986. O MVF endereça à família e amigos deste mago da bola as suas mais sinceras condolências.

Efemérides do Futebol (6)...

34 jogos sem perder... e 25 sem ganhar!

O Preston North End (Inglaterra) estabeleceu o primeiro recorde mundial de vitórias consecutivas numa prova oficial ao permanecer invicto durante 23 jogos consecutivos na Liga Inglesa. Três anos mais tarde esta mesma equipa mateve-se invicta durante 15 encontros seguidos, sendo que em 1896 foi supreado pelo campeão argentino, o Lomas Athletic Club, que esteve sem conhecer a derrota durante 29 jogos consecutivos. O recorde dos argentinos foi superado em 1899 pelo Glasgow Rangers (Escócia) que obteve a façanha de permanecer invicto durante 34 partidas consecutivas no escalão maior escocês. Por outro lado o recorde negativo do século XIX é pertença dos também escoceses do Dumbarton que em 25 encontros seguidos contabilizaram outras tantas derrotas, corria a temporada de 1891/92.